terça-feira, 9 de dezembro de 2025

 

A poetisa de Divinópolis (MG)

Padre João Medeiros Filho

No dia 13 de dezembro deste ano, Adélia Prado fará 90 anos. Sou admirador de sua obra literária. Sua fé e poesia me cativam, suscitam um misto de transcendência, interioridade e reflexão. Sua poesia é telúrica, vestida de divino. A natureza em comunhão com o Transcendente. Versos com marcas do tempo e de religiosidade. Adélia tem duas virtudes fundamentais: o carisma poético e a simplicidade. A singeleza da escrita convida a permanecer na leitura aconchegante. Seus textos parecem com nossa história: inquietude, dúvidas, busca, encontro... São dádivas sagradas. Em linguagem coloquial descreve, de forma acessível, simultaneamente densa e reflexiva, situações corriqueiras. Por vezes, em seus poemas mimetiza falares de pessoas de seu mundo, trazendo oralidade aos textos com ternura e leve ironia. Revela o inaudito que se encontra para além da aparência e da rotina. É o que se verifica no poema intitulado “Epifania”. Os escritos adelianos falam de fragilidade humana, dúvidas, imperfeições e teimosias que nos fazem enveredar por caminhos, que poderão levar ao sofrimento e à dor

A poetisa demonstra despojamento ascético e entrega ao Criador. Nessa direção caminha a espiritualizante obra “Miserere”. Nela nada pode haver de mais místico do que a Comunhão, na qual Adélia une o seu cotidiano ao mistério divino, momento em que aflora a poesia. Críticos literários afirmam que Miserere” é uma oração e há momentos em que o poético se aproxima do teológico e sagrado, lembrando a palavra revelada na Sagrada Escritura. Assim expressa: “Nos minutos de prazer e alegria do encontro com o Transcendente, fazer silêncio ainda é ruído.” É na vivência diária que a metafísica fulgura e na transitoriedade do tempo que o Eterno se desvela, como se percebe no esplêndido poema “Qualquer coisa que brilhe.”

Há alguns anos, li um texto da poetisa mineira falando sobre a tristeza. Esta, conforme alguns hermeneutas, é bíblica, desvenda o desconforto da vida e o sentir-se aparentemente esquecido por Deus. Segundo Jorge de Lima, “é a saudade do Céu nos rondando.” Faz lembrar a prece do salmista: A minha alma derramou lágrimas de tristeza; levanta-me segundo a Tua palavra” (Sl 119/118,28). Desde então, passei a meditar sobre o que disse Adélia: “É preciso aprender a conviver com a tristeza, ela faz parte da existência humana, do mesmo modo que a alegria.Foi isto o que escreveu a respeito de si mesma, sobre uma depressão vivida durante dois anos. No decorrer desse período, perguntava se “Deus lhe havia subtraído o poema.” Profundas as palavras da poetisa, que verseja, mesmo quando não tem a intenção de compor versos.

A tristeza causa grande temor. É medicada como se fosse uma doença execrável. Quando ela vem, assim como a dor de cabeça ou de ouvido, avisa que alguma coisa, grande ou pequena, não está bem dentro de nós. Por que a gente não escuta mais a nossa tristeza? Qual a razão de calar essa visita inesperada e insistente, antes que ela diga a que veio? Às vezes, um sincero e honesto diálogo com ela pode levar adiante. O que é a vida, senão um contínuo dobrar de esquinas, uma caminhada surpreendente na qual mudam paisagens, sonhos e companhias? Encontrar a tristeza num beco da existência e dar algumas voltas de mãos dadas com ela pode ser difícil, mas capaz de renovar e revigorar. A vate divinopolitana viveu sem a companhia dos poemas, mas fez as pazes com a alegria e voltou a escrever para o nosso deleite. Vinícius de Moraes cantou em “Samba da Bênção”: “É melhor ser alegre que ser triste...” Entretanto, é preciso passar pela tristeza para avaliar melhor o contentamento.

Adélia Prado sabe fruir poeticamente de tudo que vive, das experiências mais complexas aos momentos mais ínfimos e singelos. Transforma em literatura memórias da infância, paisagens geográficas e afetivas que viu e vivenciou. Sua obra tão variada e rica oferece inúmeras leituras espirituais e contemplativas, vertentes e recortes de interpretação. Necessita-se ler sua obra com os olhos da alma e do coração. “É um tesouro de onde tiramos coisas novas e velhas” (Mt 13, 52).

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