A poetisa de Divinópolis (MG)
Padre João Medeiros Filho
No dia 13 de
dezembro deste ano, Adélia Prado fará 90 anos. Sou admirador de sua obra
literária. Sua fé e poesia me cativam, suscitam um misto de transcendência, interioridade
e reflexão. Sua poesia é telúrica, vestida de divino. A natureza em comunhão
com o Transcendente. Versos com marcas do tempo e de religiosidade. Adélia tem
duas virtudes fundamentais: o carisma poético e a simplicidade. A singeleza da
escrita convida a permanecer na leitura aconchegante. Seus textos parecem com
nossa história: inquietude, dúvidas, busca, encontro... São dádivas sagradas. Em linguagem coloquial descreve, de forma acessível, simultaneamente
densa e reflexiva, situações corriqueiras. Por vezes, em seus poemas mimetiza
falares de pessoas de seu mundo, trazendo oralidade aos textos com ternura e
leve ironia. Revela o inaudito que se encontra para além da aparência e da rotina.
É o que se verifica no poema intitulado “Epifania”. Os escritos adelianos falam
de fragilidade humana, dúvidas, imperfeições e teimosias que nos fazem enveredar por caminhos, que poderão levar ao
sofrimento e à dor.
A poetisa demonstra despojamento ascético e entrega ao Criador. Nessa
direção caminha a espiritualizante obra “Miserere”. Nela nada pode haver de
mais místico do que a Comunhão, na qual Adélia une o seu cotidiano ao mistério divino,
momento em que aflora a poesia. Críticos literários afirmam que “Miserere” é uma oração e há momentos em que o
poético se aproxima do teológico e sagrado, lembrando a palavra revelada na
Sagrada Escritura. Assim expressa: “Nos minutos de prazer e alegria do encontro com o Transcendente, fazer silêncio ainda é
ruído.” É na vivência diária que a metafísica fulgura e na transitoriedade do
tempo que o Eterno se desvela, como se percebe no
esplêndido poema “Qualquer coisa que brilhe.”
Há alguns anos, li um texto da
poetisa mineira falando sobre a tristeza. Esta, conforme alguns hermeneutas, é bíblica, desvenda o desconforto da vida e o sentir-se
aparentemente esquecido por Deus. Segundo Jorge de Lima, “é a saudade do Céu
nos rondando.” Faz lembrar a prece do salmista: “A minha alma derramou lágrimas de
tristeza; levanta-me segundo a Tua palavra” (Sl 119/118,28). Desde
então, passei a meditar sobre o que disse Adélia: “É preciso aprender a conviver com a tristeza, ela faz parte da existência
humana, do mesmo modo que a alegria.” Foi
isto o que escreveu a respeito
de si mesma, sobre uma depressão vivida durante dois anos. No decorrer desse
período, perguntava se “Deus lhe havia subtraído o poema.” Profundas as
palavras da poetisa, que verseja, mesmo quando não tem a intenção de compor versos.
A tristeza
causa grande temor. É medicada como se fosse uma doença execrável. Quando ela vem,
assim como a dor de cabeça ou de ouvido, avisa que alguma coisa, grande ou
pequena, não está bem dentro de nós. Por que a gente não escuta mais a nossa
tristeza? Qual a razão de calar essa visita inesperada e insistente, antes que
ela diga a que veio? Às vezes, um sincero e honesto diálogo com ela pode levar
adiante. O que é a vida, senão um contínuo dobrar de esquinas, uma caminhada
surpreendente na qual mudam paisagens, sonhos e companhias? Encontrar a
tristeza num beco da existência e dar algumas voltas de mãos dadas com ela pode
ser difícil, mas capaz de renovar e revigorar. A vate divinopolitana viveu sem
a companhia dos poemas, mas fez as pazes com a alegria e voltou a escrever para
o nosso deleite. Vinícius de Moraes cantou em “Samba da Bênção”: “É melhor ser
alegre que ser triste...” Entretanto,
é preciso passar pela tristeza para avaliar melhor o contentamento.
Adélia Prado sabe fruir poeticamente de tudo que vive, das experiências
mais complexas aos momentos mais ínfimos e singelos. Transforma em literatura memórias
da infância, paisagens geográficas e afetivas que viu e vivenciou. Sua obra tão
variada e rica oferece inúmeras leituras espirituais e contemplativas,
vertentes e recortes de interpretação. Necessita-se ler sua obra com os olhos
da alma e do coração. “É um tesouro de onde tiramos coisas
novas e velhas” (Mt 13, 52).
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