O desperdício
de alimentos
Padre João
Medeiros Filho
Segundo pesquisas, o Brasil está entre as nações que mais
desperdiçam alimentos, não obstante a fome de muitos. Narrativas apresentam
estatísticas variáveis. Os números citados variam ao sabor do momento e dos
auditórios. O problema não vem recebendo a devida atenção das autoridades. Consoante
empresas de limpeza urbana, boa parte dos gêneros alimentícios – especialmente
hortaliças, frutas e restos de comida – vai parar nas lixeiras. O estrago de
víveres é vergonhoso diante da miséria e desnutrição de tantos, além de causar
prejuízos à economia, ao meio ambiente e à vida humana. Indubitavelmente, o que
é descartado daria para saciar uma boa quantidade de famintos. Não se pode
esquecer a advertência de Cristo, no relato do Juízo Final: “Tive fome e não me
destes de comer” (Mt 25, 35).
Há vários dados apresentados por estudiosos do tema. Mas,
para constatar tal realidade basta atentar para os hábitos pessoais e
familiares. Observe-se o lixo dos lares, restaurantes, quartéis, hotéis,
hospitais e instituições com refeições coletivas. Uma das razões dessa ingente
perda está no descaso ou despreparo nas diferentes fases da produção e manuseio
dos gêneros. Isto acontece do plantio à colheita; do transporte à conservação
dos produtos, passando pelos centros de venda (atacado e varejo) até chegar
aos consumidores.
Apesar de tal preocupação não figurar entre as
prioridades dos poderes públicos, existem iniciativas louváveis para evitar o
desperdício, aproveitando alimentos em boas condições de consumo. Nunca
presenciei algum candidato abordar este problema nas campanhas políticas. Muito
necessita ser feito para superar o esbanjamento de comida. É preciso criar um
estilo de vida e uma cultura do consumo consciente. Isso faz parte de uma
cidadania responsável, da ecologia e solidariedade. Além da ação indispensável
dos órgãos governamentais e das iniciativas da sociedade civil organizada, a
participação das escolas é fundamental. Já se faz coleta seletiva de lixo, porém
não é tudo. Algumas mudanças de hábitos poderão ajudar bastante. É importante incentivar
o costume da conservação dos gêneros. Bom seria lançar uma campanha nesse
sentido, diante de tanto desperdício, notadamente nos períodos festivos (carnaval,
festas juninas, natalinas etc.). A Igreja poderia erguer essa bandeira e lançar
uma campanha nacional, a exemplo da Campanha da Fraternidade. São João XXIII
define numa encíclica a Igreja como “Mãe e Mestra”.
Não são apenas o desperdício de alimentos e a fome, há ainda
o nutricídio. Este surge do uso de agrotóxicos,
transgênicos e ultraprocessados, incentivando o seu consumo em detrimento de
opções “in natura” ou orgânicas. Há ainda os desertos alimentares, espaços nos
quais é difícil encontrar gêneros frescos e saudáveis. As maiores vítimas dessa
situação são os habitantes das periferias dos grandes centros. Na década de
1950, o Padre Louis Lebret – fundador do Centro de Estudos e Pesquisas “Economia
e Humanismo”, em Paris – alertava: “Menos de um terço da população alimenta-se
corretamente. De três pessoas que morrem atualmente, duas falecem por carência
de alimentos e uma por excesso.” Josué de Castro, médico-nutrólogo pernambucano, partilhou dessa opinião em sua valiosa obra Geopolítica da
Fome.
É sábia a mensagem do episódio bíblico do maná no
deserto. De acordo com a narração do Êxodo, na travessia do território árido e
infértil, “o povo se nutria do alimento, que caía do céu” (Ex 16, 15-20).
Contudo, havia regras para evitar seu acúmulo e avaria, garantindo que todos
tivessem acesso ao sustento necessário. Tal lição precisa ser relembrada e
atualizada num mundo em que o direito humano à alimentação não é assegurado a
todos. A Lei da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil (nº 11.346/06) não deve ser
um texto de mera ficção. É deplorável
constatar víveres se estragando. Nestes últimos meses,
presenciamos a alta de gêneros de primeira necessidade, tornando-os
inacessíveis aos mais desfavorecidos. No mundo, onde milhões de filhos de Deus passam fome, é aviltante
desperdiçar tanta comida. Vale lembrar a lição do milagre da multiplicação dos
pães. O pouco apresentado a Cristo, após a sua bênção, tornou-se suficiente
para saciar inúmeras pessoas, conforme narram os evangelistas. Repartir o pão é um gesto de fraternidade. “E todos repartiam o pão e
não havia necessitados entre eles” (At 4, 34).
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