quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Estado laico Padre João Medeiros Filho Volta à pauta um tema recorrente no judiciário brasileiro. Trata-se do julgamento sobre a constitucionalidade da presença de objetos religiosos em órgãos oficiais. A partir de 15/11/24, o STF julgará recurso movido pelo Ministério Público Federal – MPF, questionando a presença de símbolos religiosos naqueles espaços. No Brasil, em nome do Estado laico, tramitam processos, pretendendo a sua exclusão em repartições públicas. Invocando tal princípio, há anos, a Prefeitura de Florianópolis ajuizou ação contra uma lei, que determinava a disponibilidade de exemplares da Bíblia em bibliotecas municipais. Tempos atrás, o Presidente da Câmara Municipal de Mariana (MG) quis retirar o crucifixo do plenário da Casa. Ultimamente, o MPF (SP) protocolou um processo, demandando a retirada de símbolos sacros de recintos estatais. Vencido em instâncias judiciais inferiores, interpôs recurso no STF. Segundo juristas e teólogos, entende-se por Estado laico aquele que não adota nenhum credo oficial, nem permite ingerência de religiões em sua estrutura. É neutro; entretanto, não ateu ou antirreligioso. Deve ser a primeira organização a garantir a liberdade de crença. A tolerância religiosa no Brasil existe graças à laicidade do Estado. Ao defini-la, nossa Carta Magna admite a liberdade de culto, assegurando assistência espiritual em hospitais públicos, prisões e quartéis, inclusive o casamento religioso com efeitos civis. Como estatuído no Art. 208, criminaliza qualquer desrespeito ou vilipêndio às crenças e aos seus símbolos. E como acontecem escárnios, disfarçados em “arte”... Haver exemplares da Bíblia em bibliotecas não significa leitura obrigatória. Como pode o Livro Sagrado ferir o Estado laico? Ninguém é coagido a manuseá-lo. Porém, uma biblioteca que se preze, não poderá prescindir de um livro clássico, milenar, o mais impresso e lido no mundo, simplesmente por se tratar de obra de cunho confessional. A Bíblia é também uma obra histórica, cultural e literária. Há que se distinguir arte, tradição e cultura de religião ou religiosidade. O Brasil foi colonizado por cristãos ocidentais. Impossível deletar o passado, apagar a história. Procura-se preservar valores culturais afrodescendentes, herdados dos povos originários e de outras etnias. Uma sociedade democrática – como se diz a nossa – deverá cuidar do respeito à maioria, como o exige para as minorias. Convém lembrar: a maior parte da população brasileira ainda é cristã. As intransigências supracitadas configuram intolerância religiosa, inaceitável pela Constituição brasileira vigente. É crime tipificado em lei. Verifica-se incoerência nos demandantes judiciais. Se há caça aos símbolos sagrados, especialmente os cristãos, arraigados em nossa história, ousarão retirar a estátua do Cristo Redentor, ícone da Cidade do Rio de Janeiro (declarada patrimônio cultural da Humanidade pela Unesco) e a de Santa Rita, em Santa Cruz (RN)? Teriam a audácia de demolir tais monumentos para não desagradar o Estado laico? Não é essa simbologia que envergonha e denigre o Brasil. Na verdade, o Cristo crucificado é quem deve sentir-se constrangido com o que se passa dentro de muitas repartições públicas... Em nome dessa pretensa laicidade, iriam renomear os estados e cidades, como São Paulo, Espírito Santo, Santa Catarina, Natal, São Luís? Legislar para atender à gana laicista resulta em fomentar a intolerância religiosa. Arrimando-se nessa equivocada interpretação, acaba-se caindo numa sucessão de erros, ferindo tradição e história, cultura e arte, desrespeitando a religiosidade do povo. Do ponto de vista filosófico-teológico, sociológico e jurídico, é preciso deixar claro que laicidade difere de laicismo. Não obstante a sinonímia registrada por alguns dicionaristas, entende-se pela primeira a separação da Religião e do Estado, como expressa na CF de 1988. Por ela, o Estado, em seus níveis e esferas, está proibido de definir qualquer religião como oficial. Laicismo consiste na “degeneração da laicidade”, implicando em negação ou privação do direito de manifestar publicamente a fé. Tal disposição não consta na Constituição vigente. Ao contrário, por força dela, todos os brasileiros e estrangeiros, aqui residentes legalmente, gozam também de liberdade confessional. E esta não é privilégio de um grupo. Independe de sua influência político-social ou quantidade de adeptos. Laicidade não é sinônimo de laicismo, secularização e ateísmo. Não pretende destruir e desconstruir herança histórico-cultural, tradição e religiosidade, como apregoam partidários do laicismo. Cristo separava claramente Religião e Estado: “O que é de César, devolvei a César, e o que é de Deus, a Deus” (Mc 12, 17).

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

SÁBIA HUMANIDADE COMUM Valério Mesquita* mesquita.valerio@gmail.com O ex-deputado, secretário de estado e ex-Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Manoel de Medeiros Brito é dono de um repertório de histórias nascidas do seu “fairplay”, “savoir vivre” e bom humor. São necessários três idiomas para definir a extraordinária espirituosidade de uma vivencia tão rica de situações e fina hilariedade. O saudoso jornalista João Batista Machado que o chamava de “Velho Brito”, alusão ao ex-deputado federal gaúcho, possuía um longo repertório e causos e acontecências colhidos ao longo de sua vida pública. Eis alguns... 01) Certa vez, estava no interior, quando veio o apelo irresistível de uma cachacinha. O seu fiel escudeiro era Raul, motorista. “Raul”, recomenda Brito, com parcimônia, “veja se encontra nesses botecos uma cachaça pelo menos razoável”. Empreendida a busca, volta Raul com a recomendação protocolar: “Dr. Brito, tem umas, mas não são de boa qualidade”. Brito, sediço e aliciador, sentencia: “Seu Raul, ruim é não ter”. 02) Brito é um exímio apreciador da “pinga” nordestina. Degusta o precioso líquido como se fosse um príncipe do semiárido. Como secretário do interior e justiça, Brito gostava de integrar a comitiva oficial às reuniões da Sudene em Recife. E explicava ao jornalista Machadinho: “Eu vou porque lá é tudo muito bom e barato”. Mas nunca perdia o paladar de uma branquinha. Na capital do frevo, encontrava sempre o amigo Raimundo Nonato Borba, chefe da Representação do Rio Grande do Norte junto à Sudene. Como é do seu hábito, arranjou-lhe logo um apelido: Borba Gato. E no trajeto do aeroporto à Sudene, do banco traseiro, Brito avisava: “Borba Gato, não se descuide de parar antes num boteco para eu beber um “rabo de lagartixa”. 03) O Palácio Campo das Princesas, em Recife, era o local refinado das reuniões da Sudene para os convescotes e regabofes do mundo oficial do Nordeste. Num desses eventos gastronômicos, estava presente o então Secretário da Indústria e Comércio do Rio Grande do Norte, Jussier Santos. Conhecido pela sua finesse, foi logo se servindo de champignon e sugerindo a Brito para provar aquela delícia. E esse responde de bate-pronto: “Jussier, eu não como frieira”. 04) Em outro almoço, alguém da comitiva oficial do Rio Grande do Norte provoca Brito, ao avistar apetitosos camarões: “Brito, sinta o cheiro inconfundível”. Este, com aquele olhar jardinense do Seridó, corrige: “In, não. Cheiro confundível!”. 05) Numa conversa descontraída, perguntaram a Brito qual a sua definição sobre o casamento. De bate pronto, fulmina: “uma ilusão gratulatória”. De outra feita, Afonso, um dos seus motoristas da atividade oficial, recebeu dele um apelido que exprimia fielmente o significado de suas proezas de paquerador. Afonso era baixinho, entroncado, mas era querido do mulherio funcional que beirava a menopausa. E Afonso “passava” as gordinhas, mal-amadas, pernetas, num comovente “ofício de caridade”. Sabedor de suas façanhas, Brito desfechou-lhe um apelido definitivo: “Areia de Cemitério”. Come tudo. 06) Certa vez, um colega de governo, foi lhe pedir um conselho. Já se casara duas vezes e estava na iminência da terceira mulher. Brito cofia o bigode e alerta: “Cuidado Totó, você já é reincidente!”. 07) Outro Secretário de Estado estava apaixonado fora do casamento. Num almoço, sapecou-lhe a pergunta: “como está de arrumação?”. Silêncio. Insiste Brito: “Deu no aro?”. Resposta tímida do interlocutor: “Deu”. “Então é separação consumada”, vaticina Brito Velho de Guerra. (*) Escritor.

terça-feira, 12 de novembro de 2024

O poder da palavra Padre João Medeiros Filho Ela é um dos encantadores dons divinos concedidos ao ser humano. Deus não quis prescindir dela. “No princípio era o Palavra. E Ela se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1, 1; 14). Quase toda a revelação divina – exceto alguns gestos de teofania – aconteceu por meio dela. É considerada como uma imensa jazida de pedras preciosas, explorada e burilada, através de milênios. A literatura assemelha-se a uma floresta de inúmeras e ricas espécies. Surpreendem a habilidade e a criatividade dos autores para narrar, poetizar, denunciar, apaziguar, rezar etc. Como não apreciar a poesia de Adélia Prado, quando escreve em Coração disparado: “Creio que o verbo gera e vivifica. O que parece morto, ressuscita. O que se apresenta estático, é dinamizado.” Manuel Bandeira manuseia com maestria os vocábulos: “Assim eu queria o meu último poema: que fosse terno, dizendo as coisas mais simples, ardente como um soluço sem lágrimas, a pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos.” Incomparáveis são as alegorias, parábolas e metáforas de Jesus Cristo, contundentes para despertar nos ouvintes (ou nos leitores de hoje) um novo modo de ser, pensar e agir. E por que não lembrar os eloquentes sermões, com beleza literária, poética e teológica, do Padre Antônio Vieira ou de Dom José Pereira Alves, quando bispo de Natal? Destacam-se ainda os textos musicados e cantados, com uma riqueza incontável de exemplos, expressando júbilo, saudade, dor, vitória, amor, ternura, esperança, suavidade, harmonia... Há que rememorar também os empolgantes discursos que atravessaram séculos e fronteiras. Frases e expressões lapidares marcaram a história de nações. Dentre milhares de exemplos vem à lembrança a riqueza metafórica de “Chão de estrelas”, no cancioneiro popular brasileiro. Atualmente, ganham espaço as redes sociais. Ali, a cada momento, lança-se uma avalanche ou pletora de frases. Poucas são edificantes. Um sem número mostra-se ofensivo, com inverdades e incitação ao ódio. Quão diferente daquilo que proclama o salmista: “Tua palavra é lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho” (Sl 119/118, 105). A celeridade atual na divulgação das mensagens não possibilita a ponderação como exercício do raciocínio e da prudência na comunicação. Não há tempo suficiente para escutar o outro. As redes tornam-se, pouco a pouco, lugares de discussões inflamadas e desrespeitosas, agressivas e, não raro, cheias de narrativas e mentiras. O que deveria ser para unir, tem efeito de espada, ferindo aqueles que dela se aproximam. “Morte e vida estão no poder da língua; e aquele que sabe usá-la comerá de seus frutos” (Pr 18, 21). Cabe salientar que o vocábulo está ao alcance de todos nos diferentes diálogos do cotidiano, seja para construir ou destruir. Chama a atenção como muitas crianças aprendem logo a distinguir no rosto de seus pais as expressões carinhosas e as repreensivas. As palavras podem ser utilizadas como armas capazes de desconstruir a dignidade das pessoas. É preciso ter cuidado. “Tal como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam, assim acontece com a minha palavra que sai da minha boca não voltará para mim vazia” (Is 55, 10-11). Urge encontrar termos serenos e adequados a fim de reconstruir os fios esgarçados do tecido social e da amizade. A palavra possui uma força indômita e paradoxal. Necessita-se distinguir aquela pronunciada por quem detém responsabilidade política ou religiosa sobre o povo, da descomprometida e usada descontraidamente numa roda de amigos. Hoje mais do que nunca, por conta da instantaneidade com a qual se propaga o que é dito, torna-se necessário perguntar sobre o uso das falas. Quem as escuta ou lê? Quais são as suas consequências? Deve-se ter cautela e não empregar os termos de forma inadequada, insolente e viperina, pois os efeitos deletérios e estragos podem ser incalculáveis. Adverte uma lenda asteca: “Cuidado com o que se fala na guerra da vida. Também morre quem atira muito.” Enfim, convém lembrar os ensinamentos do apóstolo Paulo: “De vossa boca não saia nenhuma expressão maliciosa, mas somente aquelas, capazes de edificar e fazer bem a quem as escuta” (Ef 4, 29).

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

PRIVILÉGIO PANDEMIA E PANDEMÔNIO Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com A vida da gente, hoje em dia, chega a doer e a enjoar. Sobrepondo-se à lógica, aí estão os mistérios do mundo. Ele parece apodrecer cotidianamente. E acho essas razões um tanto metafísicas mas, perfeitamente racionais e cabíveis à espécie. Apesar da revolução das ciências, em todos os campos de atividade, há uma angústia indagativa porque tudo piora quando a humanidade progride materialmente. Muito antes, nas esquinas do mundo, a fatalidade das guerras ditadas pela imprudência interrompeu a esperança do ser humano no dia de amanhã. Tudo leva a crer, no crepúsculo dos nossos dias, que a escalada geométrica da dificuldade de se viver no planeta, hoje tão afetado pela superpopulação e a crise da falta de alimentos, remédios, é que ingressamos no corredor escuro do Armagedom. A vida passa e diante dos nossos olhos segue um desfile barulhento de excessos. Excessos e abusos perturbadores provocados pelo braço do homem. Vejam só, por que surgem na atmosfera (o ar que respiramos) vírus gripais, infecciosos e contagiosos que se multiplicam e se transformam virando pandemia? No processo de mutação ultrapassam a eficácia da vacina e se propagam com surpreendente rapidez, induzindo-nos acreditar que a camada superior da terra e as defesas do corpo humano estão comprometidas por atos insanos do próprio homem. Os continentes, desde os mais industrializados aos mais pobres, desérticos, quentes, superpovoados, até as florestas tropicais em compasso progressivo de extermínio, incluindo os mares revoltos, revelam-me recôndita preocupação com o final dos tempos. Igual em perigo à pandemia, mora vizinho o pandemônio. O tumulto do trânsito em Natal está trazendo estresse e hospitalizando muita gente. Avaliem as cidades maiores! Semana passada, entre 18h e 19h30, gastei de automóvel mais de trinta minutos do bairro de Lagoa Nova ao Natal Shopping. O número de veículos hoje na capital resgata a “saudade de mim mesmo”, como disse o poeta português. Esse grave fato estatístico não preocupa apenas pelo dano físico de acidentes, mas igualmente, pela nova geração de ansiosos, psicóticos e depressivos. E haja consumo de benzodiazepínicos. Diariamente em Natal, acontecem mais de 20 acidentes com motos. A malha viária não comporta mais o enxame de ônibus, “ligeirinhos” antipáticos e imprudentes, automóveis e utilitários de luxo, que lembram as mansões dos donos do tráfico de drogas. Todavia, o pandemônio não se encerra aí. O assalto à mão armada não apenas reside ao lado, mas está dentro de casa fazendo reféns. Com armas modernas e de grosso calibre os marginais já são um número maior que o efetivo policial. Segurança no Brasil é uma ilusão congratulatória. Somente os bobos acreditam e agradecem. Ainda iremos assistir, se não planejarem logo uma solução, desfilando nas ruas e bairros as forças armadas do país, envolvendo-se na estratégia de resguardar a cidadania que é vida e que significa tanto quanto a defesa da soberania do país. Igual ou pior do que a invasão do território nacional é o lar ultrajado, violentado e saqueado da família brasileira que, no dizer de Rui Barbosa, “é a pátria amplificada”. A corrosão cotidiana da busca pelo dinheiro e pelo poder enferruja com rapidez as “glórias e grandezas” de alguns que se julgam donos do mundo, quando pensávamos justos e coerentes. As mutações históricas dos valores da personalidade humana, ao que parece, foram provocadas pela “revolução” dos costumes sociais, principalmente o comodismo, a apatia pelo semelhante, o medo de morrer, as fobias e a falta de religiosidade. (*) Escritor

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Dom Nivaldo, dezoito anos de Vida plena Padre João Medeiros Filho No próximo dia dez, celebrar-se-á o décimo oitavo aniversário de vida em plenitude de Dom Nivaldo Monte, segundo arcebispo metropolitano de Natal (1967-1988). Na liturgia católica, festejam-se os eleitos de Deus na data de sua volta para a Casa do Pai e não no dia de seu nascimento terreno. “Mors vere dies natalis hominis” (A morte é o verdadeiro natalício do ser humano), afirmou Santo Agostinho. Os restos mortais de Dom Nivaldo repousam no silêncio do Mosteiro de Sant’Ana de Emaús (Parnamirim), em meio à natureza, permanente bálsamo divino. Lá, os pássaros esvoaçam, como numa dança de alegria e as rosas espargem perfume sobre a sua sepultura. Os fiéis, que por ali passam, demonstram o quanto ele era amado em vida, cultuando a sua memória. Muito poderá ser dito sobre esse pastor. Múltiplo pelas atividades exercidas: bispo, escritor, professor, músico, poeta e botânico. Uno, porque nele tudo convergia para o Mestre. “Para mim o viver é Cristo” (Fl 1, 21) era o seu lema episcopal. No final de seus dias, marcados pela enfermidade, acentuou a certeza de que o importante não é a duração da existência e sim a intensidade do amor com que se vive. E isso o fazia com maestria e profundidade, a ponto de intitular uma de suas obras: “O coração é para amar.” Em seus últimos dias, concelebrava com ele a Eucaristia, quando me dizia sempre: “Vamos cantar a beleza da vida e o amor sem igual.” Dom Nivaldo costumava chamar as plantas, que admirava e cuidava, de “catequese de Deus”. Não fazia discursos sobre ecologia. Sempre demonstrou um grande respeito à natureza, imagem do Belo e Sagrado. Adquiriu terras, não para acumular bens, mas preservar o solo fecundo – presente de Deus aos homens – a fim de torná-lo berço de frutos e dons. O objetivo precípuo era proclamar a riqueza da dádiva sobrenatural às criaturas humanas. Para ele, “nossa mãe terra é extensão do colo divino.” Apaixonado pelos jardins, pomares e hortas, cultivava-os em Emaús e denominava-os “meus irmãos”, usando uma expressão franciscana. Deixou-nos inúmeros testemunhos de ternura e bondade. Quantas histórias edificantes a seu respeito, marcadas de encanto e paz poder-se-iam contar. Ao preservar sua memória, sirvam-nos de lição as sábias palavras de Santa Bernadete, testemunha dos acontecimentos, em Lourdes: “Quando se for escrever a história daquilo que aqui aconteceu, deve-se procurar ser fiel.” Ao recordar Dom Nivaldo, a verdade que desponta diante de todos é a de um homem místico, irradiando simplicidade, sabedoria, otimismo, acolhimento e perdão. Era um ardoroso defensor da natureza, filha esplendorosa de um Deus do silêncio eloquente. Aqueles que se dedicam à paz e justiça brilharão para sempre como estrelas. No firmamento celeste, cintila uma luz que nos acalenta: Dom Nivaldo. Exemplo e incentivo para os cristãos e o povo potiguar, que tanto amara. Em reconhecimento e gratidão a tudo o que ele foi e realizou, a Câmara Municipal de Parnamirim, aprovou a Lei 2.307/22, denominando Dom Nivaldo Monte uma rua de Emaús, que ladeia sua antiga granja, localizada às margens da BR 101. Dom Nivaldo, em seu despojamento, homenageando a terra que cultivara, descansa no solo que abençoou. Era um sacerdote em permanente comunhão com Deus e as criaturas. Ver um arcebispo inumado de forma tão simples e telúrica, talvez cause surpresa a alguns. Cumprindo seu desejo, na lápide tumular constam apenas seu nome, as datas de nascimento e partida para a eternidade e seu lema episcopal em latim. Faz-nos lembrar Léon Bloy: “Quero para mim a beleza, a quietude e o silêncio do Infinito.” Nosso inesquecível arcebispo não quis ser sepultado em igreja. Ali, não haverá colibris em voo rasante, saudando o santo e sábio que descansa no chão sagrado de Emaús. Nos templos, faltaria o brilho do sol aquecendo sua última morada, nem flores para perfumá-la. Em Emaús, as mãos orantes e piedosas das irmãs contemplativas e adoradoras eucarísticas (Filhas de Sant’Ana) depositam em seu túmulo girassóis (que especialmente o encantavam), rosas e preces de gratidão por todo o seu amor à Igreja de Cristo. Sobre ele, poder-se-ia aplicar a frase evangélica: “In finem dilexit”, ou seja, “Amou até o fim” (Jo 13, 1).

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Itinerário místico-espiritual de Clarice Lispector Padre João Medeiros Filho Em sua infância, Clarice Lispector, de origem ucraniano-judaica, aportou no nordeste do Brasil e aqui ficou. Começou a escrever despretensiosamente por pura inspiração. Vem se tornando objeto de inúmeros estudos universitários e não acadêmicos. Muito se tem dito sobre essa artista da palavra. A linguística e a literatura estudam-na sob vários enfoques. Clarice buscou uma linguagem especial para expressar o estado da alma, utilizando o monólogo e a análise psicológica. Por isso, é considerada uma escritora intimista. A filosofia perpassa pela sua obra. Ultimamente, a teologia tem se voltado para o seu pensamento e legado literário. Há uma percepção teológica de que ela é uma apaixonada pelo mistério de Deus. Seus escritos, especialmente “Paixão segundo G. H.” – que consoante estudiosos parece ser uma metáfora romanceada – desvelam uma intimidade com o Transcendente. Seus leitores e críticos, por vezes, ficam perplexos com a verve espiritualizante de alguns textos. Quem a conheceu de perto declara se tratar de uma mística no pensar, viver e escrever. Talvez, ela não concordasse com tal afirmação. Porém, o leitor é levado a concluir dessa maneira, quando lê os seus textos. Neles transpiram espiritualidade e busca do Eterno. Santo Tomás de Aquino denomina “Cognitio Dei experimentalis” (conhecimento experimental de Deus). Para Jacques Maritain é “a experiência do Absoluto.” Cabe salientar que os ucranianos são dotados de profunda religiosidade, professando a fé judaico-cristã, por meio de ritos cristãos orientais de tradição bizantina ou pelo culto nas sinagogas. Exemplo dessa espiritualidade é a existência de duas dioceses (eparquias), contando mais de trezentos mil ucranianos (e descendentes), nas cidades de Curitiba e Prudentópolis (PR). Na leitura atenta da “Paixão segundo G. H.” – denominada por certos pesquisadores de “Paixão do Gênero Humano” – verifica-se o itinerário de despojamento interior que deságua na comunhão com o Transcendente. Há no desenrolar de seus escritos um arrebatamento interior, digno de Teresa d’Ávila e João da Cruz. É patente o processo ascético e purificador, que prepara o seu íntimo, modificando sua concepção do mundo e da vida. Nesse processo existe permanentemente a “mão invisível que me sustenta”, como escreveu, referindo-se a G.H. Esta já não depende mais de si mesma, mas daquele braço que a segura. Assim, suplica: “Ah, não retires de mim a tua mão.” Parece o brado do salmista: “Levanta-te, Senhor, ergue a tua mão e não te esqueças dos que sofrem” (Sl 10/9B, 12). Em determinado momento, acontece o percurso em direção ao Deus que a chamava. Clarice coloca nos lábios de seu personagem estas palavras, que são uma confissão da alma: “Eu estava em pleno seio de uma indiferença que era quieta…, de um Deus que, se eu amava, não compreendia o que Ele queria de mim.” Aqui, poder-se-ia encontrar análoga angústia interior que queimava o coração e as entranhas de Agostinho. No meio da luta e provação, da busca e do pranto, sente que a misericórdia divina vem socorrê-la. “E no soluço veio a mim o Deus que me ocupa toda agora.” Ele penetrou em seu âmago e ela sentiu – como o Bispo de Hipona – que Deus não estava distante, mas dentro dela. Nos relatos metafóricos do romance de Clarice, inicia-se o diálogo entre o Criador e aquela que O procurava. Nos textos claricianos percebe-se claramente sua sensibilidade espiritual e suas raízes judaicas, que esperam pelo Senhor, à semelhança do salmista: “Das profundezas, Senhor, eu clamo a Ti, escuta a minha voz” (Sl 130/129). É o mesmo sentimento de Moisés, ao perceber a inebriante presença de Javé, diante da sarça ardente, no Monte Horeb, como consta do Livro do Êxodo (Ex, 3, 1 ss). Lispector encontrou, através da palavra escrita, o rosto do Todo-Poderoso, que tanto buscava ao longo de sua vida. E, paulatinamente, Ele se revela em seu mistério jamais totalmente desvelado. Na ucraniana-brasileira confirmam-se a veracidade e a força daquilo que proclama o salmista: “Em Ti eu confiei, não ficarei envergonhado.” (Sl 25/24, 1-2). O contato com a escritora poderá nos ensinar a desviar da onda que banaliza o Divino e a descobrir cotidianamente as manifestações do Mistério inefável de Deus. “Tenho a Ti, Senhor, nada mais quero sobre a terra” (Sl 73/72, 25).

terça-feira, 15 de outubro de 2024

RELEMBRANDO OS OITOCENTOS ANOS DE ASSIS Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com Foi o momento mais terno e denso do senado da república. Nunca, lá, havia presenciado cenário semelhante. O senador Pedro Simon, tal qual um anjo da noite, discorreu da tribuna sobre a vida e o exemplo do santo e cidadão Francisco de Assis, que celebra oitocentos anos de existência. O notável parlamentar gaúcho, elaborou um texto que emocionou a todos. O fundador da Ordem Franciscana, segundo ele, reeditou no tempo, através da caridade e do sofrimento, a vida do próprio Jesus Cristo, somente tendo lhe faltado as chagas da crucificação e a eugenia do Criador que somente o Filho Unigênito recebeu. Num plenário calcinado por gestos menores, por retaliações pessoais, viu-se uma luz, um momento santificado, como se Deus ali tivesse permitido uma trégua. Como o Congresso Nacional se ergueria se recitasse e fizesse da oração de São Francisco o instrumento de sua paz e o encontro com a verdadeira missão de legislar em favor dos mais pobres? Na primeira década de 1.200, Francisco de Assis elaborou a sua carta a todas as nações da época, suplicando ajuda para estancar a fome e curar as doenças. Hoje, como ontem, Pedro Simon relembra o fato no sentido desse documento ser revivido entre as autoridades do país, em favor dos pobres, enfermos e oprimidos. O santo italiano era de origem burguesa. Seu pai, rico comerciante, não entendeu quando o filho abandonou toda a riqueza para criar no mundo a mais completa situação de humildade e caridade cristã: a “pobreza franciscana”. Ao final, num verdadeiro toque mágico e sobrenatural, a palavra de Simon se alçou ao patamar superior do seu grande mérito. Enquanto no mundo hodierno, os mais poderosos países do mundo sacam verdadeiras e colossais fortunas de bilhões de dólares para socorrer os papéis podres do mercado financeiro e bancos gananciosos – a humanidade pasma e estarrece ao concluir quanta fortuna as nações ricas armazenam em detrimento de milhões de seres humanos que passam privações e morrem de fome. Esta é a grande reflexão a ser feita nesses oitocentos anos da vida de Francisco de Assis. A sovinez, a avareza, a indiferença dos governantes de hoje pelo sofrimento humano são de causar revolta, asco, choro e genuflexão contrita de perdão ao Pai Eterno pelo equívoco da raça humana. O senado brasileiro, naquela tarde/noite, pela voz gaúcha de pregador do senador Pedro Simon lembrando versículos, capítulos, salmos e epístolas, como se fosse de um novíssimo testamento, tornou-se, por instante, num templo de santidade e de denúncia contra o mundo moderno de perversidade e contradições. Vi a minha paz cósmica satisfeita. (*) Escritor
MUNDO PATOFÓBICO Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com Tenho me questionado ultimamente com o surgimento de inúmeras epidemias funestas nos últimos vinte anos. Umas nascidas na Ásia e outras na África, vitimando milhares de pessoas. Não vou discutir os aspectos científicos ou caracterológicos dessas pestes que devastam ao meio dia, no dizer do Salmo 91. O céu celebra triunfo sobre o pecado? Pode-se levar o diagnóstico da aids e das febres (gripes) do frango, do macaco, das ovelhas, dos porcos, da vaca-louca, para o plano religioso? O que está acontecendo com o novo século? Apesar do avanço excepcional da medicina em todas as especialidades no mundo inteiro, novas viroses inexplicáveis surgem para desafiar a ciência como se ela sempre devesse permanecer desafiada? Às vezes, penso que há algo apocalíptico nesse pretenso determinismo que desafia a capacidade terrestre. “Eu sou o Alfa e o Omega”, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que vem, o Todo-Poderoso, fala o Apocalipse. Estaria a tecnologia do mundo moderno destruindo o homem através dos novos tipos de gêneros alimentícios inventados para aumentar a cadeia de produção industrial de carnes? Isso porque a “epidemia do frango” nasceu em países superpovoados e não em outros de menor densidade territorial! E a inteligência artificial é benéfica ou maléfica? Em breve, serão os peixes dos oceanos. As frutas, os cereais, as flores, as roupas, os brinquedos, porque o terrorismo já exporta mulheres e homens bombas que explodem shoppings e sinagogas. Volto a perguntar: por que as pestes provêm dos bichos? Daqui à pouco, irão aparecer a febre do veado-louco, a peste da burra-cega, a fúria da pomba-gira, e, por aí vai, zoologicamente, na agonia aflita e singular do homem que animalizou os traços e os gestos. Diante de tudo, imagino, que cabe um estudo sociológico, religioso, científico e econômico, sobre a matéria que envolve toda a humanidade. A sua trajetória, pelo menos. Febres, gripes, epidemias, pestes, desde a Antiguidade existem, dizimando civilizações e todos com uma história, uma raiz, uma geratriz em cada época, em cada tempo. Só que, agora, essas doenças têm outras patogenias ou patologias. O homem envenenou o mundo em todas as linhas de produção animal, vegetal e, principalmente, na cadeia alimentar. Os cientistas, os pesquisadores e os historiadores com a palavra. Do contrário, vou consultar em vão a Anvisa, o oráculo de todos os mistérios invisíveis do país. Outras pestilências arrasadoras estão chegando de Brasília. Ainda sem vacina. Elas se alçam a Covid, a Influenza, a Dengue, a Zica e a Chikungunya. É a PEC dos benefícios do alimento, do caminhoneiro, do taxista e por aí vai. A Câmara Federal é a tenda dos milagres dessa pirataria eleitoral. Depois de parir o famoso “orçamento secreto”, a ser pago em módicas prestações. Ali tudo é de Babá, tudo pode, devagar, devagarinho... E no comando, Arthur da Távola tocando a sua lira no trono da presidência. Quarenta e hum bilhões de reais descendo pelo ralo. Quantos na história do Congresso Nacional não “comeram bola” para votar ou relatar processos escusos para favorecer governos ou grupos? E, por extensão, no próprio judiciário, na administração pública em geral, além de outros segmentos punitivos institucionais? Aí, estão os exemplos marcantes e lamentáveis dos escândalos verificados no Banestado, no INSS, nos Ministérios da Saúde, da Educação, no TRT de São Paulo, Valdomiro Diniz, Sérgio Naya e um elenco imenso de predadores dos cofres públicos que a Lavajato revelou! Tudo passou dentro de um criminoso prazo de validade. “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tudo sempre passará”. Oremos. (*) Escritor.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

A gratidão, virtude esquecida Padre João Medeiros Filho A gratidão é uma das grandes virtudes humanas. Santa Teresa de Calcutá a definia como “delicadeza da alma.” Esopo a chamou de “virtude das almas nobres”. Jesus tratou do assunto com os apóstolos. Lamentou a ingratidão. Pode-se ler no evangelho de Lucas o relato da cura dos dez leprosos por Cristo (Lc 17, 11-19). Foram agraciados, após a súplica: “Mestre, tem compaixão de nós” (Lc 17, 13). Um deles, ao perceber que havia sido curado, voltou glorificando a Deus. Prostrando-se aos pés do Senhor, agradeceu-Lhe. Então lhe foi perguntado: “Por acaso, não foram dez os curados? E os outros nove, onde estão?” (Lc 17, 17). Jesus ressaltou que apenas o samaritano voltou para render graças pela cura. Mostra-nos que a sensibilidade humana não é determinada pela raça, religião, cultura, nível de instrução ou condição social. É fruto de cultivo da personalidade e ajuda da graça divina. Ser grato transforma nosso coração, ilumina e amplia a nossa visão. Permite-nos entender a vida de modo diferente. Quem dá, participa do mistério do Pai Celestial, que concede tantos bens e graças a seus filhos. Agradecer é a consciência dessa gratuidade. “Senhor, deste-me tanto em minha vida. Dá-me uma coisa a mais: um coração agradecido”, rezava o poeta galês George Herbert. Saber agradecer faz crescer no coração do homem o sabor pela bondade. Ajuda-nos a eliminar sentimentos que obscurecem a mente, fecundando o desejo de ser generoso. Dissipa aquilo que enfraquece a compaixão ou aumenta a indiferença. Ajuda a vencer a soberba e a inveja, bem como tantos vícios e erros de uma sociedade que adota dinâmicas desastrosas de disputa, mentira, injustiça e ódio. São Francisco de Assis escreveu que “a gratidão é uma das moedas mais difíceis de ofertar na vida.” Por isso, preocupava-se sempre em ser grato a tudo e a todos. Agradecia ao irmão sol por aquecê-lo e proporcionar vida à terra. Ao irmão vento, por acariciá-lo e à natureza nos dias de calor. À irmã lua por brilhar e enfeitar as noites. Ao irmão sofrimento, que lhe permitia aprendizados sobre o viver humano. O exemplo do “Poverello” remete-nos a profundas reflexões neste tempo em que predominam insensibilidade, utilitarismo, desrespeito e desprezo pelo outro. Na desenfreada busca por sobrevivência e sucesso, vivemos encastelados, envoltos em problemas e desafios. Nesse tumulto de compromissos e dificuldades, não paramos para perceber tudo aquilo que Deus nos regala e, egoisticamente, esquecemo-nos do agradecimento. Os amores dos filhos e netos que, aconchegados em nossos braços, parecem amainar as dores da alma, quem no-los ofertou? A possibilidade do progresso profissional e amadurecimento humano, as chances de desenvolvimento do intelecto, a paz interior, o bem-estar do espírito, quem nos concede? O corpo que é nosso instrumento de expressão, trabalho, convivência, emoções, quem no-lo presenteou? E nós, mal nos damos conta da grande bênção da saúde, quando nossa corporeidade, apesar das deficiências ou limitações, oferece-nos oportunidades riquíssimas. Temos o costume de ser gratos a Deus e à vida pelas nossas conquistas e alegrias? E por que não sermos também agradecidos ao Pai pelo mal que não nos atingiu, pelas dores que não precisamos suportar? E mesmo que os dias difíceis nos cheguem à jornada terrestre, agradeçamos a dor, que lapida a alma imperfeita, fazendo brotar virtudes que ainda permanecem latentes em nossa intimidade. Deveremos sempre recordar que dependemos da bondade e misericórdia do nosso Criador, o qual nos sustenta na caminhada da via. Foi comovente a história de um idoso italiano, vítima do coronavírus quando, após a alta hospitalar, foi-lhe cobrado um valor alto pelo uso de oxigênio. Chorou efusivamente e exclamou: “Sou um ingrato, tenho isso dias e dias, anos e anos, gratuitamente e não percebia. Deus nunca me pediu nada em troca.” A gratidão será o sentimento que nos inundará a alma de bênçãos divinas, doce quietude e suave luz. Aqueles que a têm adormecida, é preciso despertá-la. É necessário cultivá-la e manifestá-la. Por se tratar de uma virtude cristã, os pastores devem lembrar sempre a sua importância e praticá-la. Digamos como o salmista: “Dai graças ao Senhor, pois Ele é bom. Sua bondade é infinita, incomensurável a sua misericórdia” (Sl 118/117, 1).

domingo, 6 de outubro de 2024

Às vésperas das eleições Padre João Medeiros Filho Em breve, as eleições municipais. O descrédito de muitos brasileiros pelos seus políticos é impactante, principalmente quando se trata de partidos e convicções ideológicas. Eles não servem ao povo, servem-se dele. Revelam-se incapazes de construir o bem comum. Engajar-se pela dignidade do ser humano é o único caminho para superar o menoscabo e a rejeição pelos que cuidam da “res publica”. Não se recupera a credibilidade com a simples presença de pessoas probas. É preciso identificar nelas atos benéficos, que estabeleçam elementos determinantes para o bem-estar do povo. Dom Eugênio Sales, no III Simpósio para Pessoas de Poder Decisório, acontecido no Sumaré/RJ, dissera: “Quem se decidir pela vida pública, não pode desprezar a pessoa humana, imagem de Deus.” E arrematou com palavras de São Cipriano de Cartago (210-258), inspiradas no evangelista João: “É mentira chamar Deus de Pai, quando não se tem o sentimento de que o outro é realmente irmão.” A Encíclica “Fratelli Tutti” indica o papel dos autênticos líderes: “Interpretar a vontade do povo para agir em favor dele.” Apenas lideranças qualificadas contribuem para alicerçar um projeto duradouro de bem comum. Por isso, têm a incumbência de admitir a prioridade do ser humano, para o qual existe a sociedade. No exercício da autêntica política exige-se o inegociável propósito de discussões honestas, buscando verdadeiramente defender causas legítimas e justas. Os homens públicos devem orientar-se pelos direitos e necessidades da população, outorgante e mandatária legítima de seus poderes. Importa nessa perspectiva que os interesses partidaristas sejam relativizados. É imprescindível que os atores políticos estejam sempre imbuídos de honestidade material e intelectual, colocando em plano secundário as preferências meramente ideológicas. A política é válida, se construir uma comunidade justa, fraterna e solidária. Desvia-se de seus objetivos, quando propostas e atos contemplam prioridades de grupos. Da mesma forma, é deturpada ao se governar apenas para os sequazes. A consequência é o favorecimento de poucos, sobrando à maioria migalhas e sobejos. Não se tem conseguido penalizar aqueles que exploram, amesquinham e perseguem o povo, colocando vidas em risco pela desassistência e submissão a situações vis, análogas à escravidão. Tudo o que fere o bem comum é desumano e anticristão, negando peremptoriamente a natureza da política. Merece atenção especial a desigualdade social no Brasil com seus vergonhosos e degradantes cenários para a cidadania. Gera exclusão e aprisiona os cidadãos com preconceitos e discriminações. O populismo insano é outra ameaça deletéria. Quem o pratica, busca atrair adeptos para massificar o povo. É aviltante, pois coisifica o indivíduo. Atualmente, fala mais alto o projeto pessoal de permanência ou volta ao poder. Esta é a tônica de vários candidatos. É muito grave, quando esse populismo favorece inclinações ignóbeis de grupos e facções. Detestável ainda é tentar submeter instituições e indivíduos ao servilismo. O candidato integro permanece aberto a críticas construtivas e mudanças autênticas, enriquecedoras para o homem. Governantes e legisladores detêm a responsabilidade de oferecer às pessoas meios para sua realização como criaturas humanas. Por isso, é necessário aniquilar os contrastes. Os que estão no poder não estão autorizados a renunciar ao indispensável desafio de ajudar a construir um modelo de sociedade. Esta tem o dever de assegurar a todos o direito ao exercício da cidadania, partindo de suas peculiaridades. Há quem pense que ser líder é calar, manipular, “lacrar” e destruir os outros. Aqueles que se dedicam à vida pública são chamados a novos aprendizados para reconstruir a Pátria. “A política bem exercida é a forma mais alta da caridade”, afirmava Pio XI, seguido pelos últimos papas. Quem a exerce terá de se imbuir dos ensinamentos bíblicos: “Ninguém busque seu próprio interesse, mas o do outro” (1Cor 10, 24). Os municípios estão nas mãos dos eleitores. Às igrejas cabe unir e não dividir. Aos pastores a tarefa de respeitar, iluminar e nunca aliciar. Neste final de campanha eleitoral, mister se faz que os cristãos reflitam muito e supliquem a Deus pelos futuros eleitos, responsáveis pelos destinos de nossa gente. É preciso que saibam “conduzir o povo com justiça e equidade” (Is 32, 1), “pois quando os justos são maioria e governam, o povo se alegra” (Pr 29, 2).

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Solidão, presença indesejável Padre João Medeiros Filho A solidão, ausência de companhia e interlocução, marcada pelo isolamento, é algo doloroso. Existe o risco de levar alguém à depressão e morte. Faz-nos pensar na música de Vinícius de Moraes e Toquinho “Um homem chamado Alfredo”. Este contava tão somente com a companhia de um papagaio e um gato de estimação. Desistiu de viver, inalando gás de cozinha. Dizia-se cansado da vida, por não ter ninguém com quem falar, alguém para amar, uma mão para apertar. Entediou-se com sua invisibilidade e existência que não atraía ninguém. A solidão é um dos grandes males testemunhados nos dias de hoje. Pode acontecer em um pequeno quarto ou sentida em meio às multidões que passam e não veem, escutam e nem se dão conta de que ali há um semelhante com sentimentos, sonhos e desejos. “É solitário andar por entre a gente”, desabafava Camões num soneto. Os seres humanos são relacionais, necessitando da presença e interação de outrem para viver. O isolamento acaba destruindo uma pessoa, prematura ou repentinamente. O governo britânico criou o Ministério da Solidão, ao constatar que o Reino Unido invertia a corrida mundial pela longevidade, apresentando índices de mortalidade precoce em seus cidadãos. Tornou-se para os ingleses problema de saúde e política pública. Carecia de um órgão para cuidar dessa nova situação humana. Suas maiores vítimas são os idosos. Há cidadãos que já não contam mais no mapa da produtividade, contribuição social e beleza. Têm suas atividades físicas limitadas. Segundo os versos de Vinicius, “andam com os olhos no chão, pedindo perdão por existir e incomodar.” São impotentes, não tendo a quem pedir socorro, quando se aproximam do abismo da depressão. Esse grupo avolumase nas aglomerações modernas. A longevidade aumenta e não se morre mais no apogeu da existência ou na flor da idade. Nestes casos, a partida era sentida e pranteada. Na velhice, o óbito poderá deixar um alívio para alguns. Os solitários de hoje são majoritariamente os idosos, órfãos de filhos vivos, esquecidos pela família. Não raro, os descendentes e familiares moram longe, acarretando dificuldade financeira e de deslocamento para visitá-los. Ou, porque atrapalham a ânsia de lazer e consumo que predomina na nas gerações atuais. Quem vai querer um velho incomodando um fim de semana de festas, comemorações e programas? E o idoso fica em casa, geralmente pequena e sem muitos recursos. Onde estão os amigos do ancião? Muitos, doentes; vários já partiram. E os recursos para passeios e diversão? As aposentadorias são parcas, mal dão para comprar comida e remédios. Os filhos ajudam? Provavelmente. Nem sempre com o suficiente. Há outras prioridades, como levar as crianças a Disney, esquiar na Europa, divertir-se em casas de campo ou de praia, bem como frequentar restaurantes badalados. E assim, o final de muitos idosos é marcado de Alzheimer, confinamento em algum asilo, tristeza com a presença domiciliar de um cuidador impaciente ou improvisado. A solidão cresce com a diminuição das energias, o desaparecimento dos círculos de amizade. Em muitas cidades brasileiras há ainda o agravante da violência e insegurança, impedindo o hábito de um contato assíduo. Os vizinhos cuidam cada um de sua casa, vida, família etc. Alguns solitários se apegam a animais. Alfredo tinha um louro e um bichano que estimava. Quando morre o companheiro de bico ou quatro patas, a dor é equivalente à perda de um parente. O idoso sente-se descartado por uma sociedade, que não previu um lugar para ele, por uma família que progressivamente o abandona e esquece. É necessário tornar-se mais humano, aprendendo a povoar a vida do semelhante. Cristo prometeu aos apóstolos: “Não vos deixarei sozinhos” (Jo 14, 15). E acrescentou: “Estarei convosco todos os dias” (Mt 28, 20). O cristianismo é comunhão, pois é trinitário. Solitários não, e sim solidários somos chamados a ser! Isso implica em estar atento ao outro, à sua tristeza e dor, a seus anseios e alegrias. Na solidão, o ser humano mergulha dentro de si mesmo numa autodefesa contra o isolamento a seu redor. Toma consciência de sua pouca importância no mundo externo. Mas, Deus assegura-nos sua permanência a nosso lado: “Não temas, porque eu estou contigo” (Is 41,10).
O NOVO CÓDIGO PENAL Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com Por mais que o governo estadual distribua carros pelas Delegacias de Polícia dos municípios do Rio Grande do Norte, o índice de assaltos e assassinatos não cairá. Por mais que a União adquira armas e munições para as delegacias de polícias, não diminuirá a frequência de estupros e furtos de veículos nesse Estado. Por mais que a governadora aumente o efetivo da gloriosa Polícia Militar, botando nas ruas novos soldados, cabos e sargentos, não estancará a violência das ruas contra taxistas, motoristas de aplicativos, turistas, crianças, mulheres e adolescentes. Por mais que as autoridades da Justiça e da Segurança ampliem ou construam novas penitenciárias, promovam debates e falem em cidadania, não baixará a escalada dos furtos a bancos, agências de correio e residências. Mas, apenas um gesto, uma ideia, uma lei pode conter em muito, isso tudo. Um novo Código Penal, conciso, limpo, pragmático parecido com o modelo norte-americano. O criminoso tem medo da pena e não da polícia. Mas, aí se dirá: e nos EEUU isso deu certo? Deu. A repressão e o castigo são implacáveis. Por uma simples acusação de assédio sexual o ex-presidente Clinton passou pelo constrangimento num tribunal de ficar cara a cara com a acusadora. Acabar com a criminalidade por total é impossível. Ela pode ser atenuada. Todavia no Brasil, existem os fatores de terceiro mundo que são fundamentais: a miséria, as drogas, a corrupção política, o desemprego, o ensino público deficiente, a “cultura dos nossos colonizadores” e os Direitos Humanos torcendo mais pelo marginal do que pela polícia. Gangs de jovens matam e assaltam sob o manto protetor do inimputável e frágil Estatuto da Criança e do Adolescente. Agora, o Congresso quer resolver a irresponsabilidade do trânsito que mata mais no Brasil do que as doenças do coração. Depois de anos de equívocos acumulados, de equiparem carros com sirenes e bafômetros, de modernizarem semáforos e erguerem lombadas, refletiram sensatamente que o problema estava na fraca legislação. O criminoso do trânsito estava fora do Código, fazendo “cavalo de pau!”. E nos ilícitos penais contra a vida e o patrimônio? E o estupro, o seqüestro, por que o novo Código Penal que o Congresso Nacional deve ao povo brasileiro não contempla uma punição rigorosa contra esses animais? Passamos por essa provação de impunidade, de reincidências por que a cultura jurídica brasileira foi toda chantada na lei Fleury, aquela na qual você mata e vai pra casa lavar o rosto e defecar o crime, que desce no primeiro aperto do botão da descarga. Ela constitui um capítulo anunciado na carta de Pero Vaz Caminha. Vivemos um tempo de espanto. De horror. Custódia é uma meretriz sedenta por impunidade nas salas de audiência. Ante o espanto de um deputado empobrecido e de alma dilacerada preciso recuperar minha autoestima. Deduzo que a burguesia não fede. Abomináveis são as rugas da sua infinita vaidade e grave é a insensibilidade estampada no horário eleitoral. Enquanto isso, nós, eleitores enganados pelas emendas parlamentares, continuaremos vendo o desperdício do dinheiro público. Para encerrar, após um chatérrimo fim de semana de longa travessia do horário eleitoral, lembrei-me que até agora as autoridades da saúde, nada fizeram para enfrentar a crise do hospital Walfredo Gurgel. Enquanto isso, no fundo eleitoral tem dinheiro pra tudo! Essa vida é mesmo um ziguezague de contradições. Os pobres continuam gemendo nas filas de cirurgia sob o peso da matéria maldosa do escárnio, do desprezo e da desfaçatez. (*) Escritor.
Setembro, o mês da Bíblia Padre João Medeiros Filho No Brasil, é tradição da Igreja católica dedicar setembro à Sagrada Escritura, em homenagem a São Jerônimo (347-420 d.C), cuja festa litúrgica é celebrada no dia trinta desse mês. Ele foi o primeiro a traduzir a Bíblia dos textos originais (hebraico, aramaico e grego) para a língua latina (predominante nas comunidades cristãs ocidentais da época e idioma oficial da liturgia). A tradução passou a ser denominada Vulgata. O mês temático tem um papel catequético e pedagógico: incentivar os católicos à leitura e meditação dos textos sagrados: Pão da Palavra, na expressão de exegetas e hermeneutas. Na história do catolicismo, a Bíblia nem sempre pôde estar nas mãos dos fiéis. Após o Concílio de Trento (1545-1563) – a fim de evitar interpretações inidôneas ou inexatas – era necessário obter autorização da autoridade diocesana para ler os Livros Sagrados. Isso não ocorreu sem consequências. Assim, o conhecimento e o estudo da Bíblia não se tornaram um hábito comum entre católicos. Hoje, essa realidade vem mudando, graças a iniciativas, tais como os círculos bíblicos, a leitura orante dos Livros Inspirados, a liturgia da Palavra na Eucaristia e administração dos sacramentos. Há todo um trabalho para fortalecer a consciência de que a Sagrada Escritura “é lâmpada para os [...] pés e luz para as [...] veredas” (Sl 119/118,105). No Livro de Ezequiel, Deus ordena ao profeta: “Come o que tens diante de ti! Come este rolo [pergaminho] e vai falar à casa de Israel... Eu o comi, e era doce como mel em minha boca” (Ez 3,1.3). O episódio descrito faz parte do contexto da vocação profética daquele hagiógrafo. O relato mostra-nos o poder de alimento da Palavra Divina. Em várias passagens do Antigo Testamento há uma exortação expressa para que se medite, dia e noite, a Lei do Senhor, como verdadeira orientação para uma vida digna diante do Criador. O evangelho de Mateus (Mt 4, 4) relata Jesus citando o Deuteronômio: “não só de pão vive o homem, mas de tudo o que sai da boca do Senhor” (cf. 8, 3). É muito simbólica a postura de Ezequiel, ao comer o Texto da Lei (Torá). Explicita bem a importância de se nutrir daquilo que Deus transmitiu e daí pautar nosso viver e agir. Os escritos sagrados revelam-nos um infinito de experiências ricas do ponto de vista espiritual, místico e cultural. A diversidade de gêneros e estilos literários, linguagens e perspectivas teológicas faz desse Livro uma biblioteca. Alimentar-se de tais escritos é enriquecer-se não só espiritual, mas também culturalmente. O conhecimento da Bíblia leva os fiéis a mergulhar num universo tão vasto e precioso, sendo impossível não se apaixonar por ela. O Concílio Vaticano II mostrou a importância da Igreja da Palavra, que igualmente é Igreja da Eucaristia. Ambas são sacrários de Cristo. Não se pode esquecer que, durante séculos, o Povo de Deus se nutria fundamentalmente da Palavra. Não havia sacramentos. Ainda hoje, várias comunidades (sem ministros ordenados) não dispõem dos gestos sacramentais. O grande alimento é a Sagrada Escritura. Afinal, somos também a Igreja da Palavra. É salutar celebrá-la em nossas residências meditando-a e permitindo que ela transforme todos, tornando-os cada vez mais semelhantes a Cristo, Verbo de Deus que se “fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). Jesus é o Salvador, consequentemente sua Palavra é Salvação. O domingo e mês da Bíblia são uma excelente oportunidade para a mudança de algumas práticas religiosas. É preciso crer plenamente que fortalecidos também pela Palavra do Senhor somos edificados como Igreja. Portanto, celebrá-la tem um valor inestimável. Por ela somos providos pelo Deus da Vida. “Ah, se hoje ouvísseis a sua voz”, anseia o salmista (Sl 95/94, 8). Convém dedicar igualmente tempo para beber das fontes divinas na liturgia cotidiana da igreja doméstica. Celebrar a Palavra em casa, sobretudo no Dia do Senhor, com os familiares, é ter a certeza de que se fará a experiência do Cristo Ressuscitado. Diante de tanta riqueza espiritual, a resposta de Pedro – quando instado pelo Mestre se iria abandoná-Lo – foi contundente: “A quem iremos, Senhor, só Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6, 68).

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

A 5ª DIMENSÃO DO ESTRESSE Valério Mesquita mesquita.valerio@gmail.com Tudo incomoda o vivente. O sobrevivente. Provar a sensação amarga da guerra perdida. Contemplar do alto do edifício urbano as maiorias fúteis impondo iniquidades sobre Natal. O ter que habituar-se com a visão torta e vesga dos poderosos de plantão que impõem suas regras pela mídia. Natal sem becos, sem esquinas boêmias, sem praças, sem preces, povoadas de vultos inexpressivos que não serão falados amanhã. Extraviaram a noção de história. Os anos inaugurais do século XXI, não têm o glamour dos fatos e das figuras do século passado. O homem coisificou-se. Perdeu a densidade, a identidade, a musculatura dos gestos e dos passos que fazem história. Na política, não temos mais líderes como antigamente: os neófitos já significam os náufragos que irão morrer amanhã. A paisagem é deserta. As instituições se burocratizaram em blocos de ferro e cimento armado. Não têm mais lume nem leme. “Igrejinhas” tão somente. Não sei se há esperança. Não sei se há salvação. A única ameaça à ordem constituída continua a ser o câncer de próstata. Muitos acreditam que é o maior desafio ainda não enfrentado pelo Ministério Público. Por outro lado, Natal a cada dia, fica mais insuportável com a quantidade de veículos. De motos. Principalmente aquelas que cortam o seu carro pela direita. Mas, assim caminham as capitais, as metrópoles para o futuro enganoso oferecido pelas imobiliárias. O ensino público e privado mercadejou-se tanto quanto o turismo sexual. Perdeu a qualidade. E viva a quantidade. Fortunas repentinas arremetem-se para o alto iguais ao crescimento vertical da cidade. Não há explicação. Não há investigação. Tudo é volátil e volante. Expresso em arcos voltaicos celebrados na crônica social. É aí que se deduz que toda celebridade quando não é célere, é celerada. Ou fazem de cômicas todas as autoridades. Saio de mim para penetrar na imponderabilidade do oceano que assiste, lá fora, a decomposição humana. A visão misteriosa do oceano pacífica e beatifica o pecador solerte, já dizia o décimo terceiro apóstolo de Cristo, perdido no tempo e no espaço, ainda acreditando na grandeza do último milagre. Mas, estresse é coisa séria. Pode ser trágico, para não dizer cômico. Não há como escapar de suas ilações, reações adversas e efeitos colaterais. Mas, que Natal está chata e irreconhecível, infelizmente é verdade. Tenho ultimamente pensado muito em Lucrécia. As duas. A Bórgia e a do Oeste. São pontos de fuga. Estações de tratamento para os dias. Os mesmos dias. (*) Escritor.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Solidão, presença indesejável Padre João Medeiros Filho A solidão, ausência de companhia e interlocução, marcada pelo isolamento, é algo doloroso. Existe o risco de levar alguém à depressão e morte. Faz-nos pensar na música de Vinícius de Moraes e Toquinho “Um homem chamado Alfredo”. Este contava tão somente com a companhia de um papagaio e um gato de estimação. Desistiu de viver, inalando gás de cozinha. Dizia-se cansado da vida, por não ter ninguém com quem falar, alguém para amar, uma mão para apertar. Entediou-se com sua invisibilidade e existência que não atraía ninguém. A solidão é um dos grandes males testemunhados nos dias de hoje. Pode acontecer em um pequeno quarto ou sentida em meio às multidões que passam e não veem, escutam e nem se dão conta de que ali há um semelhante com sentimentos, sonhos e desejos. “É solitário andar por entre a gente”, desabafava Camões num soneto. Os seres humanos são relacionais, necessitando da presença e interação de outrem para viver. O isolamento acaba destruindo uma pessoa, prematura ou repentinamente. O governo britânico criou o Ministério da Solidão, ao constatar que o Reino Unido invertia a corrida mundial pela longevidade, apresentando índices de mortalidade precoce em seus cidadãos. Tornou-se para os ingleses problema de saúde e política pública. Carecia de um órgão para cuidar dessa nova situação humana. Suas maiores vítimas são os idosos. Há cidadãos que já não contam mais no mapa da produtividade, contribuição social e beleza. Têm suas atividades físicas limitadas. Segundo os versos de Vinicius, “andam com os olhos no chão, pedindo perdão por existir e incomodar.” São impotentes, não tendo a quem pedir socorro, quando se aproximam do abismo da depressão. Esse grupo avolumase nas aglomerações modernas. A longevidade aumenta e não se morre mais no apogeu da existência ou na flor da idade. Nestes casos, a partida era sentida e pranteada. Na velhice, o óbito poderá deixar um alívio para alguns. Os solitários de hoje são majoritariamente os idosos, órfãos de filhos vivos, esquecidos pela família. Não raro, os descendentes e familiares moram longe, acarretando dificuldade financeira e de deslocamento para visitá-los. Ou, porque atrapalham a ânsia de lazer e consumo que predomina na nas gerações atuais. Quem vai querer um velho incomodando um fim de semana de festas, comemorações e programas? E o idoso fica em casa, geralmente pequena e sem muitos recursos. Onde estão os amigos do ancião? Muitos, doentes; vários já partiram. E os recursos para passeios e diversão? As aposentadorias são parcas, mal dão para comprar comida e remédios. Os filhos ajudam? Provavelmente. Nem sempre com o suficiente. Há outras prioridades, como levar as crianças a Disney, esquiar na Europa, divertir-se em casas de campo ou de praia, bem como frequentar restaurantes badalados. E assim, o final de muitos idosos é marcado de Alzheimer, confinamento em algum asilo, tristeza com a presença domiciliar de um cuidador impaciente ou improvisado. A solidão cresce com a diminuição das energias, o desaparecimento dos círculos de amizade. Em muitas cidades brasileiras há ainda o agravante da violência e insegurança, impedindo o hábito de um contato assíduo. Os vizinhos cuidam cada um de sua casa, vida, família etc. Alguns solitários se apegam a animais. Alfredo tinha um louro e um bichano que estimava. Quando morre o companheiro de bico ou quatro patas, a dor é equivalente à perda de um parente. O idoso sente-se descartado por uma sociedade, que não previu um lugar para ele, por uma família que progressivamente o abandona e esquece. É necessário tornar-se mais humano, aprendendo a povoar a vida do semelhante. Cristo prometeu aos apóstolos: “Não vos deixarei sozinhos” (Jo 14, 15). E acrescentou: “Estarei convosco todos os dias” (Mt 28, 20). O cristianismo é comunhão, pois é trinitário. Solitários não, e sim solidários somos chamados a ser! Isso implica em estar atento ao outro, à sua tristeza e dor, a seus anseios e alegrias. Na solidão, o ser humano mergulha dentro de si mesmo numa autodefesa contra o isolamento a seu redor. Toma consciência de sua pouca importância no mundo externo. Mas, Deus assegura-nos sua permanência a nosso lado: “Não temas, porque eu estou contigo” (Is 41,10).

sábado, 7 de setembro de 2024

INDEPENDÊNCIA OU MORTE
PROFISSÃO DE FÉ Valério Mesquita* mesquita.valerio@gmail.com Sempre gostei de repetir a definição do ex-senador Dinarte Mariz que: "Política, meu filho, é uns empurrando os outros". Não tfoi fácil para mim percorrer com sucesso, os caminhos da vida pública, sendo descendente de um político que empobreceu no exercício dessa atividade e que deixou materialmente para os filhos o que recebeu dos seus pais: uma casa na rua da Cruz e uma propriedade, já vendida, para custear campanhas eleitorais. Aqui e ali, surgem as estocadas dos invejosos de plantão. O meu mandato parlamentar pertenceu ao povo. Tenho, até com certo orgulho, uma larga folha de serviços prestados a Macaíba, Natal, Extremoz, São Gonçalo, Parnamirim, São Pedro, entre vários outros municípios. Quando me candidatei a deputado estadual em 1986, preparei-me, primeiramente, dezesseis anos. Ingressei na política em 1970, mas antes adquiri experiência como líder político e prefeito de minha terra para me lançar candidato. Não fiz de minha atividade política uma aventura inconsequente. Entendo que, quem chega deve respeitar os que já estão e se puder fazer melhor que lute por isso. Na política, ao longo de minha trajetória, sempre vivi as minhas horas mais completas. Um antigo amigo, certa vez, aconselhou-me: "Não fale nada dos outros e menos de ti". Mas, vivi episódios que falaram por si mesmos. Macaíba, Natal e São Gonçalo são a mesma geografia, a mesma história, a mesma vida em comum, uma corrente de afinidades e compreensão. Os nomes são diferentes mas a terra, o ar, as pessoas, tudo é tão parecido que as fronteiras se tornam flexíveis. Nessas paragens há passagens esparsas de minha vida por toda parte. Deixei o rastro no chão e a alma também, que no dizer do poeta Fernando Pessoa "é vasta e a obra imperfeita". Sou de Macaíba, o filho, o irmão, o cidadão, o íntimo, com uma presença evocativa de amor e respeito. Tanto aqui quanto ali, pisei o mesmo chão, respirei o mesmo ar, participei da mesma natureza. Na minha infância, eu já conhecia o mapa e os homens de bem da minha terra. Sem ilusões, não moro nas alturas e não tenho em minhas mãos o que não é meu. Atravessei as noites escuras do tempo, as dificuldades de reeleições difíceis em 1990, 1994 e 2000. Em 2002, cheguei ao Tribunal de Contas e fiquei por por 11 anos. Entendendo que ainda não soou a minha hora de silêncio e porisso não me calo. O que importa é ter a coragem de viver e sustentar a alma que não se rende. Serei para todos macaibenses sempre devedor de suas generosas votações. Os dias que me restam na política serão poucos para agradecer. Só posso fazer e dizer, finalmente, na emoção, igual ao do poeta nordestino: "Que sempre beijarei a terra que me dá a benção da maternidade".

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

BATO OUTRA VEZ Valério Mesquita* mesquita.valerio@gmail.com O rio Jundiaí, no trecho em que atravessa a cidade de Macaíba, perdeu o solo, o curso, o chão, o cheiro, a visão e ameaça o bem-estar dos habitantes. Entre o parque governador José Varela e a praça Antônio de Melo Siqueira deixaram crescer no leito poluído imensos manguezais que enfeiam um dos mais bonitos logradouros urbanos. Essa selva esconde lixo doméstico, carcaças de animais, marginais do tráfico de drogas em todo o seu percurso e os galhos já ultrapassam a altura da ponte e das balaustradas. A Tribuna do Norte publicou, excelente matéria sobre tudo que ameaça e destrói os rios Potengi e Jundiaí. Mas, o foco da minha questão e, creio, dos cidadãos macaibenses, reside exatamente neste aluvião de perguntas: por que o Idema não evita, aparando, podando, somente nesse trajeto o “matagal” entre o antigo cais do porto até a outra lateral da ponte? Por que não licenciam a prefeitura para fazê-lo? Não tem nada a ver com agressão ao meio ambiente? Tem? Tem não. A praça e o parque perderam o charme de antigamente. Ninguém enxerga ninguém, olhando de um lado para o outro. A conscientização ambiental deve ser obedecida até onde não prejudique a funcionalidade urbanística e o senso prático e plástico do mapa citadino. Desde quando, em 1950, se planejou e se construiu a estrutura de pedra e cal das duas margens, o choque do progresso jamais prejudicou a superfície do rio. Nem, tão pouco, o molestaram, a expansão e o desafio do crescimento habitacional. Pelo contrário, as balaustradas de proteção ordenaram a trajetória das águas e defendeu as ruas periféricas contendo os transbordamentos das enchentes. Contemplo, hoje, que os problemas das inundações estão equacionadas com a construção da barragem de Tabatinga. Por que o Idema, tão preocupado com o meio ambiente, não permite, apenas, nesse, pequeníssimo trajeto fluvial o corte da poluição visual da paisagem urbana e memorial de Macaíba? Ali, a vegetação gigantesca e desproporcional encobre um dos pontos históricos do município. Refiro-me ao cais das antigas lanchas que faziam o percurso fluvial entre Macaíba e Natal: a lancha do mestre Antonio, o barco de João Lau, além da lancha “Julita” que transportou tantas vezes Tavares de Lyra, Eloy, Auta e Henrique Castriciano de Souza, Augusto Severo, Alberto Maranhão, João Chaves, Octacílio Alecrim e tantas outras figuras notáveis da vida social, cultural, política e econômica. Todos se destacaram nos planos estadual, nacional e internacional. Ali, o centenário cais, jaz sob os escombros de verdes balizas envergadas e fantasmagóricas. A visão noturna é tétrica e arrepiante. Desfigura e mutila os padrões estéticos do planejamento da urbe que a faz parecer abandonada e suja. Até a lua cheia que nasce lá por trás do Ferreiro Torto foi encoberta. A turma do “Sempre-Macaíba” e da nossa Academia de Letras convidam o pessoal do Idema para uma visita à noite ao tétrico ambiente para assistir um filme de terror. Assim como se deve obedecer a educação ambiental, do mesmo modo, exige-se o tratamento e o corte do matagal por parte dos órgãos públicos responsáveis a fim de evitar o represamento do lixo no leito, exclusivamente urbano. Nas capitais e cidades importantes do Brasil banhadas por rios não se vê tratamento tão displicente e indiferente da parte dos setores responsáveis. Sei que o prefeito de Macaíba, não postulou a solução do assunto, nem uma vez. Ao redimensioná-lo neste texto, cabe aos órgãos prefalados uma reflexão, um reestudo sobre o cenário dantesco do rio Jundiaí na parte descrita. O povo tem o direito de ouvir e a coragem de duvidar que essa selva fantasmagórica que devora e perturba a todos seja explicada e resolvida, sem slogans, clichês, palavras de ordem, lugares comuns, peças de marketing ou princípios dogmáticos. Que venha à lume as boas intenções e que não fique Macaíba submersa na má fama da poluição de manguezais aterradores. Porisso, bato outra vez, tal qual Cartola, com esperança no endurecido coração do Ministério Público. Há mais de dez anos nada mudou: o rio Jundiaí continua punido. (*) Escritor.

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Pedra e fé em Cristo Jesus Padre João Medeiros Filho Carlos Drummond de Andrade escreveu em um de seus poemas: “No meio do caminho tinha uma pedra...” Alguém já disse que “a poesia é a menina dos olhos da literatura.” Houve, entre os críticos literários, quem quisesse comparar os versos drummondianos com a poesia primitiva a ser burilada pelo autor. Seria semelhante ao granito, com o qual o escultor faz brotar sua obra de arte. Abgar Renault em “A lápide sob a lua” afirmou: “O poeta é artesão e bruxo das palavras.” A poesia, assim como a escultura, seria um trabalho artesanal do artista paciente e perseverante, evitando a inspiração apressada, fortuita e alienada. Ao contrário, é fruto do empenho “das retinas tão fatigadas”, segundo o vate de Itabira. Diante de tais interpretações, Drummond intervém, afirmando que ali ele tratava mesmo de pedra. João Cabral de Melo Neto era considerado um poeta de estilo contido e seco. Em sua obra “Pedra do Sono” afasta-se da tradição do simbolismo da linguagem, tornando a objetividade da prosa escrita envolta em poesia. Para esta transporta a dura realidade dos canaviais pernambucanos, também retratada nos pedregulhos em “Morte e Vida Severina”. A luta árdua pela vida traduz-se na estética do drama. Pode-se perceber o desafio compreendido por Cristo, quando usa a metáfora pétrea ao designar o primeiro papa. O granito inspira-nos a ser firmes, mas quando transformado em arte, leva-nos à admiração e ao amor. Deste modo, a fé deve ser inspiradora, capaz de suscitar atitudes de entrega, solidariedade e perdão, como o mármore que se presta a vários tipos de escultura. Vale lembrar o romance de Ariano Suassuna “A Pedra do Reino”, ao descrever a vida como uma pedra, “mas doce como uma cajarana madura.” Se ela chega a comover poetas e romancistas, não deixaria de chamar a atenção do autor das Bem-aventuranças. “Olhai as aves do céu... Aprendei dos lírios do campo...” (Mt 6, 26). Quanta beleza nesses textos bíblicos, que amenizam a aridez da existência! Cristo emprega várias expressões e imagens do cotidiano de seu tempo: terreno, rocha, grão, pastor, ovelha, senhor, servo etc. Revelava com alegorias e muita simplicidade o Reino dos Céus, que Ele veio pregar. Como é importante retornar à simplicidade das analogias evangélicas para se compreender o pensamento de Jesus! A realidade da rocha, mantida na retina ou na memória, é um desafio e encanto. Um olhar poético sobre ela a verá com mais profundidade e transcendentalismo. O Filho de Deus a tornou parábola do Príncipe dos Apóstolos, em cuja fé colocou os alicerces de sua Igreja. “Tu és Pedro e sobre esta pedra, edificarei a minha Igreja” (Mt 16, 18). Encontramos a palavra pedra vinte e sete vezes no Novo Testamento e vinte e quatro, o vocábulo rocha. Eis como Cristo é preconizado no Antigo Testamento: “A pedra que os construtores rejeitaram, tornou-se a pedra angular” (Sl 118/117, 22). O próprio Deus é assim lembrado: “E quem é a Rocha, senão o nosso Deus?” (2Sm 22, 32). Há algum tempo, o Sumo Pontífice, dirigindo-se a um grupo de freiras contemplativas, propôs-lhes “uma fé sólida e útil como a rocha”, contrapondo-a a um caminho “demasiadamente espiritualizante, abstrato e místico.” Com o significado da rocha o Salvador do mundo procurou definir a dimensão transcendente do ser humano. Queria mostrar nossa fé, inabalável e profunda, burilada pela graça divina, sem falsa e alienante espiritualidade. A pedra é ícone de nossa existência espiritual, desafiadora e objetiva, que se molda na firmeza da gratuidade sobrenatural. Ela também acolhe, serve de assento, referencial e repouso no cansaço da caminhada. Por isso, Cristo a constituiu símbolo de sua Igreja. Portanto, a condição pétrea de nossa humanidade não serve apenas para a poesia moderna, mesmo não sendo engajada na problemática social, segundo o pensar de alguns teólogos. É indispensável à fé, que deverá ser autêntica e testemunhada, isto é, fundamento da caridade e propulsora da esperança, nutrindo a transcendência do homem, cidadão do Infinito. Convém refletir sobre as palavras do apóstolo Pedro: “De igual modo, também vós, como pedras vivas, formai um edifício espiritual” (1Pd 2,5).

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

AS PEQUENAS E BOAS ATITUDES MELHORAM O MUNDO Valério mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com Nesse planeta de dúvidas e de dívidas – muito mais do que antes – é necessário compadecesse do ser humano. As pequenas atitudes melhoram o planeta, repito e é verdade. Contudo, a cada dia, se descobre que todo homem, por mais firme que esteja é pura vaidade. Não reflete que “passa como uma sombra amontoando tesouros e não sabe quem os levará”, conforme ensinou o salmista rei Davi, no auge do declínio político e de poder. Os dias de hoje são ominosos e fatais para a humanidade. Mesmo que você ore que o Senhor é a sua luz e a ninguém deve temer. O tempo mudou muito a imagem e a rigidez disciplinar do Vaticano. O poder doutrinário não é mais tão exigente quanto o de antes. Hoje é pacífico, conciliador. O ser humano vive a cultura do mundo das paixões, das relações homoafetivas, dos trágicos conflitos racionais, religiosos e políticos. As práticas já alcançaram o nível de extermínio. Nas favelas brasileiras o número de bandidos excedeu o de moradores pobres. Na história das repúblicas latino-americanas os índios foram vítimas de assassinatos, hoje são os doentes nos hospitais públicos pela falta de remédios e de médicos. O egoísmo dos homens corrompeu a democracia, as instituições. Tudo foi depredado: o meio ambiente, o sindicalismo, o mercado de trabalho, o sistema previdenciário, o ensino médio e superior, a legislação penal e a penitenciária. Até no Supremo Tribunal Federal, os ministros colidem e se agridem de forma banal, como nunca se viu décadas passadas. As Casas Legislativas cultivam o silêncio obsequioso em algumas questões e em outras submetem-se a dependência de cargos, favores ocasionais e sazonais. Prefiro laborar na tese de que o homem sem acreditar na Bíblia não tem futuro na terra e nem no que cuida ou governa. Caso se torne bem sucedido, fará infeliz uma multidão de seres humanos. Certa vez, procurei ler algo sobre a trajetória do teólogo e pensador Leonardo Boff, notadamente traços de suas colisões com a igreja católica, por causa da Teologia da Libertação. É claro que não pretendo num modesto texto discutir ou discrepar com o famoso escritor e pensador brasileiro. Pinço um fato do seu encontro em 1984, em Roma com o cardeal Ratzinger, sucessor de Wojtyła (Papa João Paulo II). O ex-pontífice era o então prefeito da Congregação para a Doutrina e a Fé. No dia aprazado, Boff escreveu ao cardeal explicando que não poderia comparecer ao chamado da Santa Sé porque naquele dia (05 de setembro), teria compromisso com a Associação das Prostitutas, vítimas de exploração, a qual recebia apoio da CNBB. O papa emérito (cardeal Ratzinger) telegrafou para dizer que “a Igreja deveria vir antes de tudo”. Leonardo Boff foi astuto. Respondeu “que, conforme as palavras de Jesus, as prostitutas gozam de precedências, no Reino dos Céus”. E citou a parábola de Jesus em Mateus 21.31, quando pregava no templo para os principais sacerdotes e os anciões do povo que davam respostas equivocadas as suas perguntas. (“Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de Deus”). Veja como a interpretação da palavra de Deus (Pai, Filho e Espírito Santo) pelas religiões cristãs do mundo está a merecer uma rediscussão a fim de chegar a unicidade e a verdadeira paz. Outro detalhe diferenciador das igrejas católicas e evangélicas: a primeira diz “a paz de Cristo!”. A segunda, para divergir, todavia dá no mesmo, proclama “a paz do Senhor!”. Chegou o momento fundamental de todos se entenderem que o reino desta vida também é de Deus, uno e indivisível. A paz é uma só. Outra grande atitude para melhorar o mundo já pregado e difundido pelo Papa Francisco é o diálogo das igrejas em favor da coletividade humana, sem o fermento da discórdia e do egoísmo na interpretação da palavra do Pai, do Filho e do Espírito Santo. “Quando dois ou mais estão reunidos em meu nome, estou presente no meio deles”. No mais, é deixar que Ele grave no senso trágico da brevidade humana os sinais de sua mensagem. (*) Escritor.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Jucurutu, paróquia sesquicentenária Padre João Medeiros Filho Há consenso entre os historiadores sobre o ano de criação da Paróquia de Jucurutu: 1874. Entretanto, dois expoentes de nossa história – Câmara Cascudo e Tavares de Lyra – divergem quanto ao orago e mês da elevação à categoria de matriz. Para o primeiro, a freguesia foi erigida em 1º de agosto, tendo como patrono São Sebastião. O segundo indica a data de 1º de setembro, sendo padroeiro São Miguel Arcanjo. Cascudo é fiel às fontes eclesiásticas, enquanto Tavares de Lyra prende-se aos registros civis, abordando temas religiosos. A Lei Provincial 707/1874/RN citada por ambos, erigindo a freguesia, é apenas uma das peças do processo de criação, sendo indispensáveis a autorização imperial e o decreto do bispo diocesano. Isto ocorria por força do regime do Padroado, herança da Coroa Portuguesa, em vigor no Brasil. Em razão dessa concordata entre o Brasil e a Santa Sé, o Imperador gozava das prerrogativas de escolher bispos, párocos, vigários, cônegos, capelães, criar, suprimir dioceses, paróquias, capelanias, irmandades etc. Ao Sumo Pontífice e aos bispos cabia confirmar os atos. Poucos historiadores tratam da presença dos jesuítas no RN, no período colonial. Cascudo tece elogios ao trabalho catequético-evangelizador dos padres da Companhia de Jesus. Devotos de Maria Santíssima, São João Batista e dos anjos, deixaram essa marca devocional por onde passaram. Nas antigas Reduções (RS) destaca-se a existência de cidades e paróquias identificadas com os nomes de São Gabriel, Santo Ângelo, São Miguel das Missões etc. No RN, não foi diferente. Em Arês (nas origens, conhecida por São João Batista de Guaraíras) introduziram a devoção ao precursor de Cristo. Na cidade de Extremoz (antiga São Miguel de Guajiru) difundiram a veneração ao Arcanjo, sendo até hoje o seu patrono. Posteriormente, os discípulos de Santo Inácio de Loyola adentraram os sertões potiguares, fixando-se em Angicos, cujo aldeamento teve nos primórdios o nome de “Curral dos Padres”. Os jesuítas não são denominados frades, e sim padres. De Angicos, rumaram para Assú, cujo padroeiro é São João Batista. Dali, foram até Apodi, onde catequizava Padre Felipe Bourel. Estiveram em Caiçara Velha (hoje São Rafael), tomando a direção de Jucurutu, estabelecendo-se à margem de um riacho, afluente do Rio Piranhas-Açu. “Eles eram perseverantes no ensinamento dos apóstolos” (At 2, 42). A notícia mais precisa sobre os jesuítas em Jucurutu vem do Padre Serafim Leite, em História da Companhia de Jesus no Brasil: “Perseguidos, os nossos [termos como os jesuítas chamam seus confrades] se refugiaram numa pequena aldeia, administrada pela Companhia [de Jesus] que do Arraial [Assú] dista cerca de dez léguas, à margem de um rio, povoado de piranhas, que banha igualmente o citado arraial.” Paira uma dúvida sobre o orago da paróquia jucurutuense. Já se aludiu à divergência de Cascudo e Tavares de Lyra sobre essa questão. Para o pesquisador caicoense, Monsenhor Francisco Severiano de Figueiredo, “o primeiro padroeiro de Jucurutu foi São Miguel Arcanjo.” A essa invocação alude outro caicoense, Padre Sebastião Constantino de Medeiros, governador do bispado de Olinda. Desde a época de aldeia à elevação como cidade, o lugar denominava-se São Miguel de Jucurutu. Posteriormente, em consequência de um voto, os habitantes solicitaram ao bispo de Olinda, Dom Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira, a mudança de orago do então povoado. Isso aconteceu quando grassava a epidemia do “colera morbus”, pósguerra contra o Paraguai. A partir de então, São Sebastião passou a ser o protetor. Alguns pesquisadores apontam o Santo de Narbona (Sebastião) como patrono na criação da freguesia, arrimando-se em Padre Gabriel Malagrida, jesuíta missionário nos sertões nordestinos, o qual asseverou: “Aos males que nos fazem, respondamos com o bem. Assim, a triste figura de Sebastião José de Carvalho e Melo [Marquês de Pombal] seja ignorada, denominando-se a paróquia por um santo de igual nome, apagando assim a memória de um personagem ímpio de nossa história.” Em 2023, pensando no sesquicentenário, o sétimo bispo de Caicó, Dom Antônio Carlos Cruz dos Santos, pelo Decreto Diocesano 18/2023, anexou salomonicamente a invocação de São Miguel ao lado de São Sebastião, declarando-os padroeiros de Jucurutu. O apóstolo Paulo suplicava: “Irmãos, estejais todos de acordo com o que dizeis para que não haja divisão entre vós” (1Cor 1, 10).

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Ilusão e poder Padre João Medeiros Filho Encontra-se no Livro do Eclesiastes a seguinte frase: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (Ecl 1, 2). Uma análise dessa assertiva revela que a tradução portuguesa não elucida exatamente o significado que o hagiógrafo quis imprimir no início de sua obra. Segundo vários exegetas, dentre eles Joseph Coppens, Lucien Cerfaux, Jean Giblet etc. o sentido mais próximo seria: ilusão das ilusões, tudo é ilusório; efemeridade das efemeridades, tudo é efêmero. A palavra, traduzida do hebraico “ḥebel” para o nosso idioma significa fugaz, passageiro. Daí o nome bíblico de Abel, aquele que teve vida curta. Tudo passa! Eis a mensagem de sabedoria do Livro Sagrado, aprofundada pela tradição cristã, partindo do ensinamento de Jesus. Vale a pena juntar tesouros que a traça corrói, ou o fogo devora? Cristo ensinou: “Que adianta ao ser humano ganhar o mundo inteiro, se vier a arruinar sua vida?” (Mc 8, 36). A história comprova tal realidade. Quantos dignitários e potentados são destroçados, ao longo do tempo! Líderes importantes caem no esquecimento e escárnio, mais cedo do que se imagina. Esta é uma profecia contida no Magnificat: “Depôs os poderosos de seus tronos e exaltou os de condição humilde” (Lc 1, 52). Ao defender Graciliano Ramos, o jurista Sobral Pinto asseverou: “Nenhum ditador é infalível e eterno.” Sem Deus, tudo não passa de um sopro. Na antiga cerimônia de coroação do papa, o cardeal camerlengo proclamava: “Sancte Pater, sic transit gloria mundi” (Santo Padre, assim passa a glória do mundo). Vivem-se tempos em que o lucro, o prestígio e o mandar são imperativos que movem aspirações de muitos. Há séculos, a humanidade exalta o ter e o poder, desprezando o ser, “obra prima de Deus que não se repete”, na expressão do poeta Tagore. Incutiu-se a ideia de que com habilidade, poder-se-ia alcançar riqueza e status. Entretanto, verifica-se, como resultado, uma geração de pessoas desesperançadas e deprimidas. Diante de uma situação análoga, Jesus expressou: “Tenho pena dessa gente, cansada e abatida, como ovelhas sem pastor” (Mt 9, 36). Infelizmente, a sede de poder faz calar as ações que visam ao bem comum e à dignidade humana. A sofrida realidade de alguns povos, outrora prósperos, agrava-se atualmente. Pelas ideologias inocula-se o vírus da dominação. A busca desenfreada para manter-se empoderado foi o primeiro pecado da humanidade. É o que se pode inferir da metáfora bíblica no Livro do Gênesis (3, 1-24). Adão e Eva queriam ser iguais a Deus. Mais adiante, lê-se que Caim matou Abel (Gn 4, 8-16) para permanecer senhor absoluto e único detentor dos bens paternos. É lamentável perceber que nessa guerra de interesses, quem sofre as consequências são os indefesos, cada vez mais privados das condições mínimas de vida e dignidade. A sedução do poder cega diante das necessidades do próximo. Impede ações iluminadas por amor e solidariedade. O povo fica relegado, a ponto de se tornar apenas peça no tabuleiro do jogo das conveniências políticas e ideológicas. Sociedade da manipulação! Tais atitudes opõem-se à vontade de Deus e colocam diante da absolutização de comportamentos humanos. Triste constatar que a sociedade brasileira polarizada, com atenuantes aqui ou acolá, vive uma guerra pelo poder. Isto tem causado incontáveis vítimas. A belicosidade dos sequiosos de hegemonia não admite limites e desrespeita o homem. Não importa se pessoas passam fome, ficam amontoadas nos corredores dos hospitais públicos, se a escola é de baixo nível, a população vive insegura e infeliz. O ensinamento do Mestre da Galileia: “Vim, não para ser servido, mas para servir” (Mt 20, 28) é descartado. Monsenhor Expedito Sobral de Medeiros, outrora pároco de São Paulo do Potengi (RN), repetia: “Governantes e legisladores necessitam defender os pobres, e não se defender deles e usá-los.” Na certeza de que as alegrias, esperanças, tristezas e angústias dos homens de hoje são também de Cristo, somos impelidos a tomar consciência de nossa responsabilidade na construção de uma sociedade justa e digna. “O poder só é válido, quando se converte em serviço”, dizia Santa Dulce dos Pobres! Rezemos como o salmista: “Desvia, Senhor, os meus olhos, para que não vejam a vaidade, e faze-me viver no teu caminho” (Sl 119/118,37).

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

“A história se repete”: novos bispados Padre João Medeiros Filho Há muito de verdade no supracitado axioma popular. Dom Marcolino Esmeraldo de Sousa Dantas, baiano de Inhambupe, quando bispo de Natal, desvelou-se para dotar o RN de mais duas circunscrições eclesiásticas. Foram quase dez anos de árduo trabalho, entre 1929- 1939, coroado de pleno êxito. Sentiu a alegria de ver as origens das dioceses de Mossoró e Caicó, das quais foi administrador apostólico até a posse de seus primeiros bispos. Pelas bulas papais “Pro eclesiarum omnium” (datada de 28/07/1934) e “E dioecesibus” (promulgada em 25/11/1939), Pio XI e Pio XII erigiram os bispados, respectivamente, de Mossoró e Caicó. Dom Marcolino foi além. Durante mais de oito anos, empenhou-se juntamente com Dom Moysés Sizenando Coelho, arcebispo de João Pessoa, em prol da elevação de Campina Grande à categoria de sé episcopal. Teve mais um sonho realizado. Em 14 de maio de 1949, pelo documento pontifício “Supremum Universi”, Pio XII constituiu diocese aquela cidade paraibana, desmembrando-a dos bispados de João Pessoa e Cajazeiras. Dom Marcolino foi um prelado diligente e de grande atuação pastoral. A elevação daquela cidade paraibana à condição de bispado possibilitaria Natal em se tornar sé metropolitana, separando o RN da Província Eclesiástica da Paraíba. Isto ocorreu, em 16 de fevereiro de 1952, pela bula “Arduum onus”, de Pio XII, menos de três anos após Campina Grande ser constituída sé diocesana. Há de se reconhecer que para as condições da época, o bispo de Natal foi célere em suas decisões e gestões, em favor do Povo de Deus. Decorridas mais de oito décadas, Dom João dos Santos Cardoso (também baiano, de Dário Meira), arcebispo de Natal, em seu dinamismo, zelo pastoral e ampla visão eclesial, dá prosseguimento à tarefa de tornar a Igreja mais próxima dos fiéis. Em apenas sete meses de pontificado em solo potiguar, propôs a criação de duas dioceses no RN: uma na Região Trairi (sediada em Santa Cruz); a outra no Vale do Assú (com sede nessa cidade), incluindo a Região Salineira pertencente ao arcebispado natalense. A iniciativa conta com o total apoio do metropolita, as bênçãos do bispo mossoroense, Dom Francisco de Sales Alencar Batista e a colaboração do clero e fiéis católicos. Gesto nobre do arcebispo, que, além de ceder parcela significativa do território de sua jurisdição, sugeriu que a sede fosse em Assú, freguesia pertencente a outro bispado. A comissão interdiocesana, responsável pela elaboração do projeto, é presidida pelo eminente canonista Monsenhor José Valquimar Nogueira do Nascimento. Cumpre o seu cronograma, estando na fase de formação das subcomissões e escolha de assessores para o desempenho de sua missão. Em 25 de julho passado, recebi um primoroso estudo do advogado assuense e militante católico, Dr. Gregório Celso Medeiros de Macêdo Silva, sobre o futuro bispado. A obra resulta de pesquisas, iniciadas em 2022, sobre a região do Vale do Assú e seu entorno. Será de grande valia para ajudar a comissão a atingir os objetivos propostos. O ilustre autor de “Uma nova diocese no Rio Grande do Norte”, não poderia inicialmente vislumbrar a perspectiva pastoral do metropolita natalense, quando integrou a Região Salineira no projeto da sede diocesana a ser criada. Dr. Gregório aborda aspectos e dados geográfico-históricos, patrimoniais, socioeconômicos, pastorais e antropológico-culturais da futura diocese. A partir de elementos hauridos das paróquias que integrarão o novo bispado, a equipe responsável pela elaboração do texto final delineará o perfil da tão desejada sé episcopal. “Ad maiorem Dei gloriam”, tudo para a maior glória de Deus, afirmava Santo Inácio de Loyola, cujos discípulos evangelizaram os habitantes da primitiva paróquia do Assú na época colonial. Os católicos vinculados ao território da sonhada circunscrição eclesial não poderão ficar indiferentes a este projeto de Igreja, devendo cooperar com recursos humanos, financeiros e orações. Ele é obra do Reino de Cristo e uma necessidade do Povo de Deus. “Somos servidores inúteis” (Lc 17, 9), afirmara Cristo. É salutar que os fiéis leiam atentamente o trabalho de Dr. Gregório, com a participação do Professor Nestor Vieira de Melo Neto. Nosso reconhecimento aos que abraçaram essa causa. Convém lembrar as palavras do apóstolo Pedro: “Do mesmo modo, também vós, como pedras vivas, formai um edifício espiritual” (1Pd 2, 5).

domingo, 11 de agosto de 2024

Carta para o Dia dos Pais Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes Hoje, um domingo de inverno, amanheceu como dia de radiante verão, coisas do Criador para permitir as mais legítimas comemorações, principalmente o Dia dos Pais, onde se oportuniza o transbordamento do amor filial, com o congraçamento da família no sentido da eternização do respeito e da união. Acordei pelas 6 horas e vi que Clara dormia como criança, logo desci do meu quarto-ateliê para a primeira refeição do dia preparada com o auxílio dos meus filhos Rocco, Thereza Raquel e Rosa. Ao terminar o café matinal sentei-me na modesta sala da minha casa, entre as fotos da minha amada THEREZINHA, vivendo no reino de Deus, com os mesmos móveis que deixou, mas agora ornada com suas fotografias, santuário e a presença de um novo membro apanhado nas ruas – Thor, companheiro diário. Dei-me a ouvir músicas do meu tempo, tocadas num aparelho que recebi de presente e com comando de voz – coisa de outro tempo. Os cantores todos eram meus conhecidos e as músicas daquelas que minha companheira sabia de cor. As lágrimas foram inevitáveis. Cada música lembrava um momento e assim passei mais de uma hora em lágrimas, incomodando os filhos e netos que vinham me abraçar. Então dei o comando “Alexa pare” e vim ao meu retiro para guardar o silêncio e a saudade. Carlinho chega com o seu presente – um molde para fazer vitrais, o que vai ser um barato; recebi um comovente telefonema do meu amigo e filho do coração Eduardo Jorge. Meditações, orações e propósitos de não deixar que meus sentimentos estraguem um dia que prenuncia tão feliz, pois o rio continua a passar, embora a vala da saudade, e o amor não se apaguem, posso garantir – eles ampliam seus espaços em meu coração de uma forma linda. Troquei o choro físico pelas lágrimas espirituais, já iniciadas quando assisti, pelo celular, a missa das 6 horas. Não tenho dúvidas – o tempo não apaga o amor, quando verdadeiro. FELIZ DIA DOS PAIS PARA TODOS DA FAMÍLIA E DO ROL DE AMIGOS. E TUDO O MAIS VIRÁ POR ACRÉSCIMO.
DIA DO ADVOGADO Por: CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES, ex-Presidente Coincidiu outra vez num domingo, 11 de agosto de 2024, a efeméride do - Dia do Advogado, comemoração nascida do fato de no ano de 1827, na época do recém-instituído Império Brasileiro, o então imperador Dom Pedro I haver autorizado a criação das duas primeiras faculdades do Brasil - Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco, e a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, em São Paulo. Com o passar dos anos tornou-se necessário alforriar, além da independência política que fora conquistada, também a liberdade intelectual, através dos fatos antes referidos, representando uma verdadeira Carta Magna da Advocacia, que nos legou o esforço dos Bacharéis Teixeira de Freitas, José de Alencar, Castro Alves, Tobias Barreto, Ruy Barbosa, o Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco, Fagundes Varella, dentre tantos, sob a influência da Revolução de 1930, criando a Ordem dos Advogados do Brasil, que teve como primeiro presidente o advogado Levi Carneiro, o qual a comandou por muito tempo, tendo por instrumento primeiro o Decreto nº 19.408, de 18 de novembro de 1930, que assim proclamava: Art. 17. Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de disciplina e seleção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo. O Rio Grande do Norte foi um dos primeiros Estados a criar a sua Seccional, partindo da ideia do consagrado jurista Hemetério Fernandes Raposo de Mello, então Presidente do Instituto dos Advogados do RN, em reunião preparatória realizada no longínquo 05 de março de 1932, no prédio do Instituto Histórico e Geográfico, presentes os causídicos Francisco Ivo Cavalcanti, o Primeiro Presidente, Paulo Pinheiro de Viveiros, Manoel Varela de Albuquerque, Bruno Pereira e Manuel Xavier da Cunha Montenegro e oficialmente reconhecida em 22 de outubro do mesmo ano. No tempo do pioneirismo somente glórias e amor profissional, o que durou muitas décadas, cuja bandeira altaneira só procurou engrandecer a corporação e efetivar a defesa dos direitos humanos. Contudo, o tempo foi passando, a tecnologia aflorando com velocidade maior do que a necessidade e o espírito de corpo perdendo um tanto da sua essência inicial. Hoje, as disputas pelo seu comando tornam-se turvas em decorrência de interesses políticos, ideológicos e pessoais daqueles que pretendem usar o prestígio do mandato para alcançar alguma vaga de tribunal ou comissão de relevo. Nem por isso vou silenciar sobre a importância dos ADVOGADOS, guardiães da liberdade, da igualdade e dos direitos humanos, aos quais envio o meu fraterno abraço e a confiança de que continuarão mantendo as bandeiras gloriosas de uma classe cada vez mais forte com a adesão de número abundante de novos membros.

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

BATE FORTE O TAMBOR Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com Espero que esteja vivendo um tempo de desarmar os presságios. Não desejo acreditar que na política existam só amigos, mas, conspiradores que se unem. Aos olhos alheios, unidade partidária, coligação, ambas desapareceram para dar lugar a um consórcio, onde o partido menor nunca é sorteado. No meu entendimento virou tribo, facção e não tem quem junte os pedaços depois. Prefeitos, vereadores, líderes municipais, votam pacotes de candidatos díspares, de governador a senador, de deputado federal e estadual, como se fossem salada de frutas, ou coquetel exótico de bruxaria. A continuar assim, vamos chegar ao tempo de desarmar os frutos e até mesmo ao de querer desviver o tempo, ominoso e fatal para a coletividade. A reforma eleitoral neste país, é tema mais batido do que caminho de cemitério. Com o “fundão eleitoral”, o processo virou uma ação orquestrada que caracteriza as relações íntimas entre os lobos ideológicos contra pseudos pastores teólogicos. Presume-se, com o andar da carruagem, que estamos sob o fascínio do desconhecido, do buraco negro. A caixa preta do segundo turno está rondando a ressaca eleitoral dos candidatos. A hegemonia política de muitos líderes está morrendo. É o processo depurativo das figuras messiânicas, de megafone em punho, entoando chavões pela recuperação financeira do país e do Rio Grande do Norte. Esse caldeamento político dos nossos dias, é igual a despacho de encruzilhada. Lembrei-me daquele acordo de paz pública, no passado. Não há como acomodar numa mesa apetites tão difusos, confusos e obtusos. É por isso que bate forte o tambor da imprevisibilidade. Garimpando o pensamento do saudoso natalense João Sena, li essa jóia: “O ser humano não só morre quando desencarna, mas também, quando se desencanta”. E casados no desencanto continuam vivendo o povo e os políticos. Chegaram à exaustão. A praça pública virou banco de tormento. O povo aplaude mais os músicos do que os oradores. Todo orador, é um chato, cansativo e tedioso. Quando o candidato fala, o povo se afasta. Mas, o liseu não está no meio do mundo, pois o importante é não cair a Bastilha. Isso conforta os candidatos que se exporão tanto ao sereno, quanto ao sol, à chuva e ao mormaço das penosas aglomerações. São as fases da vida pública. Outro filósofo, já dizia “que a vida é feita de fases e de fezes”. As fases são as estações, as metamorfoses, e as fezes, o consumismo humano do Fundão. Outro fato relevante, que não dá para entender, são as pesquisas açodadas. Lembrei-me de Chesterton quando disse que “os vícios são as virtudes enlouquecidas”. Será que o povo brasileiro é tão volúvel assim? Essa eleição, face os perigos redibitórios, é uma esfinge? Antigamente, o silêncio antecedia o pleito, sem emitir sinais de mistérios, como a eleição presidencial deste ano. A sinfonia outonal vai deixar para trás, em outubro, muito candidato que empreende voo cego, impensado, sem bússola e sem bossa. Eu me recordo de Assis Besouro, experiente marqueteiro potiguar, explicando a situação daquele tempo (1998), das divergências do PMDB, PT, PSDB e etc., - com aquela fisionomia de permanente mormaço, proveniente das andanças políticas pelo Rio Grande do Norte - “que tudo numa eleição é estratégico”. Daí, ter surgido hoje, o orçamento secreto. E é fato que nas estações da política, as notas caem. E o outono chega. Pois eleição que não se ganha, se toma, dizem. Napoleão Bonaparte admitiu apenas duas potências no mundo: “a espada e o espírito. A longo prazo a espada sempre é vencida pelo espírito”. A espada é o poder e o espírito a palavra. É comum os dois não falarem o mesmo sotaque, o mesmo idioma. Mas, a canção do voto é tudo, pois tem sangue eterno e coração ritmado. Todo país já atravessou as noites escuras do tempo. É pobre o país que tem necessidade de mitos. (*) Escritor

terça-feira, 6 de agosto de 2024

“A história se repete”: novos bispados Padre João Medeiros Filho Há muito de verdade no supracitado axioma popular. Dom Marcolino Esmeraldo de Sousa Dantas, baiano de Inhambupe, quando bispo de Natal, desvelou-se para dotar o RN de mais duas circunscrições eclesiásticas. Foram quase dez anos de árduo trabalho, entre 1929- 1939, coroado de pleno êxito. Sentiu a alegria de ver as origens das dioceses de Mossoró e Caicó, das quais foi administrador apostólico até a posse de seus primeiros bispos. Pelas bulas papais “Pro eclesiarum omnium” (datada de 28/07/1934) e “E dioecesibus” (promulgada em 25/11/1939), Pio XI e Pio XII erigiram os bispados, respectivamente, de Mossoró e Caicó. Dom Marcolino foi além. Durante mais de oito anos, empenhou-se juntamente com Dom Moysés Sizenando Coelho, arcebispo de João Pessoa, em prol da elevação de Campina Grande à categoria de sé episcopal. Teve mais um sonho realizado. Em 14 de maio de 1949, pelo documento pontifício “Supremum Universi”, Pio XII constituiu diocese aquela cidade paraibana, desmembrando-a dos bispados de João Pessoa e Cajazeiras. Dom Marcolino foi um prelado diligente e de grande atuação pastoral. A elevação daquela cidade paraibana à condição de bispado possibilitaria Natal em se tornar sé metropolitana, separando o RN da Província Eclesiástica da Paraíba. Isto ocorreu, em 16 de fevereiro de 1952, pela bula “Arduum onus”, de Pio XII, menos de três anos após Campina Grande ser constituída sé diocesana. Há de se reconhecer que para as condições da época, o bispo de Natal foi célere em suas decisões e gestões, em favor do Povo de Deus. Decorridas mais de oito décadas, Dom João dos Santos Cardoso (também baiano, de Dário Meira), arcebispo de Natal, em seu dinamismo, zelo pastoral e ampla visão eclesial, dá prosseguimento à tarefa de tornar a Igreja mais próxima dos fiéis. Em apenas sete meses de pontificado em solo potiguar, propôs a criação de duas dioceses no RN: uma na Região Trairi (sediada em Santa Cruz); a outra no Vale do Assú (com sede nessa cidade), incluindo a Região Salineira pertencente ao arcebispado natalense. A iniciativa conta com o total apoio do metropolita, as bênçãos do bispo mossoroense, Dom Francisco de Sales Alencar Batista e a colaboração do clero e fiéis católicos. Gesto nobre do arcebispo, que, além de ceder parcela significativa do território de sua jurisdição, sugeriu que a sede fosse em Assú, freguesia pertencente a outro bispado. A comissão interdiocesana, responsável pela elaboração do projeto, é presidida pelo eminente canonista Monsenhor José Valquimar Nogueira do Nascimento. Cumpre o seu cronograma, estando na fase de formação das subcomissões e escolha de assessores para o desempenho de sua missão. Em 25 de julho passado, recebi um primoroso estudo do advogado assuense e militante católico, Dr. Gregório Celso Medeiros de Macêdo Silva, sobre o futuro bispado. A obra resulta de pesquisas, iniciadas em 2022, sobre a região do Vale do Assú e seu entorno. Será de grande valia para ajudar a comissão a atingir os objetivos propostos. O ilustre autor de “Uma nova diocese no Rio Grande do Norte”, não poderia inicialmente vislumbrar a perspectiva pastoral do metropolita natalense, quando integrou a Região Salineira no projeto da sede diocesana a ser criada. Dr. Gregório aborda aspectos e dados geográfico-históricos, patrimoniais, socioeconômicos, pastorais e antropológico-culturais da futura diocese. A partir de elementos hauridos das paróquias que integrarão o novo bispado, a equipe responsável pela elaboração do texto final delineará o perfil da tão desejada sé episcopal. “Ad maiorem Dei gloriam”, tudo para a maior glória de Deus, afirmava Santo Inácio de Loyola, cujos discípulos evangelizaram os habitantes da primitiva paróquia do Assú na época colonial. Os católicos vinculados ao território da sonhada circunscrição eclesial não poderão ficar indiferentes a este projeto de Igreja, devendo cooperar com recursos humanos, financeiros e orações. Ele é obra do Reino de Cristo e uma necessidade do Povo de Deus. “Somos servidores inúteis” (Lc 17, 9), afirmara Cristo. É salutar que os fiéis leiam atentamente o trabalho de Dr. Gregório, com a participação do Professor Nestor Vieira de Melo Neto. Nosso reconhecimento aos que abraçaram essa causa. Convém lembrar as palavras do apóstolo Pedro: “Do mesmo modo, também vós, como pedras vivas, formai um edifício espiritual” (1Pd 2, 5).