quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

 

TEMPOS E COSTUMES

Valério Mesquita

Simulacro e realidade se misturam nas cavernas cerebrais de cada homem., Nem todo golpe é decisivo. No âmbito da justiça sempre se debaterão o efêmero e o eterno. Mesmo nos melhores jardins podem nascer flores do mal. O Judiciário brasileiro hoje em dia está sendo muito questionado. Se a Igreja Católica vive o momento trágico dos padres errantes, avalie os sacerdotes togados dos tribunais? Não se pode mais alimentar ilusões sobre a natureza humana. A perplexidade do julgador é um conflito às escuras com vastas solidões porque a ele é servido sempre renovar, recriar e inventar.

Se prevalecer no judiciário brasileiro o entendimento de uma liminar recentemente concedida à Prefeitura de Guamaré (RN), que impede a inspeção legal e constitucional pelo Tribunal de Contas do uso dos recursos públicos, a quem será outorgada essa permissibilidade? Ao que sei, a democratização das informações dos tribunais de contas, ensejando não somente o seu acesso pelos mecanismos eletrônicos, mas também através da ampla divulgação da mídia, dos seus atos, todos são fundamentados constitucionalmente e alimentados por ampla jurisprudência a respeito.

Os riscos dessa decisão singular e monocórdia podem se constituir num escapismo generalizado para aqueles agentes públicos mal-intencionados e aproveitadores contumazes da justiça por vezes, fácil e tardinheira. Essa enfermidade instalou-se em muitas instâncias pelo Brasil afora. Como ficariam o ordenamento e o papel dos tribunais de contas no controle da fiscalização e a natureza das competências consagradas na Constituição e na sua Lei Orgânica?
Lembrei-me de uma citação feita pelo amigo auditor e escritor Cláudio Emerenciano de Ernest Janning, um dos maiores juristas do século XX, no Tribunal de Nuremberg. Tendo sido presidente da Suprema Corte de Justiça da Alemanha nazista no ensejo do seu julgamento, gerou perplexidade diante dos demais denunciados, quando declarou peremptoriamente a sua culpabilidade: “Sou culpado, por ter conspurcado de dentro de mim, não um direito, mas o compromisso com a justiça. A justiça sim, ela é quem norteia a geração, a criação, a elaboração e a legislação do Direito. E sua própria aplicação”.

Não quero contraditar o douto julgamento da liminar. Desejo, apenas, externar a minha preocupação com o futuro ante uma nova realidade que pode sepultar de vez os valores morais dos agentes políticos no trato com o dinheiro do povo.

(*) Escritor

 

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