terça-feira, 30 de junho de 2020


Ainda tem quem leva Marx a sério
Tomislav R. Femenick - Historiador

            No meu tempo de estudante de pós-graduação na FGV e de mestrado na PUC, ambas em São Paulo, o clima entre professores e alunos era grandemente favorável à esquerda. Na FGV tínhamos como professores Bresser Pereira e Eduardo Suplicy; na PUC Paul Singer, Guido Mantega – só para ficar em poucos nomes. Nessa circunstância, o marxismo imperava, embora a maioria dos alunos quisessem aprendê-lo por osmose: andavam com os livros presos no sovaco, apertavam e achavam que assim apenderiam a doutrina socialista. Foi o professor Chico de Oliveira quem me chamou a atenção para esse clima, pois, embora marxista, detestava a mediocridade e, por extensão, a imbecilidade. Chico era estruturalista e do marxismo aceitava apenas aquilo que ele via como factível, sendo o “etapismo” a maior bobagem doutrinária.   
            De maneira geral, a análise do modo de produção tem sido mais uma tomada de posição, um discurso político, filosófico, partidário, ideológico ou dogmático do que propriamente um exame científico de uma realidade histórica, econômica e social. Sabe-se que as hipóteses e teorias das Ciências Sociais têm por base “interpretação da evidência, e a interpretação envolve um julgamento” e que todo “julgamento é marcado pelo preconceito” (ROBINSON, 1979). Talvez essa seja a explicação das muitas teorias que procuram apontar formações socioeconômicas e modos de produção diversos, como sendo os existentes ou predominantes.
Saindo da análise global das posições individuais dos diversos autores, devemos agora abordar a posição particular daqueles que aceitam e defendem, direta ou indiretamente, o “etapismo” ou gradualismo para o desenvolvimento das formações econômicas e sociais de todas as regiões da terra, apegando-se a conceitos da ortodoxia dita marxista, enquanto o próprio Marx afirmava que “acontecimentos notavelmente análogos que, no entanto, acontecem em meios históricos diferentes, conduzem a resultados totalmente distintos. Estudadas separadamente cada uma dessas formas de evolução e, depois, comparadas entre si, pode-se encontrar facilmente a chave do fenômeno, porém nunca se chegará a isso mediante o passaporte universal de uma teoria histórico-filosófica geral, cuja suprema virtude consista em ser supra-histórica” (MARX, 1947).
É certo que, se rastrearmos escritos de marxistas clássicos, encontraremos indicadores do “etapismo”. Engels foi o primeiro a apontar para o gradualismo, sendo seguido por Lenin; enquanto aquele tomou como campo teórico a Europa ocidental, este deu uma amplitude geral ao conceito dos degraus evolutivos. O “etapismo” foi sacramentado como dogma dessa corrente do marxismo por Stalin (STALIN, 1985), quando o dirigente soviético reconheceu como históricos somente “cinco tipos fundamentais de relações de produção: a comuna primitiva, a escravatura, o regime feudal, o regime capitalista e o regime socialista”. Os seguidores do pensamento oficial soviético viram-se, então, imbuídos do propósito de enquadrar o nosso país nesse quadro: foi o estopim da intentona de 1935. Interessante é que poucos autores tenderam a relacionar a formação econômica e social, o modo de produção ou as relações de produção das colônias escravistas da América com “a escravatura”, dita pelo dirigente soviético. Talvez porque Stalin tenha descrito esse regime como apenas a possibilidade de nele aparecerem as trocas entre indivíduos e grupos, a acumulação de riquezas, a acumulação real dos meios de produção e a submissão da maioria pela minoria. No Brasil, nos Estados do sul dos Estados Unidos e nas Antilhas essas não foram apenas possibilidades teóricas, mas sim realidade concreta: escravos produziam para o mercado.
Com a queda do muro de Berlin, em novembro de 1989, e a derrocada da hoje finada União Soviética, em dezembro de 1991, eu achava que teriam sobrevividos somente os saudosistas. Ledo engado, também sobreviveram os tresloucados.
Semana passado recebi um e-mail de alguém que leu o meu livro “Os Escravos: da escravidão antiga à escravidão moderna”. Não sei quem é, vez que o e-mail veio como se enviado por uma repartição pública, mas sei que é de alguém não muito honesto: usa de recursos públicos para suas bravatas e não tem coragem de mostrar a cara. A mensagem era curta e (como não poderia de ser) grossa: “Seu reacionário de merda, logo o Bozo cai e você vai sentir na pele por desrespeitar as ideários (sic) de Marx”. Não entendi nada. Embora tenha votado em Bolsonaro, na maioria das vezes discordo do procedimento dele e, além do mais, apontar os erros do sr. Karl Heinrich Marx é-me garantido pela Constituição. 

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