O JOGADOR E O PERU – Berilo de Castro
Na década de 1950, o ABC FC colecionava títulos na cidade. Sobrava, como se diz na linguagem, “boleira”.
Em um desses anos, o seu treinador, o
pernambucano Edésio Leitão, conceituado e ganhador de títulos no
Nordeste, foi ricamente contratado para comandar um famoso time alagoano
— o Centro Sportivo Alagoano (CSA). Conhecedor e admirador do bom
futebol praticado pelo seu ex-comandado, o lateral esquerdo
carinhosamente conhecido por Jaquinha —, o treinador fez e foi de
imediato atendido no pedido de contratação do bom jogador.
Tudo fechado para alegria de todos: um excelente contrato para o atleta e uma belíssima aquisição para o clube.
Contrato feito, o embargue aéreo logo é
programado para Maceió/AL. Uma alegria contagiante e um belo sonho
realizado pelo jogador. “Sal na molheira” — primeira viagem pelos céus
do Brasil.
A chegada do atleta potiguar foi muito
festejada pela torcida do time alagoano. O jogador assume de imediato a
titularidade da equipe e inicia alguns bons jogos amistosos como
pré-temporada para o campeonato no ano seguinte.
Era final de ano. Verão de muito sol e
muitos festejos na cidade de Maceió, com a chegada do Natal e das
festividades do final de Ano.
O atleta potiguar, na sua chegada, teve
que ficar hospedado na residência do seu treinador e amigo Edésio Leitão
(o paizão), até o momento de poder se transferir para uma
pensão/hotel; quem sabe mandar buscar a família para essa sua nova e
deslumbrante experiência de vida, à época, repito, de final de ano:
chegada do Natal e Festas de fim do Ano.
Como de costume, o treinador e sua
família, muito religiosa, se uniam sempre diante de uma bela e rica ceia
de Natal e, agora, melhor ainda, para comemorar a chegada do amigo e do
bom atleta contratado.
Tudo organizado, belíssima e farta mesa
de Natal, com tudo que tinha de direito. A família do treinador, sempre
unida e muito cristã, vai, como de costume, assistir à santa missa à
meia-noite. Nessa ocasião, o amigo/treinador pede ao atleta/hóspede para
ficar no gerenciamento da alegre e festiva residência até o término
do ato religioso.
— Pois não, meu treinador, é com muito prazer e alegria. Podem ir tranquilos para a santa missa.
— Obrigado, meu craque!
Acontece que o solícito jogador, ficando
sozinho, se sentiu despertado pelo seu apetite devorador (marca maior
da sua identidade) com o cheiro sufocante e desafiador do bem assado
peru, de fazer salivar os mais do súditos, fiéis e duros veganos. Não
deu outra: foi lá no prato cheiroso do penoso e provou do “veneno”. Não
teve como se controlar. A hora e meia da missa foi o suficiente para
devorar todo o belo e apetitoso prato atrativo do peru.
De volta, os anfitriões, radiantes e
felizes, vão cumprimentar e abraçar o seu hóspede/amigo; logo percebem
algo estranho: a mesa desarrumada, o prato principal mexido e vestígio
oleoso em volta da boca do gentil e solícito hóspede/atleta.
A festa não acontece. A ausência, a
integridade do bendito, abençoado e apetitoso peru tirou a total
alegria da sonhada reunião familiar; a graça e o desejo maior de todos
em saborear o desejado penoso “gu lu gu lu” foi para o beleléu.
Muito alvoroço, muito barulho e muita
pressa para mandar o mais rápido possível o bom jogador e indesejável
hóspede — o devorador de peru de volta para Natal.
O retorno do nosso bom atleta foi mais
rápido do que ele esperava; só que no lento, duro e desconfortável vagão
de carga do trem da Rede Ferroviária Nordestina.
Oh! Peru gostoso!
Berilo de Castro – Médico, escritor, membro do IHGRN – berilodecastro@hotmail.com.br
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