sábado, 13 de agosto de 2016


Caros amigos e amigas, principalmente meus conterrâneos que residem em Natal, esse é um texto muito bem elaborado, com competência e propriedade, focalizando os problemas a partir da sua gênese, e definindo responsabilidades. Tudo está perfeitamente delineado, e dou certo destaque a três parágrafos, quase ao final do artigo, que transcrevo a seguir.
“Agora que temos rebeliões na rua, bens públicos e particulares destruídos, carros incendiados, grandes superfícies comerciais sob ameaça, escolas fechadas, um forte sentimento de insegurança por todo lado – o que leva a que sejamos nós em casa encarcerados, para dar lugar ao crime na rua – vamos dar a devida atenção que ele merece? Qual a verdadeira dimensão desses ataques nas ruas da cidade do Sol, cuja imagem de marca são praias, caipirinhas e gente absolutamente genuína? E que ajuda está sendo dada? Força militar 5 dias depois do início dos ataques que eram previsíveis? 5 dias?? Foi mesmo necessário esperar tanto tempo para anunciar uma medida mais efetiva? Qual tipo de ajuda pretendem oferecer à população que depende dos transportes públicos retirados das ruas quando ainda não incendiados?”
“Essa ‘onda’ de criminalidade não decorre apenas da instalação de antenas bloqueadoras de sinal dos celulares. Essa onda reflete todo o descuido com os direitos fundamentais consagrados pela Constituição brasileira. Não quero dizer que as condições nas penitenciárias devem ser objeto de esforço acrescido em relação aos segmentos sociais mais pobres, distantes de um mínimo de dignidade e qualidade de vida. A propósito, essa parcela da população, em pleno século XXI, num país com um forte crescimento como o Brasil teve na década anterior, não deveria sequer mais existir.”
“Por vezes, sinto que as prioridades aqui estão baralhadas. Como posso falar em dar melhores condições de vida à população carcerária, se continuo com tantas pessoas morando na rua? Se fosse o caso, compensaria cometer crimes para morar num lugar melhor. Mas se abrirmos os olhos ao exterior, vemos que é isso mesmo que acontece. Muitas vezes o crime de menor potencial ofensivo é um refúgio em alternativa às míseras condições de vida. Justifica? Claro que não. Só significa ainda que há muito trabalho por fazer, em tantas áreas de fundamental importância para a dignidade humana, e parece-me pouco tem sido feito.”

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Crise na sociedade potiguar e instabilidade nas penitenciárias – Por Liliana Santo de Azevedo Rodrigues
Por Liliana Santo de Azevedo Rodrigues – 11/08/2016
Sou portuguesa e vim morar para Natal há pouco mais de dois anos. Não conhecia a cidade, mas rapidamente me apaixonei. O sol, a praia e, em especial, as pessoas genuínas, receptivas e trabalhadoras, me cativaram desde logo. Construí minha família cá. Tenho dedicado o meu tempo a vários projetos profissionais e é com imensa honra que aceito mais um. Sinto-me parte desta terra e com a obrigação de lutar por ela e pelas pessoas de quem gosto. Infelizmente, preciso tecer algumas considerações negativas sobre alguns problemas com que me tenho deparado. Acredito que eles surgem por falta de valorização de uma terra que é um dos pontos estratégicos de acolhimento de grande parte dos turistas que anseiam conhecer este país maravilhoso. De fora, sempre vi a cidade do Natal como um destino paradisíaco pelo qual muitas pessoas lutavam para um dia poder conhecer. Hoje, vejo que esse destino é esquecido pelos governantes e as pessoas não são valorizadas. Isso me entristece. Tal como a realidade que hoje todos os potiguares estão vivenciando.
O Estado do RN tem vivido dias e noites de terror. Dezenas de atos de vandalismo, destruição de patrimônio público e terrorismo assolam todo o Estado.
A origem, pois para tudo precisamos de uma explicação, está aparentemente na crise do sistema penitenciário, como se essa explicação fosse a solução para grande parte do problema. Perdoem-me os especialistas, mas a crise não está no sistema penitenciário, está sim em toda uma estrutura que ao longo de vários anos tem sido conivente com um sistema carcerário extremamente deficiente. A população que persistentemente tem fechado os olhos às condições desumanas em que (sobre)vivem os detentos, com base na premissa de que “bandido bom é bandido morto”.
Não nos esqueçamos que vivemos numa sociedade democrática de Direito, com regras, direitos e deveres que nos são impostos. Mas não só. A moral tem um papel importante na sociedade e na convivência. Afinal, não serão igualmente atos (quase) terroristas os serviços públicos de saúde e educação (entre muitos outros) que nos são oferecidos? E que tal incluir no rol, também, aqueles serviços que deveriam ser prestados aos detentos, com igual direito à saúde e educação, mas que não soam tão relevantes por cobrirem apenas uma parte da população (que, afinal, merece mesmo ser punida).
O ser humano é, por essência, egoísta. Todos os serviços que nos afetam diretamente são muito mais importantes que os demais. Por isso mesmo e uma vez que a população carcerária é a minoria, consequentemente a sua relevância é de segundo plano. Devemos então justificar os atos de criminalidade que estão sendo praticados no Estado? Não. Jamais. Mas precisamos refletir um pouco mais profundamente sobre o assunto.
Foi decretada calamidade pública no sistema penitenciário do RN no dia 17 de março de 2015 e, após duas renovações, mantém-se. O problema ainda persiste e há quem diga que até piorou. A instabilidade política que se vive tem clara repercussão nesta problemática. Como esperamos resolver uma situação de calamidade pública quando não conseguimos manter estável a própria Secretaria da Justiça e Cidadania (com sucessivas mudanças de secretariado)?
A verdade é que o problema tomou dimensões gravíssimas. Não pretendo de forma alguma, e quero deixar isso bem claro, responsabilizar qualquer outra pessoa que não o próprio criminoso pelos fatos que praticou. Mas também não sou ingênua em acreditar que um problema que tem sido negligenciado anos após anos pelas entidades políticas responsáveis e, acima de tudo, pela população em geral vá ser solucionado com um passo de mágica.
Precisamos de mais estabelecimentos penais conforme previstos na LEP, que não existem, precisamos de mais vagas, de mais oportunidades, de mais e melhores condições e, em especial, um pouco menos de preconceito. Não se consegue compreender como existe um fosso abismal entre a Lei de Execução Penal e a realidade brasileira no que diz respeito à população carcerária.
No geral, critico muito a expansão do direito penal por entender que se deve seguir com rigor a máxima de ultima ratio. Mas entendo especificamente que a LEP está bem conseguida, ao menos em teoria. Não deixa ao acaso do Processo Penal a execução penal, pelo contrário, dá-lhe a merecida autonomia, diferente do que é feito em outros países. Cria condições de ressocialização, assegura direitos (os tais que falei – saúde e educação – entre muitos outros), deveres, progressão nos regimes, benefícios, sanções, uma série de novidades para muitos ordenamentos jurídicos. Porém, pouco ou quase nada funciona.
A população exige mais e mais respostas legislativas para garantir segurança e “justiça” na sociedade, como se existisse uma relação direta entre elas. Contudo poucos se lembram de contextualizar com a realidade em que vivemos e tão pouco de exigir que se criem condições de aplicabilidade dessas novas regras.
Ouço muitas críticas aos sistemas penitenciários mundo afora, cujas condições de vida são muito superiores à da grande maioria da população brasileira. Mas que funcionam, em certa medida, pelo menos no que toca à ressocialização, uma das grandes chaves mestras da nossa LEP. Então, como deixamos durante tantos e tantos anos, e não apenas desde 17 de março de 2015, negligentes todos estes pontos que deveriam estar na ordem do dia? Não era um problema com o qual tínhamos de nos preocupar, estava camuflado, escondido dos olhos da sociedade e por isso esquecido.
Agora que temos rebeliões na rua, bens públicos e particulares destruídos, carros incendiados, grandes superfícies comerciais sob ameaça, escolas fechadas, um forte sentimento de insegurança por todo lado – o que leva a que sejamos nós em casa encarcerados, para dar lugar ao crime na rua – vamos dar a devida atenção que ele merece? Qual a verdadeira dimensão desses ataques nas ruas da cidade do Sol, cuja imagem de marca são praias, caipirinhas e gente absolutamente genuína? E que ajuda está sendo dada? Força militar 5 dias depois do início dos ataques que eram previsíveis? 5 dias?? Foi mesmo necessário esperar tanto tempo para anunciar uma medida mais efetiva? Qual tipo de ajuda pretendem oferecer à população que depende dos transportes públicos retirados das ruas quando ainda não incendiados?
Essa “onda” de criminalidade não decorre apenas da instalação de antenas bloqueadoras de sinal dos celulares. Essa onda reflete todo o descuido com os direitos fundamentais consagrados pela Constituição brasileira. Não quero dizer que as condições nas penitenciárias devem ser objeto de esforço acrescido em relação aos segmentos sociais mais pobres, distantes de um mínimo de dignidade e qualidade de vida. A propósito, essa parcela da população, em pleno século XXI, num país com um forte crescimento como o Brasil teve na década anterior, não deveria sequer mais existir.
Por vezes, sinto que as prioridades aqui estão baralhadas. Como posso falar em dar melhores condições de vida à população carcerária, se continuo com tantas pessoas morando na rua? Se fosse o caso, compensaria cometer crimes para morar num lugar melhor. Mas se abrirmos os olhos ao exterior, vemos que é isso mesmo que acontece. Muitas vezes o crime de menor potencial ofensivo é um refúgio em alternativa às míseras condições de vida. Justifica? Claro que não. Só significa ainda que há muito trabalho por fazer, em tantas áreas de fundamental importância para a dignidade humana, e parece-me pouco tem sido feito.
No final, mantenho toda a minha esperança no povo. Aprendi que com pessoas de índole boa como as que encontro diariamente, trabalhadoras, lutadoras, conseguimos resultados pelas próprias mãos, sem ter de depender de mais ninguém. Acredito que o resto do Brasil vai olhar para esta terra incrível e oferecer ajuda, recursos financeiros e valorizar todas aquelas prioridades que nunca tiveram a sua devida atenção, para fazer crescer a cidade e o Estado que eu ainda vejo como as portas de entrada num país tão maravilhoso!.

Liliana Santo de Azevedo Rodrigues é Advogada, inscrita na Ordem dos Advogados de Portugal e na Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio Grande do Norte (OAB – RN). Possui graduação e mestrado em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade Portucalense Infante D. Henrique (2010), títulos revalidados, no Brasil, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Atualmente, cursa o Doutoramento em Ciências Jurídico-Criminais na Universidade de Coimbra. Investigadora da Instituto Jurídico da Portucalense. Professora de Graduação em Direito na Faculdade Natalense de Ensino e Cultura (FANEC)/Universidade Paulista (UNIP), na Faculdade Maurício de Nassau e na Faculdade Estácio de Natal. Professora convidada de Pós-Graduação do Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UniRN). 

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