domingo, 21 de abril de 2013

PORQUE HOJE É DOMINGO


ENCONTRO COM A POESIA: KONSTANTINOS KAVÁFIS

                                                                       (Por Horácio Paiva)

                Konstantinos Kaváfis tinha nacionalidade grega, mas nascido em Alexandria, Egito, oriundo da numerosa colônia grega ali estabelecida.

            É considerado, por muitos, o maior poeta grego dos tempos modernos (entretanto, lembremo-nos: temos, também  -  façamos justiça  -, Níkos Kazantzákis, outro poeta de grande notoriedade internacional e excelente romancista, autor de obras memoráveis como “Zorba, o Grego” e “O Cristo Recrucificado”).

            Em vida (e viveu 70 anos) era praticamente ignorado em sua terra e não publicou nenhum livro, embora tenha divulgado vários de seus poemas através de folhas mimeografadas, distribuídas entre os amigos, dois opúsculos que chegou a organizar e em jornais e revistas culturais.

            Seu único livro, com 154 poemas, foi postumamente publicado em 1935. Morrera em 1933, no dia de seu aniversário (29 de abril), na mesma Alexandria em que nascera, em 1863.

            Conheci alguns desses belos poemas em princípio da década de 1980. A propósito, aconteceu, comigo, um fato interessante. Encontrando-me, em 1987, em São Paulo, e entusiasmado pelos primeiros poemas que lera, procurava a sua obra poética (que havia sido traduzida por José Paulo Paes), quando, numa das livrarias da Avenida Paulista, indaguei sobre o livro. O livreiro não o conhecia. Alguém, certamente um intelectual paulista, que não recordo o nome, repreendeu o livreiro: “Como você não conhece o maior poeta grego da modernidade?!”. Noutra livraria, porém, adquiri a obra que me causava tanta expectativa.

            No poema que ora transcrevo (e que me parece um de seus pontos altos), traduzido por José Paulo Paes, Kaváfis ensina o caminho estóico. Afinal, ter a grandeza de saber perder também significa estar com a verdade, em oposição ao ilusório, por mais que este nos envolva e adquira o significado de algo maior.

KONSTANTINOS KAVÁFIS (n. 29/04/1863, Alexandria; m. 29/04/1933, Alexandria):


                        O DEUS ABANDONA ANTÔNIO

Quando, à meia-noite, de súbito escutares
um tiaso invisível a passar
com músicas esplêndidas, com vozes  -
a tua Fortuna que se rende, as tuas obras
que malograram, os planos de tua vida
que se mostraram mentirosos, não os chores em vão.
Como se pronto há muito tempo, corajoso,
diz adeus à Alexandria que de ti se afasta.
E sobretudo não te iludas, alegando
que tudo foi um sonho, que teu ouvido te enganou.
Como se pronto há muito tempo, corajoso,
como cumpre a quem mereceu uma cidade assim,
acerca-te com firmeza da janela
e ouve com emoção, mas ouve sem
as lamentações ou as súplicas dos fracos,
num derradeiro prazer, os sons que passam,
os raros instrumentos do místico tiaso,
e diz adeus à Alexandria que ora perdes.


                                   (Tradução de José Paulo Paes)


                        -x-x-x-  

ENCONTRO COM A POESIA

                                                           (Por Horácio Paiva)

            Esta, uma antologia sem pretensões. Aliás, a única pretensão é minha em catalogar poemas através dos quais mantenho, há muitos anos, diálogo permanente com o mistério existencial.
            Também não houve “rigor” na seleção, se considerarmos a palavra em sua ortodoxia crítica radical. Diria antes que o agrado, o amor, a cumplicidade com tais poemas, mantida através dos tempos, e, muitas vezes, o êxtase contemplativo, guiaram as minhas escolhas. “Melhor”, “pior”... estive longe dessas comparações. O momento os definiu. E certas circunstâncias vitais os tornaram inseparáveis amigos meus.
            Fernando Pessoa (Fernando Antônio Nogueira Pessoa), grande poeta português, que poderia situar-se no começo, no meio ou no fim deste trabalho (da mesma forma que aparece em meus ciclos vivenciais de leitura), encabeça a lista. Meu primeiro (e maravilhoso) contato com ele deu-se em fins da década de 1950, através de meu querido irmão Daltro de Paiva Oliveira, já falecido, seu ardoroso admirador.
            Li-o, depois, numa antologia publicada sob a direção de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Correa e Jorge de Sena, intitulada “Nossos Clássicos”, da antiga editora Agir. Fora também escolhido para o volume 1 da mencionada coletânea, com apresentação, seleção e notas de Adolfo Casais Monteiro. Um pouco mais tarde, adquiri as suas obras completas.

FERNANDO PESSOA (n. 13/06/1888, Lisboa; m. 30/11/1935, Lisboa):


Ó NAUS FELIZES, QUE DO MAR VAGO

Ó naus felizes, que do mar vago
Volveis enfim ao silêncio do porto
Depois de tanto noturno mal  -
Meu coração é um morto lago,
E à margem triste do lago morto
Sonha um castelo medieval...

E nesse, onde sonha, castelo triste,
Nem sabe saber a, de mãos formosas
Sem gesto ou cor, triste castelã
Que um porto além rumoroso existe,
Donde as naus negras e silenciosas
Se partem quando é no mar manhã...

Nem sequer sabe que há o, onde sonha,
Castelo triste... Seu espírito monge
Para nada externo é perto e real...
E enquanto ela assim se esquece, tristonha,
Regressam, velas no mar ao longe,
As naus ao porto medieval...
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ENCONTRO COM A POESIA: SAN JUAN DE LA CRUZ

                                                                       (Por Horácio Paiva)


            A Beleza é irmã da Verdade. Nada melhor para exemplificá-lo é esse belo e verdadeiro poema de San Juan de la Cruz, poeta e santo espanhol, doutor místico da Igreja Católica, nascido Juan de Yepes. Monge, da Ordem dos Carmelitas (dos Descalços, que procuravam cumprir maior expressão de pobreza e desprendimento), adotou o nome de Juan de la Cruz.

            A alma encontra em Deus a união perfeita: a Verdade (e nela, a salvação e a beleza), que se opõe às ilusões do mundo secular e material. Não há dúvidas que a beleza, na harmonia de seus aspectos intrínsecos e extrínsecos, é irmã da Verdade: a exatidão, a perfeição. E na noite escura da alma, no caminho que leva ao Amado, a Amada é guiada pela luz da certeza, mais clara que a luz do meio-dia...


SAN JUAN DE LA CRUZ (n. 1542, pueblo de Fontiveros, Ávila; m. 1591, Ubeda):


                        NOITE ESCURA


            Em uma noite escura,
com ânsias, em amores inflamada,
oh ditosa ventura!,
saí sem ser notada,
estando já minha casa sossegada;


            às escuras e segura
pela secreta escada, disfarçada,
oh ditosa ventura!,
às escuras e cuidada,
estando já minha casa sossegada;


            nessa noite ditosa,
em segredo, quando já ninguém me via
e de nada ver desejosa,
sem outra luz e guia
somente a que no coração ardia.


            Aquela me guiava
mais certo que a luz do meio-dia
aonde me esperava
quem eu bem o sabia
a parte onde ninguém aparecia.


            Oh noite que guiaste!,
oh noite amável, mais que a alvorada,
oh noite que juntaste
amado com amada,
amada no amado transformada!


            Em meu peito florido,
que inteiro para ele só se guardava,
ali quedou dormido,
e eu o admirava,
e o leque de cedros arejava.

            O vento da ameia,
quando eu seus cabelos espargia,
com a sua mão serena
o meu colo feria
e todos meus sentidos suspendia.

            Quedei-me e olvidei-me,
o rosto reclinei sobre o Amado,
cessou tudo e deixei-me,
deixando meus cuidados
entre as açucenas olvidado



(Tradução de Horácio Paiva,
dedicada à memória do amigo Carlos Freire, em 11/4/2013, data de seu falecimento)


                          
 

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