segunda-feira, 6 de setembro de 2010


Ao Mestre AMÉRICO, com carinho

CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES,
Membro Honorário Vitalício da OAB/RN,
Da Academia de Letras Jurídicas do RN,
Sócio do Instituto Histórico e Geográfico do RN,
Sócio da União Brasileira de Escritores do RN, e
Sócio do Instituto Norte-Riograndense de Genealogia.


O convite para prestar um depoimento sobre o Professor AMÉRICO DE OLIVEIRA COSTA chegou para mim como um desafio difícil, dado o fato da minha pequenez cultural para avaliar esse homem notável e sua obra.
Preferi, então, voltar aos bancos acadêmicos da velha Faculdade de Direito da Ribeira, para dali evocar os dias de convivência do circunspeto homenageado, de feições completamente amenas e andar absolutamente simétrico, impactando seus alunos com aulas diferentes, doces e profundas, de quem percorreu o mundo e, sobretudo, de quem cresceu no meio de livros em sua rica biblioteca, convivendo com seus incontáveis habitantes, amigos invisíveis em cada compêndio, que davam ao ambiente aquele cheiro característico, em que o pó tomava o corpo e se depositava nas mãos.
Pela sapiência transmitida aos seus pupilos, era fácil deduzir que a sua leitura não era apenas mecânica, explorando os olhos já bastante cansados e massacrados pelas madrugadas de leituras e que lhe impôs pesadas lentes por todo o seu tempo vivente. Penetrava na intimidade dos autores e, em cada livro, compartilhava com a alma de quem o escrevera.
Deste modo, perpetuou algumas obras e se fortaleceu com a essência que delas encontrava.
Foram algumas avenidas de volumes percorridas e incontáveis emoções, acumuladas em cada livro que o adotara. Disso tudo nos dava notícias, reproduzindo alguns trechos que o empolgavam mais recentemente, deixando-nos ansiosos para obter a oportunidade de também abraçar aqueles nobres ensinamentos – era assim um apontador de obras, facilitando a natural preguiça dos jovens leitores iniciantes, em procurá-los nas livrarias ou bibliotecas disponíveis.
Vale lembrar as palavras de MAQUIAVEL, em transcrição do homenageado no alvorecer do seu livro “O Comércio das Palavras” – vol. IV, que merecem registro:

‘Finda a tarde, retorno aos meus aposentos. Vou para minha biblioteca. Deixo, na ante-sala, as roupas poeirentas de todos os dias e visto-me como se fosse aparecer nas Cortes e diante dos reis. Preparado, assim, convenientemente, penetro nos salões antigos dos homens do passado, Eles me recebem amavelmente; em sua companhia, eu me nutro do alimento que é especificamente o meu e para o qual nasci. Ouso, sem timidez, conversar com eles, interrogá-los sobre a razão de seus atos; tão grande é sua delicadeza que eles me respondem’.

O tempo passara mais rápido do que pretendíamos e reencontramos o Mestre nas lides da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Por incrível que pareça, éramos colegas e já diferente o relacionamento. Eu já amadurecera um pouco, com mais coragem de aproximação com aquela vetusta pessoa.
Em um dos nossos encontros recebo o presente do seu livro ‘A Biblioteca e seus Habitantes’, numa primeira edição pela Imprensa Universitária, com capa de Navarro e o carinhoso oferecimento ‘Ao prezado amigo e colega Carlos Gomes, com apreço e admiração, Américo de Oliveira Costa. Natal, 3/2/77’. Foi uma glória.
Grifei várias expressões do seu pensamento, a destacar, de forma muito breve:

‘A República dos autores tem uma população variada e colorida, a viver e a movimentar-se entre sentimentos e posições extremas: ambições, entusiasmos, vaidades, idiossincrasias, louvores incompreensões, suscetibilidades, ódios...’ E mais adiante: ‘Que seria o homem sem o pensamento e a alocução? Ou melhor: sem o livro?’

Ainda em 1977, pela mesma EU recebo ‘Visões da Pátria’, como comemoração da Semana da Independência daquele ano. Nesta ‘plaqueta’, compartilhada com o aluno João Frederico Abbott Galvão Júnior pontifica o seu ardor nacionalista, em determinado momento, após aludir que todas as grandes religiões possuem os seus textos sagrados, que são recitados e comentados nos templos, nas sinagogas, nas mesquitas, nos pagodes asiáticos, conforme o ritual específico, concluindo que:

‘A religião da Pátria, porque a Pátria também é uma religião, uma crença e uma fé, porque a Pátria é espírito e moral, possui, igualmente, memória, símbolo, testemunhos, fastos, legendas ou canções de gesta, que se impõem com a mesma incoercível ardência, com a mesma projeção, constituindo-se em ideário, em exemplo, em sustentáculo de confiança e “esperança”.

E daí por diante passei a buscar seus demais trabalhos, os quais tenho em minha biblioteca, como o livro de estréia, em 2ª edição, pela Achiamé/FJA, 1982, seguindo-se da série ‘O Comércio das Palavras’, volumes I, pela ed. Presença, 1989, volume II, pela FJA, em 1991, volume III, pela mesma Fundação, em 1992 e o volume IV, pela editora CLIMA, em 1994. Nestes trabalhos seqüenciados não tenta refazer a obra anterior ‘A biblioteca e seus Habitantes’, mas são escritos paralelos, dentro dos diversos caminhos e expressões do território literário, e com o mesmo amor aos livros (advertência que faz no início do primeiro volume), que denominou de ‘Textos e montagens’, comentando consagrados autores, seus atos e suas obras, assim continuando nas publicações que se seguiram. Aqui, porém uma digressão em razão do volume II, quando, num rasgo de sentimento e justiça proclama:

‘Conta-se que, de volta do cemitério, onde acabavam de enterrar o corpo do educador Anísio Teixeira, o professor Péricles Madureira Pinho confidenciou ao escritor Hermes Lima: “Agora, temos de aprender a viver sem Anísio”. Circunstância ingrata, esta, sem dúvida, e que se pode repetir aqui e ali, na vida comum dos homens. Quando os amigos de Walter Pereira, por exemplo, retornávamos do cemitério do Alecrim, onde dele nos despedimos pela última vez, a sensação que nos polarizava era a mesma: “Agora, temos que aprender a viver sem Walter”.

É bom lembrar que Walter abrigava em sua Livraria Universitária, no segundo espaço físico que ficava a partir do Beco da Lama, a reunião regular do “Senado dos Intelectuais”, com as presenças certas, dentre outros e além de Américo, de Alvamar Furtado de Mendonça, Mário Moacyr Porto, Gorgônio Regalado de Medeiros, Coronel Leão, Humberto Nesi e, de quando em vez, de João Medeiros Filho, Luiz Romano e Edgar Dantas, enquanto, em outro local, se reuniam os integrantes do ‘Senadinho’, por onde eu transitava com tantos outros companheiros: Inácio (o bispo de Taipu), Doutores Chiquinho, Gilvan Carvalho, Roberto Furtado (Bob), Djacir Macedo, Stênio da Silveira, João Batista Costa de Medeiros, Vicente Serejo e outros que a memória perdeu neste momento.
Com a morte de Walter, a casa do Dr. Américo passou a abrigar as tertúlias culturais e o baixo clero dispersou-se.
Foi jornalista, escritor, ensaísta, e crítico literário, tendo merecido um prêmio pelo ensaio biobibliogrático denominado ‘Viagem ao Universo de Câmara Cascudo”, FJA, 1969 e republicado agora em 2008. Nesta publicação destaca sobre Câmara Cascudo:

‘Esboçar-lhe um retrato, completo e definido em todas as suas linhas e dimensões, ainda é cedo...’ E complementa: ‘Estas imagens são, assim, visões, ângulos, posições, projeções sem dúvida insuficientes e inconclusas, de quem andou percorrendo, paciente e sistematicamente, áreas julgadas mais significativas e ricas do mundo por ele construído.’

De sua produção literária só não conheço ‘Seleta de Luís da Câmara Cascudo’, da editora José Olimpio, 1972 e 1976.

Participou de várias antologias e tem dois trabalhos biobibliográficos em sua homenagem, de autoria de Vitória dos Santos Costa, Sebo Vermelho, 2003 e Memória Viva organizado por Carlos Lyra, EDUFERN, 1998.
Este cidadão do nordeste entrelaçou a cidadania de vários irmãos vizinhos, era macauense de 22 de agosto de 1910; filho do baiano Pedro Vicente da Costa e da potiguar Victória Petronilla Alves, casado com a pernambucana Josefa dos Santos Costa e seus filhos Pedro Américo, José Américo, Vitória, Paulo Américo e Carlos Américo, todos natalenses. Faleceu em Natal em 1º de julho de 1996. Bacharel da tradicional Faculdade do Recife, turma de 1935, fundador da Faculdade de Direito de Natal, um dos fundadores da Aliança Francesa de Natal, foi também político, magistrado na condição de jurista e diplomata honorário. Recebeu inúmeras condecorações nacionais e estrangeiras. Enfim, um homem notável cujos demais atributos certamente serão destacados pelos demais participantes desta homenagem.
Resta-me dizer da minha gratidão pelo convite em colaborar nesse preito de saudade e justiça proporcionado pelo seu neto, o jovem escritor João Eduardo de Carvalho Costa.

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