sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

 SALDO DE RETALHOS


Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com

Fotos, recortes amarelecidos de jornais, álbuns perdidos,
lembranças mortas, tudo se resume no que ficou de mim no caixote que mandei
buscar em Macaíba. Quase cinquenta anos estavam ali amontoados sem me
passar a certeza de que fui feliz. Viagens, lugares, reuniões, festas, política e
políticos, o lar, as pessoas, o trabalho, os entes queridos, a entrevistas, os fatos,
os enganos e os engodos, as ações e as traições, as frustrações, tudo, enfim, um
baú de vida tecida e vertida em momentos fugazes mas com profundidade.
Mesmo assim, era o meu inventário de aparências. O revelado e o relevante.
Sim, porque as verdadeiras ações ficaram no pensamento, no que quis realizar e
não consegui: porque o melhor de todos nós se encontra no irrevelado.

Sobre a mesa, o pacote empoeirado desafiava-me a memória. De
plano, lembrei-me que muitos desses documentos foram náufragos há quase
quarenta anos, aproximadamente, de uma enchente que inundou a rua Francisco
da Cruz nº 39, de minha mãe. Com a permissão do destino os papéis não foram
afetados menos outros, levados pela correnteza. Naqueles ali apenas constatei o
pó e a pigmentação do tempo. Estava diante de mim mesmo resumida a maior
parte de minha vida? Perguntei-me. Vejam mesmo, meus caros leitores, o
quanto é fuleira a vida quando a colecionamos ou a resumimos em vaidades. Era
feliz e não sabia? Frase babaca essa e desnecessária ao texto. O fato é que
enfrentei a memória contextual, os meus pedaços de vida, soltos, saídos do útero
da casa mater, como único e suficiente tesouro do eterno aprendiz.

Um pacotaço maior e robusto havia me surpreendido à esquerda,
naquela tarde de redescobertas. Tratava-se da coleção de diplomas,
condecorações, títulos, troféus, placas, medalhas, etc. Era a coleção “vanitas,
vanitatis”, que pendurara, ao longo do tempo, nas paredes da sala da frente.

Testemunhas documentais de homenagens passageiras. Do mérito bajulatório
umas e de fiéis reconhecimentos, outras. Enfim, passatempos. De que me servirá
hoje tudo isso porquanto só a mim interessa? Penso assim, porque sempre o
mundo dá e ele mesmo tira. O que importa é que agora sem a casa de Macaíba
não tenho onde colocar meus inúmeros penduricalhos. Resido em casa menor,
despojada de arquitetura senhorial que abrigava com pompa e circunstância
meus escombros de guerra.

Mas, há algo que lá deixei, além das sementes e da vida dos meus
pais, em cada parede, sala e jardins. Uma iniciada biblioteca constituída de bons
livros de autores nacionais e principalmente do Rio Grande do Norte. Nas boas
mãos de uma bibliotecária pode representar um bom começo para os futuros
habitantes. Doei a Fundação José Augusto e a Casa da Cultura de Macaíba
“Nair de Andrade Mesquita” na expectativa maior de que os jovens conheçam
mais os autores potiguares. Em suma, eis o meu inventário. Modesto, raquítico,
dietético, extraído daquele casarão onde habitou tanto amor, enxugou muitas
lágrimas e perfumou sorrisos. Mas, ali tudo era assim mesmo: modesto, pobre,
sem ostentação. Era verdadeiramente a casa do povo e que se tornou da cultura
municipal, sem deixar de ser do povo. Não sei, mas sinto que há desígnio
superior em tudo isso.

(*) Escritor

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

 


PEQUENA ELEGIA RURAL 


nada como estar a sós com o passado
sobretudo à noite
entre árvores imersas em sonhos e reminiscências
cujas raízes procuram nas profundezas
a revelação do mesmo segredo
que acima busco nas estrelas


-  Horácio Paiva

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

 No Natal, Deus se faz criança 

Padre João Medeiros Filho 

Santo Antão, um anacoreta do século III, inspirado no Livro da Sabedoria (Sb 18, 14-15) escreveu: “Quando a noite estava no meio de seu curso, tudo parou e silenciou, porque nasceu um Menino, o Salvador da humanidade.” A retórica do presépio pretende mostrar que Deus não é severo, ameaçando nossas vidas. Ele surge no meio de nós como uma criança. E esta não julga nem condena. Deseja tão somente revelar a clemência e o afeto divino. A manjedoura de Belém sussurra-nos uma profunda mensagem de paz. Hoje, vive-se na civilização da incerteza e do medo, até mesmo de Deus. Talvez, nós ministros religiosos, tenhamos uma parcela de culpa. Por vezes, anunciamos mais o castigo divino do que o perdão, a benignidade e a ternura. Jesus se fez pequeno. É o Emanuel, Deus conosco. Não se pode esquecer as palavras dos anjos aos pastores: “Não temais, anuncio-vos uma grande alegria: nasceu para vós o Salvador” (Lc 2, 10). O termo empregado pelos arautos celestiais foi salvador e não juiz. O Natal cala-nos diante da simplicidade, bem como da benevolência infinita e celestial. Resta-nos dar lugar ao coração que sente, se compadece e ama. Não se poderia fazer outra coisa diante de um menino, sabendo que Ele é o Verbo humanado. Vale lembrar Fernando Pessoa: “Ele é a eterna criança, o Deus que faltava. Ele é o divino que sorri e que brinca. É a criança tão humana que é divina.” O Natal traz-nos uma permanente mensagem: importa muito o espírito de bondade, doçura que encanta, pureza enchendo a alma humana da inefável e enriquecedora graça sobrenatural. Na festa do Natal de Cristo, somos todos convidados a ver com os olhos da alma, do afeto e do coração. Não raro, somos frios e indiferentes. O Pequeno Príncipe já dizia: “Só se vê bem com o coração.” Santa Dulce dos Pobres mostrou-nos que o cristianismo é feito muito mais com o coração do que com sermões. Neste Natal, vamos resgatar nossa afetividade, deixar-nos comover com nossas crianças interiores, permitir que elas sonhem e nos encham de encanto diante do Menino Jesus. Este sentiu prazer e alegria, querendo ser um de nós. “E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1, 14). Tendo passado pela experiência de ter sido criança, Ele lançou aos discípulos o convite à infância espiritual: “Se não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18, 3). Natal é isso também. Na liturgia natalina e do cotidiano da vida, o Eterno vem a nós para nos transformar em irmãos, mudar nossa noite em dia, proteger-nos dos perigos, iluminar nossa cegueira e fortalecer nossa fraqueza. Deus assumiu o homem, não obstante a sua infidelidade, a rejeição do Amor na aurora da humanidade. Um Menino nasceu para nós, um Filho nos foi dado. Cristo se fez um como nós, porque quis ser para todos misericórdia e perdão. Portanto, “alegremo-nos todos no Senhor, pois nasceu para nós o Salvador” (Lc 2, 11). Desceu do céu para nós a verdadeira paz! O Natal é a resposta à utopia humana, à sua sede e procura inquietas. Em Cristo, Deus materializou todo o nosso sonho: tornar-se imortal, pleno de bondade, rico de benevolência, templo da justiça, fonte da verdade, berço do perdão e da paz. Jesus veio restaurar pela graça a humanidade, em sua beleza original e grandeza primeira da criatura, antes da triste realidade do pecado. O Natal é a convivência celestial nos caminhos da terra, a partilha da Vida divina com a existência terrena, o encontro do Eterno com o tempo, a Presença duradoura no efêmero dos homens. É o Criador decidindo habitar a terra. Destes sentimentos devem se revestir as festas natalinas. A todos desejamos um Natal cheio de graças e de Luz. Precisamos dela neste mundo – em especial no Brasil – rumo a um futuro incerto. Tenhamos fé, Deus indicar-nos-á também uma estrela, como a de Belém, a mostrar o caminho que nos leva ao Salvador. A todos um Natal pródigo de graça, alegria, saúde e paz! “E a gloria do Senhor nos envolva de luz” (Lc 2,9).

 EQUÍVOCO HOMÉRICO

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

Nos anos noventa, o deputado Leonardo Arruda encabeçou um oportuno movimento na Assembleia Legislativa com o objetivo de tornar sem efeito o título de cidadão honorário norte-rio-grandense concedido a José Carlos Fragoso Pires. Léo, como advogado e regimentalista, procurou amparo legal para convalidar a iniciativa que teve o apoio da grande maioria dos parlamentares. Mas, o título foi entregue solenemente no plenário da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, com reservas. O então deputado e depois governador Robinson Faria, proferiu o discurso de praxe repleto de esperança e de visões desenvolvimentistas. De Macau, por terra e mar, desembarcaram delegações oficiais e privadas, todos entoando o hino da barrilha. No seu discurso, para justificar a honraria, falou que retomaria imediatamente o projeto de reabertura da Alcanorte. Todavia, notícias sinistras pairavam sobre o projeto. Comentou-se que o grupo empresarial estava dividido. Ou concentrava somente seus investimentos no Rio de Janeiro e não na Alcanorte, em Macau. A dúvida penalizou o Rio Grande do Norte. Não foi isso que ouvimos quando votamos o título honorífico. E a Alcanorte foi para o beleleu.

Para quem não se lembra, Fragoso Pires foi o empresário carioca/paulista que implodiu o projeto da Alcanorte. Dizem que lá em Macau o vigário ministrou até a extrema unção da polêmica iniciativa. Relembro os primeiros trovadores que cantaram a adolescente Alcanorte em verso e prosa: Antonio Florêncio, Tarcísio Maia para não citar outros. A Alcanorte foi mulher de muitos homens. Explorada em muitas cartas e discursos circunstanciais, ocasionais, para depois de seduzida ser logo abandonada. Hoje, virou carcaça na periferia de Macau, igual a tantas mulheres que ganhavam a vida com o suor de suas nádegas. O seu último caso foi com o industrial Fragoso Pires que a pediu em “casamento” e levou o seu dote de quinze anos de isenção de ICMS. Logo deixou de ser pública para ser privada. Mas o casamento não deu certo. O volúvel Fragoso, era homem de muitos casamentos e só no Rio de Janeiro tornou-se sócio de quinze empreendimentos diferentes. Enciumada, alquebrada, esquelética, a Alcanorte é tristemente lembrada na comiseração pública, através das frases carpideiras e lamuriosas dos seus amantes. Depois, falou-se no Pólo-Gás-Sal. Sim, o gás é nosso! Disseram que não poderia nascer morto no ventre como nasceu a refinaria de petróleo. Mas, ainda restava uma esperança. Ai entrou em cena o Pólo-Gás-Sal que se transformou num “bufa-gás”, aquele orfeônico equipamento inventado pelos cientistas de plantão lá do Planejamento do Estado.

Sentido-se enganada na sua boa fé e ultrajada, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte buscou uma sanção moral, um ressarcimento ou uma punição que fizesse delir da galeria honorífica dos grandes cidadãos do Rio Grande do Norte essa figura despicienda e de tão mau agouro. A intenção não logrou resultado.

E aí? Tudo virou naufrágio! Uma aventura na qual só um grupo levou vantagem. Nem Alcanorte, nem barrilha, nem porra nenhuma! Tá lembrado? É a mesma história da ZPE, da Algimar do conde de Sternberg ou senhor Carlos Raposo, Cerâmica Beatriz de Bernard Benayon e falam que vai aparecer agora um novo projeto: O “CAVACO CHINÊS”.

Rio Grande do Norte sem sorte onde o maior investidor é a Previdência Social. A paranóia do lucro fácil continua presidindo as ações. Não existe criatividade. Apenas, a infusão do medo, do ódio, do pesadelo. Não existe um líder que dê de si, sem trair a si, eis toda questão do senso político. Sem paranóia, sem passionalismo. O tempo só respeita o que constrói e não o que persegue.

(*) Escritor.



segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

 Estado brasileiro laico e religiosidade 

Padre João Medeiros Filho 

Talvez por desconhecimento jurídico, histórico e cultural, pessoas, grupos e instituições voltam-se contra manifestações e símbolos religiosos – mormente cristãos – presentes em órgãos ou espaços públicos. São objeto de contestação, críticas, ataques e polêmicas. O assunto é recorrente em discussões acadêmicas, legislativas e jurídicas. O advento da República trouxe a ruptura da Concordata entre a Santa Sé e o Brasil (vigente desde os tempos coloniais), ocasionando o fim do padroado e do catolicismo como religião oficial. Proclamou-se o estado laico, ou seja, separado institucionalmente da Igreja. O uso do termo laicidade, de forma inexata semântica, canônica e juridicamente, tem sido um dos argumentos contumazes em discussões e debates. Absurdo é considerar laicidade como oposição a tudo o que diz respeito à religião. Por princípio constitucional, o Estado brasileiro é laico e não laicista. São realidades distintas. A laicidade é a neutralidade ou independência do ente estatal no tocante à religião, jamais aversão ou exclusão da fé do seu povo. Isto chama-se laicismo, postura radical que nega o sentimento religioso. Laicismo inexiste em nosso texto constitucional. Assim, inaceitável é a visão excludente da religiosidade. Esta não se configura como antagônica ao Estado. Ao contrário, ela poderá contribuir para avaliar a concepção e os projetos de sociedade. Ontológica e culturalmente, a religiosidade cristã é inerente à nossa formação antropológica como nação. Integra os elementos formadores de nossa identidade nacional, ao lado de tradições e raízes indígenas ou africanas. Por mais que queira, ninguém conseguirá apagar ou modificar o passado. É indelével. Hoje, órgãos de Estado empenham-se em preservar traços e aspectos transmitidos por nossos ancestrais. Há leis específicas de proteção a elementos oriundos da afro-descendência e ameríndia. Paradoxalmente, tenta-se negar ou soterrar a presença cristã na genética de nosso povo. Ignorar esse fato é uma postura preconceituosa histórica e culturalmente. Há uma marca religiosa nas entranhas do Brasil. Incontestável é a religiosidade de sua gente. Esta precede o ente estatal, o qual tem por dever edificar e manter uma sociedade equânime, justa e solidária. O povo é a razão de ser da instituição sócio-política, na qual está inserido. O Estado tem por objetivo o bem comum da nação, preservar seus legados culturais e respeitar os princípios de justiça, verdade, harmonia e paz. Portanto, não é correto – filosófica, jurídica e ideologicamente – considerar como opostos e inconciliáveis: Estado e Religião. A distinção é necessária e benéfica para não incorrer em ambiguidades indevidas, injustiças ou concessão de privilégios a determinado credo. Nos parlamentos, se os membros representam legalmente a população, detêm igualmente a obrigação de defender a religiosidade de quem os escolheu. O ônus abrange proteger a legitimidade e competência da religião, bem como momentos e contextos, locais e modos de expressar suas convicções. “Est modus in rebus”, escreveu o poeta latino Horácio em suas “Sátiras”, ou seja, há medida certa para cada coisa. De um lado, seria contraditório pensar o Estado como instância prestadora de serviço para o bem-estar da nação; de outro, discriminando a religiosidade, dimensão intrínseca e ontológica da brasilidade. Nenhuma entidade social ou partidária pode arrogar-se o direito de ser dona do Estado, a ponto de querer impor sua própria concepção ideológica ou religiosa. Tampouco, religião alguma deverá fazer o mesmo. São seres diferentes, apesar de vinculados à vida nacional. Deste modo, não se pode extirpar de nossa pátria elementos constituintes e intrínsecos, dentre eles, a religiosidade. Negam-se nossas origens, quando se parte de uma noção inexata e equivocada de laicidade. O Estado não deve ser confessional. Porém, não é ético, justo e intelectualmente honesto, excluir culturalmente o cristianismo do DNA do país. Se assim pretendem defensores dessa teoria, deverão repensar e abolir outros componentes que também constituem a identidade brasileira, protegidos por diplomas legais. É uma questão de dignidade, coerência e lógica. A religiosidade do ser humano não é maléfica. Dizia o teólogo Angelus de Silesius: “Como viver sem Ti, ó Senhor? Pouco importa teu nome: Clemência, Pai, Ternura ou Amor. És nossa luz, alegria, esperança, refúgio e paz!” Importa citar o salmista: “Feliz a nação, cujo Deus é o Senhor” (Sl 33/32, 12).

 

ORIGENS E SÍMBOLOS DO NATAL

Padre João Medeiros Filho

I HISTÓRIA

Segundo a maioria dos historiadores, a celebração do Natal de Cristo remonta ao ano 440, quando o Papa Leão I (São Leão Magno) instituiu a missa In Nativitate Domini. Não há registro cronológico da data exata do nascimento de Jesus. O dia 25 de dezembro é a sacralização ou cristianização de algumas festas pagãs que aconteciam junto aos povos ocidentais e orientais, especialmente romanos, gregos e egípcios, mormente nos países banhados pelo mar Mediterrâneo. Dentre elas destacaremos as seguintes:

1 Saturnaliae

Em Roma, eram famosas as Saturnaliae (ou Saturnais) em homenagem ao deus Saturno – versão romana do deus Cronos. De acordo com as lendas e a mitologia, Saturno era uma divindade romana. Uma vez destronado por Júpiter, fugiu para a Ausônia (Itália). Segundo a crença pagã, reinou durante a Idade de Ouro do Império Romano. E em memória desse reinado benéfico, realizavam-se no início do inverno as festividades Saturnais. Nessa oportunidade, ficavam suspensos os serviços públicos, declarações de guerra e execuções de criminosos. Os amigos trocavam presentes e os escravos adquiriam liberdade momentânea. As árvores eram enfeitadas para que brilhassem durante a noite. Tocava-se e cantava-se em agradecimento a Saturno, o deus da simetria, fartura e vida. No seu reinado, havia paz e harmonia, concórdia e fraternidade. Assim expressa-se o poeta latino Virgílio: Iam redit et Virgo, redeunt Saturna regna: (Eis que a Justiça está de volta, retorna o reino de Saturno). As Saturnais eram uma forma de lembrar o estado paradisíaco e obter graças e proteção de Saturno sobre os campos e a vida.

Por ocasião das Saturnais, acontecia um banquete onde todos se sentavam à mesa, servidos pelos senhores. A ceia tinha por intenção mostrar que, perante a natureza, todos os homens são iguais e que no reinado de Saturno os bens da terra pertencem a todos.

Podemos verificar que nas Saturnais havia vários aspectos que inspiraram a realidade da festa do Natal cristão. A Igreja nos ensina e a fé nos confirma que Cristo, o novo Adão de que fala São Paulo, veio instaurar um reino de amor, justiça e paz. O Filho de Deus se encarnou e nasceu para proclamar a nossa fraternidade e fazer com que todos se sentem à mesma mesa (Eucaristia) para um banquete servido pelo próprio Deus. Para os cristãos Cristo é o maior dom de Deus, presente divino para o mundo e em memória dessa doação celestial, somos animados a trocar presentes. Recebestes de graça, dai de graça (Mt 10, 8). Eis a sacralização ou cristianização de uma tradicional festa pagã. Com a vinda de Cristo, os romanos foram convidados a se reunirem não mais para celebrar um deus frágil, mas o Deus Eterno, do Amor e da Vida.

2 Hélios

De acordo com a mitologia grega, Hélios (O Sol) era filho de uma Virgem chamada Téia (do grego:  divina). É o deus da luz, conhecedor profundo de todas as mazelas do mundo, capaz de criar e secar, de apontar e cegar. Segundo a lenda, Hélios ganhou de Posídon ou Possêidon (Netuno) a cidade de Corinto, onde era adorado pelos seus habitantes, que propagaram para toda a Grécia a festa do deus Sol. No solstício do inverno (entre 22 e 25 de dezembro no hemisfério norte), os coríntios costumavam celebrar a festa do deus Hélios, onde se cantava e pedia que ele não se afastasse da terra e não reinassem as trevas que encobriam as cidades. Em geral, tais festividades tinham o seu clímax no segundo ou terceiro dia, ou seja, na data ou véspera de 25 de dezembro.

A Igreja, partindo da tradição e realidade pagã, deseja comemorar Aquele que é a Luz do Mundo, o Sol da Justiça e da Paz preconizado pelo profeta Isaías. Segundo a crença helênica, o frio e os rigores do inverno deveriam ser amenizados com a proteção de Hélios. Deste modo, o gelo da insensibilidade ou indiferença, do ódio e da violência deveriam, segundo a concepção cristã, ser destruídos ou amenizados por Aquele que aquece as nossas vidas e corações. Reza-se na sequência da missa de Pentecostes: Sol divino, aquecei as nossas almas. Segundo a mitologia grega, Hélios era considerado o “olho do mundo”, ou seja, aquele que tudo vê. Para os teólogos pelo mistério da Encarnação, Cristo é o olho de Deus no mundo dos homens. É muito mais do que um simples olho. É a presença divina no tempo. Entende-se melhor a representação iconográfica do “olho de Deus” no triângulo encontrado nos santuários de Schoenstatt. Não é sem sentido e simbolismo a lenda que afirma: quando o sol se põe, ele viaja para as entranhas da sagrada noite escura. Na verdade, quando o Cristo se ausenta da face da terra e do coração dos homens, temos trevas. Dizem-nos os relatos da paixão e morte do Filho de Deus que quando Ele expirou a terra se cobriu de trevas (Mt 27, 45). Cristo apresenta-se como sendo a Luz. Assim se expressou com bastante precisão: Quem me segue, não anda nas trevas (Jo 8, 12). Jung procurou descrever a trajetória de Hélios e o seu simbolismo: o herói se identifica com o sol, que nasce cada dia, isto é, imortal. Cristo é o Imortal, o Deus vivo e verdadeiro. Para o psicanalista suíço, a representação mítica é importante, pois Hélios retrata a força suprema do espírito e da alma, a verdade e o amor. Cristo é nossa fortaleza (Tudo posso naquele que me fortalece – Fl 4, 13), é a verdade (Eu sou o caminho, a verdade e a vida – Jo 14, 6) e o Amor (Deus é amor – 1Jo 4, 8).

3 Shesepuankh

Os egípcios cultuavam uma esfinge com este nome, que era a primeira a receber os raios de Ra-Herakheti, ou seja, o Sol vivo. Essa esfinge passou a ser cultuada por várias comunidades helênicas e da antiga Palestina como a Hieracoesfinge, que é a presença do deus Sol. Menos conhecida que as duas outras divindades e suas festas, o “rito do sol” é de grande importância para os egípcios, pois é o deus da fecundidade, da vida e do renascimento. Esse rito era celebrado no solstício do inverno, como súplica ao deus Sol para que não abandonasse a terra e não permitisse que os homens permanecessem nas trevas. Posteriormente, chamou-se de “festa da luz” como despedida da claridade, pois os dias hibernais são mais curtos do que as noites. A Igreja inspira-se nesses simbolismos incorporando à liturgia católica ideias e imagens, cristianizando a data, a festa e a tradição. Cristo é a luz do mundo (Jo 8, 12), como Ele mesmo se definiu e já profetizava Isaías: Brilhará para vós uma luz (Is 9, 2).

II SÍMBOLOS CLÁSSICOS DO NATAL

Da celebração de tais festas pagãs nascem o sentido do Natal e vários símbolos natalinos presentes na liturgia da Igreja, conhecidos e propagados até o dia de hoje.

a) A árvore de Natal

Nas Saturnais coloriam-se as árvores quase mortas por conta do gelo e do inverno inclemente. A Igreja ensina-nos que Cristo é a verdadeira árvore, símbolo da vida e da fecundidade, manifestando e comunicando a vida em qualquer situação. Assim é Jesus, que afirmou: Vim para que todos tenham Vida (Jo 10, 10).

Nos países tropicais, colocam-se árvores murchas com arranjos secos a nos sugerir uma reflexão indireta. O que está seco, não tem vida. Lembremo-nos da parábola da videira: Eu sou a videira, vós sois os ramos (Jo 15, 5). Portanto, sempre que estivermos longe de Jesus estaremos secos, pois só Ele é a Vida. Olhando os arranjos ressecados, peçamos a vida e condições para viver dignamente como filhos de Deus.

b) A ceia de Natal

A ceia natalina é também inspirada nas Saturnais, que lembravam a fraternidade. É o momento em que a família se reúne com alegria e amor renovados. Na hora da refeição todos estão unidos para dialogar. A ceia de Natal deve nos lembrar que nosso verdadeiro alimento é Jesus, Filho de Deus que estamos festejando. Em Cristo nós nos fortalecemos e temos a vida. A ceia natalina lembra-nos também uma outra, a última ceia de Jesus, onde Ele próprio se deu a nós como alimento para ficar conosco na Eucaristia.

Na ceia do Natal, costumamos colocar no centro da mesa uma vela acesa, para simbolizar Cristo que nos une em volta de si, que é a nossa luz.

c) A estrela

Nas festas pagãs procurava-se também reproduzir nas árvores e nas casas o brilho das estrelas e do sol. Sabe-se que no nascimento de Jesus, de acordo com o relato dos evangelistas, especialmente Lucas, apareceu no céu uma grande estrela. Os magos que vieram do Oriente à procura do Menino foram guiados por esta estrela até Belém. Tinha quatro pontas (lembrando a forma da cruz) e uma calda luminosa. As pontas representam as quatro direções da terra, norte, sul, leste e oeste, para as quais Cristo deve ser luz e de onde devem vir todos homens para adorar a grande Luz, o Filho de Deus. Jesus Cristo é nossa estrela, que aponta o caminho de nossa vida e quanto mais nos aproximamos da sua luz, também seremos luz e estrela, guiando outros ao encontro de Deus. Vós sois a luz do mundo (Mt 5, 14).

d) O presépio

Os historiadores da Igreja relatam que a representação do nascimento de Jesus – seguindo-se os relatos bíblicos – começou por volta dos séculos VII e VIII. Entretanto, a mais famosa delas foi de autoria de São Francisco de Assis, que se celebrizou no mundo inteiro como idealizador do presépio. O Santo dos pobres encontrava-se na cidadezinha de Greccio, na Itália central, no ano de 1223. Estando em uma ermida próxima a um bosque, teve a inspiração de encenar, na noite de Natal, o momento do nascimento de Cristo, que, segundo o Evangelho, é Deus que se fez homem para habitar entre nós e salvar a humanidade.

Assim, os amigos de Francisco levaram animais ao bosque e algumas pessoas interpretaram Nossa Senhora, São José, os pastores e os Reis Magos.

Até hoje, Greccio é conhecida como a “Belém italiana” por ter sido palco do primeiro presépio. Desde então, a representação visual do nascimento de Cristo se tornou, cada vez mais, símbolo do Natal.

Pode-se dizer que o presépio, apesar de sua origem e inspiração bíblica, lembra igualmente a tradição romana onde se realizavam encenações em homenagem ao deus Saturno.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

 O PERIGO ESTÁ NO TOM

 

Valério Mesquita

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Diante da vida comum em Natal, ninguém pode fugir ao hábito da ironia, da tendência do sarcasmo e da aversão a tudo que é medíocre, vulgar e chato. A primeira futilidade pública é o escandaloso delírio das torcidas do paupérrimo futebol potiguar, todas endiabradas e ensandecidas pelas ruas, fazendo vítimas inocentes e depredando patrimônios. Antigamente, as paixões populares assumiam o encanto e o canto da luta social, política, cívica, com formas e cores mais puras e emocionais. Agora, não. São meras caricaturas e badernagens para os boletins de ocorrência das delegacias de plantão.

É um tempo trágico e cômico, mais parecido com um castigo divino, recheado de assaltos, insegurança, onde a paz do coração foi substituída pela paz dos túmulos. Sobre todos esses vândalos caberia dizer que “o diabo não os desampare e Deus que nos ajude”.

Sabem que tudo na vida é relativo e passageiro. No futebol, na política, no comércio, na indústria, nas profissões liberais, “tudo o que sobe, cai”, já dizia Sandoval Quaresma olhando pra braguilha. O que vai bem, afinal? O trânsito em Natal? No Rio Grande do Norte já ultrapassa a casa de um milhão e meio de veículos. Semana passada, desabafei que a maioridade penal deveria descer para os 14 anos. Depois, li que alguns juristas são contrários até a queda para o patamar de 16 anos. Acham que tudo deve ficar como está. O problema é a educação dos jovens. No momento da entrevista esqueceram que essa prenda pedagógica se encontra falida há décadas. Na rede pública escolar aluno enxota professor da sala de aula, quando não depreda, agride ou mata.

O problema é que nesse tempo apocalíptico a humanidade se esqueceu do mais humilde e simples ensinamento: “amai-vos uns aos outros”. Tudo foi desviado para outro tipo de amor, estimulado pelo mais poderoso cartel de perdição e transtorno de conduta: as novelas, os filmes, a internet, enfim, só para apagar as letras de um livro chamado Bíblia. Porque o que Deus ensinou, a legislação mundana contrariou, profanou, modificou para gáudio de suas ambições, vaidades, corrupção e degenerescência. Droga, impunidade, violência, polícia prende e justiça solta, são coisas do homem que avacalham a cidadania e o gosto pela vida.

Não acredito que o mundo melhore. Certa vez, Barack Obama falando da tribuna da Casa Branca elogiou um jogador de basquetebol do seu país porque teve a coragem de assumir o seu homossexualismo. Será que os presidentes da Rússia, Alemanha, Brasil, China, ou os primeiros ministros da Inglaterra, Espanha, Portugal, etc., prestariam tal informação sobre qualquer pessoa, notável ou não, do respectivo país, como apologia ou um exemplo a ser seguido ou compreendido? Com tantos enfrentamentos da pandemia, péssimos políticos, terroristas, crise econômica, que hora a sua nação atravessa, não precisava, à guisa de colher simpatias, propagar a decisão emblemática do jovem atleta como modelo a ser inserido na rede de ensino infanto-juvenil estadunidense e para todo o planeta. O mundo vai mal. Estão melando tudo. O Brasil, dizem não ser um país sério. Que o diabo não ampare governantes assim e que Deus nos ajude.

Mas, o perigo está também no clima, na elevação das temperaturas, nas erupções repentinas dos vulcões, nas chuvas exageradas e contínuas, no abrasamento do solo, na sequidão dos rios amazônicos, tsunamis e até no ingresso de político, senador, deputado no templário maior da justiça no país!

(*) Escritor.



quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

 NÃO MAIS QUE DE REPENTE, O VERÃO

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Lendo Chico Xavier, que orava a Deus para não perder o romantismo, mesmo sabendo que as rosas não falam, refleti sobre o verão que chegará breve, trazendo com ele os cajus, as acácias e os pau-d’arcos amarelos. Lembrei-me também de rever as crônicas sobre o tema escritas com brilho superior por Newton Navarro, Berilo Wanderley, Sanderson Negreiros, Diógenes da Cunha Lima, Luís Carlos Guimarães e Vicente Serejo. Todos, poetas e românticos que ao longo de suas vidas entenderam que a grandeza não consiste em receber elogios, mas em merecê-los por escreverem tão maravilhosamente.

A minha crônica não tem a beleza inaugural de uma manhã de ressurreição, da oração de uma criança, de uma prece de D. Heitor, de uma tarde contemplativa de uma janelinha aberta sobre a imensidão dos campos ou de uma doce e suave madrugada, deusa de todos os poetas. Ela tem o toque metálico do clarim do sentinela; o aviso do anunciante das manhãs e das noites e seus mistérios; do bom dia, boa noite, do guarda noturno e diurno das praças e jardins de Natal (se é que ainda existem); do sinal digitado do faroleiro pastorador de estrelas e de mares; tudo para saudar o advento das acácias, dos cajus, dos pau-d’arcos e de que a cidade se cobrirá, não mais do que de repente, de amarelo ouro.

Ano que vem, a política chegará e passará, juntamente com os seus gladiadores. Iremos remover, depois, os horríveis outdoors, fotos e fatos que sujaram a cidade. Recolheremos as bandeiras da guerra aos seus quartéis de origem e que venham servir de lençóis aos descamisados. É soada a hora de preparar Natal para a chegada triunfal dos cajus, das acácias e das flores dos pau-d’arcos.

Que os homens se desarmem de suas propostas solertes e ganhem as praias, levem os cajus e se bastem com o calor da estação e contemplem o mar aceso em lua do poeta Gilberto Avelino, para que possam entender os pontos cardeais da vida. O verão chegará e dezembro é tempo de sepultar as beligerâncias, as agitações da alma e do coração, como se o ano novo lhe fosse trazer as ilusões de um amor adolescente, o retorno das jovens tardes de domingo ou a nostalgia dos instantes antigos e perdidos de sua profundidade vital.

E que venha de repente o verão, mesmo que traga no ventre o filho incestuoso dos excessos. Deus nos compensará com a mágica contemplação das acácias, dos pau-d’arcos amarelos, róseos, como se multiplicasse o seu talento criador em mil Van Gogh, Rembrandt, Renoir e Picasso. Com o novo ano virão em 2024, mais crises, caos na saúde, violência, distúrbios laterais e colaterais, além da combustão espontânea no pensamento das massas, com os governos que se instalarão. E com eles as transformações genéticas nos seres humanos e desumanos. Ora, se a lua influencia as tendências do zodíaco. Nas longas esperas da estação do verão, com a canícula e o fogo do mundo, além das paixões radicais, a política que virá abrasará mais ainda os loucos e os lisos, vagando a esmo, sem jamais achar abrigo.

Já conclui que o sufrágio universal será a última etapa do dia do juízo. Ninguém joga mais com a ideia. A filosofia do político é o vento. Parte da premissa da honra ser uma palavra e na palavra conter vento. Às vezes, um faz parecer um santo, quando na verdade é o próprio diabo. Alimenta-se de arsênico. Nas crises e nas votações, se dá melhor com o traseiro da noite do que com a fronte da manhã. Daí, a Câmara ser uma fera e para domá-la emprega-se meios obscenos.

(*) Escritor

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

 

Solenidade da Imaculada Conceição 
Padre João Medeiros Filho 
O dogma da Imaculada Conceição proclama Maria isenta de todo e qualquer pecado em sua trajetória terrena. Essa verdade teológica exalta a natureza do ser humano, plasmado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26). A Virgem Santíssima representa a humanidade na pureza original de sua criação, revelando a vontade do Criador para os seus filhos. Nos albores da história, Ele desejou o ser humano capaz de difundir a verdade, praticar a justiça e fazer o Bem. Mas, esse plano fora rejeitado por Adão e Eva, que optaram pelo Mal, simbolizado na metáfora da serpente. A primeira mulher foi despojada dos bens sobrenaturais, gerando a morte. Entretanto, Maria concretizou o ideal concebido por Deus. A Virgem de Nazaré disse sim ao Onipotente, por isso teve o privilégio de conceber o Unigênito de Deus e trazer ao mundo a Vida. Maria foi a portadora da paz e salvação, vindas do Alto, enquanto a esposa de Adão causou tristeza, sofrimento e morte. No dia 08 de dezembro de 1854, o bem-aventurado Papa Pio IX proclamou, pela Bula “Ineffabilis Deus”, o dogma da Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Por ele, os católicos deverão venerá-la como o templo santo e ilibado, onde Deus veio habitar. Exemplar único da humanidade, imune da culpa original e outras faltas, a Virgem recorda as origens de nosso ser, sem a rebeldia contra Deus. Este quis mostrar em Maria a criatura perfeita, nela oferecendo um modelo de vida. A Conceição Imaculada da Mãe Celestial é decorrência da plenitude da graça divina. Não há espaço para o Mal, onde o Altíssimo faz sua morada. A festa da Imaculada Conceição é também uma oportunidade de reflexão e convite à conversão. Quando dizemos não à Palavra Sagrada, afastando-nos de Deus e nos entregamos ao egoísmo e à iniquidade, assim nos despojamos de nossa filiação divina. Segundo o relato do Gênesis (Gn 2, 15s), Adão e Eva sentiram vergonha por estar despidos, após a desobediência ao Criador. Eles cobriram seus corpos, envergonhados de sua postura. Às vezes, também pretendemos nos esconder nas folhagens de nossas desculpas, escudos e subterfúgios para disfarçar nossa nudez diante do Onipotente. A busca desenfreada de dominação e prazer, a corrida desvairada pelas riquezas materiais são tentativas de ofuscar nossas ilusões e mentiras, entorpecer nossas consciências para não ouvir a voz do Senhor. Somos cada vez mais desafiados a escolher entre Deus e a serpente. Esta simboliza a impiedade, desobediência, arrogância, sede do ter e poder, que seduziram Eva e continuam assolando o mundo. Os cristãos são convidados a seguir o exemplo de Maria, tornando-se capazes de rejeitar os aliciadores dos tempos hodiernos. Eis uma escolha crucial em nossa vida. A devoção à Imaculada brotou cedo no solo fecundo da piedade popular. O Ofício de Nossa Senhora (compilado em 1670 pelo frade franciscano Bernardino de Bustis) é uma prova do culto e amor dos fiéis à Mãe dos homens, dádiva de Cristo no alto da Cruz. “Eis a tua Mãe” (Jo 19, 27). Antes da proclamação do dogma pela hierarquia eclesiástica, ele já era vivido pela fé dos católicos, na sensibilidade dos corações que desconhecem reflexões teológicas, mas percebem a ação amorosa do Pai Celeste. Nossa Senhora é a reconciliação de Deus com o ser humano. Nela foi recriada a humanidade, pensada com carinho na manhã primeira do universo. A teologia subsequente chama Nossa Senhora de Nova Eva, portadora da Vida. No ventre de Maria o Verbo se tornou carne como nós. Por isso, a celebração da Festa da Imaculada acontece durante o tempo litúrgico do Advento, quando se comemora o mistério da Encarnação de Cristo. A Virgem Santíssima foi a mulher escolhida para o Filho de Deus assumir nossa condição humana, sendo corredentora da humanidade. Maria é beleza divina presente na terra, riqueza celestial temporizada. Maravilha infinita acessível aos mortais, ternura sagrada estendida aos pecadores. Suprema misericórdia do Altíssimo revelada aos pequenos e imperfeitos, poesia do céu no prosaico dos homens. A Compadecida, segundo a belíssima expressão de Ariano Suassuna. “Ó Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós."

 


A canção-hino “Praieira - Serenata do Pescador”, de Othoniel Menezes e Eduardo Medeiros, será festejada na próxima terça-feira (12 de dezembro), às 18h, no salão da Academia Norte rio-grandense de Letras. A entrada é gratuita e integra a programação do Natal em Natal.

Interpretada por diversos artistas do RN, e citada por Mário de Andrade em sua passagem por Natal, a canção-hino “Praieira - Serenata do Pescador”, de Othoniel Menezes e Eduardo Medeiros, completa 100 anos na próxima terça-feira, 12 de dezembro. Para marcar a data, será realizada, a partir das 18h, na Academia Norte rio-grandense de Letras, uma serenata com o grupo Choro do Caçuá e a cantora Dodora Cardoso, tendo a participação especial do mais antigo intérprete da obra, o cantor Paulo Tito. A programação integra o calendário do Natal em Natal, e conta com apoio da Prefeitura de Natal.

“Praieira” é considerada um dos símbolos do ciclo natalino da capital, quando era tradição abrir o mês de dezembro com as famosas serenatas pelas madrugadas da cidade. Foi inspirada na aventura de três pescadores que viajaram de Natal para o Rio de Janeiro de barco. Em 1923, o autor dos versos, o poeta, compositor de modinhas e acadêmico Othoniel Menezes (1895-1969) contratou o mestre de banda e seresteiro Eduardo Medeiros (1887-1961) para musicar o seu poema, que foi cantado pela primeira vez no mês de dezembro, como confirma o autor em um documento assinado em 1967.

“Considero a data a partir de quando ela foi apresentada musicalmente, e isso é confirmado pelo próprio autor”, explica a escritora, pesquisadora e acadêmica Leide Câmara, idealizadora do projeto. Um século se passou e a música que fala do “sussurro das ondas, do Potengi amado e dos amores saudosos”, continua sendo um hino afetivo da terra natalense. Depois de gravada, virou uma das canções mais tocadas nas serenatas a partir dos anos 1920.

A obra está presente no trabalho de diferentes gerações de artistas. Desde 1956, quando foi gravada em disco por Valdira Medeiros, passando por Trio Irakitan, Terezinha de Jesus, Glorinha Oliveira, Odaires, Paulo Tito, Ivanildo Sax de Ouro, De Coro e Alma, Marina Elali, Quarteto de Cordas da UFRN, Carlos Zens, Khrystal, Banda Independente da Ribeira, Valéria Oliveira e Antônio de Pádua, dentre outros. Virou frevo em carnavais, foi peça de concertos e em trilhas sonoras de documentários.

A serenata na ANRL está sendo organizada por Leide Câmara, que também é autora do livro "Dicionário da Música do Rio Grande do Norte”, obra de referência para pesquisadores do Brasil e exterior. Apaixonada pelo poema desde que chegou a Natal, Leide já produziu a gravação de um álbum com diversos intérpretes, e livro sobre a obra.

SERVIÇO
Centenário de “Praieira - Serenata do Pescador”
Dia 12 de dezembro, 18h, na Academia de Letras, rua Mipibu, 433, Petrópolis
Apresentações do Grupo Choro do Caçuá, Dodora Cardoso e
part. de Paulo Tito.

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

 ONDE ESTÃO OS DISCOS VOADORES?


Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com

O oculto está à nossa volta. O mistério circunda as nossas vidas.
Quando Jesus virá novamente? Quero trazer sempre à memória aquilo que me
dá esperança. Por isso, creio no invisível para não me suicidar no palpável. O
visível encerra vícios redibitórios. Mas, também, sem ser ufólogo, preocupo-me
com os extraterrestres que sobrevoaram o mundo tantas vezes e hoje, em que
galáxia se escondem? Desde o início do século vinte, ocorrências de objetos
voadores não identificados foram manchetes de jornais em todo o mundo.
Avistados por milhares de pessoas, fotografados, filmados, televisionados e até
restos de naves foram recolhidas para exame, sem explicações satisfatórias até
agora.

Observador atento dos canais de televisão nacionais e internacionais
e dos jornais, nunca mais tomei conhecimento de nenhuma aparição luminosa
nos céus que me devolvesse a curiosidade cientifica ou a percepção da
existência de seres interplanetários, como aprendi na meninice com “Flash
Gordon”. Outros, impressionados, chegaram a indagar: “Seriam os deuses
astronautas?” A terra, pelos seus governos, preocupou-se bastante, por décadas,
com os recados dos céus. Mas, surpreendente e inimaginável é o fato dos discos
voadores não aparecerem mais no firmamento. “Não há mais registros, nem
aqui, nem alhures”, como dizia o saudoso amigo e jornalista Paulo Macedo.
O sentimento atávico do homem pelo sobrenatural não é apenas
bíblico. Remonta às civilizações pagãs que procuravam ler e decifrar o que se
achava escrito nas mais remotas estrelas. Os astrólogos, os poetas, os feiticeiros,
todos, usaram as sombras, os símbolos e os fantasmas do espaço infinito como
veículos cambiantes de suas crenças. E como eram líricas as circunvoluções dos
discos a ponto de me induzir a voar com os marcianos (planeta Marte), de onde

achávamos provenientes. A chegada do homem à lua, vaga, vazia e vadia, muito
me decepcionou. Tornou-se um celeste santuário mórbido, seduzido e
abandonado.

Onde estão os objetos voadores não identificados? Por que não se
comenta mais sobre eles? Não posso crer que tudo foi uma farsa. Ilusão, obra
inventiva do homem. Que doce e sedutor enigma não vestiu os dias e as noites
do mundo no século vinte! Resta-me indagar sobre o silêncio, a invisibilidade, o
desaparecimento e o mistério que ficou de tudo isso. Persiste algo oculto por
acontecer? Continuamos sozinhos no universo? O ser humano não pode viver
sem mistério, sem verdade de fé inacessível à razão.

“Marcas do que se foi, sonhos que vamos ter. Como todo dia nasce,
novo em cada amanhecer!**”, diz uma bela canção popular. Os ovnis nos,
legaram o prazer emocional da lenda alcançando o fato. Porisso acho que essas
aparições vão viver em nós para sempre. Esse baú de histórias que a imprensa
mundial divulgou, após a segunda guerra mundial, principalmente, cravou em
nós uma soma enorme de medos. Ainda vou esperar o desfecho. Não deixarei de
preservar a perene novidade celestial dos discos voadores, porque tudo o que
começa, tem que terminar. Viva a ufologia! Pode ser um começo do Apocalipse.
Rússia, Ucrânia, Europa, China, Coréia do Norte, Estados Unidos, etc., cada um
tem a sua ufologia, Ou não?

Lembre-se que o drone não tem extraterrestre dentro. Ele é
teleguiado. O outro brilha no espaço, velocidade espantosa, aparecendo e
sumindo, deixando mistério no ar: “de onde vem, o que quer e para onde vai?”

(*) Escritor.

(**) Composição: José Jorge, Márcio Moura,
Paulo Sérgio Valle, Rui Mauriti e Tavito.