A
RABECA NO BRASIL
Diogenes
da Cunha Lima
A rabeca é “a cara do Brasil”, diz o
admirável rabequeiro Caio Padilha. De fato, ela está sempre presente nos
folguedos populares, inclusive no boi de reis, lapinha, fandango,
cavalo-marinho e pastoris. Ganhou, com
facilidade, a cidadania brasileira.
Chegou aqui com os primeiros colonizadores portugueses.
Lembrando a forma do violino, nascido
no século XVI, na Itália, a rabeca tem origem árabe. Seu nome primitivo seria rabab.
Vale lembrar que, durante sete séculos, os árabes dominaram a Península
Ibérica.
Enquanto o violino tem o som aveludado,
o mais agudo dos instrumentos de sua classe, a rabeca tem sonoridade grave, um
tanto rouca e fanhosa.
O Rio Grande do Norte contribui com a
música no conhecimento e valorização desse instrumento. Mário de Andrade
visitou nosso Estado a convite de Câmara Cascudo, em cuja oportunidade conheceu
poetas rabequeiros, como Vilermão e Fabião das Queimadas, que foram de grande
valia em sua obra bastante difundida. O escritor paulista interessava-se pela
improvisação poética e desejava que a temática inspirasse a criação de música
erudita.
A
preferência coletiva nem sempre era de músicos. Machado de Assis, o notável
observador de costumes, em seu conto “Machete” (1878), relata a história de um
homem que escolhera a rabeca. Um dia, depois de ouvir o som de violoncelo,
encantou-se e trocou seu velho instrumento pelo rabecão.
Esse desejo tem se transformado em
realidade. Bastaria lembrar Antônio Nóbrega e seu “Na
Pancada do Ganzá”, transportando para o som da rabeca Jean Sebastian Bach, em
seu “Concerto em Ré Menor”. Guerra-Peixe produziu um belo “Mourão”.
Fabião
das Queimadas pagou a sua alforria com os vinténs amealhados com sua música.
Ele versejou: “Esta minha rabequinha / é meus pés, é minhas mãos / é meu roçado
de milho / minha planta de feijão.” O louvor enaltece o instrumento que lhe deu
a manutenção e a liberdade. Ele dizia que o poeta é um passarinho: “Canta longe
o passarinho / do outro lado do rio. / Uns cantam por ter fome, / outros cantam
por ter frio. / Uns cantam de papo cheio, / outros de papo vazio”.
O
senador Eloy de Souza tinha pele morena. Descobriu e elevou a sua qualidade
poética, fazendo exibir-se no Palácio do Governo. Parece ser inventado o
“agradecimento”: “Senador Eloy de Souza / Minha mãe sempre dizia / que se o
senhor não fosse cousa / era da nossa famia”.
Nos dias de hoje, Caio Padilha está
entre os maiores cultores da rabeca. Ele cursa mestrado em antropologia
cultural no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É
compositor de música para esse instrumento e dramaturgo. É responsável pelo
programa, muito difundido nas redes sociais, sobre o tema memória da rabeca
brasileira. Destaca-se, em sua obra, o excelente “Rabeca para Crianças”.
A rabeca é instrumento musical
participante da identidade brasileira.
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