sábado, 21 de abril de 2018

HINO COM LÁGRIMAS

Abri exceção à minha quarentena, porque era um daqueles eventos aos quais não se pode faltar. Tratava-se de estar presente à investidura do amigo Carlos D Miranda Gomes na veste talar de professor emérito, e reviver lembranças do tempo em que éramos contemporâneos na velha faculdade da Ribeira. Adorei o discurso do professor, descontraído e despojado, digno de quem em seu percurso de vida não se restringiu ao campo jurídico, mas transitou por áreas múltiplas das humanidades, inclusive as artes. Com sinceridade, ele já começou por dizer que não faria um discurso acadêmico, e nem diria que não esperava pelo título, porque o esperava, e de todas as homenagens já recebidas seria essa a de maior valor. 

Foi também, como sempre, um prazer rever a professora Ângela, nossa querida reitora, e estar com Juan Almeida, meu amigo e jovem advogado, cujo destacado presente já lhe anuncia um marcante futuro, em funções valorosas, como a que desempenhou na Comissão da Verdade/UFRN, da qual foi Carlos Gomes o presidente, e em que fui a última a depor. Novos exemplares do Relatório da Comissão foram distribuídos, houve muitos abraços e foi também prazeroso rever Armando Holanda, agora que já não somos aqueles meninos estudantes das leis e dos códigos. 

No entanto, uma nota triste marcou a tarde, quando no recinto soaram os acordes do nosso belo Hino Nacional, e pela primeira vez não consegui cantá-lo. Como proferir convicta os lindos versos de amor à terra brasilis no momento em que ela sofre um bestial ataque de forças tenebrosas que lhe arrebentam a ossatura? É verdade que ainda aqui está o "formoso céu risonho e límpido" em que "a imagem do cruzeiro resplandece." E também é verdade que nossa pátria-mãe continua "gigante pela própria natureza", mas já há tempo não vivemos "ao som do mar e à luz do céu profundo", e teríamos que trocar o presente pelo pretérito dos verbos nos versos que dizem "teus risonhos lindos campos têm mais flores" e "nossos bosques têm mais vida". 

E como cantar "fulguras, ó Brasil, florão da América, /iluminado ao sol do novo mundo", "e diga o verde louro dessa flâmula/ paz no futuro e glória no passado"? Como cantar "se teu futuro espelha essa grandeza", fingindo que ainda estamos no passado, quando na verdade o presente chegou, e sobre as flores gentis arremessaram-se monstros destruidores? Sobretudo, como cantar convictamente estes versos: "mas se ergues da justiça a clava forte/verás que um filho teu não foge à luta... entre outras mil és tu, Brasil, ó pátria amada/dos filhos deste solo és mãe/ gentil pátria amada/ Brasil."? Como entoar convictamente tais versos, quando sabemos que os filhos da terra adorada estão sendo expulsos por invasores que aqui não nasceram, desconhecem nossa língua, ignoram nossas aves e nossas flores, e vêm decididos a devastar nossos campos para aqui impor um inferno sobre o éden que a todos se oferecia? 

O Brasil, gigante colossal que foi sempre a terra acolhedora, aberta a gentes de todas as raças, credos e nações, é agora submetido ao tacão férreo de um invasor que adora um só deus - o lucro - e por esse deus extermina e devasta a mãe-Terra, a pátria-mãe e seus filhos, instaurando no solo fértil, mágico e fecundo das amazonas o terror duma nova era de suplícios.

Por tudo isso, não pude cantar, mas chorei enquanto o nosso belo hino ressoou.

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