HINO COM LÁGRIMAS
Abri exceção à minha quarentena, porque era um daqueles eventos aos 
quais não se pode faltar. Tratava-se de estar presente à investidura do 
amigo Carlos D Miranda Gomes
 na veste talar de professor emérito, e reviver lembranças do tempo em 
que éramos contemporâneos na velha faculdade da Ribeira. Adorei o 
discurso do professor, descontraído e despojado, digno de quem em seu 
percurso de vida não se restringiu ao campo jurídico, mas transitou por 
áreas múltiplas das humanidades, inclusive as artes. Com sinceridade, 
ele já começou por dizer que não faria um discurso acadêmico, e nem 
diria que não esperava pelo título, porque o esperava, e de todas as 
homenagens já recebidas seria essa a de maior valor. 
Foi também, como sempre, um prazer rever a professora Ângela, nossa querida reitora, e estar com Juan Almeida,
 meu amigo e jovem advogado, cujo destacado presente já lhe anuncia um 
marcante futuro, em funções valorosas, como a que desempenhou na 
Comissão da Verdade/UFRN, da qual foi Carlos Gomes o presidente, e em 
que fui a última a depor. Novos exemplares do Relatório da Comissão 
foram distribuídos, houve muitos abraços e foi também prazeroso rever 
Armando Holanda, agora que já não somos aqueles meninos estudantes das 
leis e dos códigos. 
No entanto, uma nota triste marcou a tarde, 
quando no recinto soaram os acordes do nosso belo Hino Nacional, e pela 
primeira vez não consegui cantá-lo. Como proferir convicta os lindos 
versos de amor à terra brasilis no momento em que ela sofre um bestial 
ataque de forças tenebrosas que lhe arrebentam a ossatura? É verdade que
 ainda aqui está o "formoso céu risonho e límpido" em que "a imagem do 
cruzeiro resplandece." E também é verdade que nossa pátria-mãe continua 
"gigante pela própria natureza", mas já há tempo não vivemos "ao som do 
mar e à luz do céu profundo",  e teríamos que trocar o presente pelo 
pretérito dos verbos nos versos que dizem "teus risonhos lindos campos 
têm mais flores" e  "nossos bosques têm mais vida". 
E como cantar 
"fulguras, ó Brasil, florão da América, /iluminado ao sol do novo 
mundo", "e diga o verde louro dessa flâmula/ paz no futuro e glória no 
passado"? Como cantar "se teu futuro espelha essa grandeza", fingindo 
que ainda estamos no passado, quando na verdade o presente chegou, e 
sobre as flores gentis arremessaram-se monstros destruidores? Sobretudo,
 como cantar convictamente estes versos: "mas se ergues da justiça a 
clava forte/verás que um filho teu não foge à luta... entre outras mil 
és tu, Brasil, ó pátria amada/dos filhos deste solo és mãe/ gentil 
pátria amada/ Brasil."? Como entoar convictamente tais versos, quando 
sabemos que os filhos da terra adorada estão sendo expulsos por 
invasores que aqui não nasceram, desconhecem nossa língua, ignoram 
nossas aves e nossas flores, e vêm decididos a devastar nossos campos 
para aqui impor um inferno sobre o éden que a todos se oferecia? 
O 
Brasil, gigante colossal que foi sempre a terra acolhedora, aberta a 
gentes de todas as raças, credos e nações, é agora submetido ao tacão 
férreo de um invasor que adora um só deus - o lucro - e por esse deus 
extermina e devasta a mãe-Terra, a pátria-mãe e seus filhos, instaurando
 no solo fértil, mágico e fecundo das amazonas o terror duma nova era de
 suplícios.






 


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