Sanderson
Negreiros partiu. Foi em busca de outras paisagens e paragens.
Despediu-se de nós um dos maiores escritores do Rio Grande do Norte, um
dos nossos mais sensíveis e profundos poetas, um amante dos livros, um
sábio. Sanderson nos deixou após uma longa temporada de solidão e
recolhimento. Imensamente sofria pela perda, há alguns anos, de sua
amada Ângela: aquela que ele avistou, pela primeira vez, no céu.
Agora, novamente, o fez. No céu. No céu pleno e azul.
Lembro-me
dos dias em que tive a especial oportunidade de visitá-lo e
entrevistá-lo. O grande poeta e cronista ainda morava no Alto da
Candelária, onde convivia apaixonadamente com Ângela e com os livros.
Cheguei a acreditar, antes de ingressar naquele verdadeiro templo do
intelecto e da sensibilidade, diante de uma bela Acácia que ele
plantara, que Sanderson não me receberia bem, que exibiria algum humor
dificultoso ou vaidade demasiada (o que chega a ser comum no meio
intelectual potiguar). Talvez eu tivesse tais impressões em face do seu
semblante muitas vezes hermético, com ares de reflexão ou devaneio.
Nada
disso. Nada de mau humor. Sanderson era uma figura terna e harmoniosa. A
partir da minha entrada em sua casa, passei a alimentar por ele um
querer bem que me pareceu mesmo ser correspondido. Ele me dizia, sim,
que eu era uma figura agradável e do bem. E isso me envaidecia,
trazia-me e me traz responsabilidades, como me trouxe o voto
entusiástico (considero sagrado) que dele recebi para o ingresso na
Academia.
Foi ali, em meio aos livros, quando eu escrevia uma
série de textos para O Galo –posteriormente enfeixados num volume
publicado pelo Sebo Vermelho, intitulado “Bibliotecas Vivas do Rio
Grande do Norte” – que Sanderson me falou acerca do seu maior amor, amor
de toda a vida. Nada mais belo do que aquela história. Foi ele mesmo
quem me disse, apontando para a presença forte de Ângela, a nos
acompanhar na conversa:
“Conheci a minha mulher na praia de
Genipabu, quando eu visitava, junto com Luís Carlos Guimarães, a casa
dos pais de Ângela. Um avião pequeno dava rasantes sobre o mar. Eu, que
estava pensando em voltar para o Rio de Janeiro, onde estava
trabalhando, avisado sobre a moça aviadora, disse logo, sob o olhar
desconfiado do seu pai: – Vou casar com ela! Hoje, a minha esposa é a
minha conselheira espiritual, minha colaboradora, minha censora, a única
pessoa que eu permito que me censure.”
Essa a grande paixão de
Sanderson. E todos sabem o que a perda da inesquecível companheira
ocasionou no interior do imortal. Todos nós, os seus amigos (apesar das
diferenças relativas às gerações, acredito que ele me considerava
assim), percebemos que o semblante de Sanderson mudara. Mesmo assim, não
deixou de distribuir o bem querer entre as pessoas que o procuravam. A
mim, por exemplo, sempre dirigiu palavras de incentivo honesto,
verdadeiro e edificante. Sempre as colhi como quem colhe as mais belas
flores da primavera. E as guardo na profundidade do coração. E da mente,
porque Sanderson também sabia ensinar, orientar. Era uma das suas
inegáveis vocações.
Sigo aqui, caro mestre Sanderson, com algumas
de suas lições anotadas, como aquela advertência serena com que me
presenteou uma vez: – Lívio, não trate o seu livro por “livrinho”.
Nunca! Ele pode ficar triste!
Estamos tristes, sim, querido
Sanderson, mas ainda ouvimos firme a sua voz, que deixou impressa no
tempo, para nos alegrar sempre. Vá em paz, em busca do seu maior amor no
céu, onde o viu pela primeira vez.
Por aqui, vamos repetindo
palavras com que nos brindou a todos, tatuadas na pele do mar: “Tenho a
solidão/conhecida por altos príncipes/do azul.”
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