quinta-feira, 7 de maio de 2015


 


  
Marcelo Alves
 
 


Novo CPC (V): os atos meramente ordinatórios 

“Para o bem de todos e felicidade geral da nação”, hoje é dia de encerramos a nossa série de artigos sobre os “pronunciamentos do juiz” no novo Código de Processo Civil. Não sei vocês, mas eu já estou de saco cheio de conversar aqui “apenas” sobre direito. 

Após as considerações gerais sobre o tema (dos “pronunciamentos do juiz”) e de falarmos especificamente das sentenças, das decisões interlocutórias e dos despachos, vamos encerrar a série de artigos tratando dos chamados “atos meramente ordinatórios” que, a bem da verdade, por não serem praticados pelo juiz (em regra), não devem ser considerados, “stricto sensu”, como “pronunciamentos do juiz”. 

Na verdade, o NCPC, no seu art. 203, além das sentenças, das decisões interlocutórias e dos despachos, prevê uma diferente categoria de atos processuais (que não rotula como pronunciamentos, observe-se), agrupando-os na terminologia “atos meramente ordinatórios”. Tais atos, afirma o seu § 4º, “independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário”. E, como exemplos desse tipo de ato, o próprio NCPC aponta a juntada e a vista obrigatória. 

É relevante lembrar que a prática dos “atos meramente ordinatórios” por servidor encontra fundamento no inciso XIV do art. 93 da Constituição Federal, acrescentado pela EC 45/2004, que aduz: “os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório.” 

Os atos meramente ordinatórios são uma evolução em relação aos antigos “despachos de mero expediente”, importando, essa nomenclatura e disciplina (realizada conjuntamente pelo inciso XIV do art. 93 da CF e pelo § 4º do art. 203 do NCPC), uma clara distinção entre esses “atos” e os despachos (que, tirando as sentenças e as decisões interlocutórias, seriam todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte). 

Essa distinção, acredito, reside justamente no que chamamos de “conteúdo decisório mínimo”. Os despachos têm conteúdo decisório mínimo e não podem ser praticados por serventuários, mas, apenas, pelo juiz. O exemplo clássico de despacho, para entendermos essa distinção, é o “cite-se”. Cuida-se de despacho, pois, embora seja uma providência elementar do procedimento, apresenta um conteúdo decisório mínimo, já que abre ao juiz também a possibilidade de ordenar a emenda da petição inicial ou mesmo indeferi-la. 

Os atos ordinatórios não apresentam qualquer conteúdo decisório, restringindo-se àquelas providências padronizadas para dar movimentação ao feito, que dão eficácia prática ao princípio do impulso oficial, sem opção de interpretação, escolha ou deliberação por parte do servidor encarregado. O juiz, embora não esteja proibido, não mais profere “despachos de mero expediente” (“rectius”, pratica “atos ordinatórios”), que ficam a cargo dos serventuários de justiça, salvo se for necessário e em caráter revisional (consoante a parte final do § 4º do art. 203 do NCPC). 

Os atos ordinatórios não são passíveis de recurso. Sem conteúdo decisório, incapazes de gerar prejuízo jurídico e de assim fazer nascer o interesse de recorrer, eles são, na esteira do que se falou até agora, irrecorríveis. Aliás, se os despachos, que teriam um conteúdo decisório mínimo, são irrecorríveis, com muito mais razão o são os atos ordinatórios. Some-se a isso o fato de que, a bem da verdade, os atos ordinatórios nem praticados pelo juiz são. E isso, a nosso ver, é decisivo. 

Entretanto, não se nega que, em algumas situações excepcionais (como, por exemplo, no caso de uma vista obrigatória não dada), os atos meramente ordinatórios - assim como se dá com os despachos - podem causar prejuízo. Mas no caso dos atos ordinatórios há, de imediato, uma solução: pede-se ao juiz (que, inclusive, poderia agir de ofício), à luz da parte final do § 4º do art. 203 do NCPC, que faça valer o seu poder revisional sobre os atos dos servidores. Do pronunciamento judicial sobre a eventual revisão do ato praticado pelo servidor (somente dele e não do ato ordinatório em si), caracterizado o prejuízo, é excepcionalmente admissível recurso, que seria o de agravo de instrumento. 

Bom, como já dito, hoje encerramos nossas conversas sobre os “pronunciamentos do juiz” no novo Código de Processo Civil. Espero que não tenham sido (muito) chatas... 

Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP

Nenhum comentário:

Postar um comentário