Chatos e chatices em ascensão Padre João Medeiros Filho A maioria das pessoas passa por situações incômodas, inoportunas e inconvenientes. Outrora, o telefone fixo era o campeão de aborrecimentos. Os tempos mudaram. Hoje, há muitas vítimas das redes sociais. O toque do celular é constrangedor, fora de hora e lugar. É aborrecido, quando alguém interrompe uma conversa importante para atender o telemóvel, como dizem os lusitanos. Com o advento desse aparelho o encontro presencial passou a ser secundário, o interlocutor fica em segundo plano e compasso de espera. Não se respeitam os avisos para desligar os celulares em igrejas, teatros, auditórios, hospitais, clínicas, salas de aulas etc. Existem sempre os “esquecidos”, transgredindo essa regrinha básica de convivência social. Faz-nos lembrar o livro de Guilherme Figueiredo “Tratado Geral dos Chatos”, publicado em 1962 pela Editora Civilização Brasileira. O autor descreve a chatice como falta de educação, inconveniência, grosseria etc. Cita vários tipos de chatos: o etílico, o donjuanesco, o confidencial (que fala ao pé do ouvido e cospe na cara do interlocutor), o chato-de-galocha e outros tipos: o pseudoerudito, puritano-virtuoso, professoral, orador de ocasiões, o verborrágico ou diarreico de palavras, o que padece com prisão de ventre de ideias, em suma, uma pletora de chatonildos. Poder-se-ia acrescentar outras categorias desses personagens. Entretanto, é impossível fazer um levantamento completo, pois eles se multiplicam numa velocidade estonteante, acompanhando o avanço tecnológico. Recentemente, apareceram com força o e-chato, o politicamente correto, o academicamente exato, o fundamentalista religioso etc. Há os que pregam mudanças (imposições), através de um determinado partido, considerado por eles o escolhido de Deus. Molestam demasiadamente, quando pretendem convencer que seu discurso é o científico e ético, o único capaz de mudar e salvar. Segundo alguns psicólogos, a proliferação dos chatos decorre do crescimento da intolerância entre as pessoas. Relacionam entre tantas causas: o declínio do sentido de civilidade e o surgimento de novas conquistas técnicas sem a contrapartida de regras sociais específicas para o seu uso. Uma análise acurada da vida cotidiana, da organização familiar e social poderia trazer maior clareza sobre as fontes e causas do aumento do número de chatos e chateados no mundo. Existe algo que deixa uma pessoa preocupada: a possibilidade de ser igualmente um chato, mesmo inconsciente ou involuntariamente. Ninguém está imune a tal defeito, que afeta milhares de seres humanos, contagiando outros tantos. Assegura-nos o apóstolo Paulo: “Aquele que vos perturba, seja quem for, terá o merecido castigo” (Gl 5, 10). Muitos são vítimas de ligações desagradáveis, aborrecedoras e chatas. São aqueles que insistem em telefonemas, oferecendo empreendimentos de diversos tipos. Recebemse chamadas de instituições filantrópicas, operadoras de telefonia ou televisão a cabo, internet etc., com planos mirabolantes. Existem os que oferecem túmulos e planos funerais. Essa é uma realidade inexorável, mas não deverá ser abordada em horas impróprias. Há quem ofereça, mediante pagamento, o repasse de cadastros de telefones, endereços, e-mails para mala direta, ao arrepio da Lei nº 13.709/18. Como se não bastassem, há outros tipos de chatices no whatsApp. Exemplo: as famosas correntes supersticiosas, deixando os indivíduos constrangidos, caso pensem em quebrá-las. Os anos eleitorais são pródigos dessas atividades, marcados por uma enxurrada de cartas, panfletos e telefonemas, gravados por algum artista ou pelo próprio candidato. Deverá haver alguma medida jurídica para diminuir tanta coisa que nos apoquenta. Um amigo encontrou uma maneira de diminuir telefonemas impertinentes e tediosos. Ao verificar que se trata de chamadas de “telemarketing” ou “spam”, oferecendo isso e aquilo ou pedindo contribuição para entidades (cuja idoneidade é duvidosa ou desconhecida), ele emprega os métodos dos importunadores. Atende à ligação e diz: “Um momentinho, por favor!” Coloca uma música e deixa o interlocutor esperando. Interrompe duas vezes e diz: “Não desligue, converso já.” Isso faz com que a chamada tenha uma duração longa, atrasando a meta prevista de contatos. Não se deve esquecer que chatear alguém é falta de educação e caridade. O Livro dos Provérbios faz uma recomendação prática: “Afasta o pé do teu vizinho, para que saturado de ti, não venha a te detestar” (Pr 25, 17).
terça-feira, 8 de abril de 2025
quinta-feira, 3 de abril de 2025
ENQUANTO NÃO CHEGA 2026
Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com
O Rio Grande do Norte é conhecido e estigmatizado por
gastar o tempo com discussões marginais, supérfluas e estéreis. Soou a
trombeta eleitoral do início da campanha do ano 2026. E com ela fica
decretado que os homens públicos estão livres do jugo da ação da mentira.
Não mais será preciso usar a carcaça da desfaçatez para denegrir o seu
semelhante. A praça pública não pode transformar-se em rinha real,
escarlate, com suas armadilhas e surpresas. Que a baba e a saliva dos
profissionais da política não estilhacem vidraças. E que os ácidos
laboratoriais com seu chiado contínuo e enfadonho não prevaleçam sobre
os lares honrados.
É preciso exorcizar as teorias esquisitas do pântano
enganoso das bocas detratoras. Pelos caminhos do litoral e do oeste não
vamos esquecer o andarilho alísio caminheiro portador de boas novas de
milho e feijão verde. Do Mato Grande o vento carpidor e viajante vai
modelar no dorso a canção triste de antigas estiagens. No palanque do dono
da eleição nenhum vento plangedor romperá a brida do cavalo aboiador.
Nessa eleição é preciso que a verdade seja servida antes
da sobremesa. Lembrem-se que candidato e eleitor são lobo e cordeiro e
que jantarão juntos . O pasto do político é qualificado, mas ele sabe que a
fome é certa. Determinados candidatos possuem uma malandra e esperta
fome de guaxinim. E o eleitor sempre foi um ser privatizável, inconsciente
e circunstancial. Vamos cultivar as boas ações. Tudo vai passar. Aquelas de
melhores dividendos serão leiloadas pelo Banco da Providência.
Imprivatizável. Indevassável. Anti-Proer. Inassaltável. Lugar onde o
dinheiro jamais poderá comprar o sol das manhãs vindouras. Local onde os
moedeiros falsos do papel podre das emendas parlamentares jamais
entrarão. Mesmo diante do difícil e corruptível instituto da reeleição, que os
eleitos saiam das urnas limpos e acreditados. O processo eleitoral não pode
se cobrir de manchas e distorções irreparáveis. O político é um ser que ama
somente a si mesmo. É tempo de divórcio. É obrigatório flertar com o povo
porque no baile da eleição é proibido o uso de máscaras. Passou a
pandemia.
Nesse país, grande templo dos desafortunados e famintos,
todos os ídolos têm pés de barro. Principalmente os ídolos oficiais de certos
políticos, que entram e saem de cena como bufões.
A ninguém não podem mais enganar. O processo de
empobrecimento do Nordeste, em curso, em nome de uma falsa
modernidade, não se restringe só aos bancos, às empresas estatais, mas,
principalmente, ao Poder Público, aos Estados e Municípios, visando
enfraquecê-los e deixá-los inferiores, de pires à mão, genuflexos. Até
parece que, em nome do real, se preconiza o nascimento de um Estado
Unitário, Monetário, Autoritário, Confederado, mas libertino porque
subjuga e corrompe governadores e parlamentares. Ultrajante é a violência
institucionalizada no país. Obsceno é o patamar dos juros bancários.
Hediondo é o estado falimentar do agropecuarista brasileiro.
(*) Escritor.
Sobre
coelhos, colombas e ovos de páscoa
Padre
João Medeiros Filho
Durante anos, elaborei projetos de cursos
de teologia a fim de obter autorização de funcionamento do Ministério da
Educação. Ali, incluía no perfil do teólogo a assessoria teológico-cultural a
órgãos públicos e privados. Se houvesse tais graduados nas fábricas de
chocolates Nestlé, Garoto, Kopenhagen, Cacau Show, Cacau Brasil etc., talvez os
empresários mudassem de direcionamento e não produzissem coelhos, colombas e
ovos pascais. Não se sabe exatamente quem fez a ligação de chocolate com a
Ressurreição de Cristo. É corrente citar o coelho como símbolo de fertilidade e
os ovos, o princípio da vida. Para muitos trata-se de uma metáfora um tanto
forçada. Na Páscoa comemora-se a vitória de Cristo sobre a morte. Por isso, sua
força renovadora requer algo mais simbólico, como a Luz do Círio, elemento
litúrgico da Vigília Pascal. Cristo dissera: “Eu sou a Luz do mundo” (Jo 8,
12).
Há tempos, Luiz Fernando Veríssimo
escreveu uma crônica sobre o tema. Reproduziu parte do diálogo entre um menino
e seus pais sobre essa festa. A narração termina com a observação da criança:
“Acho que se deveria substituir o coelho por uma galinha. Esta põe ovos, aquele
não.” Não convêm histórias que podem confundir ou deformar a mente das crianças
e pessoas incautas. Os textos bíblicos e litúrgicos não fazem referência a
coelhinhos, colombas e ovos, elementos atuais da comemoração pascal.
Historiadores narram que antes do
cristianismo, celebrava-se entre os povos anglo-germânicos a deusa Eostre
(conhecida como “deusa da aurora”), da primavera e da fertilidade. Ainda hoje,
ela é celebrada na tradição celta. Na Europa o período pascal ocorre sempre na
primavera. Considerando a fecundidade dos coelhos, fizeram uma ligação com a
Páscoa e o aumento de cristãos nos primeiros séculos. Entretanto, nela
vivencia-se a renovação da vida espiritual e não a procriação ou fertilidade.
Nas igrejas de ritos orientais (bizantino, ucraniano etc.) há o costume de
pintar ovos e presenteá-los aos vizinhos na oitava pascal. Para eles, os ovos
lembram o princípio da vida. Todavia, teólogos cristãos consideram elementos
pouco significativos da plenitude da Vida em Cristo. O apóstolo Paulo já
advertia: “Que ninguém vos faça prisioneiros de filosofias e conversas sem
fundamento” (Col 2, 8).
Ultimamente, para simbolizar a Páscoa,
optou-se pela pomba. Para alguns é mais icônica. A passagem do Gênesis sobre o
dilúvio e a Arca de Noé (Gn 6, 11-20) narra que a pomba voou, apanhou um ramo
verde de oliveira e o trouxe até Noé. Ela passou então a ser símbolo de vida.
Uma das telas comoventes de Picasso é uma menina com uma pombinha em suas mãos.
Os Evangelhos ressaltam que o Espírito Santo no
momento do batismo de Jesus, “desceu sobre Ele em forma de pomba” (Lc 3, 22).
Talvez, esses dados tenham influenciado a fabricação de colombas pascais, um
tanto desfiguradas, segundo vários artistas sacros. Nenhum desses símbolos
expressa com profundidade a Vida nova, trazida pela Ressurreição de Cristo.
Muitos desconhecem o
significado da Páscoa. Continuam associando aos coelhos, ovos, colombas e
outras guloseimas de chocolate. Desconhecem o seu sentido e não a celebram com
uma mentalidade bíblico-religiosa. No período que antecede a Semana Santa, há
toneladas de ovos de chocolate e outros produtos similares, em supermercados e
lojas. Não há uma palavra sequer sobre o que representa a Páscoa. Fabricantes
cristãos de tais produtos poderiam pôr ao menos nas embalagens um folheto
explicativo sobre essa importante festa do cristianismo. Como faz falta um
conhecedor da cultura religiosa. Quando estudava na Bélgica, ouvi de um
sacerdote da Igreja Ortodoxa Russa que nela a Ressurreição é a solenidade
máxima dos católicos. O comunismo, com todas as suas narrativas e imposições,
não foi capaz de destruir a alma do povo, tocada pela fé cristã. No alvorecer
do Domingo de Páscoa – retratado pelo clarão do Círio – as pessoas saem pelas
ruas e se cumprimentam: “Cristo ressuscitou!” Responde-se com um largo sorriso:
“Sim, Ele está vivo!” Na minha primeira noite pascal em Louvain, um jovem
presenteou-me um Círio e dissera: “Cristo ilumine a tua vida e o teu Brasil.”
Recomenda o apóstolo Paulo: “Faz-se necessário renovar-vos pela transformação
espiritual de vossa mente” (Ef 4, 22-23).
segunda-feira, 24 de março de 2025
Centenário de Irmã Lúcia Vieira
Padre João Medeiros Filho
No dia 14 deste mês de março de 2025, celebra-se o
centenário de Irmã Lúcia, hoje habitando o Céu. Os Atos dos Apóstolos e as
Epístolas relatam que Cristo era seguido e servido por santas mulheres, durante
sua permanência neste mundo. Não há como esquecer Maria de Mágdala, Marta e
Maria e outras tantas colaboradoras de Jesus e dos apóstolos. Esse fato não é
apenas exclusivo dos primeiros séculos do cristianismo. Em Caicó, no alto
sertão seridoense potiguar, outra mulher, pequena de estatura, mas gigante pelo
amor e caridade, conhecida por Irmã Lúcia Vieira foi exemplo de discípula do
Mestre da Galileia. Conheci e privei da amizade da referida religiosa, desde os
tempos em que fui residir em Caicó como seminarista, e anos depois, na década
de sessenta, como sacerdote e pároco de São José.
Ao
longo de décadas, tive contato com a referida religiosa, ícone do amor aos
pobres e deserdados, cujo interesse era apenas viver o Evangelho de Cristo.
Catequista, professora, superiora da comunidade das irmãs, ministra da
eucaristia, Irmã Lúcia era o rosto visível de Cristo, no bairro da Paraíba, em
Caicó. Sou testemunha do seu zelo pastoral. Prestava assistência religiosa
total aos pobres do bairro onde residiu, no Abrigo Professor Pedro Gurgel.
Batizava, levava a comunhão aos doentes, preparava noivos e padrinhos para os
sacramentos do matrimônio e do batismo, catequisava os crismandos e as crianças
que deveriam fazer a primeira comunhão. Encomendava os corpos dos irmãos que
partiam para a Casa do Pai. Só não confessava, porque não era sacerdote, mas ouvia
os lamentos e gemidos dos sofridos e pecadores. Chegava aonde os padres de
Caicó não assistiam, cheia de ânimo, compreensão e ternura. Costumava eu dizer
a Dom Manuel Tavares de Araújo que no Abrigo Prof. Pedro Gurgel havia duas
Senhoras das Graças: a Mãe do Céu e Irmã Lúcia, sempre disposta a levar a graça
divina, o carinho de Deus e o mimo celestial ao próximo.
Burocracia
e insensibilidade juntaram-se para retirar as irmãs da direção do Abrigo. Mas,
Irmã Lúcia transcendia os muros daquele asilo de idosos. Seu campo pastoral não
tinha limites para o seu amor e caridade. Transferiram a freirinha de Caicó.
Arrancaram-na como se retira uma mãe do meio de seus filhos. O lamento e o
choro destes não foram ouvidos. Muitos queriam que ela fosse sepultada em
Caicó, onde morou por décadas. Foi negado ao povo o seu desejo. A santa
religiosa tentou justificar para os seus filhos da alma, (“los hijos del alma”,
segundo Miguel de Unamuno) a atitude dos superiores. Na sua profundidade
espiritual, exclamou: “Não me pertenço. Sou de Deus e da Igreja.” Sim, Irmã
Lúcia, nós também somos Igreja e filhos de Deus. Tínhamos o direito de exigir.
Mas, a senhora nos ensinou a virtude da obediência, como expressão da humildade
e mansidão. Irmã Lúcia, sua vida era marcada de candura, compreensão e alegria.
Lamentavelmente, uma parcela da Igreja instituição não soube reconhecer,
tampouco vislumbrar a sua grandeza. O seu galardão foi recebido no Céu.
Irmãzinha, a Senhora deve ter ouvido de Cristo, quando adentrou os umbrais da
Eternidade: “Vem bendita de meu Pai, recebe a herança que o Senhor te preparou,
desde a criação do mundo” (Mt 25, 34).
ESSAS FLORES
Essas flores que nascem às margens do rio
Nada ficam a dever às flores de meu jardim.
Essas poesias que surgem do nada
E se vão levadas pelo vento do imaginário
Também não são menores que aquelas
Nascidas do clássico ofício de escrever...
Esses amores...
Ah!, esses amores...
São lindos esses amores que não precisamos guardar
E sobrevivem à margem de tudo
Pela graça da vida
Na liberdade que transcende o nosso querer...
- Horácio Paiva
ROSADOS - ROTAS DE COLISÃO E PAZ
Valério Mesquita
Dix-Huit, o velho alcaide, como gostava de ser chamado, pertenceu ao PDT e pediu passagem para ingressar no PPR. Ele integrava a saga dos Rosados que edificou o país de Mossoró ao lado de outros obreiros, irmãos na argila e no sangue. De longe, sempre admirei a união da família Rosado, emblemática, carismática, atávica, mágica. Era o mistério da unidade. O tempo implacável, com as suas angústias, dividiu a família plantando-lhe as sementes da discórdia. Sofridos, abatidos por tragédias, sucumbiram ao peso medonho das amarguras cotidianas do insensato jogo do poder e da política perversa - amor de perdição.
Mossoró, hoje é um país confederado. Fragilizou-se igualmente a Roma, quando dividiu o império para ser destruída depois pelos bárbaros. Desde Dix-Sept, Mossoró teve tempos idos e vividos, consumados com tanta generosidade e autenticidade de espírito, com tanta sensação de se perfazer a aventura da vida com grandeza interior, que hoje não tenho como deixar de proclamar que os Rosados eram felizes e não sabiam.
Com Vingt, perdemos a figura do líder político típico, tópico e até utópico, como foram Dinarte, José Augusto, Georgino e Juvenal Lamartine. Vingt foi o coquetel humano de todos eles. Dix-Huit é o perfil do burgomestre com raízes telúricas e emocionais, daqueles que tem a cara do seu município e de sua gente. Dispunha de ineludível capacidade de reinventar o fluxo virtual da sua atividade, assumindo os contornos de um lirismo político inaugural que contrasta com a presente politicagem dominante na cidade.
Evidentemente, que outros fatores também contribuíram para a queda desse mundo político semidesaparecido. É preciso que se devolva a Mossoró o sentido e o rumor do humano, da civilidade, da paisagem e do tempo. A recomposição dos gestos e os exemplos do passado, voltando-se a resgatar a Mossoró libertária, lutando, resistindo sempre, com paz e amor, portanto, ao som das mesmas canções eternas. Naquele tempo eu dizia ainda sobre o velho mestre: “A vinda de Dix-Huit para o PPR não desagrega. Congrega, conflui. Não consagra nem desconsagra ninguém. Não é uma atitude contra ninguém. Vem para o PPR e não para o PSDB ou PMDB, por isso não cabe veto. Vem se aliar àqueles que já estão na Unidade Popular. Sob o mesmo manto, a mesma égide, pode ressurgir, quem sabe, a paz. A paz fraterna, cósmica, que tanto a família mossoroense deseja”. Tal previsão não ocorreu. E o rompimento da família foi o começo da derrocada.
(*) Escritor
quarta-feira, 19 de março de 2025
Cartas de Cotovelo – Último dia
do Verão de 2025 –10
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
(*)
Comemoramos
hoje o Dia de São José, para mim o “Santo dos Santos” – aquele que teve o
privilégio de ser escolhido como esposo da Virgem Maria, pai adotivo do
Salvador, que numa vida de silêncio, mas de ação integral, foi alçado à
condição de protetor das famílias, dos agricultores, dos operários, dos
enfermos, dos oprimidos, da Igreja Católica, dos desesperados, dos necessitados
e muitas coisas mais, a quem rogamos olhar para o nosso Brasil, nosso Estado e
a nossa Comunidade de Pium-Cotovelos contra as mazelas, as incompreensões e a
desarmonia.
Fazendo
a retrospectiva do verão, constatamos que ele foi atípico, porquanto a chuva
foi intensa e constante durante o período de veraneio – fenômeno bom para uns,
mas não agradável para o lazer.
Nem por
isso podemos esmorecer e devemos manter íntegros os projetos de futuro para a
nossa Comunidade, adotando projetos e programas que garantam a tranquilidade e
presença da natureza neste recanto do Município de Parnamirim, por tantas
pessoas que para aqui vieram plantar e colher sossego.
Lembro-me
bem de uma reunião realizada pela PROMOVEC com secretários da Prefeitura onde
nos foram apresentados projetos que garantiam a preservação do vale do Pium
como lugar de produção agrícola, distanciado da febre das edificações que,
inevitavelmente, vão se aproximando da Capital.
Também
ficou destacada a possibilidade da construção de uma estrada que desviaria o
caminho das demais praias do sul, sem necessidade do fluxo pela Comunidade
Pium-Cotovelo, senão para os moradores e veranistas da localidade e de Pirangi,
que seriam, então, estâncias de residência e veraneio dos seus proprietários.
Houve
mudança de administradores e esperamos que os atuais mantenham os mesmos
propósitos, bem como a construção de acessos públicos para os residentes,
porquanto existe uma diferença de nível das construções para o mar superior a
dez metros, dificultando e até impedindo o caminhar das pessoas de maior idade
e os portadores de deficiências.
Foi por
esse motivo que, a uns 25 anos atrás, recuperei um arremedo de escadaria e,
mais recentemente, com o auxílio de Octávio Lamartine e outros veranistas,
construí uma rampa para tais pessoas, que vem sendo mantida dentro do possível,
até que o Poder Público assuma e modifique o seu formato para lhe dar as
proporções mais adequadas para os usuários carentes.
Valei-nos
São José protetor. Amém.
(*) Veranista
MINHAS REENCARNAÇÕES
Valério Mesquita*
De anotações feitas à hora do crepúsculo em livros idos e vividos, pincei uma frase que me remete ao delírio das coisas de querer ter sido e não fui: “Eu que tantos homens fui, não fui aquele em cujos braços desfalecia Matilde Ubach”. Pensamentos fluidos, na verdade, de reencarnações em lugares e tempos, sonhos e fugas do real ou transposições de corpo e espírito para lugares onde nunca naveguei, muito além da ponte de Igapó.
Ter sido, por exemplo, acompanhante do Cristo nas peregrinações e presenciado seus milagres para não me dividir hoje, nos conflitos das igrejas do mundo; gostaria de ter sido expectador do teatro shakespeareano e tê-lo conhecido de perto e acompanhado todos os seus porres nas tabernas escuras da Londres elizabetana; como amaria a passagem pelos estúdios de cinema dos anos trinta e quarenta, só para ver Charles Chaplin, Stan Laurel e Oliver Hardy; ter aspirado o odor do charuto de Getúlio Vargas e escutado em dó maior a gargalhada prazenteira; ou como figurante dos filmes de John Ford, viajado nas diligências do tempo pelas pradarias do oeste; de Juscelino a companhia e as conversas dele com o que havia de melhor no PSD naquela época: Israel Pinheiro, Amaral Peixoto, José Maria Alkamim, Benedito Valadares, Tancredo Neves; ou de um pólo para outro, muito me ufanaria haver morado no Rio de Janeiro só para ouvir os discursos do bruxo Carlos Lacerda e acompanhar as suas ações como governador com “m” maiúsculo do Estado da Guanabara; eu, que tantos homens fui, não fui aquele que conviveu mais tempo com Câmara Cascudo, pois considero privilegiados os que receberam essa oblação; quantas vezes não me vi nos shows dos Beatles e como “macaco de auditório”, no começo do yê-yê-yê, no programa Jovem Guarda das tardes de domingo; e quanto fascínio não exercem sobre mim as cidades interioranas da Paraíba, Pernambuco, Ceará, Minas, Bahia, das moças namoradeiras, das praças, dos olhares furtivos e trepantes como se eu quisesse, de repente, paquerá-las todas ou me compensar, ao menos, em contemplá-las lindas e infinitas, renascidas de minhas ilusões de adolescente.
Ah! Como esse mundo de hoje dói. Não há mais ídolos. A violência urbana, as drogas e a guerra mataram os sonhos e as ilusões castas dos nossos pensamentos. É um mundo de aparências, de vaidades e iniquidades. “Olhe, aquele ali é Machado de Assis e com ele Eça de Queiroz!”. Faltou-me alguém que apontasse, naquele tempo, essa visão dos dois monstros insuperáveis da literatura luso-brasileira; e se o sonho triunfar sobre a verdade, posso dizer nesse final que assisti padre João Maria sarar os enfermos; preguei com Frei Damião na noite litúrgica e estrelada de Monte Alegre; que vi subir o balão de Severo e que assisti o último suspiro de Auta de Souza. E se o leitor me acreditar, conheci Lincoln na guerra da Secessão; vi Roosevelt, Getúlio, Tyronne e Evita na Ribeira de guerra. Se todas essas reflexões são febris ou inverossímeis, é preferível crê-las e esquecer as bestas do apocalipse: Putin, Trump e Benjamin Netanyahu, cujas imagens na televisão sujam de sangue as nossas ilusões por um mundo de paz.
(*) Escritor.
terça-feira, 18 de março de 2025
Saber e sabor
Padre João Medeiros Filho
Em latim as duas palavras têm origem no mesmo
verbo: “sapere” (saber). Dele derivam-se os termos “saporis” (sabor) e
“sapientia” (sabedoria). Os portugueses usam-no com dois sentidos: gosto e
ciência. Exemplo: “Este prato me soube muito bem. Fulano sabe das coisas.”
Segundo etimólogos, saber, enquanto conhecimento, é extensão figurada de sabor.
Na vida monacal, comida e entendimento estão intimamente ligados. Os mosteiros
medievais eram o berço de excelentes cervejas, vinhos, licores e deliciosos
pratos, como também de escolas de alto nível. As grandes abadias europeias
ainda são famosas por suas adegas e bibliotecas. Pode parecer estranha a
conexão entre paladar e intelecto. Entretanto, é lógica a extensão do
significado, ligando o saber à sensação de gosto e prazer. Ter um paladar
apurado significa possuir afinidade com o conhecimento ou o discernimento das
coisas.
Em vários dicionários, o adjetivo
“sapiens” (sábio) tem a mesma acepção e diz respeito tanto ao paladar, quanto
ao conhecimento humano. No caso do verbete “sapientia”, o nexo torna-se ainda
mais claro. Assim, saber ao mesmo tempo em que é gosto apurado dos alimentos,
consiste também em técnicas, habilidades e ciência. Em nossos dias, comer,
beber e gastronomia ganharam uma relevância justa e merecida. A culinária, além
de arte, adquiriu o status científico. A refeição para os de minha idade dizia
respeito a um convívio ao redor da mesa, seja com a família ou os amigos. Hoje,
passou também a ser objeto de estudos, refinamento de combinações dos vários
elementos, criação de novidades e inusitadas surpresas. A gastronomia está se
constituindo em carreira promissora e uma área fértil para pesquisas e estudos.
Isso demonstra mais uma vez a conexão indissolúvel entre o sabor e a ciência, o
sagrado e o profano. Louvo e exalto a UniCatólica de Mossoró por unir teologia
e gastronomia, que cuidam da alma e do corpo.
Pergunta-se: o que entra pela boca
passa também pela cabeça? Sem dúvida. Os excessos de alimentos redundam
inevitavelmente em efeitos desastrosos na mente. É o caso do alcoolismo, que
afeta tantos; da obesidade, que se transformou em epidemia; da bulimia,
anorexia e outras doenças da beleza e estética ligadas à alimentação, reflexo
de uma sociedade desordenada e desarmônica. Por isso, o paladar e os demais
sentidos da corporeidade humana devem ser educados, da mesma forma que o
espírito. Um curso de gastronomia faz sentido ao lado de graduações em
nutrição, fisioterapia, psicologia, teologia e outras áreas do conhecimento.
Nos dias atuais, assiste-se infelizmente a um distanciamento dessa unidade
indispensável à vida. Além disso, os agrotóxicos estão poluindo as mesas. Por
vezes, ingerem-se alimentos para saciar a fome, desconhecendo-se a ingestão
simultânea de doenças e comidas nocivas.
O ato de tomar o alimento e
degustá-lo em família vai paulatinamente desaparecendo. O advento da televisão,
do celular e outras tecnologias vem impedindo as pessoas de estar à mesa,
comendo e exercitando o sabor dos alimentos e o saber nas conversas e trocas do
coração. Hoje, a família raramente se reúne em torno da mesa. Em geral, cada um
tem um horário de refeição. A comida requentada no micro-ondas é engolida às
pressas, sem degustação, comumente em frente à televisão, ao computador ou
celular. Rompeu-se o elo entre o sabor e o saber. Nos mosteiros, conventos e
alguns seminários, as refeições costumam ser feitas em silêncio, ouvindo-se
leituras edificantes. Desta forma, unem-se as duas realidades.
Disse
o Senhor Jesus: “O Reino dos Céus é semelhante a um banquete” (Mt 22,1). Nesta
sugestiva metáfora, encontra-se um convite à reflexão sobre a importância da
gastronomia para dar um sentido profundo à existência humana. À mesa,
celebra-se a vida em suas dimensões. Aquilo que parece ser apenas algo para
satisfazer uma necessidade biológica, transforma-se em ritual de louvação do
nosso existir. Na comida saboreada à mesa, Cristo comparou a beleza desse ato
com o Reino de Deus. Donde se infere a grandeza dos gastrólogos, diáconos nessa
alegoria sagrada. Entende-se porque Cristo nos legou a Eucaristia numa
refeição. “Eu sou o Pão da Vida” (Jo 6, 35). “Tomai e comei todos vós” (Mt 26,
26).
terça-feira, 11 de março de 2025
“Pedaços de mim mesmo”
Padre João Medeiros Filho
Eis o título de um livro de Dom José
de Medeiros Delgado, primeiro bispo de Caicó (RN), há 37 anos na Casa do Pai.
Nutro por ele profunda admiração, respeito e gratidão. Tentarei acrescentar
outros fragmentos, não registrados naquela obra. Ao conferir-me o sacramento da
confirmação, tocou-me sua belíssima homília sobre o Sermão da Montanha,
dirigida aos fiéis de Jucurutu. Hoje, posso aquilatar a profundidade teológica
e espiritual de sua pregação. Era o Ano Santo de 1950. Ele preparava-se para ir
a Roma. De volta do Vaticano, trouxe-me um terço, bento por Pio XII e
dissera-me: “Seja devoto de Nossa Senhora. Ela é a ternura divina, face
maternal de Deus. A Igreja precisará de você.” Dom Delgado não tinha a
imponência heráldica que caracteriza alguns “príncipes da Igreja”. Seus gestos
inspiravam humildade, abertura, serviço, ternura e amor. Poucos sabiam que ele
era amicíssimo e compadre de Tristão de Athayde (Alceu Amoroso Lima) e outros
líderes. De grande conhecimento didático-pedagógico, impressionou o Ministro da
Educação, Gustavo Capanema. Sua transferência para São Luís (MA) foi de uma
comoção, só repetida em Caicó, quando do sepultamento de Monsenhor Walfredo
Gurgel. Queira Deus que o bispo eleito do Seridó conheça seu pensamento e obra
pastoral.
Em Caicó, o legado de seu primeiro
prelado é ingente. Contemplou as etapas da vida humana. Fundou a “Pupileira”,
primeira creche do Seridó, campo de estágio das alunas da Escola Doméstica
Darcy Vargas (obra sua) e abrigo seguro para as crianças, cujas mães
necessitavam trabalhar. Além do Ginásio Diocesano, criou oito escolas
paroquiais para educar jovens de menos recursos financeiros. Os candidatos ao
sacerdócio tiveram sua formação no Seminário Cura d’Ars por ele fundado. Para
os idosos deixou o Abrigo Dispensário Prof. Pedro Gurgel. Transformou um cemitério desativado em centro
de reflexão e treinamento para o laicato.
Considero-me
privilegiado por ter conhecido, antes do Concílio Vaticano II, um prelado de
tanto espírito ecumênico, profunda visão pastoral, sensibilidade humana e
dinamismo social. “Ele apascentava no poder do Senhor e na sublimidade de seu
Deus” (Mq 5, 4). Eis alguns de seus gestos icônicos. Em 1942, ao fundar o
Ginásio Diocesano, convidou um farmacêutico (Zezinho Gurgel) e uma linguista
(Myrtilla Lobo), ambos de confissão evangélica, para ministrar aulas de
ciências e língua portuguesa. Por esse motivo, denunciaram-no à Nunciatura
Apostólica. O Núncio quis ouvi-lo. Respondeu-lhe: “Convidei-os, não para
ensinar religião, mas para transmitir o que eles conhecem bem. Por outro lado,
os futuros líderes e doutores de amanhã precisam, desde cedo, aprender a conviver
com as diferenças.”
Em 1949, recebeu em sua diocese um
seminarista salesiano (Luís de França). Os superiores negaram-lhe a ordenação,
pois o jovem sofria de epilepsia, considerada à época, desaconselhável para o
presbiterato. Após meses observando o jovem, resolveu ordená-lo. Mais denúncias
à Nunciatura. Respondeu ao representante do Vaticano no Brasil: “Sou
responsável diante de Cristo pelo rebanho que me confiara. Conheço as
necessidades do bispado. Deus não discrimina pessoas. O rapaz não é culpado de
padecer dessa enfermidade. Os fiéis têm mais compreensão e sensibilidade do que
nós, padres e bispos.” Iria ordenar o levita. Mas, este veio a falecer, não da
doença, mas de um infarto fulminante, de tanta emoção, ao comprar o cálice para
a sua primeira missa.
A caridade de Dom Delgado
surpreendia quem não estava acostumado a ver gestos de benignidade evangélica.
A marca característica de suas atitudes era a prática da compreensão e
misericórdia divina. Em 1964, quando arcebispo de Fortaleza, acolheu dois membros
da Igreja Católica Brasileira: Dom Raimundo Simplício de Almeida e Padre
Enemias Freire de Almada, que solicitaram à Santa Sé retorno ao catolicismo
romano. Sugeriu que morassem na residência arquiepiscopal, pois careciam de
adaptação e mais estudos. Um dia, seu secretário particular dissera-lhe: “Dom
Delgado, esse bispo e o padre da Igreja Brasileira não regulam bem.” Respondeu
o arcebispo: “Você diz isso por puro preconceito, pois vieram da Igreja
Brasileira. Quantos padres desequilibrados você conhece na Igreja Romana e os
aceita! Estes dois são simples. Deus poderá se servir deles para fazer o bem.”
Disse Jesus: “Misericórdia eu quero e não sacrifícios” (Mt 9, 13).
quarta-feira, 5 de março de 2025
Significado religioso-bíblico
das cinzas
Padre João
Medeiros Filho
O ato da imposição de cinzas
remonta ao Antigo Testamento. O livro de Ester narra Mardoqueu vestindo-se com
pano de saco e cobrindo-se de cinzas, ao saber do decreto de Assuero (Xerxes I,
da Pérsia), condenando à morte os judeus ali residentes (cf. Est 4,1). Atitude
semelhante teve Jó, demonstrando o seu arrependimento (Jó 42, 6). Daniel, ao
profetizar a tomada de Jerusalém pela Babilônia, escreveu: “Voltei o olhar para o Senhor Deus,
procurando fazer preces e súplicas com jejuns, vestido de tecido rústico e
coberto de cinzas.” (Dn 9, 3). Após a pregação de Jonas, o povo de Nínive
se vestiu de roupas grosseiras, impondo-se cinzas. O rei levantou-se do trono e
sentou-se sobre elas (Jn 3, 5-6). Tais exemplos demonstram a prática religiosa
do uso das cinzas como símbolo de arrependimento, tristeza, penitência,
conversão e dor. Cristo aludiu igualmente a esse costume, quando se dirigiu aos
habitantes das cidades de Corazim e Betsaida que não se arrependiam de seus
pecados, apesar de terem presenciado milagres e ouvido a Boa Nova. “Se em Tiro e Sidônia tivessem sido
realizados os milagres feitos no meio de vós, há muito tempo teriam demonstrado
arrependimento, vestindo-se de cilício e cobrindo-se de cinzas”, advertiu o
Mestre. (Mt 11, 21).
A Igreja, desde os primórdios,
continuou este ritual com um simbolismo análogo. Tertuliano aconselhava o
pecador a “vestir-se com um tecido de
estopa e cobrir-se de borralho.” Eusébio, primeiro historiador da Igreja,
relata que Natálio se apresentou com esses trajes, diante do Papa Zeferino,
para suplicar-lhe o perdão. No cristianismo medieval, quando o penitente saía
do confessionário, o sacerdote impunha-lhe cinzas para significar que o “velho homem” tinha sido destruído, dando
lugar ao “novo homem” (Ef 4, 24), do
qual fala o apóstolo Paulo.
Por volta do século VIII, as
pessoas que estavam prestes a morrer, eram deitadas no chão sobre um tecido
rude e nelas se jogava pó. O sacerdote, aspergindo-as com água benta, dizia: “Lembra-te, ó criatura, que és pó e nele te
hás de tornar.” (Gn 3, 19). Este
rito foi tomando uma nova dimensão místico-espiritual e passou a significar
morte ao pecado, em seus diversos aspectos: mentira, orgulho, injustiça,
inveja, ódio, violência, insensibilidade etc. Assim, com o passar dos anos, tal
costume foi associado ao tempo quaresmal. Neste, somos convidados a sepultar o
velho homem existente em nós para ressurgir com Cristo, na Páscoa.
Na liturgia atual, as cinzas utilizadas na
quarta-feira são obtidas com a queima de sobra das palmas bentas no Domingo de
Ramos do ano anterior. O sacerdote as abençoa e impõe sobre os fiéis, dizendo:
“Lembra-te que és pó e nele te hás de
tornar”, ou então, com outra fórmula: “Converte-te
e crê no Evangelho.” (Mc 1, 15). Essa cerimônia é um convite à preparação
para a Páscoa pela vivência da quaresma, tempo privilegiado para uma revisão de
tudo o que nos aniquila em nossa caminhada de fé e amor.
Aceitando tal ritual, expressamos
duas realidades fundamentais: a consciência de que somos criaturas efêmeras e
nossa fé na ressurreição. Cristo ressuscitou dos mortos, prometendo-nos que
também ressuscitaremos. É conhecida na mitologia grega a força de Fênix, que
renasce das cinzas. Isto lembra-nos que delas também nós podemos surgir, como
criaturas novas, pela graça inefável de Deus. Elas simbolizam mudança radical,
na medida em que representam aniquilamento ou destruição. Por essa razão, somos
chamados a nos converter ao Evangelho de Jesus Cristo, mudando nossa maneira de
pensar, julgar e agir, libertando-nos da arrogância, do egoísmo e de tudo
aquilo que nos afasta de Deus. A palavra marcante com que se abre a celebração
da quaresma – a qual se inicia na quarta-feira, após o carnaval – é conversão.
O termo, de origem hebraica, indica mudança interior, dir-se-ia, transformação
da mente e do espírito. Foi isto o que Cristo veio trazer com sua mensagem. Ele
indicou ao ser humano um novo caminho e modo de ser, pensar e viver. O apóstolo
Paulo, de forma inspirada, o chama de
“novo Adão”, qual seja, uma nova humanidade (Rm 5, 12-21).
terça-feira, 4 de março de 2025
Cartas
de Cotovelo – Verão de 2025 – 09
Por:
Carlos Roberto de Miranda Gomes (*)
ÚLTIMO
DIA DE FOLIA
Com o gosto de “quero mais” para uns ou finalmente, para
outros, concluímos mais um período carnavalesco na Praia de Cotovelo, onde
passei muitos anos brincando ou aproveitando a natureza com a minha saudosa
THEREZINHA.
Em 2019, ano de sua Páscoa definitiva, lancei em janeiro
o livro PROMOVEC – uma bela história e coincidentemente o Carnaval foi em
março. Assim, terminamos o veraneio e retornamos a Natal. Comprei as camisas da
3ª Cotovelada, mas inusitadamente na volta à nossa Capital nos deparamos com os
problemas de saúde dela e o Carnaval passamos no hospital da UNIMED até o
desfecho da sua partida no último dia daquele mês.
Nos anos seguintes aproveitei o veraneio, mas sem
participar de nenhum momento da festa de Momo, mas acompanhei pelos informes de
WhatsApp.
Neste 2025, após a posse da nova Diretoria da PROMOVEC,
vivenciamos momentos desagradáveis que me obrigaram a deixar de participar dos
grupos de informação, posto que esqueceram o que fiz em colaboração com a
referida entidade. Sem problemas.
Mesmo ausente, registrei com alegria o bloco da 7ª
Cotovelada, saindo em todos os dias de Carnaval e coletei informações de que
tudo saiu bem. Parabéns para os promotores da festa, ao tempo em que desejo que
a harmonia seja a tônica para o restante do ano.
Neste último dia de folia tive a satisfação de receber a
visita do Padre Edvaldo Mota, novo pároco de Pirangi/Pium/Cotovelo e
adjacências, juntamente com uma colaboradora da Igreja, guiados pelo nosso
estimado Octávio Lamartine, que desejava algumas informações sobre a Casa de
Pedra de Pium e do seu donatário João Lostau Navarro, mártir de Uruaçu e
co-padroeiro de Pium, juntamente com Santa Luzia.
O referido religioso tem uma missão para dar ênfase ao
Santo Mártir, a pedido da Arquidiocese de Natal, o que tenho condições de
colaborar com algumas pesquisas que venho trabalhando há algum tempo.
Não se trata de fazer turismo religioso, mas ressaltar a
qualidade do Santo João Lostau, para justificar a sua condição de santificado
pelo Papa Francisco, mas quase inteiramente desconhecido da Comunidade
religiosa do Distrito de Pium.
Esse fato trouxe-me compensação pelos percalços que sofri
com alguns associados da PROMOVEC, mostrando que ainda posso fazer alguma coisa
pela Comunidade, na esperança de que nossos Padroeiros (Santa Luzia e Santo
João Lostau) restabeleçam a paz e harmonia tão ansiada pelos que habitam este
pedaço de chão.
O veraneio terminou e com ele o Carnaval – agora vamos
viver a Quaresma, com todo fervor possível e o restante do ano que começou, com
decisões positivas e favoráveis ao binômio sossego-progresso.
__________________________
(*) Veranista desde 1989.