A HERANÇA
O velho Josias era sozinho no mundo. Aposentado, ao sentir que sua vida
estava terminando, resolveu deixar para alguém sua pequena fortuna, acumulada,
honestamente, ao longo do tempo. Sempre foi caridoso, socorria os pobres e
ajudava à Igreja.
Sentindo-se doente, começou a dar suas roupas aos pobres que vinham à
sua porta. Entretanto, tinha sempre o cuidado de colocar, num dos bolsos dessas
roupas, sem nada dizer, uma nota de cinco cruzeiros, como esmola. Quando as
roupas estavam terminando, passou a ser visto, constantemente, numa loja da
pequena cidade onde morava, comprando calças e camisas, para distribuí-las com
os maltrapilhos.
Numa tarde, durante uma grande chuva, o velho Josias ouviu alguém bater
à porta da sua casa. Era um garoto franzino, maltrapilho, todo molhado, que
implorava:
- Senhor, senhor! Eu estou todo molhado e tremendo de frio… Arranje uma
roupa velha pra eu vestir! Minha mãe me mandou vender tapioca na Rua Grande,
mas, na volta, a chuva me pegou…
O velho Josias olhou o garoto, e viu logo que não dispunha de nenhuma
roupa, que coubesse nele. Mesmo assim, entregou-lhe uma calça e uma camisa, e
mandou que as vestisse, dentro do seu quarto. Pouco depois, o garoto apareceu,
metido numa calça enorme, com as pernas arregaçadas, e com uma camisa tão
grande, que parecia a empanada de um circo. Risonho e satisfeito, o menino
agradeceu a caridade recebida, e seguiu seu caminho de volta para casa. O velho
Josias ficou emocionado com a felicidade que viu estampada no rosto do garoto e
murmurou:
- Pobre garoto, tão novo ainda e já ajudando a mãe, na luta pela
sobrevivência…
A escuridão da noite envolveu a estrada e a casa do velho Josias, que já
havia fechado as portas e as janelas. Sentou-se, então, à mesa, para tomar uma
sopa, sem tirar da cabeça a figura do garoto e a felicidade que lhe
proporcionara, dando-lhe aquela enorme calça e uma camisa exageradamente grande
para ele. De repente, ouviu alguém bater à sua porta. O homem largou o prato de
sopa que tomava e foi olhar quem estava ali, naquela escuridão. Ficou surpreso
ao ver, novamente, o garoto à sua porta, vestindo as enormes roupas que havia
recebido dele naquela tarde. O velho Josias, então, falou:
- Você aqui de novo, menino? O que é que você deseja?
O menino, ofegante, respondeu:
- “Tou” aqui, sim “sinhô”. Sou eu mesmo… – disse o menino.
- Encontrei este dinheiro que o sinhô esqueceu dentro do bolso da calça.
– disse isso, entregando uma nota de cinco cruzeiros ao velho Josias – voltei
pra lhe entregar o que é do “sinhô”.
O velho Josias, comovido, convidou o garoto para sentar-se à mesa e lhe
serviu um prato de sopa. Sentou também, pensativo, dizendo para si mesmo:
- Um garoto esfarrapado, e de uma honestidade ímpar!!!
Aquele garoto pobre, franzino e esfarrapado foi a primeira pessoa que
veio devolver o dinheiro que ele sempre colocava no bolso das roupas que dava.
O velho Josias quis, então, saber detalhes da sua vida. Perguntou-lhe o nome e
endereço. O menino se chamava Pedro da Silva e era o caçula dos seis filhos de
uma pobre viúva, que lutava pelo pão de cada dia.
A partir de então, sempre que por ali passava, o garoto parava na porta
do velho Josias para cumprimentá-lo. Nada lhe pedia, e estava sempre vestido
com a calça e a camisa enormes, que dele havia recebido, no dia da chuvarada.
Uma vez por outra, recebia de Josias uma ajuda, para entregar à mãe.
Alguns meses depois, o velho Josias faleceu, deixando um testamento,
onde legava todos os seus bens ao garoto Pedro da Silva, conhecido como
Pedrinho de Dona Rita, a criança mais digna, grata e honesta, que ele
encontrara em toda a sua vida.
A honestidade e a
gratidão do garoto fizeram dele o herdeiro do velho Josias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário