A semelhança entre socialismo e liberalismo
NEY LOPES
Vi recentemente na TV uma entrevista com Zygmunt Bauman, polonês, radicado na Inglaterra desde 1971, sociólogo de renome internacional, voltado para “traduzir o mundo em textos”. Ele é considerado pela crítica um dos poucos intelectuais contemporâneos “nos quaisainda se encontram idéias”. Bauman lidera a chamada “sociologia humanística”, ao lado de Peter Berger, Thomas Luckmann e John O’Neill.
Considerado o “profeta da pós-modernidade”, Bauman foge de abstrações e analisa o mundo como ele é. Impressionou-me – por coincidir com o que sempre defendi – a aproximação doutrinária entre o socialismo e o liberalismo, que ele expôs na entrevista concedida a MariaLúcia Garcia Pallares.
Vale à pena conferir as suas idéias. Sobre o socialismo afirmou que “não é o nome de um tipo particular de sociedade. É exatamente como o postulado de Marx de justiça social, uma dor aguda e constante de consciência que nos impulsiona a corrigir ou a remover variedades sucessivas de injustiça. Não acredito mais na possibilidade (e até no desejo) de uma “sociedade perfeita”, mas acredito numa “boa sociedade”, definida como aquela que se recrimina sem cessar por não ser suficientemente boa e não estar fazendo o suficiente para se tornar melhor...”
Justifica o seu ponto de vista, citando Camus (“Homme revolté”), ao considerar rebelde o ser humano que diz “não”, mas também diz “sim”, recusa-se a aceitar o que existe e aceita a condição humana, com todas as suas desumanidades.
Referindo-se ao liberalismo, Bauman lembrou um dos fundadores dessa doutrina moderna, John Stuart Mill e observou que ele “também chegou ao socialismo, por acreditar que para implementar o programa liberal, o programa da liberdade humana, é necessário uma distribuição justa de oportunidades, diminuindo-se a distância entre os membros mais ricos e os mais pobres da sociedade. E, se nos lembrarmos de Lord Beveridge, o criador do Estado de bem--estar social britânico, o caso é o mesmo.
“Durante a guerra, o governo da Grã-Bretanha criou uma comissão para organizar um programa de bem-estar social (do qual Beveridge era diretor), prevendo que com o fim do conflito haveria milhões de desempregados que não mais aceitariam a sina dos oprimidos. Beveridge preparou então todo um programa que foi pouco a pouco aceito pelo governo após a guerra. Ora, ele não era um socialista e não se definiu jamais como tal. Dizia que era um liberal e que o que estava propondo era, na verdade, a implantação definitiva do programa liberal, porque, se o liberalismo quer que todos sejam seres autônomos e autoconfiantes, então para ser livre é necessário que se tenha recursos, que haja um chão firme no qual se apoiar.
“A idéia de Lord Beveridge, que infelizmente não se impôs, era que toda essa assistência social, esse bem-estar social, toda essa provisão eram necessários como medidas temporárias. E isso porque ele partia do pressuposto de que, para ter a coragem, a ousadia de ser aventurosas e se arriscar, as pessoas precisam se sentir seguras — e segurança elas não podem obter por si próprias, mas deve ser oferecida e garantida pela grande sociedade. Se as pessoas se arriscam sozinhas, correm o perigo de ser abatidas por um grande fracasso, uma tragédia, uma crueldade ou coisa semelhante. Deve haver, portanto, essa garantia do Estado, o que eu chamo de seguro coletivo contra o infortúnio individual. Se isso existe, as pessoas se enchem de coragem e, sem receio de tentar, logo podem tornar-se prósperas”.
Bauman considera o melhor na história do liberalismo e do socialismo. “Eles sempre convergem.
Há sempre essa conexão entre os dois.
Tudo se reduz à questão muito simples, de que existem dois valores igualmente indispensáveis para uma vida humana decente e digna: liberdade e segurança. Não se pode ter um sem que se tenha o outro. Qualquer que seja a perspectiva da qual se parta, chega-se sempre à mesma questão, de que, ou liberdade e segurança são obtidas juntas, ou não serão obtidas de modo algum.
Esse é o ponto de encontro entre o socialismo e liberalismo”.
Em 25.03.03 publiquei artigo no Diário de Pernambuco e citei o filósofo inglês John Stuart Mill (1806-1873), o grande precursor do liberalismo social, que defendeu a repartição justa da produção na sociedade; eliminação dos privilégios de nascimento e a defesa do espírito comunitário, ao contrário do individualismo. Justifica-se, portanto, a minha admiração pelas reflexões lúcidas do sociólogo Zygmunt Bauman.
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Revista Semanal BRASÍLIA EM DIA, Ano 15 – nº 780
sábado, 11 de fevereiro de 2012
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