terça-feira, 7 de novembro de 2017



ONDE ESTÁ A CIVILIDADE

PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO 

No curso de humanidades do Seminário de São Pedro, em Natal, outrora havia semanalmente aulas de “civilidade, etiqueta e boas maneiras”. Não eram sofisticadas como as dos manuais especializados, nem chegavam ao esmero de nossa centenária Escola Doméstica. Parece cada vez mais distante esse tempo. Nos lares, era comum ouvir os pais a corrigir os filhos, valendo-se de expressões, tais como: “não é assim que se fala”, “tenham modos”, “isso não fica bem para uma moça ou rapaz de família” etc. Educandários, instituições religiosas e culturais costumavam dedicar-se a processos formativos para que crianças, adolescentes e jovens aprendessem as normas de uma boa convivência. Com o passar dos anos, esses ensinamentos foram perdendo a sua importância. Eram diretrizes capazes de garantir relacionamentos necessários para uma coexistência pacífica e civilizada. Ninguém é capaz de duvidar que a qualidade das relações entre as pessoas – o saber conviver e respeitar o outro – é determinante na prática do bem ou do mal. Daí, é fundamental voltar-se para a formação do ser humano, na qual o bom relacionamento é indispensável ao convívio social. 
Pode parecer aos olhos de muitos que tal preocupação seja prescindível ou apareça na contramão do mundo pós-moderno. Afinal, vive-se numa época, na qual a individualidade reivindica autonomia, em que se pode tudo, inclusive desdenhar, desrespeitar e aniquilar o outro. Infelizmente, tem-se hoje um contexto díspar. Nele, tudo aquilo que não corresponde aos interesses individuais e imediatistas, torna-se consequentemente inaceitável. Dessa forma, cada um orienta seu modo de agir e se comportar, focando apenas os seus desejos e ambições, desconsiderando a vida dos semelhantes. O abandono da aprendizagem das posturas, que garantam a prática da urbanidade e delicadeza no conviver, tem contribuído e muito para que haja o terrível primado do egocentrismo. Portanto, cada pessoa passa a considerar-se real e efetivamente como referência única e absoluta. 
A certeza de que cada indivíduo terá liberdade de falar o que bem entende, sem o cuidado de ferir o próximo, contribui para alimentar uma perversa anomia ou anarquia. Com essa falta de normas sociais na vida humana, cada um passa a fazer o que lhe vem à mente, sem a observância de princípios basilares. Eis então o caminho livre para que a arbitrariedade se instale e gere descasos e violências, subestimando e violando a sacralidade do ser humano. Nessa conjuntura não se cultivam o respeito às diferenças, o momento e o modo de falar, a importância e o valor de tudo aquilo que sustenta o equilíbrio da vida em sua complexidade. Esse mal atinge não apenas pessoas ou segmentos da sociedade. Alcança suas estruturas, desencadeando afrontas à cultura e às tradições. Sem investir numa civilidade autêntica, permanecerão as situações problemáticas e conflitantes. Haverá a nefasta incapacidade de respeitar o bem comum, pois o subjetivismo leva à sua desconsideração. 
A urbanidade incide também sobre o estabelecimento de prioridades no trato social. Isso significa comprometer-se com a promoção e a vivência da ética, do equilíbrio de conceituadas relações entre os cidadãos. Uma dinâmica capaz de construir um entrosamento civilizado e digno transforma as pessoas e permite o aprendizado do sentido do respeito e da reverência. Isto difere bastante dos descompassos característicos desta pós-modernidade, que nutre comportamentos viralizados nas redes sociais, por vezes, grotescos, ofensivos, perigosos e deletérios. Somente com uma educação que desenvolva urbanidade e lhaneza, será possível promover a formação de líderes com respeitável sentido social e político, realmente preparados e dispostos a oferecer soluções às demandas de uma sociedade mais justa e ética. Lamentavelmente, assiste-se a debates destoantes no parlamento brasileiro, denunciando uma ausência de cultura, patriotismo e visão do bem comum, que incluam respeito, solidariedade e altruísmo. A falta dessas virtudes leva à egolatria. É preciso reverter o que tanto se amarga hoje. Eis o que diz a Sagrada Escritura: “Tratem a todos com o devido respeito: amem os irmãos e temam a Deus” (1Pd 2, 17).

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