ONDE ESTÁ A CIVILIDADE?
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO
No curso de humanidades do Seminário de São Pedro, em Natal, outrora
havia semanalmente aulas de “civilidade, etiqueta e boas maneiras”. Não
eram sofisticadas como as dos manuais especializados, nem chegavam ao
esmero de nossa centenária Escola Doméstica. Parece cada vez mais
distante esse tempo. Nos lares, era comum ouvir os pais a corrigir os
filhos, valendo-se de expressões, tais como: “não é assim que se fala”,
“tenham modos”, “isso não fica bem para uma moça ou rapaz de família”
etc. Educandários, instituições religiosas e culturais costumavam
dedicar-se a processos formativos para que crianças, adolescentes e
jovens aprendessem as normas de uma boa convivência. Com o passar dos
anos, esses ensinamentos foram perdendo a sua importância. Eram
diretrizes capazes de garantir relacionamentos necessários para uma
coexistência pacífica e civilizada. Ninguém é capaz de duvidar que a
qualidade das relações entre as pessoas – o saber conviver e respeitar o
outro – é determinante na prática do bem ou do mal. Daí, é fundamental
voltar-se para a formação do ser humano, na qual o bom relacionamento é
indispensável ao convívio social.
Pode parecer aos olhos de muitos que tal preocupação seja
prescindível ou apareça na contramão do mundo pós-moderno. Afinal,
vive-se numa época, na qual a individualidade reivindica autonomia, em
que se pode tudo, inclusive desdenhar, desrespeitar e aniquilar o outro.
Infelizmente, tem-se hoje um contexto díspar. Nele, tudo aquilo que não
corresponde aos interesses individuais e imediatistas, torna-se
consequentemente inaceitável. Dessa forma, cada um orienta seu modo de
agir e se comportar, focando apenas os seus desejos e ambições,
desconsiderando a vida dos semelhantes. O abandono da aprendizagem das
posturas, que garantam a prática da urbanidade e delicadeza no conviver,
tem contribuído e muito para que haja o terrível primado do
egocentrismo. Portanto, cada pessoa passa a considerar-se real e
efetivamente como referência única e absoluta.
A certeza de que cada indivíduo terá liberdade de falar o que bem
entende, sem o cuidado de ferir o próximo, contribui para alimentar uma
perversa anomia ou anarquia. Com essa falta de normas sociais na vida
humana, cada um passa a fazer o que lhe vem à mente, sem a observância
de princípios basilares. Eis então o caminho livre para que a
arbitrariedade se instale e gere descasos e violências, subestimando e
violando a sacralidade do ser humano. Nessa conjuntura não se cultivam o
respeito às diferenças, o momento e o modo de falar, a importância e o
valor de tudo aquilo que sustenta o equilíbrio da vida em sua
complexidade. Esse mal atinge não apenas pessoas ou segmentos da
sociedade. Alcança suas estruturas, desencadeando afrontas à cultura e
às tradições. Sem investir numa civilidade autêntica, permanecerão as
situações problemáticas e conflitantes. Haverá a nefasta incapacidade de
respeitar o bem comum, pois o subjetivismo leva à sua desconsideração.
A urbanidade incide também sobre o estabelecimento de prioridades no
trato social. Isso significa comprometer-se com a promoção e a vivência
da ética, do equilíbrio de conceituadas relações entre os cidadãos. Uma
dinâmica capaz de construir um entrosamento civilizado e digno
transforma as pessoas e permite o aprendizado do sentido do respeito e
da reverência. Isto difere bastante dos descompassos característicos
desta pós-modernidade, que nutre comportamentos viralizados nas redes
sociais, por vezes, grotescos, ofensivos, perigosos e deletérios.
Somente com uma educação que desenvolva urbanidade e lhaneza, será
possível promover a formação de líderes com respeitável sentido social e
político, realmente preparados e dispostos a oferecer soluções às
demandas de uma sociedade mais justa e ética. Lamentavelmente,
assiste-se a debates destoantes no parlamento brasileiro, denunciando
uma ausência de cultura, patriotismo e visão do bem comum, que incluam
respeito, solidariedade e altruísmo. A falta dessas virtudes leva à
egolatria. É preciso reverter o que tanto se amarga hoje. Eis o que diz a
Sagrada Escritura: “Tratem a todos com o devido respeito: amem os
irmãos e temam a Deus” (1Pd 2, 17).
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