Sobre Montesquieu
Charles-Louis de Secondat (1689-1755), o barão de Montesquieu, foi,
na França do período iluminista, homem público, escritor e, sendo isso o
que mais interessa ao direito, um pensador político à frente do seu
tempo.
Montesquieu (foi assim que Charles-Louis de Secondat restou
conhecido na história) nasceu em Bordeaux (mais precisamente no “Château
de La Brède”), região francesa famosa por seus vinhos, em 1689, no seio
de uma família aristocrática. Sua mãe era inglesa; seu pai, francês.
Teve uma educação católica e iluminista no famoso “Collège de Juilly”.
Iniciou seus estudos de direito na Universidade de Bordeaux com apenas
16 anos, formando-se em 1708. Mudou-se para Paris, retornando ao torrão
natal alguns anos depois em razão do falecimento do pai. Em 1714,
tornou-se conselheiro do Parlamento de Bordeaux. Casou-se com a rica
Jeanne de Lartigue em 1715, o que já lhe proporcionou uma confortável
situação financeira. No ano seguinte, com a morte de um tio, herdou
grande fortuna, assumiu a Presidência do Parlamento de Bordeaux (casa
que presidiu de 1716 a 1726) e virou o “Barão de Montesquieu”. Tornou-se
membro da Academia Francesa. Viajou bastante por toda Europa,
frequentando importantes círculos intelectuais e políticos, sendo
marcante para sua formação cultural a estada na Inglaterra, de 1729 a
1731. Até pela sua origem, Montesquieu, apesar de combater o absolutismo
monárquico, nunca foi um revolucionário. Era no máximo um liberal, à
moda de John Locke (1632-1704), o famoso filósofo empirista inglês.
Montesquieu faleceu em Paris, em 1755, achando-se sepultado na belíssima
igreja parisiense de Saint-Sulpice.
Montesquieu escreveu proficuamente. Ganhou fama com suas “Lettres
persanes” (“Cartas persas”), de 1721, sátira aos costumes, à mentalidade
e às instituições políticas e religiosas francesas de sua época (sob a
forma de cartas escritas por dois visitantes persas, que, para os seus
conterrâneos, descrevem o que veem em Paris), que é considerada por
Jean-CLaude Berton um dos “50 romans clés de la littérature française”
(em gostosíssimo livrinho com esse título publicado pela editora
Hatier). De 1734 são suas “Considérations sur les causes de la grandeur
des Romains et de leur décadence”, que antecipam (e inspiram) em algumas
décadas a famosíssima obra de Edward Gibbon, “The History of the
Decline and Fall of the Roman Empire” (“A História do Declínio e Queda
do Império Romano”), publicada entre 1776 e 1789. De 1748 é “De l'esprit
des lois” (“Do espírito das leis”), obra de Montesquieu que mais
interessa a nós, estudantes do direito.
“De l'esprit des lois”, obra volumosa, está cheia famosos “insights”
de Montesquieu no campo da ciência política, especialmente suas
definições, com os respectivos corolários, de monarquia, aristocracia,
democracia, despotismo, tirania, oligarquia, demagogia e por aí vai.
Entretanto, no que toca à ciência política e ao direito, a reputação de
Montesquieu reside, em grande medida, na sua formulação (e, mais do que
isso, na divulgação dessa formulação) da teoria da separação dos
poderes, presente em “De l'esprit des lois” e consagrada hoje na
unanimidade (pelo que conheço) das constituições democráticas.
Pressentida por Aristóteles (384-322a.C.), esboçada na China, no século
VII, pela dinastia Tang, esquematizada por São Tomás de Aquino
(1225-1274), a teoria da separação dos poderes ganhou com Montesquieu um
nova roupagem que, acuradamente ou não, acabou chegando aos nossos
dias, entendida como receita de liberdade e peça fundamental para o
poder político atuar corretamente.
É verdade que a formulação da teoria da separação de poderes feita
por Montesquieu em “De l'esprit des lois” não tinha a sofisticação – ou,
melhor dizendo, a abrangência – que se costumou posteriormente
atribuir-lhe. Tem-se às vezes a impressão, por exemplo, que Montesquieu
não considerava o Poder Judiciário como verdadeiro poder. Mas o fato é
que Montesquieu desenvolveu, com grande repercussão graças à polêmica
gerada pela sua obra, uma importante faceta do constitucionalismo: a
distribuição da autoridade, pressuposto fundamental para exercício
democrático do poder e para a liberdade dos cidadãos, evitando o abuso
no uso daquela (da autoridade) por qualquer dos poderes do Estado.
Registre-se que Montesquiu inflenciou profundamente o pensamento
político e jurídico na Inglaterra e, sobretudo, nos Estados Unidos da
América. James Madison (1751-1836), sobre quem já escrevi aqui (vide o
artigo “Sobre James Madsion), em particular, era grande admirador de
Montesquieu, citando-o frequentmente em seus escritos em prol da
Constituição americana.
Por fim, é fato que a concepção contemporânea da teoria da separação
não é rígida a ponto de impedir totalmente o exercício, por um dos
poderes do Estado, de função, em regra, atribuída a outro Poder. Acho
que nunca foi, na verdade. Mas também é fato que, nos dias de hoje,
presenciamos o desenvolvimento de uma “nova” concepção do princípio da
separação dos poderes, de um novo constitucionalismo, quase uma
“revolução”, cuja faceta mais vísivel talvez seja o crescente “ativismo
judicial”, que abandona a ideia da “séparation des pouvoirs” e consagra a
ideia de uma “sharing of powers”.
Mas isso é assunto para outra conversa.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador da República
Mestre em Direito pela PUC/SP
Doutorando em Direito pelo King’s College London – KCL
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