terça-feira, 23 de junho de 2015

   
Marcelo Alves

Sobre Montesquieu

Charles-Louis de Secondat (1689-1755), o barão de Montesquieu, foi, na França do período iluminista, homem público, escritor e, sendo isso o que mais interessa ao direito, um pensador político à frente do seu tempo.
Montesquieu (foi assim que Charles-Louis de Secondat restou conhecido na história) nasceu em Bordeaux (mais precisamente no “Château de La Brède”), região francesa famosa por seus vinhos, em 1689, no seio de uma família aristocrática. Sua mãe era inglesa; seu pai, francês. Teve uma educação católica e iluminista no famoso “Collège de Juilly”. Iniciou seus estudos de direito na Universidade de Bordeaux com apenas 16 anos, formando-se em 1708. Mudou-se para Paris, retornando ao torrão natal alguns anos depois em razão do falecimento do pai. Em 1714, tornou-se conselheiro do Parlamento de Bordeaux. Casou-se com a rica Jeanne de Lartigue em 1715, o que já lhe proporcionou uma confortável situação financeira. No ano seguinte, com a morte de um tio, herdou grande fortuna, assumiu a Presidência do Parlamento de Bordeaux (casa que presidiu de 1716 a 1726) e virou o “Barão de Montesquieu”. Tornou-se membro da Academia Francesa. Viajou bastante por toda Europa, frequentando importantes círculos intelectuais e políticos, sendo marcante para sua formação cultural a estada na Inglaterra, de 1729 a 1731. Até pela sua origem, Montesquieu, apesar de combater o absolutismo monárquico, nunca foi um revolucionário. Era no máximo um liberal, à moda de John Locke (1632-1704), o famoso filósofo empirista inglês. Montesquieu faleceu em Paris, em 1755, achando-se sepultado na belíssima igreja parisiense de Saint-Sulpice.
Montesquieu escreveu proficuamente. Ganhou fama com suas “Lettres persanes” (“Cartas persas”), de 1721, sátira aos costumes, à mentalidade e às instituições políticas e religiosas francesas de sua época (sob a forma de cartas escritas por dois visitantes persas, que, para os seus conterrâneos, descrevem o que veem em Paris), que é considerada por Jean-CLaude Berton um dos “50 romans clés de la littérature française” (em gostosíssimo livrinho com esse título publicado pela editora Hatier). De 1734 são suas “Considérations sur les causes de la grandeur des Romains et de leur décadence”, que antecipam (e inspiram) em algumas décadas a famosíssima obra de Edward Gibbon, “The History of the Decline and Fall of the Roman Empire” (“A História do Declínio e Queda do Império Romano”), publicada entre 1776 e 1789. De 1748 é “De l'esprit des lois” (“Do espírito das leis”), obra de Montesquieu que mais interessa a nós, estudantes do direito.
“De l'esprit des lois”, obra volumosa, está cheia famosos “insights” de Montesquieu no campo da ciência política, especialmente suas definições, com os respectivos corolários, de monarquia, aristocracia, democracia, despotismo, tirania, oligarquia, demagogia e por aí vai. Entretanto, no que toca à ciência política e ao direito, a reputação de Montesquieu reside, em grande medida, na sua formulação (e, mais do que isso, na divulgação dessa formulação) da teoria da separação dos poderes, presente em “De l'esprit des lois” e consagrada hoje na unanimidade (pelo que conheço) das constituições democráticas. Pressentida por Aristóteles (384-322a.C.), esboçada na China, no século VII, pela dinastia Tang, esquematizada por São Tomás de Aquino (1225-1274), a teoria da separação dos poderes ganhou com Montesquieu um nova roupagem que, acuradamente ou não, acabou chegando aos nossos dias, entendida como receita de liberdade e peça fundamental para o poder político atuar corretamente.
É verdade que a formulação da teoria da separação de poderes feita por Montesquieu em “De l'esprit des lois” não tinha a sofisticação – ou, melhor dizendo, a abrangência – que se costumou posteriormente atribuir-lhe. Tem-se às vezes a impressão, por exemplo, que Montesquieu não considerava o Poder Judiciário como verdadeiro poder. Mas o fato é que Montesquieu desenvolveu, com grande repercussão graças à polêmica gerada pela sua obra, uma importante faceta do constitucionalismo: a distribuição da autoridade, pressuposto fundamental para exercício democrático do poder e para a liberdade dos cidadãos, evitando o abuso no uso daquela (da autoridade) por qualquer dos poderes do Estado. Registre-se que Montesquiu inflenciou profundamente o pensamento político e jurídico na Inglaterra e, sobretudo, nos Estados Unidos da América. James Madison (1751-1836), sobre quem já escrevi aqui (vide o artigo “Sobre James Madsion), em particular, era grande admirador de Montesquieu, citando-o frequentmente em seus escritos em prol da Constituição americana.
Por fim, é fato que a concepção contemporânea da teoria da separação não é rígida a ponto de impedir totalmente o exercício, por um dos poderes do Estado, de função, em regra, atribuída a outro Poder. Acho que nunca foi, na verdade. Mas também é fato que, nos dias de hoje, presenciamos o desenvolvimento de uma “nova” concepção do princípio da separação dos poderes, de um novo constitucionalismo, quase uma “revolução”, cuja faceta mais vísivel talvez seja o crescente “ativismo judicial”, que abandona a ideia da “séparation des pouvoirs” e consagra a ideia de uma “sharing of powers”.
Mas isso é assunto para outra conversa.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador da República
Mestre em Direito pela PUC/SP
Doutorando em Direito pelo King’s College London – KCL

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