sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Marcelo Alves
Marcelo Alves

Um Natal com Poirot

Em outros anos, por esta mesma época, sob um viés essencialmente literário, escrevi aqui sobre o Natal. Foram, segundo consta dos meus arquivos, pelo menos três crônicas, todas elas homenageando o grande escritor vitoriano Charles Dickens (1812-1870). Em “Um Natal de Dickens”, escrevi sobre a estória de Ebenezer Scrooge, ou seja, sobre o conto/novela “A Christmas Carol” (traduzido entre nós como “Um Conto de Natal” ou “Um Cântico de Natal”), de 1843, seguramente o mais famoso dos cinco “Livros de Natal” de Dickens. Já em “O Natal e as Grandes Esperanças (I) e (II)”, escrevi sobre todo o conjunto dos “Christmas Books”, completado por “The Chimes” (1844), “The Cricket on the Hearth” (1845), “The Battle of Life” (1846) e “The Haunted Man and the Ghost's Bargain” (1848), e sobre o monumental romance “Great Expectations” (“Grandes Esperanças”), publicado por Dickens em 1861. Na oportunidade disse e agora repito: o Natal como conhecemos hoje - em família, com festas, comes e bebes irrecusáveis, presentes e, acima de tudo, uma maior solidariedade para com o próximo - é, em boa medida, um legado deixado pelos “Livros de Natal” de Charles Dickens.

Hoje, mantendo o viés literário, escreverei novamente sobre o Natal, desta feita homenageando outra figura de proa da literatura inglesa: a minha “amiga” Agatha Christie (1890-1976), a “Rainha do Crime”.

Pode parecer estranho, reconheço, misturar o Natal com romance policial (ou detetivesco, como queiram), com seus crimes, suas vítimas, seus culpados e seus detetives, mas o fato é que na obra de Agatha Christie se pode achar de quase tudo. Passam de uma centena os livros da minha “amiga”. Só de romances policiais protagonizados pelo detetive belga Hercule Poirot, segundo nos informa Mark Campbell em “Agatha Christie” (Pocket Essential ed., 2005), são trinta e três (ao que se somam cinquenta e três contos com a mesma personagem), entre os quais se acham quase todos os meus favoritos: “The Mysterious Affair at Styles” (1920), “The Murder of Roger Ackroyd” (1926), “Lord Edgware Dies” (1933), “Murder on the Orient Express” (1934), “Murder in Mesopotamia” (1936), “Death on the Nile” (1937) e “Hercule Poirot's Christmas” (1938). Não é a toa que Agatha Christie é considerada hoje o terceiro escritor mais traduzido no mundo (atrás apenas das muitíssimas edições da Bíblia e de Shakespeare) e, se não bastasse isso, o campeão de vendas.

O Natal, portanto, não podia ficar de fora da obra da minha “amiga”.

E dessa obra, envolvendo o Natal, destaco dois títulos: o romance “Hercule Poirot's Christmas” (1938), já referido na lista feita acima, e o conto/novela “The Adventure of the Christmas Pudding” (1960), que dá título a um livro/coletânea composto de mais cinco contos.

Em “Hercule Poirot's Christmas” (traduzido no Brasil como “O Natal de Poirot”), que desde já recomendo a leitura, mais uma vez somos convidados a desvendar, junto com o pequeno detetive belga, um homicídio. Inesperadamente, o tirânico milionário Simeom Lee convida seus filhos a passar, em sua bela casa, uma típica mansão inglesa no campo, um Natal em família. Teria o velho Simeom Lee tornado-se um sentimental no fim da vida? Seria tudo isso uma grande brincadeira de mau gosto ou mesmo algo ainda mais sinistro? Alguma coisa sai errado e o velho homem é brutalmente assassinado em um quarto trancado por dentro. O ambiente, “carregado” desde o começo da pantomima, vira um caldeirão de mágoas, ciúmes e desconfianças. Em pleno Natal, seguimos os passos e o raciocínio de Hercule Poirot através de um jogo de charadas e pistas, até o final, como em regra na nossa amiga, surpreendente.

Para mim, “Hercule Poirot's Christmas”, que li quase de uma só tirada, é um dos melhores títulos de Agatha Christie. E assim também pensa a crítica especializada. O já citado Mark Campbell, por exemplo, dá nota máxima ao romance, 5 de 5, mencionando ser ele um dos melhores enredos da “Rainha do Crime”. No mais, o fato de “Hercule Poirot's Christmas” inserir a criminalidade no contexto do Natal (quando nós reverenciamos o nascimento do menino Jesus) é algo que, levando em consideração a violência e a roubalheira que hoje estarrece o nosso país, não choca mais a nenhum “cristão”. Antes de mais nada, é apenas ficção. Chocante mesmo é essa nossa realidade.

Bom, já em relação ao conto/novela “The Adventure of the Christmas Pudding” (traduzido no Brasil como “A Aventura do Pudim de Natal”), ele será uma de minhas leituras nesse recesso natalino. Já li a primeira página. Vi, temeroso, Hercule Poirot quase recusar a missão de desvendar o mistério que, segundo consta, gira em torno de um valioso rubi. Ainda bem que ele, o pequeno detetive belga, ao contrário de muitas autoridades, aceita investigar o crime, doa a quem doer.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London - KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

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