quarta-feira, 23 de julho de 2025

 


A Senhora Sant’Ana

Padre João Medeiros Filho

Segundo uma tradição do século II, os pais de Nossa Senhora eram Ana e Joaquim. Na Sagrada Escritura, inexistem dados sobre o casal. O documento mais antigo a que se reporta a Igreja é o “Protoevangelho de Tiago” (datando aproximadamente de 150 d.C.), o qual goza de prestígio nos primórdios do cristianismo. Apesar de ser um texto apócrifo, trata-se de importante obra da antiguidade cristã, citada por teólogos do Oriente, notadamente Epifânio de Salamina e Gregório de Nissa. O nome Hannah provém do hebraico e significa graça. A genitora da Virgem Santíssima descende de Aarão. Consoante a tradição cristã, era esposa de Joaquim, pertencente à estirpe real de Davi. Portanto, dessa nobreza participam Maria e Jesus. A devoção a Sant’Ana remonta ao século VI, no Oriente, enquanto. São Joaquim passa a ser venerado, por volta dos anos 900. A tradição diz que o casal possuía recursos, geridos pela esposa. Ela dividia em três partes iguais os rendimentos do marido: uma destinada ao sustento da família; a segunda, à manutenção do culto e a última, à ajuda aos carentes. Esse dado, sem comprovação histórica, fez de Sant’Ana, na época do Brasil colonial (graças também à devoção de Dom João VI), padroeira da Casa da Moeda.

A palavra Joaquim significa confirmado por Javé. O nome Ana é mais frequente na Bíblia. Tem-se conhecimento de três mulheres assim denominadas. A primeira, trata-se da profetisa, filha de Fanuel (Lc 2, 36-38) que estava presente no Templo, quando da apresentação do Jesus. A segunda, a mãe do profeta Samuel (1 Sm 2, 19-21) e a última, a esposa de Ragoel, irmão de Tobias (Tb 7, 2). De acordo com o “Protoevangelho”, Ana e Joaquim formavam um casal piedoso, mas vivia triste por não ter filhos. O marido dirigiu-se ao deserto para jejuar e orar. Lá, apareceu-lhe um anjo, anunciando que ele seria pai de uma menina. Sua mulher também recebeu um aviso divino: “Teu choro foi ouvido e conceberás e darás à luz. Tua descendência será ilustre.”

Na Igreja Luterana, Ana é também venerada. Conta-se que Lutero ingressou na vida religiosa, após pedir a proteção da Mãe de Maria, numa noite de tempestade. Por esse motivo, em alguns países europeus, é invocada como protetora contra os raios e trovões. A Avó de Jesus é igualmente reverenciada no islamismo. Seu nome não consta no Alcorão. Entretanto, é reconhecida como uma mulher altamente espiritual, tendo gerado Maria. Conforme algumas narrativas islâmicas, ela não tinha filhos, até a idade avançada. Suplicou ao Altíssimo e deu à luz uma menina a quem atribuiu o nome de Miriam.

Fé, amor e temor de Deus são marcantes na vida do santo casal. A iconografia clássica mostra-nos a genitora de Nossa Senhora, segurando as tábuas da Lei e ensinando à Filha. Em muitas imagens, ela está sentada com Maria de joelhos, junto a Torá (Lei).  O seu culto expandiu-se pelo mundo inteiro. Santuários, catedrais, capelas, cidades e províncias lhe são dedicados. Destaca-se como padroeira da Bretanha, de Quebec e Düren (Alemanha). É titular de dezessete catedrais brasileiras, padroeira secundária das arquidioceses de São Paulo e Rio de Janeiro. É igualmente a patrona do estado de Goiás. No Rio Grande do Norte, é protetora da diocese de Caicó e orago de nove paróquias. A devoção a Sant´Ana difundiu-se de tal modo que os católicos lhe reservam o aposto de “Senhora”, outorgado apenas à Virgem Santíssima. Muitos cristãos passaram a chamá-la de “Nossa Senhora Sant’Ana”, como acontece no Seridó e alhures. “Bendito seja Deus nos seus anjos e nos seus santos.”

A presença de Sant´Ana tem marcado a minha vida. Nasci numa paróquia (Jucurutu/RN) que se originou do desmembramento de terras das freguesias de Caicó, Campo Grande e Santana do Matos, cujos oragos são a Mãe da Virgem Maria. Durante quarenta e cinco anos, pertenci canonicamente ao bispado caicoense, dedicado à excelsa esposa de São Joaquim. Morei mais de duas décadas no Rio de Janeiro, onde a padroeira secundária é a Avó de Cristo. Há quinze anos celebro no Mosteiro de Sant´Ana (Emaús/Parnamirim/RN), onde atuo como assistente eclesiástico da comunidade. “Dai graças ao Senhor porque Ele é bom. Sua misericórdia é eterna” (Sl 118/117, 1).

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