quinta-feira, 28 de abril de 2022

 

DUAS HORAS

      Pas de Deux

 

 

A HORA RASA

 

não há mais onde abrigar-se

o quarto é um símbolo mudo

e a calmaria

sinal de perigo

 

os odres estão vazios

e muita cautela é preciso ao pisar

as nuvens de silêncios inflamáveis

 

outrora havia rumor de tambores

que anunciavam a chuva

mas os ventiladores pararam

 

o quarto está despido

sem sombras e sem luz

sem qualquer movimento de espera

exceto a expectativa

de que uma porta se abra

e exponha o jazigo                       

à exterioridade dos ruídos

 

 

-  Horácio Paiva     (Brasil) 

 

 

É ESTA A HORA...

 

É esta a hora perfeita em que se cala

O confuso murmurar das gentes

E dentro de nós finalmente fala

A voz grave dos sonhos indolentes.

 

É esta a hora em que as rosas são as rosas

Que floriram nos jardins persas

Onde Saadi e Hafiz as viram e as amaram.

É esta a hora das vozes misteriosas

Que os meus desejos preferiram e chamaram.

É esta a hora das longas conversas

Das folhas com as folhas unicamente.

É esta a hora em que o tempo é abolido

E nem sequer conheço a minha face.

 

 

-  Sophia de Mello Breyner     (Portugal)  

 

 

 

 

 

 

 

                              

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