sexta-feira, 21 de maio de 2021

 

Como controlar o curral

Tomislav R. Femenick - Jornalista

 

Durante o período em que eu e minha mãe, que recém enviuvara, moramos na casa de meus avós, lá em Mossoró, eu vivenciei, como observador, um verdadeiro curso de como se fazia política no Brasil de então. E como eu aprendi, embora não tenha praticado “nadica de nada”. Vamos recordar o que acontecia em nosso país naquele período. Tínhamos saído do primeiro governo Vargas, quando aconteceu a pior ditadura jamais implantada por aqui, desde a nossa independência. O presidente da República era o Marechal Eurico Gaspar Dutra, que nada fazia sem antes olhar a Constituição, a qual tinha sido recém promulgada por uma Assembleia Constituinte.

O governo – Executivo, Legislativo e Judiciário – ainda estava instalado na cidade do Rio de Janeiro, que ostentava um DF, no final. Com muito orgulho, eu dizia para todo o mundo, os meus colegas de escola, de catecismo e do vesperal de domingo no Cine Pax, que eu tinha um primo que era deputado federal: Motinha, ou melhor, Vicente da Mota Neto.

Lá em casa o chefe político era minha avó, Dona Mariquinha, que era irmã do Padre Mota (ex-prefeito de Mossoró por quase dez anos) e tia de Motinha. Além disso, seu pai (meu bisavô) e dois outros seus irmãos tinham sido prefeitos da cidade. De política, o meu avô, José Rodrigues de Lima, somente tinha três posições: sorria quando era citado o nome de seu sobrinho, dizia “não gosto” sobre os políticos de quem ele não gostava e ficava calado sobre os demais. Dizia que fazer especulação sobre políticos era “disputar banana com macaco”.

Um certo dia, à tardinha, que não me lembro quando, um deputado estadual de uma cidade da região Oeste foi visitar meus avós. Estavam conversando em um banco de jardim, que ficava entre o roseiral lá de casa. Eu estava por perto e ouvi uma coisa inusitada: o meu avô fez uma pergunta sobre política. Perguntou ao deputado como ele conseguia ter tantos votos em eleições seguidas. “Fácil – respondeu o deputado. No dia da eleição, mando buscar o eleitor em casa, dou almoço e a metade de uma nota de vinte mil reis. No fim do dia, peço o título para vez se ele votou. Quando a minha eleição é confirmada, dou a outra metade dos vinte mil reis”. 

Qual a lição que se tira disso tudo? Esse foi só um fato que em presenciei, mas os candidatos sempre tiveram interesse de controlar os votos dos eleitores, reunindo-os nos chamados currais eleitorais.

A solução encontrada pelo TSE-Tribunal Superior Eleitoral foi recorreu à tecnologia de ponta. Eis que, em 1996, surgiu a urna eletrônica, hoje já usada em cerca de 35 países, adaptando as peculiaridades locais. Conforme documento divulgado pelo Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral, da Suécia, usam as urnas eletrônicas Suíça, Canadá, Austrália, Estados Unidos (alguns estados), México, Peru, Japão, Coreia do Sul e Índia (também em algumas regiões). Experimentalmente, República Dominicana, Costa Rica, Equador, Argentina, Guiné-Bissau, Haiti, México, Paraguai e mais outros as usaram.

Da mesma forma que há quem ache que a Terra é plana e que a pandemia de coronavírus é uma gripezinha, também há os que levantam dúvida sobre a segurança das urnas eletrônicas e advogam o voto impresso, sem se moverem para verificar (aceitando ou contestando com fatos concretos) a afirmação do TSE de “que os equipamentos possuem diversos recursos que possibilitam a auditagem, como o registro digital do voto, log da urna, auditorias pré e pós-eleição, auditoria dos códigos-fonte, lacração dos sistemas, tabela de correspondência, lacre físico das urnas, e identificação biométrica do eleitor, entre outros”.

Ora, no Brasil de hoje, com as facções criminosas (tipo o PCC), os traficantes e as milícias se infiltrando na política, o voto impresso ressuscitaria os currais eleitorais, com muito mais controle sobre os eleitores – basta pedir o tal papel. Em nosso país, já está ficando comum se sacralizar a imbecilidade e satanizar a ciência. Pessoal, pensar não doe. Façam um esforcinho, raciocinem sobre os fatos, alternativas e premissas, antes de saírem por aí semeando bobagens “à mão cheia” – com licença de Castro Alves.

 

Tribuna do Norte. Ata, 21 maio 2021.

 

 

 

SINTESE DE UMA VOCAÇÃO

Valério Mesquita*

O acadêmico padre João Medeiros Filho é do sertão, lá de Jucurutu, onde, Deus o sustentou na fé desde que nasceu. Sempre, manteve reflexões espirituais diante dos fatores imanentes e iminentes da vida. 

É um simples, não gosta de reuniões onde desfilam egos inflados. Suas crenças básicas estão fincadas na desafetação da vida como perpétuo e inalienável direito de existir, misturado ao povo miúdo, imagem e semelhança do Cristo, seu irmão. Nunca exercitou artificial adesão ao modismo litúrgico, plástico, aeróbico, difuso e mítico. No altar do Senhor ele é o donatário da capitania de Jesus ou capataz dos mistérios circundantes da fé. A sua homilia contêm a alma e o sumo das descobertas, interpretando em Mateus, Lucas, Marcos, João e Paulo, tudo que o Espírito Santo falou. O padre apenas persegue pontualmente os significados, a humana palavra necessária que todos queremos ouvir. No altar, nos repassa a unção e a certeza de que Deus existe.

A sua vasta experiência em vida acadêmica, direção e assessoramento superior em inúmeras instituições de ensino público e privado, oferecem-nos uma exata dimensão de sua experiência administrativa e cultural em cargos que ocupou.

O mais importante é que, com ele aprendi que soube sempre viver a alegria de sua pobreza material, território dos seus vãos e desvãos. Aqui e acolá fantasmas líricos apareceram para testemunhar o seu caminho de retidão. Triunfou sobre tudo, porque a sua angustia factual como sacerdote reside na tristeza de que o ser humano coisificou-se. Muita gente, perdeu a densidade, a identidade, a musculatura dos gestos e dos passos que fazem realmente a história da humanidade comum.

Nessa longa trajetória, sempre combateu o bom combate e nunca perdeu a lâmina da alma. Na atividade bibliográfica o seu labor foi extenso e genuíno nas origens e nas vertentes. Dos vinte livros publicados, três deles em idioma francês, versaram sobre temas sociais, religiosos, memorialísticos, históricos, publicados por editoras de prestígio nacional e internacional.

No céu estrelado de nossa amizade pessoal e litúrgica, ela passeia pela nostalgia que provém das nossas heranças telúricas de um tempo que a memória ainda não desfez. Juntos abominamos a marginalização dos pobres deste mundo que são hoje os mártires de ontem. Unidos, ainda procuramos nas conversas a terra habitada pelo silêncio e pela distancia das coisas, porque o nosso grito é cárcere privado e já não se faz pouco ouvido, nesse mundo de contradições de todo o gênero. Vejo-o e sinto-o ainda, até hoje, moderado e modesto como sempre o conheci. Tão sem vaidades que gosta de ser anônimo, fulano de um mundo diferente, distante, coletivo. Em Emaús, onde Jesus mandou Nivaldo Monte deixá-lo, ele sonha com as madrugadas de silêncio, como se estivesse numa pracinha do interior, povoada de alegrias simples de viver.

O que gosta mesmo é de conviver ao lado da gente simples, muito humana, que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleito antes da hora, e nem foge de sua mortalidade, tal como pensou e escreveu o grande Mário de Andrade. Ele ama a solidão consentida para ouvir e falar melhor com Jesus. Vez em quando, de Emaús em Parnamirim, vem a Natal para rezar missas gratuitamente e rever amigos. Está consciente que completa mais um périplo em torno do tempo, sem nunca haver desamado os frutos de sua vocação. João Medeiros guarda em si a beleza aflita dos despossuídos. Um salmo invisível resplandece sempre em seus gestos e movimentos cadenciados de humildade cristã. Eis a minha homenagem.

(*) Escritor


 

quinta-feira, 20 de maio de 2021

 

 



ORAÇÃO À SANTA PAULINA.
Antônio Guedes Filho - Mário de Farias Guedes - Misael de Farias Guedes


Glorificação à Santa Paulina

Glória à Santa Paulina na assunção!
Ininterrupta, "Coração de Jesus agonizante".
Divinamente afeiçoada ao nosso infinito,
Na luz do Espírito Santo.
Põe a benção do Senhor Criador sobre mim.
Ó, Alvissaras, Santa Paulina!
Iluminai todas as nossas subsistências:
A infância, a juventude e a senilidade.
Com vigor e a benevolência na fé, na paz, na justiça e na fraternidade.
Salve! A onipotência, ubiquidade do Nosso Pai.
Brademos!
Viva! A essência da Virgem Imaculada,
Nossa Mãe Santíssima
Ave Maria, cheia de Graça...
Ó, Santa Paulina, intercedei por mim,
Junto ao Pai Nosso!
Sumo (Senhor Deus) que estais no céu.
Vós que sois mãe.
Filha e irmã de todos nós.
Guardai-me, socorrei-me, dai-me prosperidade
Intrepidez e sabedoria
Glória ao Pai!
Acolhei a minha súplica.
Solicito, rogo, peço e imploro.
Auxilia-me a transpor estes momentos árduos.
Guardai-me de todos que queiram me prejudicar.
Protegei a minha família.
Para a sede, dai-me o teu vinho,
Para a fome, dai-me o teu pão.
Para as vestes, dai-me o teu linho,
Para os fracos de espíritos,
As tuas mãos
E para todos os teus filhos,
O teu perdão.
Amém.

 

terça-feira, 18 de maio de 2021

 


Os bordados e as rendas do Seridó potiguar

Padre João Medeiros Filho

Trata-se de uma tradição cultural, socioeconômica e artesanal da região seridoense, cuja origem provavelmente data do final do século XVI. Urge, por conseguinte, uma maior proteção desse patrimônio secular. Em que pesem outras informações, estamos diante de um legado, oriundo do Condado de Flandres. Este durou nove séculos (866-1795), tendo sido integrado aos Países Baixos (Nederland) em 1512. Reunia importantes municípios, compreendendo parte das atuais províncias de Altos da França, Flandres Ocidental e Hainaut. Floresceu com o setor têxtil (incluindo costura, bordados e rendas), dominando o comércio internacional do ramo. Sua capital administrativa era Lille (norte da França), porém Bruges (noroeste da Bélgica) tinha grande expressão artística e mercantil.

Desse encontro de culturas resultaram vários étimos, ainda hoje empregados nos produtos aqui manufaturados. É comum entre nós o emprego de palavras francesas (ou aportuguesadas), provenientes daquele condado, tais como: renaissance, richelieu, crochet, macramê, tricot, guipure, luneville, point perlé etc. Alguns tecidos guardam a nomenclatura primitiva: tricoline, laise, crepe, cambraia (da cidade de Cambrai). Plissé e godet são termos que continuam em uso na costura. Bélgica e Itália disputam o berço da renda de bilros, difundida em Portugal e suas colônias. Produzida em menor escala no Seridó, encontra-se mais na região litorânea do Nordeste. É bom lembrar o que consta na Sagrada Escritura: “O Senhor dotou-os [as] de habilidades para executar qualquer tipo de pintura, escultura e bordados.” (Ex 35, 35).

É inegável o valor artístico das rendas e bordados portugueses, especialmente os oriundos da Ilha da Madeira. Poderiam ter influenciado as artesãs norte-rio-grandenses. Entretanto, os do Seridó aproximam-se mais das renomadas “dentelles de Bruges”. Por isso, estudiosos e especialistas no assunto têm demonstrado que nossa arte é de origem flamenga. É reconhecida a presença neerlandesa, durante sessenta anos no Nordeste brasileiro, inclusive no Seridó. Os Países Baixos, indexando o Condado de Flandres, mesclaram sua cultura e civilização. E os holandeses, aqui chegando, deixaram sua marca artística.

Um passo importante foi dado, em junho de 2018, com o selo de indicação geográfica (IG), concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) a onze municípios do Seridó potiguar. O SEBRAE vem orientando as artesãs e suas cooperativas no atendimento às normas do INPI. Entretanto, há necessidade de pesquisas e conclusões teórico-técnicas para não se perder a originalidade e qualidade dos produtos. Na década de 1980, o Padre Pedro Neefs, pároco de Campo Grande, organizou um grupo de bordadeiras na Serra de João do Vale, vinculado à Associação comunitária dos trabalhadores avulsos e artesãos de Augusto Severo (ACTAS). Seu objetivo precípuo era manter a tradição cultural e garantir a sua originalidade, e não simplesmente colocar a produção no mercado.

As instituições de ensino superior do Seridó (públicas e particulares) necessitam dar a devida importância ao assunto. Ali, há vários tipos de graduação, mas inexistem cursos voltados para as especificidades culturais e artísticas da região. Os governos e as igrejas poderiam promover estudos para assegurar a fidelidade à tradição dos bordados e rendas. Cabe destacar o valioso contributo do primeiro bispo de Caicó, Dom José de Medeiros Delgado, fundando na sede diocesana a Escola Pré-vocacional – precursora do ensino profissionalizante – que se propunha a ensinar essa arte às jovens. Deve-se igualmente ao aludido prelado a criação, em 1943, da Escola Doméstica Popular Darcy Vargas (extinta em 1972), dedicada também à temática.

Outros estados brasileiros defendem criteriosamente suas tradições e história. Os gaúchos incentivam o conhecimento técnico-científico e acadêmico do vinho, churrasco e chimarrão. Os mineiros protegem seus queijos e cachaças com pesquisas e abordagens científicas. Deve-se evitar a apropriação indevida de nosso patrimônio. Seria uma ameaça à nossa identidade histórico-cultural. Há premência de um referencial teórico da herança flamenga legada à nossa gente. É preciso garantir que os produtos estejam de acordo com a sua proveniência.  Ressente-se, ainda hoje, da falta de estudos mais completos como suporte de fidelidade e qualidade de nossa produção. O apóstolo Paulo já dizia: Assim, pois, irmãos, permanecei firmes e conservai cuidadosamente as tradições que vos foram ensinadas.” (2 Ts 2, 15).