sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

 


 

PADRE MONTE, DOM JOSÉ E O LEMA DA ANRL

Padre João Medeiros Filho

Por sugestão de nosso confrade e amigo Professor Luiz Eduardo Brandão Suassuna, compartilhamos este texto sobre o inesquecível Padre Luiz Gonzaga Monte. Descendente de uma família pernambucana, nasceu em Vitória de Santo Antão, aos 3 de janeiro de 1905. Padre Monte e Dom José Pereira Alves, dois filhos ilustres da antiga Mauricéia (Mauritiustad), influenciaram a história cultural e literária do Rio Grande do Norte. Não se pode esquecer o Pernambuco das lutas revolucionárias e libertárias, de mãos dadas com os potiguares. Dentre eles, destaca-se Frei Miguelinho, patrono da cadeira nº 01 de nossa Academia. O frade carmelita foi professor do Seminário de Olinda, fundado por Dom Joaquim de Azerêdo Coutinho. A instituição era um centro de efervescência intelectual, em que debatiam os jansenistas, ultamontanistas e defensores do Catecismo de Montepellier. Tal entidade de formação eclesiástica foi a Alma Mater de Dom José Pereira, terceiro bispo diocesano de Natal (de 1923 a 1928), depois transferido para o bispado de Niterói. Era conhecido no Recife por Deão Pereira (presidente do cabido metropolitano). Exerceu também as funções de reitor da instituição onde estudou. Ainda jovem, com pouco mais de trinta anos, foi eleito membro da Academia Pernambucana de Letras (posteriormente das academias fluminense e petropolitana) e de outras agremiações literárias e científicas. Em Natal, tornou-se um grande amigo e admirador do Cônego Luiz Gonzaga Monte, que foi por ele ordenado e escolhido para ser seu secretário particular. Havia empatia intelectual e literária entre ambos.

Sobre Padre Monte destacaremos duas referências: a primeira da lavra do ilustre prelado que o ungiu sacerdote:

O discurso [no dia de sua ordenação] por ele improvisado foi admirável, impecável, primoroso, tanto quanto à forma como pelos conceitos. Confesso que tive, nesse dia, como em nenhum outro, a revelação da extraordinária capacidade de Monte.

A segunda vem do escritor potiguar Nilo Pereira, imortal da Academia Pernambucana de Letras e da nossa ANRL:

Foi o Padre Luiz Gonzaga Monte o orador que Natal tão intensamente aplaudiu, podendo filiar-se aos Bossuets e aos Vieiras. O homem recolhido, o pesquisador solitário, o humanista admirável, capaz de valer sozinho uma Academia.

O Cônego Monte lia, comentava e sugeria respeitosamente alterações nos escritos de autoria do seu bispo, que seriam publicados em jornais e periódicos especializados de Natal e alhures. Dom José, quando assumiu o bispado de Niterói, chegou a declarar: Pensei muito (até fui tentado) em trazer Monte comigo. Mas, não seria justo privar o RN da presença de seu gênio, ocasionando tamanha orfandade.

Em trabalhos dirigidos aos eclesiásticos, o então bispo do Rio Grande do Norte falava constantemente das academias de letras e sua importância na vida da Igreja. Não media palavras para aconselhar seus padres a ter uma profundidade intelectual e literária, ao lado da mística e espiritualidade. Na antiga capital fluminense, incentivou sacerdotes a ingressar nas academias de Niterói e Petrópolis. No RN, não fez por menos. Não teve a felicidade e a graça de ver de perto, mas veio a saber, vibrou e se alegrou muitíssimo com a entrada de seu estimado amigo e colaborador Padre Monte na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.

Nessa instituição, a influência católica e clerical é acentuada, o que se pode notar pelos patronos de seis cadeiras. Isto é registrado por Bruna Rafaela de Lima Lopes, doutora em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos (São Leopoldo/RS) e docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN. Assim afirma aquela pesquisadora:

O padre Luiz Monte, principal intelectual católico natalense nas décadas de 1930 e 1940, teve uma participação decisiva na formação da ANRL..., ao lado do seu principal idealizador Luís da Câmara Cascudo. (Cf. Academia dos católicos: patronos e primeiros acadêmicos da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras in Revista Eletrônica História em Reflexão: Vol. 10 n. 20 – UFGD – Dourados, jul/dez – 2016).

Cabe salientar que o incentivo episcopal de Dom José Pereira Alves marcou outros presbíteros diocesanos potiguares. Seria desmerecedor não citar a iniciativa de Monsenhor José Alves Ferreira Landim, como descreveremos a seguir. Alagoano de nascimento, natural de Pão de Açúcar, inicialmente pertenceu ao clero olindense. Aqui exerceu seu sacerdócio, tendo sido colega de seminário de Dom José, que o trouxe para este bispado junto com o Padre Ambrósio Silva. Este marcou a vida pastoral de Acari, Cruzeta, Jucurutu e Florânia.

Imbuído da beleza da vida das academias, Monsenhor Landim fundou em Natal a Academia Potiguar de Letras, em 1956, extinta anos depois. Se a professora Bruna Rafaela denomina a nossa ANRL, em suas origens, academia dos católicos, é porque não teve ainda a oportunidade de analisar os primórdios da Academia Potiguar de Letras. Monsenhor Landim, seu organizador, convidou nove eclesiásticos para compor os quadros daquela agremiação cultural e literária. Encabeça a lista o Arcebispo Metropolitano de Natal, Dom Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas. Este escolheu como patrono Dom José Thomaz Gomes da Silva, homem culto e letrado, o segundo potiguar a ser elevado à dignidade episcopal (integrante do clero norte-rio-grandense), como primeiro bispo da diocese de Aracajú (de 1911-1948).

Monsenhor Landim convidou ainda Cônego Eymard L´Éraîstre Monteiro (secretário do arcebispado), Monsenhor Paulo Herôncio de Melo (pároco de Currais Novos) e Cônego Nivaldo Monte para pertencer à novel academia. Foram instados a ingressar na APL os presbíteros Emerson Negreiros, Luiz Wanderley, Bianor Aranha e Ulysses Maranhão, os quais declinaram da honraria. Por sugestão de Dom Marcolino, juntou-se a este grupo o Comendador Ulysses Celestino de Góes, pois, segundo o alvitre do metropolita potiguar, enquanto dignitário pontifício, isto é, Comendador da Ordem de São Silvestre, merecia ser incluído no rol dos membros eclesiásticos, como se clérigo fosse.

Convém registrar que a APL não dispunha de sede própria. Reunia-se em instituições religiosas católicas, notadamente no Ginásio São Luiz (de propriedade de Cônego Eymard), no auditório do Colégio Marista e nas dependências da nova catedral natalense (que estava sendo construída, situada na outrora Praça Pio X, 335) com aquiescência de Dom Eugênio de Araújo Sales, então bispo auxiliar. Isso configura forte vínculo eclesiástico.

A vida literária e a produção científica de Padre Monte mereceram com justiça da parte de nosso confrade Jurandyr Navarro um estudo acurado e um tratamento à altura da produção intelectual do saudoso Padre Monte. Dentre tantas obras, importa destacar a Antologia do Padre Monte (em dez volumes). Gostaríamos de tecer algumas considerações sobre as quatro sugestões de autoria do preclaro sacerdote para o lema de nossa Academia.

Ad lucem versus. Sugestão acolhida e adotada, como dístico de nossa ANRL. É passível de várias traduções, tais como: voltado para a luz, em direção à luz, em busca da luz. Virgílio possui algo semelhante: versus ad sidera (voltado para as estrelas ou o Infinito). Padre Monte, homem de vasta e profunda erudição, além de outras ciências e de seu largo conhecimento da língua do Lácio e outros idiomas, era um estudioso de astronomia e mineralogia. O sábio sacerdote era também pesquisador sobre tungstênio (scheelita) e suas minas no Seridó. Viveu com seus pais em Currais Novos, onde cedo se interessou pela mineralogia. Na década de 1930, foi vigário por alguns meses em Caicó, motivo pelo qual estendeu suas pesquisas em todo o Seridó. Embora haja analogia com Virgílio, o lema adotado pela ANRL tem sobretudo a marca e a influência do Evangelho, quando cita a Luz, em alusão a uma das alegorias do evangelista João, em que Cristo se define: Eu sou a luz do mundo (Jo 8, 12). Não é desmedido nem despropositado afirmar que o referido dístico acadêmico se aproxima da frase evangélica. Há quem queira também relacionar o lema com um velho axioma cristão medieval Ad lucem per crucem (Pela cruz para a Luz).

A segunda sugestão Ducitur in altum pode ser traduzida por caminhar para o alto. O termo altum, em latim, tem dois sentidos: alto e profundidade. Nota-se aqui a presença do Evangelho de Lucas (cf. Lc 5, 4), quando Cristo manda seus apóstolos, após uma noite inteira de pesca infrutífera, jogar as redes mais para as profundezas: Duc in altum. Nestas duas sugestões, percebe-se a influência da tradição eclesiástica dos escudos e heráldicas episcopais e abaciais, cujos lemas consistem geralmente de uma expressão latina composta de três palavras.

A terceira possibilidade de um eventual dístico acadêmico distancia-se do contexto religioso-clerical. No entanto, sofre influência da poética latina: Viteus lumi, sidera corpe, que poderá numa tradução portuguesa se dizer: cheio (literalmente embriagado) de luz, chegar-se-á às alturas (literalmente ao âmago das estrelas). É mais uma analogia a Virgílio, cujo termo sidera costuma aparecer em sua obra poética. Apesar da inexistência explícita de conotação e elementos religiosos nessa sugestão do Padre Monte, verifica-se a influência do poeta Virgílio em sua formação cultural.  Nesta versão, Monte não segue a tradição dos distintivos de dignitários eclesiásticos compostos de três vocábulos. Porém, a métrica latina com suas sílabas breves e longas, ao escandir versos, é uma tônica das duas últimas sugestões de Padre Monte. Por último, cabe informar a incidência do vocábulo sidera nos versos de Virgílio presente em dísticos, lemas e insígnias de instituições culturais e literárias. Assim, a Academia Potiguar de Letras tinha como seu lema Ad sidera semper (sempre para as alturas), texto da lavra de outro grande latinista potiguar Dom José Adelino Dantas, segundo bispo diocesano de Caicó (RN).

 A quarta e última sugestão consiste nos versos latinos Tellus premat certus artus, trahant sidera verticem, cuja tradução mais livre seria: Firma os pés na terra para alcançar as estrelas. Padre Monte revela mais uma vez a sua verve poética, oferecendo-nos perfeitos versos alexandrinos ou duodecassilábicos (com as contrações e ablações de sílabas, características do versejar). Constata-se na referida sugestão analogia a uma ode de Horácio: Os pés na terra e os olhos voltados para o Infinito. O Profeta Isaías escreveu algo semelhante: Erguei os olhos para o alto (Is 40, 26). Padre Monte transparece a sua formação humanística, cristã e eclesiástica. Ele transitava do sagrado ao profano, do coloquial ao científico, sem proselitismo, unindo sempre fé e ciência.

É importante lembrar que, após seis dias da fundação da ANRL, Padre Monte escreveu um extenso e profundo artigo em A República, intitulado Nossa Academia de Letras, perorando com os seguintes termos:

O homem de letras precisa mergulhar na corrente da vida e nunca se isolar na anacrônica torre de marfim. Bem sabemos que a arte tem sua finalidade própria, e nesse caso é soberana, mas o artista é humano, e o fim do homem supera e governa o fim da arte.

[] Já se vê que não estamos aqui para bater palmas a qualquer literato nem defender qualquer literatura. Releva dizer que o primado do Espírito que defendemos contra a supremacia da Matéria – com todo o seu cortejo tecnicista e economista – não se contenta com o simples prestígio da inteligência. Há realidades espirituais que ultrapassam os limites da razão.

Este trecho encantava Dom João Batista Portocarrero Costa, um dos grandes expoentes da oratória sacra que passou pelo Rio Grande do Norte. Foi o segundo bispo de Mossoró, ex-aluno de Dom José Pereira Alves, quando reitor do Seminário de Nossa Senhora da Graça, do Alto da Sé, em Olinda. E consoante alguns padres da Arquidiocese de Niterói, seu nobre antístite sempre relia esse artigo, citando-o em palestras nos retiros para padres e religiosos. Conta-se que foi um dos últimos textos por ele lidos. Cabe informar que o escrito chegou às suas mãos por meio de Dom Portocarrero Costa, que por sua vez o recebeu do seu amigo e futuro colega no episcopado, Dom Nivaldo Monte.

Dom José Pereira Alves tinha a ANRL como parte de sua vida e seu episcopado, considerava-se um de seus membros na pessoa do santo e sábio Cônego Monte, segundo confidências ao Cardeal Dom Jaime de Barros Câmara. Este fora o primeiro bispo de Santa Luzia, de Mossoró e antecessor de Dom João Portocarrero.

De acordo com a professora Bruna Rafaela, aqui anteriormente aludida, em seu brilhante estudo intitulado Cientista, sábio e santo: Padre Luiz Gonzaga Monte na interpretação cascudiana, Luís da Câmara Cascudo assim se expressou: Em Padre Monte existia um cientista, homem de letras e, sobretudo, um sentimento incomum de humildade e bondade. Nesse sentido, declarou ainda Cascudo, o qual conviveu de perto com Padre Monte, antes da fundação da ANRL e durante seis anos, após a sua criação:

O cônego Luiz Gonzaga Monte aprendeu sozinho a ser sábio. Foi a cultura mais ampla que possuímos... Era um ‘poço de ciência’ com raros meios para trazê-la aos nossos lábios. Monte era modesto... Sua vida foi, como dizia Luís de Camões, ‘um solitário andar por entre as gentes’...”.

Se aqui estivesse fisicamente entre nós, todos teriam para onde correr, a quem escutar, a quem seguir sem exigir dele nenhuma palavra. Bastaria olhá-lo e senti-lo, refletindo Deus. Segundo ex-alunos e coetâneos, Padre Monte confessava que gostaria de terminar seus dias num mosteiro trapista.  Os monges dessa ordem religiosa não falam. Apenas escutam o silêncio de Deus. Como Exupéry afirmava, no silêncio alguma coisa irradia. Outrossim se expressava Santa Teresa d´Ávila, o silêncio é o eco tácito do Eterno.

Padre Monte iniciou sua vida em plenitude, aos 28 de fevereiro de 1944, acreditando nas palavras de Santo Agostinho: Mors vere dies natalis hominis (a morte é o verdadeiro natalício do ser humano). Colegas, confrades e amigos – dentre eles seu polemizador maior: o médico e acadêmico Esmeraldo Homem de Siqueira – afirmam que no quarto do hospital, perto do seu leito de morte, havia uma janela. Minutos antes de seu último átimo, inclinou a cabeça para ela, com os olhos fitos no céu, sidera verticem et ad lucem, como escrevera em suas sugestões de lema para a nossa Academia!

Nada melhor que terminar com as palavras de Dom Nivaldo Monte, proferidas na missa exequial de seu irmão, o Cônego Luiz Gonzaga Monte:

Morreu, mas não se aniquilou. Vive nas almas por ele buriladas, em cada elemento da verdade por ele conhecido, em cada parcela de virtude por ele amada, em cada trabalho por ele realizado. Vive na verdade que viceja nas inteligências por ele desbravadas. Não, ele não se afastou! Está presente, porque a sua morte cristalizou dentro de nossa alma a presença de seus ensinamentos na intensidade de uma lembrança amiga!

João Medeiros Filho é sacerdote católico. Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL, Academia Mossoroense de Letras – AMOL, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN.

 Herpes Zoster ou cobreiro 

 Daladier Pessoa Cunha Lima Reitor do UNI-RN 

As doenças virais, por vezes, são difíceis de se entender. Não seguem uma lógica padrão, a exemplo da maioria das doenças, conforme a sequência da fisiopatologia. A mais recente doença viral que se tornou numa pandemia, a Covid 19, além do rastro de mortandade e de sofrimento mundo afora, também revelou casos totalmente anômalos, na prevenção, no diagnóstico e no tratamento. Diante de tanta dúvida, de tanta celeuma, o melhor caminho é seguir a boa ciência, no intuito de acertar mais, ou até, de errar menos. Um dos principais vírus que exibe excêntrica explicação para as doenças que provoca, é o causador da varicela e do herpes zoster. É o mesmo agente etiológico, nominado vírus varicela zoster, causador de duas doenças totalmente diferentes. Uma pessoa que se curou da varicela ou catapora, mantém dentro do organismo, nos gânglios neurais sensoriais, o agente causador dessa virose, na espreita para voltar a atacar, a fim de se revelar sob o diagnóstico de herpes zoster ou cobreiro. O momento provável do ataque ocorre quando a imunidade se reduz por algum motivo, seja por uma doença grave, por tratamento imunorredutor ou mesmo pelo avanço da idade. Na Folha de S. Paulo, li recente matéria que aborda pesquisa realizada pela Universidade Estadual de Montes Claros, MG, a qual encontrou um crescimento de 35,4% nos casos de herpes zoster durante o primeiro ano da Pandemia de Covid 19. Os motivos não foram totalmente esclarecidos, mas há suspeitas de que estejam relacionados ao aumento de estresse, ansiedade e depressão, que podem conduzir a uma baixa de imunidade. Nessas eventualidades, o vírus varicela zoster pode retornar ao ataque, repito, não para reativar a catapora, mas para ativar o herpes zoster. No mínimo, é algo estranho, um mesmo vírus levar a dois diagnósticos diversos. Porém, na arte médica, há uma frase que aqui se aplica muito bem: “Na medicina, como no amor, nem sempre, nem nunca”. O herpes zoster ou cobreiro não se enquadra no rol das doenças graves, mas, na maioria dos casos, reveste-se de dor que muito maltrata a pessoa doente, e que precisa receber a devida atenção médica. Os sintomas, geralmente, começam com a sensação de queimação e ardor em uma área da pele, e, em seguida, surge a dor em fisgada. O mais comum é iniciar em uma área no meio de um dos lados do tórax, com lesões típicas, pápulas e bolhas, as quais seguem o trajeto de um nervo, em direção às costas. Essas lesões, gradativamente, vão se tornando mais dolorosas. Podem ocorrer sintomas gerais, como febre baixa e cefaleia. O tratamento, que deve começar o quanto antes possível, faz-se com antivirais e medicamentos para dor. Com os cuidados médicos corretos, o cobreiro permanece ativo por cerca de 15 dias. Em alguns casos, a dor pode persistir por meses, compondo o quadro da neuralgia pós-herpética. A prevenção se faz com a vacinação. No Brasil, estima-se que quase toda a população acima de 40 anos alberga em seu organismo o vírus varicela zoster. Na minha prática médica, acompanhei alguns casos de herpes zoster. Hoje, ao escrever este texto, estou sofrendo os efeitos do ataque do vírus da catapora, que tive há cerca de 70 anos. É isso, descuidei da vacinação. Agora, é torcer para não sofrer da neuralgia pós-herpética. Texto publicado na Tribuna do Norte, em 24/11/2022

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

 


UM PROFETA DO NOSSO TEMPO

 

Valério Alfredo Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

O escritor, jornalista, advogado e professor Otto de Brito Guerra nasceu em 02 de julho de 1912, na cidade de Mossoró. Em julho passado foi comemorado os seus 110 anos de nascimento. Foram seus pais Felipe Neri de Brito Guerra, desembargador e escritor e sua mãe senhora Maria Gurgel.

Formado em direito pela Faculdade do Recife, turma de 1933, era amigo do macaibense Octacílio Alecrim. O professor Otto Guerra teve uma vasta atuação no cenário intelectual do estado. Foi um dos fundadores da Academia Norte-rio-grandense de Letras, advogado, promotor público, consultor jurídico, professor de Direito Civil, Comercial e Trabalhista. Some-se ainda o trabalho como jornalista, ensaísta e intelectual católico. Teve o reconhecimento da Santa Sé quando condecorado Comendador da Ordem de São Gregório Magno, destacado como membro da Comissão Pontifical do Vaticano.

Sua pesquisa era vasta e metódica. Publicou cerca de vinte livros e inúmeras monografias, entre as obras principais destacamos: “A Batalha das Secas” (1950), “Necessidade de Renovação da Família” (1965), “O Desenvolvimento a Serviço do Homem” (1973), “Tragédia e Epopeia do Nordeste” (1983), “Vida e Morte do Nordestino” (1989).

Iniciou a carreira jornalística em 1928, trabalhando e escrevendo no “Diário do Natal”, à época, periódico católico da Diocese de Natal. Foi redator e depois diretor do jornal “A Ordem” de 1935 a 1963. Escrevia semanalmente nos jornais locais, integrando ainda a direção do semanário “A Verdade”, da Arquidiocese de Natal.

Educador emérito foi um dos fundadores da Escola de Serviço Social e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, da qual foi 2º vice-reitor, sendo igualmente professor e diretor da então Faculdade de Direito por dez anos.

Como membro do Conselho Estadual de Cultura, proferiu parecer favorável ao tombamento das ruínas do Casarão de Guarapes, em Macaíba, no ano de 1991. Foi casado com a macaibense Catarina Selda de Castro Guerra, com quem teve 13 filhos.

O Dr. Otto de Brito Guerra estava assistindo missa na capela do Colégio Marista, quando se sentiu mal. Socorrido, não resistiu e faleceu no dia 16 de março de 1996.

Mas, o que impressionava nele era o lado humano, modesto, quase canonizado em vida. O propósito fundamental parecia aproximar-se de Jesus com a mansidão de José, o carpinteiro. Chegava a todos nós com linguajar simples com o fito de pacificar o ser com a doutrina católica. Albert Camus disse que “não há ordem sem justiça”. Essa reflexão me conduz à epopeia dos livros do mestre Otto que tratam da realidade do nordeste, a bravura do povo e o seu amor telúrico, perdidos nas várzeas como rudes matérias, “transformadas em poesia” na evocação do seu aluno Deífilo Gurgel, já falecido. As secas, a defesa da família e a tragédia do homem nordestino são focos luminosos de uma visão literária de pesquisador, estudioso do Direito e professor da juventude. Os estudos publicados, estou convencido, são o melhor que temos dentro do pensamento social da Igreja no Rio Grande do Norte, abordados com sinceridade e transparência como católico praticante.

Foi líder da doutrina social defendendo que Jesus Cristo é o melhor que a humanidade produziu. Esse homem simples, abordável, sensível, solidário, excelente esposo e pai, creio que o horizonte da história cultural do Rio Grande do Norte se empobreceria se ele caísse no esquecimento. Salve, portanto, os seus 110 anos de nascimento.

(*) Escritor.

domingo, 27 de novembro de 2022

 

Obediência eleitoral
​A Justiça Eleitoral brasileira, como sabemos, é composta: (i) pelo Tribunal Superior Eleitoral, com sede em Brasília e jurisdição em todo o país; (ii) por um Tribunal Regional em cada estado e no Distrito Federal; (ii) pelos vários Juízes Eleitorais; (iv) e pelas (hoje mui esvaziadas) Juntas Eleitorais. Ramo especializado do Poder Judiciário, como informa o próprio TSE, sua atuação se dá em três esferas: (i) administrativa, organizando e realizando as eleições periódicas, os referendos e os plebiscitos, além de ser responsável por todo o cadastro eleitoral, tanto dos eleitores como dos partidos políticos e candidatos; (ii) regulamentar, regulando e normatizando o processo eleitoral propriamente dito; (iii) e jurisdicional, processando e julgando as lides eleitorais. Pondo de lado aquelas de carne e osso, sua maior celebridade é uma tal “urna eletrônica”, na qual todos votamos, de dois em dois anos, mas que também pode ser utilizada por entidades públicas e instituições de ensino a título de empréstimo, em eleições parametrizadas, assegurando-lhes o apoio e o suporte necessários à realização do pleito, com vista a difundir os serviços desenvolvidos pela Justiça Eleitoral e garantir a livre manifestação da comunidade, conforme prevê a Resolução-TSE nº 22.685/2007.
Por falar em resolução, sou de um tempo em que não existiam movimentos deliberadamente orquestrados para enfraquecer o fundamental papel normativo/decisório da Justiça Eleitoral no exercício da nossa Democracia. Sou de um tempo, por exemplo, de grande respeito ao poder normativo da Justiça Eleitoral, exercido mediante as famosas “resoluções” (em resposta ou não às denominadas “consultas”), que são verdadeiros atos normativos editados pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pelos Tribunais Regionais Eleitorais acerca de qualquer tema de direito eleitoral, tais como elegibilidade, coligações, prazos, pesquisas, propaganda e voto. A imensa maioria dos operadores do direito reconhecia (e os juristas de boa-fé ainda reconhecem) que as resoluções, por sua própria natureza, deviam ser seguidas pelo próprio tribunal que a deu e pelos tribunais e juízes a quo (se dada pelo Tribunal Superior Eleitoral, pelos Tribunais Regionais Eleitorais e pelos juízos eleitorais de primeiro grau; se dada por um Tribunal Regional Eleitoral, pelo próprio e pelos juízos eleitorais daquele estado). Todos seguiam as decisões da Justiça Eleitoral – os seus órgãos/juízos, os partidos, os candidatos, as autoridades constituídas etc. – e o jogo da democracia seguia. Era a consagração do nosso Estado Democrático de Direito.
Nunca é demais lembrar as naturais peculiaridades do processo eleitoral – entre outras, a máxima celeridade, a conveniência de se reduzirem os litígios e a necessidade para a democracia de uma previsibilidade do que é o direito –, que é muito mais administração judicial de questões de máxima relevância (as eleições no país) do que atividade jurisdicional propriamente dita.
No mais, a nossa Justiça Eleitoral e a célebre urna eletrônica, em particular, sempre foram razões de orgulho. Nacional e internacionalmente. Vide o recente caso das “midterms elections” nos EUA: vários dias para se saber quem controlará o Senado americano; semanas para se saber quem controlará a Câmara. Entre nós, temos o resultado das eleições gerais em um tico de horas.
Mas alguns insistem em macaquear o “lado sombrio da força” ianque. Adaptando delírios ao Brasil, prévia e deliberadamente atacam a Justiça Eleitoral, para, ao cometer ilegalidades (que vão bem além das já gravíssimas fake news), acusarem ela, a Justiça, que apenas cumpre o seu papel disciplinador, de ser parcial. Tirando barato, isso é uma imitação da prática nazifascista de desacreditação das instituições, em especial o Judiciário. Afinal, para alguns, nada pior do que “ainda existirem juízes em Berlim”. Com teorias super-uber-hiper conspiratórias, alegam até fraude nas eleições que seus candidatos também venceram. Nonsense, para dizer o mínimo.
​Dito isso, chegamos ao estado atual das coisas, o ano eleitoral de 2022, que “não acaba”, com alguns ainda berrando, nas cancelas dos quartéis, como vivandeiras perdidas, por não sei nem o quê. “Golpe militar em prol da democracia ou da liberdade” – é isso mesmo, cara pálida? Bom, de toda sorte, para quem arenga com os números, com a matemática dos votos, qualquer nonsense pode parecer patriótico.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL