quinta-feira, 25 de julho de 2024

Sant’Ana, tradição e culto Padre João Medeiros Filho A devoção a Sant’Ana está entre as mais antigas tradições católicas. Detém grande popularidade entre os fiéis cristãos. Por ser a genitora da Mãe de Cristo, lhe são atribuídos vários privilégios, como obter rapidamente favores celestiais. Ela intercede na condição de avó “Daquele que faz maravilhas” (Sl 136/135, 4). No Brasil, a devoção se espalhou durante o período colonial, graças à veneração da corte portuguesa. O garbo e esplendor do barroco proporcionaram belas esculturas de Sant’Ana que hoje adornam imponentes altares de nosso país. No Oriente, o culto à mãe da Virgem Santíssima é antigo, consolidando-se no século VI. No Ocidente, introduziu-se anos depois. Em 1584, o Papa Gregório XIII fixou a data de 26 de julho para sua festa litúrgica. A devoção à esposa de Joaquim era tão forte entre os fiéis, a ponto de lhe concederem o título de “Senhora”, outorgado pela tradição à Virgem Mãe de Deus. Muitos católicos passaram a chamá-la de “Nossa Senhora Sant’Ana”. Assim é cultuada, especialmente, no Seridó potiguar. Em 710, as relíquias da avó de Jesus foram levadas de Israel para Constantinopla e posteriormente distribuídas para várias igrejas. A maior delas ficou num santuário que lhe fora dedicado, em Düren (Alemanha). Há poucos dados históricos comprovados a respeito dos pais de Maria de Nazaré. As referências sobre eles chegaram até nós por meio do Protoevangelho de Tiago, um livro que data provavelmente do primeiro século do cristianismo. Apesar de não integrar os evangelhos reconhecidos como oficiais pela Igreja, trata-se de importante obra histórica. É citado em diversos escritos da Patrística Oriental, como os bispos Epifânio de Salamina e Gregório de Nissa. O nome Ana deriva de “Hanna” (hebraico), cuja etimologia é graça divina, Deus tem misericórdia. Era descendente da família de Aarão e seu esposo Joaquim, da estirpe real de Davi, cujo nome bíblico significa: “confirmado por Deus”. Nesse casal encontra-se parte da nobreza da genealogia de Cristo. Ana casou-se jovem como toda moça de seu tempo. A tradição diz que seu marido era um homem de posses e bem situado na sociedade, relacionando-se com pessoas de todo Israel. Frequentavam as cerimônias e festas do Templo de Jerusalém. Ali, ao lado da Piscina de Betesda, está situada uma basílica, em honra à mãe da Virgem Imaculada. Há relatos de que Sant’Ana era estéril. Não conseguia engravidar, decorridos anos de casamento. Os conhecimentos científicos de então imputavam a esterilidade somente às mulheres. À época, eram consideradas não abençoadas por Deus. Consequentemente, o casal sofreu humilhações, sendo censurado pelos sacerdotes por não gerar filhos. Isto fazia com que ambos padecessem muito. Entretanto, eram pessoas de profunda fé e confiavam em Deus, apesar de todo o sofrimento. Joaquim resolveu retirar-se para o deserto a fim de rezar e fazer penitência. Nessa ocasião, um anjo lhe apareceu e disse que suas orações foram ouvidas. Igualmente, o mensageiro celestial visitou sua esposa, confirmando que as preces do casal haviam sido atendidas. “Ana, teu choro foi ouvido. Conceberás e darás à luz e por toda a terra tua descendência será lembrada”, disse-lhe o arauto divino. Assim, pouco tempo depois, Ana engravidou. Através das provações, Deus estava preparando o lar para o nascimento de Maria, a Virgem pura, isenta de pecado. Segundo algumas fontes, no dia 8 de setembro entre os anos 20-16 A. C., nasceu uma linda menina, à qual deram o nome de “Miriam”, que em hebraico significa Senhora da Luz. A Mãe do Salvador foi concebida por aquela que todos diziam ser infértil. Os pais de Nossa Senhora são de fundamental importância na história da salvação, não apenas pelo nascimento da Corredentora, sobretudo pelas virtudes e educação da futura Mãe do Redentor do Mundo. Os genitores de Maria Santíssima são um exemplo de fé profunda, acreditando que “para Deus nada é impossível” (Lc 1, 37). Sua vida e exemplo mostram-nos o poder e a força da oração. A prece não é nenhum monólogo. “Pedi e vos será dado, procurai e achareis, batei e a porta vos será aberta” (Mt 7, 7), recomenda-nos o Mestre.

segunda-feira, 22 de julho de 2024

ALUMBRAMENTOS Valério Mesquita* mesquita.valerio@gmail.com Mantenho reações conservadoras diante dos fatores imanentes e iminentes da vida. Sou devoto dos hábitos e da retórica provinciana do interior. O costume secularizado da cadeira na calçada, da brisa sedutora do fim de tarde, do grito heróico do vendedor de cuscuz e mugunzá ainda me apascentam. São crenças básicas na simplicidade da vida como perpétuo e inalienável direito de existir, misturado ao povo miúdo, posto ser melhor do que o absolutismo dos donos do palanque e da burguesia consumista e desfigurada pelo cinismo materialista. Mas fui tomado pelo fascínio de mesclar o real e o imaginário. Não exercito artificial adesão ao modismo. Nenhum vestígio que se possa recolher da minha travessia terrena não passará da impressão de algo plástico, aéreo, estelar, humano e sobre- humano, difuso mas cintilante, místico e mítico. No meu bairro sou donatário da capitania não hereditária. Ou seu capataz dos mistérios circundantes como Cláudio Emerenciano e Vicente Serejo, hoje em Morro Branco. Não renegam a horizontabilidade urbana de onde extraem a alma e o sumo das verdadeiras descobertas. A minha rua em Lagoa Nova é modesta. A iluminação pública espalha no calçamento parnasiano a luz mortiça amarela, qual um abajour lilás. No céu estrelado passeio a nostalgia que vem da herança telúrica de um tempo que a memória ainda não desfez. O rio, a casa, a lua, a calçada, as aparições noturnas. Minha angustia factual e meu desespero tipicamente social estão inseridos no contexto das doenças que as seguradoras de saúde não cobrem. Componho o universo sensível, ferido, por vezes amargo e infeliz, que abomina a marginalização dos pobres, dos velhos, das crianças, vítimas do perverso sistema econômico-social. Por isso procuro a terra habitada pelo silêncio e pela distância das coisas, porque o meu grito é cárcere concreto e real e já não se faz mais ouvido. Conforta-me que as palavras não são fugazes nem constituem perdas instantâneas. Meu canto é harmônico sem divagações nem desvios, embora as tensões e os influxos se cruzem, se choquem mas não se anulam. Volto a minha ruazinha comum. Nela não residem poderosos. Afinal, sozinho perscruto a tolice dos seus mistérios visíveis e invisíveis. Não há muito que sonhar. Como mergulhador penetro nas ruínas da alegria de sua pobreza, sem jardins, às vezes, sem chananas, refletores ou praças. Rua opaca, empírica, apenas onomatopaica. Mas, é o território dos meus vãos e desvãos. Nem fantasmas líricos e bufões aparecem. Somente vislumbro minhas relíquias imemoriais da infância e da adolescência. Restos sagrados nos olhos de quem é intimo da ilusão, eterno aprendiz de um mundo de contradições, mas também repleto de lembranças antigas e serenas. Tudo torna minha rua como a quero ver. Mas, há quem não goste da época chuvosa e fria dos últimos dias. Só não podem negar que o vento e o frio, elementos naturais de Deus, exercem poderosa força proustiana em busca do tempo perdido em cada um de nós. São como se fossem energias cósmicas renováveis provindas de antiquíssimas mutações planetárias. Até porque elas são geradas na atmosfera terrestre. Não quis ir tão alto. Prefiro a humanidade comum das coisas simples de explicar. E, às vezes, o pior é que elas não são tão simples como parecem. Por isso, volto à solidão do meu quarto, onde permaneço em comunhão com a frialdade da madrugada incomum, mas hospitaleira. Sei que mais tarde terei outra sinfonia. A dos pardais, logo nas primeiras horas da matina, como se vaiassem o sol emergente. Diante de tudo, e apesar de tudo, a quem foi concedido o direito de desconhecer tais coisas: o vento, o frio e a chuva? Termino dizendo que elas estão, não somente fora de nós, mas, principalmente, dentro de nós. (*) Escritor.

domingo, 21 de julho de 2024

Carta de Amor - TEMPO DE LEMBRAR Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes No longínquo ano de 1936, o dia 21 de julho amanhecia mais rico com o nascimento de THEREZINHA ROSSO GOMES, filha dos italianos Rocco Rosso e Rosina Lovisi, tendo os seus primeiros dias na casa de Dona Georgina, defronte à Igreja do Rosário dos Pretos, no bairro da Cidade Alta. No passar do tempo foi encontrando outros pousos até a casa da Rua Meira e Sá, 118, no Barro Vermelho, vizinha à casa 120, da família do Doutor José Gomes da Costa e Dona Lígia onde, em 1948 conheceu este articulista, molequinho vindo de Macaíba, cheio de sonhos. Desse tempo em diante passamos a sonhar juntos até 31 de março de 2019, quando celebrou a sua Páscoa final, deixando um rastro de 71 anos de convivência, sempre no mesmo bairro, onde concebeu quatro filhos – Rosa Ligia, Thereza Raquel, Carlos Roberto e Rocco José, ampliando o casal com os netos Lucas Antônio, Carlos Victor, Raphael, Gabriela, Maria Clara, Guilherme e Carlos Neto. Em que pese a ausência física, nunca deixamos de comemorar os encontros, natalícios e outros momentos, com a lembrança de sua pessoa, pois foi o que ensinou para todos nós – a despeito de ausências – a vida deve ser comemorada. Assim aconteceu no dia imediato à sua vigem final, quando no dia primeiro de abril fizemos, todos com lágrimas contidas, o aniversário de Maria Clara. Tais gestos não representam coisas mórbidas, mas acontecimentos sublimes da verdadeira imortalidade, através da sua foto à frente da mesa posta. Hoje não poderia ser diferente – está programada a comemoração dos seus 88 anos de nascimento, eternizando a pessoa da mais bela flor do nosso jardim, com a sua presença espiritual ampliando o amor que plantou na vida física. Desnecessário dizer que a saudade está plantada em todos nós, mas igualmente as belas lembranças dos instantes lúdicos, sábios, conciliadores que nos brindou numa existência de luz permanente. Parabéns, minha beija-flor, e obrigado pelo que nos ensinou por tantos e tantos anos.

terça-feira, 16 de julho de 2024

Conviver, arte delicada Padre João Medeiros Filho Atualmente, o desrespeito e a agressividade nas relações entre as pessoassão frequentes. Aumenta a dificuldade ou inabilidade em saber conviver. Muitos sequer se apercebem disso. Um olhar pelas ruas de nossas cidades é o suficiente para presenciar flagrantes, que evidenciam a impressionante incapacidade de se desfrutar de uma vida social saudável. Parece que se abriu mão de muitos avanços positivos da civilização. E no tocante ao relacionamento humano, temse, não raro, a impressão do retorno à idade da pedra. A deterioração do tecido e relacionamento social chegou ao nível em que uma pessoa polida e urbana se torna uma joia rara, suscitando por vezes desconfiança ou escárnio. Noções básicas de polidez e civilidade parecem ter sido esquecidas e abolidas. A gentileza assume ares de fraqueza, exibicionismo ou esnobação. O Papa Francisco afirmou em uma de suas alocuções: “As coisas estão se invertendo cada vez mais. O feminismo saudável está se transformando num machismo de saia, relegando a um segundo plano a grandeza da mulher e sindicalizando a dignidade feminina.” Para muitos, ser gentil e solidário denuncia insegurança ou carência de aceitação comunitária. A noção de coletividade e pertença a um grupo – em que os direitos de outrem devem ser observados – virou uma metáfora pejorativa. A Ética tornou-se algo ultrapassado e sem espaço no mundo hodierno. As pessoas ignoram o seu significado e importância. Egoísmo, impaciência, intolerância, grosseria, radicalismo e arrogância passaram a dar o tom no dia-a-dia. “Honrai a todos. Aos irmãos amai; a Deus temei” (1Pd 2,17), aconselhava o apóstolo Pedro. Tudo isso tem suas causas. As condições educacionais, o desprezo e abandono da axiologia, a repulsa dos valores morais, como o escárnio pelo respeito, a ausência de prática religiosa (seja qual for), no parâmetro de vida, estão destruindo nossas tradições e hospitalidade. A educação tradicional foi substituída por uma lamentável permissividade. O que se constata hoje é a consequência dessa mudança imbuída da insanidade pela qual o mundo enveredou. Como pode se comportar um jovem criado sem limites e carente de preparo emocional e psíquico? Chegando à vida adulta, enfrentará uma sociedade altamente competitiva, escravizada pelo consumismo desenfreado, pela incontida fome de lucro, injustiça, corrupção, violência e por um culto mórbido à aparência física e social. Vive-se no mundo do descarte ao respeito, do culto ao ter, poder, prazer e aparecer. Isto é facilmente verificável em vários segmentos da vida pública. Noções e modos comezinhos do conviver são ignorados. O uso hipócrita das formas oficiais de tratamento, mesuras e rapapés não ofuscam essa degradação. Não se deve confundir autenticidade, convicção ideológica ou discordância de ideias com insultos, impropérios, baixarias e agressões. Projetos e conveniências pessoais ou partidárias nem sempre visam ao bem-estar coletivo. Muitos concordam que a educação permissiva fracassou e o antigo modelo também se revelou inadequado. Na verdade, o atual sistema educacional tem se mostrado aquém do almejado. A ênfase dada por algumas instituições de ensino é centrada no Exame Nacional do Ensino Médio (ou o equivalente), como se o futuro do ser humano se restringisse apenas ao mercado de trabalho ou à profissão. A escola prioriza a transmissão de muitas informações e subestima relevantes postulados humanos, desencadeando a fácil tentação da ideologização. O ensino superior propõe-se a preparar profissionais, esquecendo o cidadão e a família. Faltam líderes com exemplos e testemunhos de vida. “É preciso humanizar o homem” insistia Jacques Maritain, em sua obra “O humanismo integral”. E Charles Chaplin reiterava: “Sois homens e não máquinas.” É preciso incentivar noções claras de uma cordial convivência em sociedade. Isto pode soar aos ouvidos de vários como algo inútil e obsoleto. No entanto, é uma reivindicação imprescindível. Não lograram grande êxito os métodos rígidos, excessos de lições de moral. Tampouco cabe o laxismo. É fundamental que reine o respeito entre todos. O cristianismo tem a missão de aprimorar o ser humano. Assim nos ensina a Sagrada Escritura: “Ninguém agrida, desrespeite, desconsidere e oprima o seu próximo. Somente Eu estou acima de vós e sou o vosso Deus” (Lv 25, 17).

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Oração e silêncio Padre João Medeiros Filho Quem pensar em seguir Jesus Cristo não deverá esquecer que a oração integra a essência da espiritualidade. Entretanto, poucos rezam e, muitas vezes, quando o fazem, têm dificuldade de se expressar diante de Deus. Embora possa parecer que a prece seja uma manifestação da fé, por vezes, torna-se difícil ou talvez ineficaz. Os discípulos do Senhor observavam os hábitos de oração do seu Mestre. Viram-No frequentemente retirando-se a lugares desertos a fim de falar com o Pai. Numa dessas ocasiões, pediram-Lhe ajuda. Desejavam comunicar-se com Deus, como Seu Filho o fazia. E assim suplicaram: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11, 1). Jesus fez o que Lhe pediram. Ensinou-lhes com palavras e exemplos. Teriam eles aprendido? Dois episódios narrados nos Atos dos Apóstolos mostram que compreenderam a importância da oração. Perseguidos e presos por causa de sua pregação, Pedro e João uniram-se a outros fiéis e, com confiança, suplicaram coragem para continuar a obra apostólica (At 4, 23-31). Ao citar o Salmo 2 mostraram haver entendido que o poder da prece se encontra Naquele que a escuta, pois Ele “está nos céus” (Sl 2, 4). Quando confrontados com as necessidades materiais das viúvas na comunidade de Jerusalém, os apóstolos constituíram diáconos para atendê-las. E no texto bíblico, encontra-se o motivo de sua decisão: “E, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da Palavra” (At 6, 4). A caridade com as viúvas e necessitados não era para ser negligenciada, mas os discípulos do Senhor deveriam também reservar tempo suficiente para algo muito importante: conversar com Deus. Haviam aprendido a lição e os hábitos de Jesus. “Mas para aprender a rezar, é preciso pôr-se de joelhos e escutar o silêncio”, dizia a mística Santa Teresa d´Ávila. A importância de calar-se para orar encontra-se em todos os textos teológicos, bíblicos e litúrgicos. “No silêncio alguma coisa irradia”, escreveu Exupéry. Na missa da Oitava do Natal, lemos as palavras do Livro da Sabedoria: “Enquanto um profundo silêncio envolvia todas as coisas e a noite ia, no meio do seu curso, desceu do céu, ó Deus, a vossa Palavra onipotente” (Sb 18, 14-15). Na quietude das pessoas e do universo, Deus manifestou-se ao homem. E Sua Palavra onipotente se encarnou. Todo o universo se aquieta, quando Deus vem a nosso encontro. A atitude silente da criatura diante do Criador deve ser de adoração de um discípulo, que escuta o Mestre e dele aprende Palavras de Vida. A mesma mensagem pode-se encontrar no Profeta Habacuc: “O Senhor está em seu santuário sagrado. Cale-se diante de sua presença, ó terra inteira” (Hab 2, 20). Segundo os evangelistas, na quietude da noite, Cristo retirava-se para as montanhas a fim de encontrar-se com o Pai. No recolhimento interior, longe da azáfama do cotidiano, Jesus escutava-O para depois proclamar o grande mistério, gerado desde toda a eternidade. Assim escreveu Paulo aos Romanos: “Um mistério latente, desde os séculos eternos, agora foi manifestado” (Rm 16, 25-26). Além desse elemento fundamental à prece, é necessário também tempo. Nós, filhos da modernidade e tecnologia, somos escravos da cronologia. Trazemos nos pulsos nossas algemas interiores e exteriores (os relógios). Não sabemos dedicar tempo a Deus. Cada vez mais, oramos menos e não percebemos a dimensão de gratuidade e beleza do amor divino. A oração é a expressão de nossa intimidade com Deus e nosso amor por Ele. É um falar constante com Aquele que amamos. Quem ama sente necessidade de estar perto, conversar e ter momentos a sós com a pessoa amada. Da mesma forma, a oração é ato e expressão de amor pelo nosso Pai Celestial. E quando se ama, o tempo é um obstáculo. Nós, escravos da cronometria, não sabemos dispor da temporalidade para desfrutar da experiência amorosa de Deus. Falamos sobre Ele, suplicamos ao Onipotente, mas esquecemos de deixá-Lo falar dentro de nós. A oração acalma, consola e anima. Lembrava Santo Agostinho: “Ela é a fortaleza do homem e a fraqueza de Deus.” É preciso crer naquilo que assegura o Mestre: “Pedi e vos será dado, procurai e achareis, batei e a porta vos será aberta” (Mt 7, 7).

quinta-feira, 27 de junho de 2024

O pálio arquiepiscopal Padre João Medeiros Filho No dia 7 de julho próximo, Natal presenciará um rito milenar, remontando ao ano 336 da era cristã. Trata-se da imposição do pálio arquiepiscopal a sua Excelência Reverendíssima Dom João dos Santos Cardoso, nosso Arcebispo Metropolitano, pelo Excelentíssimo Senhor Núncio Apostólico no Brasil, Dom Giambattista Diquattro. É um ritual rico de significado e tradição católica. Tal cerimônia acontece pela primeira vez em solo potiguar. Os arcebispos anteriores receberam o distintivo da dignidade de metropolita, no Vaticano. O evento é mais um marco nas mudanças dos rumos da Igreja norte-rio-grandense. Dom João tem se revelado um líder e pastor, conquistando paulatinamente o rebanho com sua simplicidade, firmeza dialogada, escuta atenciosa, responsabilidade partilhada, abertura interior, espírito fraterno e paternal, marcado por amor ao Povo de Deus. Desde os primeiros dias de seu ministério episcopal em nossa terra, tem surpreendido com gestos discretos, porém icônicos. “Bendito o que vem em nome do Senhor” (Mt 21, 9). Pálio provém da palavra latina “pallium”, antigo manto romano que cobria os ombros, protegendo-os do frio europeu. Isso explica sua confecção em lã. Atualmente, é uma espécie de colar com dois apêndices, em forma de “Y”, com seis cruzes ali bordadas e três alfinetes fixados, lembrando os cravos do Senhor. Originalmente, era privativo dos papas. Depois, estendeu-se aos metropolitas e primazes, expressando a jurisdição delegada pelo Sumo Pontífice. Destina-se aos prelados que assumem um arcebispado. Simboliza a colegialidade episcopal, comunhão com a Igreja e a missão de coordenar uma província eclesiástica. Conforme historiadores, começou a ser usado na primeira metade do século IV, pelo Papa Marcos. Este estendeu o uso ao bispo de Óstia (Itália), que na qualidade de decano no episcopado presidiu a investidura do Sumo Pontífice. Após o século VI, é concedido aos metropolitas, tornando-se obrigatório, desde o século IX. O ritual inclui a profissão de fé do metropolita e seu juramento de fidelidade ao sucessor de Pedro. O objetivo é recordar publicamente aos investidos com aquela insígnia seu vínculo com a Cátedra Romana, fonte de todas as prerrogativas, fortalecendo assim a comunhão com o Papa. Buscava neutralizar aspirações de alguns eclesiásticos, ansiosos de uma autonomia incompatível com a unidade eclesial. O pálio detém grande simbolismo teológico e forte dimensão metafórica. Sua feitura com lã de ovelha alude à figura do Bom Pastor, que coloca em seus ombros a ovelha perdida. Deseja relembrar o primeiro ícone da arte cristã, uma imagem de Cristo, Bom Pastor, atribuída ao evangelista João. O arcebispo, como na iconografia religiosa, deverá pôr em seus ombros as ovelhas que lhe são confiadas por Cristo. O pálio é preparado com a lã de cordeiros brancos, criados pelos monges trapistas e posteriormente costurado pelas freiras beneditinas do Mosteiro de Santa Cecília, em Roma. A lã ovina é ofertada ao Papa no dia 21 de janeiro (festa de Santa Inês) e por ele abençoada numa missa solene na basílica, erguida em homenagem à Virgem Mártir, nos arredores de Roma. Uma vez preparados, os pálios são colocados, em 29 de junho, sobre o túmulo de São Pedro para exprimir a tradição apostólica e posterior imposição aos prelados. Inês, em latim, Agnes, significa cordeiro. O arcebispo deverá empenhar-se para que suas ovelhas sejam dóceis e santas. Eis um dos simbolismos do belíssimo ritual que nossa arquidiocese vivenciará brevemente. Será um evento memorável para a história eclesiástica norte-rio-grandense. A parábola da ovelha desgarrada que o pastor procura no deserto – evocada na insígnia – é para os Padres da Igreja uma imagem do mistério de Cristo Salvador. Sendo veste litúrgica, o pálio deverá ser usado em cerimônias religiosas em sua arquidiocese, mormente nas celebrações eucarísticas. Este é um momento em que o celebrante se assemelha a Cristo, desejoso de que haja um “só rebanho e um só pastor” (cf. Jo 10, 16). A referida vestimenta litúrgica sempre representou a unidade com a Sé Apostólica, simbolizando também as virtudes que adornam a vida daquele que dela se reveste. A cerimônia em Natal expressará nossa comunhão com o Vigário de Cristo. Cabe lembrar a profética frase do Quarto Evangelho: “Houve um homem enviado por Deus, cujo nome é João” (Jo 1, 6).

terça-feira, 25 de junho de 2024

O ATHENEU LEMBRANÇA QUE O TEMPO NÃO DESFEZ Valério Mesquita mesquita.valerio@gmail.com Naquele tempo, o nosso mundo começava no Atheneu, um nome bonito, sonoro, poético. Era o tempo da felicidade na sua forma mais simples; dos primeiros alumbramentos; dos gestos inaugurais dos amores clandestinos. Falar sobre o Atheneu dos idos 50 e 60, é caminhar numa procissão de relembranças. "Seu Babau, quantas declinações existem no Latim". "Sei não, professor". "Sente, zero. Nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo." Era o Cônego Luiz Wanderley arguindo o saudoso Raimundo Torquato, apelidado de Babu, mas o padre já declinava no acusativo: "Babau". Vascaíno fanático, só havia um jeito da turma se livrar da terrível chamada oral de latim da segunda-feira: elogiar o Vasco e comentar a sua vitória. No caso de derrota: delenda est Babau! Sem nenhum demérito aos atuais mestres do Atheneu norte-rio-grandense de hoje, mas será que o tempo poderia restituir essa seleção de ouro? Floriano Cavalcante (que ensinava história proferindo discurso); Protásio Melo (que nos influenciou o interesse pelos autores ingleses e americanos); Esmeraldo Siqueira professor de francês (com o seu indefectível charuto, cuja fumaça desenhava no ar os perfis de Hugo, de Daudet, de Vigny, de Balzac, de Gide, etc); Álvaro Tavares (modesto, simples, erudito); Cônego Luiz Wanderley (grande orador sacro e latinista), só para citar aqueles que nos ensinavam diretamente. Nesse universo perdido havia outras figuras inesquecíveis que não travaram contato conosco mas povoaram a mesma amorável galáxia que vai ficar na memória e na moldura do século. Mensurar o quanto a intelectualidade do Rio Grande do Norte deve ao Atheneu é uma tarefa impossível. Desde o tempo do inexcedível professor Celestino Pimentel, de Alvamar Furtado (o Clark Gable dessa Hollywood Potiguar), Câmara Cascudo (o mais sedutor dos mestres), e toda uma plêiade de professores quase todos absorvidos mais tarde pela Universidade Federal, nos faz deduzir que o Atheneu não foi, apenas, uma usina preparatória e educadora de gerações mas também de mestres que ajudaram a erigir o edifício de um novo tempo: uma instituição de ensino superior. O Atheneu de Petrópolis tem o dom da dimensão entre o efêmero e o eterno. Nele há algo mais para se sentir do que para se dizer. O Atheneu é a história de uma fé que se fez realidade. Concebido pelo arrojo arquitetônico extra época, insignes diretores deram vida e estabilidade definitivas ao idealismo renovador do ex-governador Sylvio Piza Pedroza. "Ver bem não é ver tudo, é ver os que os outros não vêem". Nessa frase perfeita de José Américo, Sylvio Pedroza, quem sabe não estaria enxergando longe o embrião da futura Universidade? Só sei que o tempo respeitou o que nele construiu para depois os próprios mestres, ao longo do tempo, se encarregarem da materialização do seu sonho. Isso porque, é na própria criação que o homem faz descobertas. O mestre Protásio Melo que teve uma vida inteira consagrada ao ensino de gerações, hoje nada "tendo nas mãos que foram pródigas", não viu a hora do silêncio e nem se calou. Abriu as asas de sua pesquisa sobre a História do Atheneu, a história de todos nós. E já entardecia para que se pudesse resgatar esse acervo rico de humanismo e tradição. Só Protásio mesmo, que cresceu nas ervas de Walt Whytm para ainda hoje, nos respingar da água benta de uma aurora, onde foi um dos protagonistas dos mistérios circundantes. (*) Escritor

sexta-feira, 21 de junho de 2024

EDGAR BARBOSA, HUMANISTA DE TRATO CORDIAL Valério Mesquita mesquita.valerio@gmail.com Ao lado de Alvamar Furtado, Múcio Ribeiro Dantas e Floriano Cavalcanti, Edgar Barbosa formava um quarteto de invejável saber jurídico na velha Faculdade de Direito da Ribeira, na década de 1960, comentado e sussurrado com reverência por nós, seus alunos, pelos corredores e salas da saudosa instituição. Mas o professor não cabia num figurino único – embora confortável, do ponto de vista intelectual –, de grande e admirável jurista. Sua formação filosófica fizera dele um humanista no sentido lato, ou seja, na medida em que nada do que fosse humano lhe era indiferente. Compará-lo ao seu mestre Luís da Câmara Cascudo seria fazer justiça ao primeiro, e elevar a estatura intelectual do segundo. Por trás desse duplo verniz jurídico e humanista, Edgar Barbosa encobria um homem cordial que só a pouco e a vagar deixava transparecer no convívio com seus alunos. Já alertados por colegas mais antigos, nós também não demoramos a descobrir outros traços salientes da personalidade complexa de nosso mestre em Direito Constitucional. Isso acontecia até com certa regularidade, na medida em que fui também me habituando a integrar uma espécie de círculo de ouvintes do velho professor para as conversas que se sucediam à aula, mas que acontecia ali mesmo, juntamente com Carlos Gomes, Claudio Emerenciano, Hilda Fagundes e outros colegas. Visava transmitir sabedoria, conhecimento, humanismo. Com essa preocupação sempre alerta, o grande estilista fazia incursões pela Antiguidade Clássica à cata de exemplos, de modelos, de parâmetros comparativos com os problemas de nosso tempo, ilustrando-os e esclarecendo-os, como costumava fazer nos seus ensaios e artigos jornalísticos escritos para o jornal "A República" a partir da década de 1920, como revela o volume de textos e crônicas organizado pelo saudoso jornalista Nelson Patriota e lançado pela editora da UFRN. Ali se podem detectar alguns temas que serão amadurecidos pelo futuro jurista, como o direito do voto feminino, os problemas enfrentados pelo ensino público, a importância da liberdade de expressão para a vida política brasileira, entre outros. A esses temas, acrescentou o mestre considerações líricas, evocações nostálgicas, quadros recortados cuidadosamente de sua memória afetiva sobre a sua telúrica Ceará-Mirim, com seus vales férteis como se fora recortada por um Nilo transplantado para lá por um sortilégio de Deus. Cenas de infância, tipos populares que chamaram sua atenção de menino imaginoso, acontecimentos únicos que ficaram nos porões da memória, tudo isso constituiu matéria literária em suas mãos. Às vezes me flagro entrando, pela via franca da memória, na sala de aula da antiga Faculdade de Direito, na velha Ribeira que, como o beco recantado pelo poeta Manuel Bandeira, está “intacta, suspensa no ar”. Nesses momentos, sinto que é hora de reler algum tópico do livro "Imagens do Tempo", onde recolheu crônicas dispersas nos jornais locais, porque sabia que deveria preservá-las em livro. Ao ler o perfil de um Henrique Castriciano, de um Juvenal Lamartine, de um José Gonçalves ou de um Padre Monte, ou ainda uma crônica dedicada ao jasmineiro de Auta de Souza, um retrato de Vila Flor, a descrição de um velho engenho, tudo isso me confirma que o escritor memorialista soube entender como poucos a alma patrícia do homem potiguar, seus valores essenciais, que outro mestre, Luís da Câmara Cascudo, resumiu à perfeição. Recordar Edgar Barbosa termina por ser também um exercício de saudade sem saudosismo, porque se faz em contato com sua obra, a qual, pelas lições que continua a nos dar, permanece aberta e receptiva às questões da nossa época. Como ex-aluno, evoco-o com emoção.

terça-feira, 18 de junho de 2024

Feminismo. Linguagem neutra Padre João Medeiros Filho Segundo estudiosos, o ex-presidente José Sarney deu sua parcela de contribuição para o desenvolvimento do feminismo no Brasil. Inovou no programa radiofônico “Conversa ao pé do rádio” com a saudação “brasileiros e brasileiras”. Os termos divergem do padrão oficial, em que o plural masculino é a forma literária consagrada. Nem os discursos populistas de Getúlio Vargas afastaram-se da regra clássica. Aquele dignitário dirigia-se aos ouvintes com estas palavras: “Trabalhadores do Brasil”. Sarney incluiu o feminino plural, optando pela separação. Distancia-se da norma culta do idioma pátrio, pela qual o plural masculino engloba as variantes. Até a liturgia foi atingida pelo redundante emprego de termos femininos, dispensáveis semântica e estilisticamente. Acrescentaram à tradução vernacular do “Orate frates” (Orai, irmãos) o substantivo “irmãs”. Tangidos pelos ventos do modismo e outras influências, pregadores começaram a saudar os fiéis desta forma: “Caríssimos irmãos e irmãs” ou vocativos equivalentes, inclusive em documentos. Oradores sacros de outrora primavam pelo conteúdo bíblico-teológico e forma literária. Os sermões de Padre Vieira, Frei Mont’Alverne e posteriormente Dom José Pereira Alves, Cônego Luiz e Dom Nivaldo Monte, Dom Mário Villas Boas, Dom João Portocarrero Costa etc. são ricos em sabedoria. Decisões favoráveis ou contrárias à linguagem neutra dão azo a polêmicas, inclusive nos meios acadêmicos e literários. O recente pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, em 10/06/24, na ação movida contra os municípios de Águas Lindas (GO) e Ibirité (MG), reproduz fundamentalmente a sentença prolatada na ADIN 7019, aos 10/02/23, declarando a inconstitucionalidade da Lei 5123/2021, oriunda do Estado de Rondônia. Questionava-se a proibição do uso da linguagem neutra em instituições escolares, vinculadas ao sistema estadual de educação. Consideram-se equivocamente língua e linguagem como realidades idênticas. Entretanto, duas novidades são verificadas no último julgamento. Um dos ministros afirma que “a linguagem neutra destoa das normas do português.” No voto, o relator alude à “competência da União para estabelecer currículos escolares.” Convém lembrar determinados dados históricos, linguísticos e jurídicos, inerentes ao tema. A linguagem neutra rejeita o que pode remeter ao masculino ou feminino. “Adapta o português ao uso de expressões em que pessoas não binárias são representadas.” Terminações e artigos masculinos e femininos são grafados na maioria dos casos com “x”, “e” ou “@”. Tal grafia ignora a origem, história e formação das palavras na língua portuguesa. O neutro do Latim foi convertido no idioma luso-brasileiro pelo masculino. Desconsidera-se um dado relevante: o vigente Acordo Ortográfico adotado pela Comunidade de Países de Língua Portuguesa, ao qual o Brasil – após ouvir o Parlamento Nacional – se obriga a respeitá-lo, como signatário. Consiste num tratado internacional, assinado pelas dez nações que adotam oficialmente a lusofonia. Para psicopedagogos, a linguagem neutra poderá acarretar dificuldades de aprendizagem aos portadores de dislexia e deficiência auditiva. Os defensores da linguagem neutra aludem à necessidade de mostrar nas palavras a inclusão dos diferentes. Vocábulos ou leis nem sempre realizam efetivamente a inclusão de pessoas. Importa a formação das personalidades. No Brasil, apesar da pletora de instrumentos legais, persistem exclusão e desigualdades. A norma é bemvinda, quando consagra a consciência sociocultural autêntica. “A letra é morta. É o espírito que vivifica” (2Cor 1, 3). O evangelista João adverte: “Evitar o que pode causar divisão” (Jo 10, 19). As decisões do STF consideram a proibição da linguagem neutra uma violação da liberdade de expressão. Reiteraram que é privativo da União legislar sobre modificações no uso do idioma e currículos acadêmicos. Para maior clareza, os textos decisórios poderiam ter deixado explícito o inverso, bem como conceituado os termos língua e linguagem. Se não é permitido proibir – em nome da liberdade de expressão – o uso da linguagem neutra, tampouco, pela mesma regra, se poderá impor o emprego dessa linguagem nas instituições de ensino. Daí, surge a questão: se os entes públicos municipais e estaduais são incompetentes para legislar sobre conteúdos curriculares e idioma nacional, grupos poderão fazê-lo? Percebe-se coercibilidade em certos movimentos. É cristalino o princípio constitucional da legalidade: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei” (CF. Art. 5º, Inciso II). Ensina-nos o apóstolo Paulo: “Estejais todos de acordo com o que falam e não haja discórdia entre vós por causa de palavras” (1Cor 1, 10)

segunda-feira, 17 de junho de 2024

LIBERALISMOS Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com Do ponto de vista econômico, cultural, jurídico, político, social, religioso, consuetudinário, todos, enfim, que neguem os valores da Bíblia irão destruir a própria humanidade, ao longo do tempo. É uma questão lógica e não pessoal. Ou profética. Afirmam que é a evolução, a modernidade. De retrógrado e conservador serão acoimados quem apontar os perigos do “liberou geral”. Não falo somente sob o aspecto espiritual, pois não sou teólogo, padre ou pastor. “Trata-se de um determinismo histórico”, dirão outros interessados em coonestar o excesso comportamental do mundo profano de hoje. Até na filosofia vão pescar fundamentos para alimentarem a subversão e o negativismo dos valores humanos como ultrapassados. Na Europa o ensino religioso para preservação dos princípios da moralidade, da família, da ordem pública, da fé cristã, estão sendo derrubados, e, discriminados quem os defender. As igrejas, tantos as católicas quantos as evangélicas estão sendo vendidas ou substituídas por templos muçulmanos (Inglaterra, principalmente), ou transformadas em boates. Nos Estados Unidos, pátria do protestantismo, elas já exibem nos frontispícios a expressão “dead church” ou templo morto, ou ainda melhor: fechadas. A identidade divina de Jesus Cristo começou a ser substituída pelo personalismo de “apóstolos”, “bispos”, “missionários”, portadores e medianeiros de graças e bênçãos sobrenaturais. O curandeirismo exagerado oculta o verdadeiro ensinamento do Novo Testamento. O liberalismo da legislação penal brasileira é outra aberração. A marginalidade fixada no patamar dos dezoito anos é incompatível com a realidade. Na Câmara Federal um deputado evangélico é linchado moralmente todos os dias somente porque é contrário ao casamento homossexual mas, no entanto, outros parlamentares condenados pelo STF por corrupção são tolerados. Apupa-se a liberdade de pensamento mas aplaude-se o ladrão do erário. País controvertido esse nosso. E por que os congressistas não votam imediatamente a redução da penalidade do menor logo para os quatorze anos! Para os dezesseis anos ainda é pouco. Com essa idade ele já vota pra presidente, governador, senador e o escambau. E o menor ainda quer exercer o privilégio de matar impunemente com a complacência dos políticos e muitos juristas de plantão. O liberalismo no Brasil – pátria amada das permissividades – objetiva agora, através de um obscuro deputado federal, acabar com o poder de investigação contra os crimes de corrupção no país (PEC 37), por parte do Ministério Público. Retirar do MP esse atributo é um desserviço à nação e um desrespeito ao povo que deseja ver na cadeia aqueles que furtam diariamente o seu dinheiro. Por fim, a desconfiança em Deus, a fuga das igrejas, levam muita gente a aceitar toda espécie de desatino, sem reagir - omitindo-se. Por exemplo, a união homossexual é um problema das partes envolvidas. Sexo é prática privada. Agora, não precisa é ser motivo de apologia midiática, prodigalismo, sensacionalismo, modelo a ser seguido ou integrar o currículo nas escolas de primeiro grau. Todo excesso é censurável. Não precisa ser “o galo das trevas” como diria Pedro Narva que restringia com um zelo cada vez maior a convivência com os humanos. Todo liberalismo é babilônico e perdulário com o dinheiro público. Em alguns lugares dizem, as facções criminosas estão financiando a campanha eleitoral de alguns intrépidos candidatos, apesar de já existir um escandaloso fundo eleitoral. Pra frente Brasil!! (*) Escritor

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Nélio Silveira Dias Júnior 8 de junho às 06:47 · Berilo Wanderley: um jornalista potiguar inesquecível Talvez muitos não tenham conhecido Berilo Wanderley, por ter partido, em 1979, ainda jovem, aos 45 anos. Mas, com certeza, dele já ouviram falar. Os formados em jornalismo, principalmente, sabem quem foi Berilo Wanderley, pois o Centro Acadêmico de Comunicação da UFRN leva o seu nome. Mesmo aqueles menos familiarizados com a história local, de alguma forma, já se depararam com Berilo, já que seu nome batiza, em Natal, uma rua em Lagoa Nova, uma Escola Estadual em Neópolis e uma Escola Municipal nas Quintas. Apesar de ter falecido jovem, Berilo Wanderley marcou positivamente a comunidade natalense. Sua memória continua viva. Francisco Berilo Pinheiro Wanderley (1934-1979) formou-se na primeira turma da Faculdade de Direito de Natal e fez pós-graduação em Madrid. Foi promotor de justiça, professor universitário, jornalista, escritor e crítico literário e de cinema. No direito, teve uma passagem pela Promotoria de Justiça. Mas, logo se desencantou, a função de acusar alguém era, para ele, árdua demais, “incompatível com o seu temperamento” (João Batista Machado). “Era poeta demais para pedir a condenação de alguém” (Nei Leandro de Castro). Berilo não temia o risco, o imponderável, principalmente, quando se tratava de buscar algo que achava que valia a pena. Em Clarice Lispector, encontrou a definição da sua jornada, ao citá-la, em uma entrevista: “terei que correr o sagrado risco do acaso”, e um dia, “substituirei o destino pela probabilidade” (Ícone Fashion - FJA). Deixou a carreira jurídica de lado e foi em busca do que gostava. Foi no magistério/jornalismo que se encontrou e exerceu o seu ofício. A sua missão, realmente, era escrever e informar. O jornal impresso foi seu veículo de comunicação. Trabalhou na “A República”, “Diário de Natal” e na “Tribuna do Norte”. Berilo Wanderley fazia quase de tudo dentro de um jornal: copydesk, chefe de reportagem, redator, editor, cronista e crítico de cinema, desempenhando essas funções com competência. Excelente titulista, capaz de fazer vários títulos, com rapidez incrível (João Batista Machado). Na Tribuna do Norte, se destacou na qualidade de cronista, "sabia esgrimar a arte da palavra, como fenômeno estético, preocupado não somente na empatia do leitor, mas, também, em lhe oferecer o registro dos fatos reais". "Foi um satírico incansável de tipos e costumes" (Woden Madruga). Isso tudo pude perceber na leitura das suas crônicas, não na época da publicação, que talvez não tivesse ainda nascido, mas, agora, registradas em seu livro: "O Menino e Seu Pai Caçador", constatando a qualidade da linguagem utilizada. Sua obra é marcada pela habilidade de envolver o leitor e transportá-lo para aqueles universos, vividos ou imaginados pelo autor. "A crônica leve, descontraída, o estilo simples, enxuto, a ironia fina, a farpa bem colocada, estava no gosto do leitor. Mexia com os assuntos do cotidiano, descobrindo tipos que ele encontrava pelos becos e bares da Cidade, contando histórias, registrando acontecimentos, ocorrências literárias da província" (Woden Madruga). As crônicas de Berilo Wanderley são capazes de dar vida a personagens simples, tornando-os relevantes e importantes dentro da narrativa, o que retrata, pelo que parece, a sua humanidade e solidariedade com seu semelhante. É uma característica admirável de sua escrita. Berilo Wanderley pertenceu a uma geração de grandes valores, grandes figuras, como Newton Navarro e Luís Carlos Guimarães, mortos antes do tempo que mereciam para escrever, sonhar e amar (Nei Leandro de Castro). Na verdade, foi um mestre da linguagem, utilizando-a de forma precisa e elegante em suas crônicas. Cada palavra parece ser cuidadosamente escolhida, com significado e emoção, para transmitir o seu pensamento. Hoje, conhecendo um pouco da história de Berilo Wanderley e, principalmente, lendo seus livros: "O Menino e Seu Pai Caçador", “Cine Lembrança”, “Telhado do Sonho”, “Revista da Cidade”, tenho a saudade de quem não convivi, sequer conheci. Os livros podem nos conectar com pessoas, que nunca se tem a oportunidade de conhecê-las pessoalmente; despertar empatia; nos transportar para outros mundos, tempos e experiências. Essa, talvez, seja uma das magias do livro. Cada página que leio, cada história que absorvo, faz com que eu sinta como se estivesse conversando com a pessoa, compartilhando ideias, pensamentos e experiências. Depois de ter lido os livros de Berilo Wanderley bate o desejo de ler mais as suas crônicas, outras crônicas, o que não é mais possível, pois ele partiu, partiu para nunca mais escrever. Aí vem o sentimento de saudade, decorrente de admiração, respeito e gratidão por tudo que essa pessoa desconhecida me proporcionou através da leitura, levando-me para tempos idos e não vividos. “Esse tipo de pessoa, quando se encanta, deixa atrás de si um rastro tão luminoso de atos, uma senda tão vigorosa de passos, que por isso mesmo torna-se imortal”. Fontes: Woden Madruga (Prefácio do Livro: O menino e seu pai caçador) Ney Leandro de Castro (Tribuna de Norte, 18/11/2011) Brechando.com Fundação José Augusto - Figuras de Destaque João Batista Machado (Cine Lembrança)

terça-feira, 11 de junho de 2024

Reconstruir o Brasil Padre João Medeiros Filho A reconstrução pessoal ou social é inerente à história humana. O Brasil, em diferentes momentos, viveu etapas reconstrutivas. Atualmente, há interpelação da consciência cidadã e cristã sobre a necessidade de ressignificar a Pátria. A pandemia marcou a urgência de se repensar os serviços públicos. Muitos não querem admitir que o tempo pandêmico abalou vários setores da sociedade, notadamente a saúde e a educação. No mínimo, comprovou-se a sua precariedade ou ineficiência crônica. “Saúde e educação de um povo não se improvisam”, afirmou Dr. Marcolino Candau, primeiro brasileiro a dirigir a Organização Mundial da Saúde. Os problemas socioeconômicos, políticos, educacionais, a carência de segurança alimentar para tantos, gerando desigualdade social, clamam pela reconstrução do País. Enquanto isso, o tempo precioso é ocupado com diatribes ideológicas, inócuas e deletérias, tornando o radicalismo além de agudo, crônico. Tem razão o salmista: “Se o Senhor não construir a casa, debalde trabalham os que a edificam” (Sl 127/126, 1). Análises científicas vêm mostrando, em muitos aspectos da conjuntura sociopolítica, um processo de deterioração do tecido social. Considerações técnicas explicitam desmontes que atingem a estrutura da sociedade, cujos alicerces foram abalados: improbidades, privilégios, mentira social, demagogia, narrativas, ensaios ideológicos despropositados, descaso educacional etc. Tudo isso requer lucidez e serenidade dos cidadãos. Um velho líder potiguar comparou nossa política a “uma moça despudorada, apresentada por membros da família como uma jovem honrada e virtuosa.” Há unanimidade sobre a necessidade de intervenções urgentes para evitar que se constitua, entre nós, a verdadeira “abominação da desolação” (Dn 19, 27). Essa foi a expressão bíblica que definiu o caos reinante no povo prevaricador do Antigo Testamento. A história da Terra de Santa Cruz, não obstante percalços e vicissitudes, carece de apreço. O País detém um relevante potencial humanístico e material para se reerguer. Não pode estar em mãos equivocadas nem ser refém de inescrupulosos e oportunistas, cujo objetivo é seu projeto de poder e não de uma nação humana e justa. Não se deve apostar no “déjà vu”. Preocupa sobremaneira o diagnóstico de nossas feridas políticas. Nossa Terra vive a carência de uma visão moderna de gestão, capaz de oferecer respostas rápidas, adequadas e atualizadas. Há de se corrigir degradações gravíssimas na educação, infraestrutura, segurança e saúde, no sistema eleitoral, na política ambiental e administração pública. É imprescindível um novo movimento civilizatório. Muitas coisas precisam ser pautadas urgentemente para retirar o País dos atrasos e marasmo. É característico no Brasil viver intensa e antecipadamente os períodos eleitorais. Nem bem acabam as eleições federais e estaduais, já se entabulam os conchavos para os pleitos municipais, ou vice-versa. Respiram-se campanhas eleitorais o tempo todo. O pior é o clima contaminado por vícios interesseiros, os quais reduzem a discussão política a nomes e pessoas, que traduzem esquemas obsoletos e perpetuadores de privilégios e erros. O que se espera dos líderes e dignitários não é uma briga medíocre e improdutiva, mas uma ampla pauta de diálogo civilizatório, incluindo especial atenção ao linguajar corrente, uso ético e produtivo das tecnologias contemporâneas. Infelizmente, o Brasil vai se tornando um solo de narrativas em todos os segmentos e matizes ideológicos. Sepultam-se a verdade, o realismo e a honestidade intelectual. Há cada vez mais falácias, relatosdesonestos edesconexos, impedindo avanços e agravando a polarização. Convive-se com falas fora dos trilhos, incompatíveis com os cargos ocupados, comprometendo a seriedade dos poderes e instituições. Não raro, discursos e pronunciamentos geram desentendimentos, acarretando intransigências, reforçando radicalizações, alimentando medos, minando a paz social. Na tarefa de reconstruir a Nação, misterse faz investir em palavras que iluminem e apaziguem pela verdade que transmitem. É preciso respeitar autoridades e direitos, salvaguardar a Pátria com políticas sensatas, varrer os cenários da vergonhosa desigualdade social, garantir a vigência de valores e princípios inegociáveis. Assim é possível reconstruir verdadeiramente nosso torrão natal. Nisto consiste a recomendação bíblica, interpretada apenas do ponto de vista demográfico: “Crescei e multiplicai-vos” (Gn 9, 7). Crescer em dignidade e grandeza humana. Multiplicaro bem-estar social dos filhos de Deus! “Feliz é a nação, cujo Deus é o Senhor” (Sl 33/32, 12).
“Tão sublime Sacramento” Padre João Medeiros Filho Este cântico litúrgico é a parte final do hino eucarístico “Pange Lingua”, composto, em 1264, por Santo Tomás de Aquino para a festa de “Corpus Christi, a pedido do Papa Urbano IV. Esta música sacra, apresentada em canto gregoriano ou polifonia, marcou a vida espiritual de muitos. O compositor brasileiro Toquinho, parceiro de Vinicius de Moraes, ainda hoje se encanta e se emociona, ao recordar a melodia tocada por Padre Romano, organista do Liceu Salesiano do Coração de Jesus (São Paulo), onde estudou. No Seridó, a interpretação musical do Maestro Felinto Lúcio comove, de modo especial, os fiéis na Bênção do Santíssimo Sacramento. A partitura do eminente seridoense é executada na Basílica de São Pedro (Vaticano), graças a nosso conterrâneo Monsenhor Flávio José de Medeiros Filho. Plantão permanente da eterna solidariedade de Deus é o Pão Eucarístico, meiguice de um Pai, que nos envia um Irmão para dialogar conosco. Ele assegurou-nos: “Quem comer deste Pão, jamais terá fome” (Jo 6, 35). A Eucaristia é a espera de Deus por nós, abraço divino que nos é reservado. Beijo carinhoso de um Pai cheio de bondade, que no silêncio da Hóstia nos mostra seu amor misericordioso. Eis o gesto augusto da presença celestial, temporalizada no mistério da Encarnação. Cristo quis se unir à humanidade e revelar que ela tem um valor infinito, não obstante as suas limitações. Um dia, Deus em sua inefável benignidade nos perfilhou. A Encarnação é uma incomensurável prova de amor de Deus. Mas, Ele quis ir além. Complementou misteriosamente sua prodigalidade no Sacramento do Altar. Ele se dá ainda mais, transformando elementos materiais em símbolos de sua pessoa. Consagra o universo, através dos três elementos que o representam: pão, vinho e água. A matéria inanimada torna-se suporte da divindade de Cristo ali presente, porém latente. Graças à fé, pode-se sentir essa teofania de Jesus, concedida por Deus aos filhos adotados. Por isso, exclamou Tomás de Aquino: “Ainda que o sentido falhe, a fé basta para confirmar o coração sincero.” A profecia de Isaías, retomada pelo Mestre, no Evangelho de João, afirma: “Todos que tendes sede, vinde à água. Vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; comprai, sem dinheiro e sem pagar, vinho e leite” (cf. Is 55,1 e Jo 7,37). Alude ao alimento espiritual que Jesus oferece com seu Corpo e Sangue. É verdade que temos sede de justiça e do próprio Deus, às vezes, aparentemente, tão distante de nossos sentimentos e vidas. A Eucaristia sacia a nossa fome de valores maiores. Quem tem saudades de Cristo, vai buscá-Lo na beleza dessa presença silenciosa. E, embora sem falar, Ele deixa sua graça penetrar no íntimo de cada um que se achega a Ele para mitigar todo tipo de fome e sede. A Eucaristia é o pão dos viandantes, o viático na dimensão semântica do termo. Não apenas para os enfermos, mas, sobretudo para os caminhantes. Vale citar as palavras dirigidas ao profeta Elias, cansado, deprimido, como muitos de nós, em certos momentos da vida: “Levanta-te e come, porque ainda tens um caminho longo a percorrer” (1Rs 19, 7). “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14, 18), largados à própria sorte, garantiu-nos o Senhor. A Eucaristia é Cristo em nós. A caminhada solitária é difícil. Por esse motivo, Cristo quis conviver conosco. A dimensão do diálogo é importante. Assim sendo, Jesus legou-nos esse memorial, sinal de sua companhia. Não querendo que padecêssemos de solidão ou abandono, fez-se Pão e permanência. O “Sublime Sacramento” é antecipação do banquete da eternidade, no qual gozaremos o definitivo de nossa história. Deus, por Cristo, abranda em nós as saudades do Eterno. Extasia-nos um mistério tão admirável! Apesar de suas interrogações, os fiéis encontrarão paz na intimidade eucarística. Sustentados pela fé, que ilumina os nossos passos na noite da dúvida e das dificuldades, pode-se proclamar, como fizera o saudoso Monsenhor Paulo Herôncio de Melo, quando pároco de Currais Novos: “Rei eterno, ó Deus humanado, suplicamos aos céus com fervor. Glória a Ti, ó Jesus escondido, ó mistério querido, ó milagre sublime de amor!” (Hino do Congresso Eucarístico Paroquial, outubro de 1937).

segunda-feira, 10 de junho de 2024

TREMOR,TREMORES Valério Mesquita* mesquita.valerio@gmail.com Na política, não temos mais líderes como antigamente: os neófitos já saúdam os náufragos que irão morrer amanhã. A paisagem é deserta. As instituições se burocratizaram em blocos de ferro e cimento armado. Não têm mais lume nem leme. “Igrejinhas” tão somente. Não sei se há esperança. Não sei de há salvação. As únicas ameaças à ordem constituída continuam a ser a Covid, a dengue, a zica, a chikungunya e a varíola do macaco. Muitos acreditam que é o maior desafio ainda não enfrentado pelo Ministério Público. Por outro lado, Natal a cada dia, fica mais insuportável com a quantidade de veículos de motos. Principalmente aquelas que cortam o seu carro pela direita. Mas, assim caminham as capitais, as metrópoles para o futuro enganoso oferecido pelas imobiliárias. O ensino público e privado mercadejou-se tanto quanto o turismo sexual. Perdeu a qualidade. E viva a quantidade. O homem social hoje virou ambiguidade ficcional. Previna-se o leitor: não confundir amizade social com solidariedade humana. São manifestações caracterológicas do vivente completamente heterogêneas. O egoísmo, a acomodação, modificadas pelo tom da luz reinante destruíram o sentimento cristão do mundo. O homem cresce, vive e morre numa jaula, limitado às imposições de sua vida miúda, repleta de frustrações e às circunstâncias. Há pessoas que pensam que não vão morrer nunca. Principalmente os que são ricos ou que, pelo menos, pensam. Assim imaginam muitos empresários, políticos, socialites, juristas e outros nomes, renomes e pronomes suspeitos. Fenelon já dizia “que ninguém dê crença a felicidade presente. Há nela uma gota da baba de Caim”. As fortunas inexplicáveis de alguns, da noite para o dia, cabem no raciocínio do pensador francês. Essa categoria de novos ricos torna-se perfeita, apenas, na ruindade e nem na morte é solidária. Às vezes, diante do infortúnio alheio, ancoram suas amarras no mais profundo silêncio e na mais abominável indiferença. A postura ante o mundo é de desamparo e desalento. Não há lógica própria nessa conduta centrada unicamente na anormalidade do desvio comportamental porque a amizade virou interesse, esbulho, vantagem, lucro. Lembro a minha mãe, que algumas vezes rebatia a solidão centenária com uma frase humilde, sábia e confortadora: “meu filho, se eu fosse uma pessoa rica a minha casa estaria repleta de visitas”. A humildade e a caridade cristã teriam sido substituídas pelo messianismo dos “pobres de espírito”? Seria ataraxia, morbidez ou equívoco trágico imaginar que ninguém seu morrerá nunca? Mas a vida é um labirinto movida por difusa fluidez temporal, constituída de fases e de fezes (no sentido consumista, digestivo da palavra). E eu pensava nesse turbilhão do tempo, dos modismos, que o exercício da amizade fosse contínuo, mas é tão “imortal” quanto a hipocrisia de acreditar nos homens que integram as instituições públicas e privadas. Daí deduzir que toda celebridade em Natal quando não é célere e celerada. A corrosão cotidiana da busca pelo dinheiro e pelo poder enferruja com rapidez as “glórias e grandezas” de alguns profissionais que se julgam donos do mundo, quando pensávamos justos e coerentes. As mutações históricas dos valores da personalidade humana, ao que me parece, foram provocadas pela “revolução” dos costumes sociais, principalmente o comodismo, a apatia pelo semelhante, o medo de morrer, as fobias e a falta de religiosidade. Aí, instaura-se um jogo de buscas. O coração desumanizado do selvagem habitante da cidade, que segrega o próximo jamais conhecerá qualquer modalidade de amor, principalmente na noite sem face e derradeira do ataúde, porque em vida foi ausente, insensível, reduzido à condição de bicho. Esse será o calvário do insensato, do que utiliza a amizade como negócio, como moeda de troca. Vai vagar como Caim na noite gelada do tempo sem jamais achar abrigo. Aos ricos materiais mas pobres em espírito, ofereço a reflexão do poeta Mário Quintana: “Essa idade tão fugaz na vida da gente, chama-se apenas presente e tem a duração do instante que passa”. (*) Escritor

sábado, 8 de junho de 2024

O medo e a fé Padre João Medeiros Filho Segundo Santo Ambrósio: “O medo é a ausência de Deus”. Lembrava a seus diocesanos a certeza do salmista: “Mesmo que tenha de percorrer um vale de sombras, não temerei os males, porque estás comigo” (Sl 23/22,4). Fernando Sabino aconselhava: “Fazer da interrupção um caminho novo; da queda, um passo de dança e, do medo, uma escada”. O ser humano, diferentemente de outros animais, por sua natureza, é medroso. Philippe Ariès e Jean Delumeau estudaram esse fenômeno e o tratamento dado pelos religiosos. Ariès declara: “O homem é o único ser no mundo a viver constantemente apavorado, quando está só. E a solidão maior é a falta de Deus”. O pavor tem um lado pernicioso, enquanto paralisa as pessoas. Não raro, é usado como arma de controle; triste, quando a dominação parte das religiões. No mundo antigo, o medo estava ligado às divindades. Os gregos adoravam Deimos e Fobos, deuses do terror e pânico, respectivamente. Segundo Hesíodo, ambos são irmãos gêmeos, filhos de Ares e Afrodite. Eram cultuados pelos helênicos, que lhes suplicavam e deviam favores. A Europa da Idade Média temeu as pestes que dizimaram populações inteiras, sendo as mais importantes a bubônica e a de Marselha. Tais epidemias e guerras criaram situações alarmantes para as populações. Não foi diferente conosco, durante a pandemia, acompanhada de uma polêmica e beligerância políticoideológica. Ao longo da história, outras realidades aterrorizaram as pessoas: o mar, o diabo, as tempestades, o credo. No medievo, ganhou destaque o receio da forca ou fogueira inquisitorial. Havia igualmente a ameaça do Juízo Final. Para a fúria da Inquisição, havia nomes e faces: hereges, bruxos, feiticeiros etc. O temor faz parte da natureza humana, sua limitação e fragilidade. Todavia, uma das preocupações de Jesus foi ensinar aos discípulos como vencê-lo. Aliás, isso perpassa pelas páginas da Bíblia. A fé proclama: “Deus é nosso refúgio e fortaleza, socorro sempre encontrado nos perigos” (Sl 46/45,1). O apóstolo Paulo afirma: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8,31). Há episódios marcantes na história do cristianismo sobre essa realidade. Quando Jesus nasceu, o anjo proclamou: “Não temais. Eu vos anuncio uma grande alegria” (Lc 2,10). O Ressuscitado neutraliza, em cada aparição, a inquietação e a angústia dos discípulos. Em diversos momentos de sua existência terrena, procurou encorajar seus seguidores. Após multiplicar os pães e rezar na montanha, Jesus aparece caminhando sobre as águas do mar da Galileia. Pensavam tratar-se de um fantasma. Pedro vai ao seu encontro e começa a naufragar. Cristo toma-o pela mão e tranquiliza os discípulos: “Tende confiança, sou eu, não temais” (Mt 14,27). Há pavor diante da morte, doença, violência, desemprego etc. Isso resulta da pequenez ou tibieza de nossa fé. O caminhar de Jesus sobre as águas é sinal de que Ele nos ajuda a superar as adversidades. O “sou eu” significa Deus afirmando que nos liberta do sofrimento, da dor e opressão. Pedro tem fé ao chamar Cristo de Senhor, mas ela é ainda fraca. Como uma criança que começa a ensaiar seus primeiros passos, o Mestre lhe diz: “Vem!”. E estende a sua mão para Pedro andar sobre o mar. A fé nos acalma e aproxima de Deus. Sem Ele, brota a violência, que leva ao medo. Esse é causado por aqueles que estão vazios de Deus. Os temerosos creem pouco. Vale citar o autor da Carta aos Hebreus: “O Senhor é meu auxílio, jamais temerei, que mal me poderá fazer o ser humano?” (Hb 13,6). O inesquecível Dom Nivaldo Monte repetia nas homilias e palestras: “O cristianismo não é a religião do pavor, mas da esperança e do amor.” Deus nos ama. Alguns religiosos disseminam a deletéria teologia o evangelho do pânico, que ignoram a inefável benignidade e misericórdia divina. O cristianismo se contrapõe à doutrina ameaçadora. Em Jesus Cristo e por Ele, o ser humano é liberto da escravidão do pecado e domínio do Mal. Eis o que está escrito no profeta Isaías: “Não temas, porque Eu estou contigo; não te assombres, porque sou teu Deus; Eu te fortaleço, te ajudo e te sustento com a destra da minha justiça” (Is 41,10)

sexta-feira, 7 de junho de 2024

O CELULAR Valério Mesquita* mesquita.valerio@gamil.com Não há faca de dois gumes mais cortante e afiada que o aparelho celular. As estatísticas aí estão para comprovar o que afirmo. Favorece a escuta, acidentes quando utilizado na direção de veículos e em penitenciárias nas mãos dos marginais, sem esquecer outros usos e abusos tão conhecidos de todos. Sei perfeitamente de sua serventia em outras tantas situações. Mas, desejo chegar, a três episódios, até certo ponto, cômicos, onde o aparelho, respectivamente, vale mais do que o doente no hospital e do que o homem comum diante da autoridade. O primeiro se refere ao uso rotineiro do celular por alguns médicos na sala de cirurgia dos hospitais. Enquanto os procedimentos operatórios são executados, com as vísceras do paciente expostas, o fone do cirurgião ou anestesista fica ali, sobre a mesa, ora recebendo, ora emitindo ligações. O doente, parece assumir um segundo plano e fica à mercê, automaticamente, por conta das manipulações contínuas, da temida infecção hospitalar. Hoje, ela é o fantasma oculto dos nossos hospitais. Por outro lado, a preocupação com o aparelho induz a distração, a leniência e a dispersão da equipe, com a prevalência da máquina mortífera sobre a vida do enfermo. Tais reflexões me fazem lembrar de um episódio, ocorrido comigo e um secretário de estado, José Maria Melo, durante o governo de Garibaldi Alves Filho. Àquela época, exercia o mandato de deputado estadual e pedira-lhe, via celular, uma audiência, ao lado de dois vereadores macaibenses. Após os cumprimentos de praxe, iniciei a narrativa dos assuntos, sendo logo interrompido três vezes pelo celular colocado sobre o birô. Sem que pudesse concluir a conversa administrativa na íntegra, apelei para um procedimento insólito. Lembrando-me que o seu número ainda estava gravado na memória do telefone, liguei-lhe no instante em que pedia água e café: “Alô, é o doutor Zé Maria?”. “É, sim. Quem fala?”. “É Valério, Zé Maria. Vamos concluir a nossa audiência pelo celular mesmo, ok?”. Não desligamos e fomos até o fim da conversa sem sermos perturbados. Conclusão: O celular é bicho incômodo e desatencioso. Desculpas à parte, juntos aprendemos a lição. Principalmente ele, sob os olhares atônitos dos dois edis Ismar Fernandes Duarte e Francisco Pereira dos Santos. Por último, até já disseram que o uso exagerado do celular provoca irradiações no cérebro e surdez. Quando exercia o mandato de deputado estadual, D. Marilene Gomes, então secretária, apressada, adentrou ao gabinete para, do meu celular, cumprir a agenda de ligações porque o telefone fixo havia pifado. O primeiro da lista que solicitei se referia ao saudoso jornalista Paulo Macêdo. Completada a ligação, ela confirma: “Alô? É doutor Paulo Mesquita?”, e passou-me o aparelho. No momento eu escrevia e só ergui a cabeça para explicar-lhe: “Era meu tio. Ele não vai atender. Só se for em sessão espírita. Morreu há mais de vinte anos...”, disse-lhe com serenidade de um funeral. De outra feita, a idade e o cansaço, na administração pública, têm pregado peças em muitas pessoas. Quando prefeita de Macaíba, Mônica Dantas mandou a sua telefonista fazer uma ligação para o secretário de Educação do Estado. Por engano, a linha caiu na Secretaria de Segurança Pública, dirigida pelo então coronel João José Pinheiro da Veiga. Foi aí que aconteceu o maior e mais demorado dos equívocos da chamada burocracia septuagenária. A prefeita macaibense pensando que falava com o titular da Educação, discorria solta sobre o problema da falta de carteiras nas escolas enquanto o coronel Veiga, do outro lado da linha, entendia carteiras de identidade. Somente ao cabo de dez minutos é que descobriram o equívoco. Celular é fogo! Pode? (*) Escritor.

quarta-feira, 29 de maio de 2024

TEMPO DE OUVIR SINAIS Valério Mesquita* mesquita.valerio@gmail.com Gautama é a personagem histórica que fundou o budismo no século V a.C. Essa religião, que se opôs ao bramanismo, conta com mais de quinhentos milhões no Extremo Oriente, incluindo-se Índia, China e Japão. Já Maomé, profeta e fundador do islamismo, lá pela era de 632 d.C., domina, hoje, dezenas de países muçulmanos. Pois bem. Não se vê ninguém sistematicamente refutar, distorcer, incriminar, blasfemar através da literatura mundial, sobre a vida pregressa dos fundadores das duas religiões. Apenas, como objetivo deliberado de desmerecer e lambuzar o culto imputando a Jesus comportamento mundano, incompatível com a imagem santa traduzida e transmitida pelo Novo Testamento das Sagradas Escrituras. Os milhões de cristãos do mundo, entre católicos, evangélicos, ortodoxos, etc., já começam a indagar: por quê? Cumprem-se as profecias dos anticristos? A própria Bíblia previu, em várias situações, tanto no Antigo como no Novo Testamento, o aparecimento dos perseguidores do Cristo, que jamais deixou de admitir a influência de Satanás sobre os humanos. Ele próprio sofreu a tentação do maligno e triunfou com o seu poder de Filho de Deus para que se cumprissem as escrituras. Ora, a minha indignação é contra as maledicências de obras ficcionistas de livros e filmes que procuram imprimir comportamentos duvidosos e profanos tais como: conjunções carnais com Maria Madalena e que foi casado, pai de filhos. Além do mais, desacredita a Bíblia cristã ao afirmar que o imperador de Roma, Constantino, autorizou a elaboração de outra, a fim de ocultar informações depreciativas sobre Jesus. Todas alegações, integram a trama literariamente urdida, porém corrupta, porque falseia, calúnia uma verdade histórica que muitos pensadores e gênios da humanidade, através dos tempos, jamais contestaram. Creram. As minhas assertivas não constituem crítica literária e nem é esse o meu propósito. Agora, difamar a vinda do Cristo subvertendo a vida e a mensagem legadas, sem apresentar qualquer prova documental, histórica, pesquisa ou descoberta antropológica, mas, só para exercício de vaidade cultural, com o fito de vender o livro, é ser trapaceiro. É crucificar Jesus de novo. Minha decepção com o mundo de hoje também se fundamenta no fato de que mais de dez milhões de livros já foram vendidos. Deve ter atingido aquela faixa populacional que só se lembra ou invoca Jesus quando está morrendo no hospital. Ou, quando não, pede para que os serviços religiosos sejam ministrados após a morte, por via das dúvidas. Só me resta pedir a Jesus que venha logo desbaratar essa quadrilha de hereges. Venha fortalecer os seus missionários, sacerdotes, pastores, com a luz do Espírito Santo. Senhor, permita que aconteçam mais milagres, aparições, porque a incredulidade campeia. O Senhor procedeu assim naquele tempo. E agora, após a população do planeta ter crescido tanto, a ciência, a tecnologia, multiplicação de anticristos, não seria oportuno vim, ver e ouvir? No Apocalipse 22, versículos 12 e 13, disse Jesus: “E eis que cedo venho e o meu galardão está comigo para dar a cada um segundo a sua obra. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim, o Primeiro e o Derradeiro”. Palavras fortes que para um bom entendedor, bastam. Estariam os cataclismos no mundo inteiro acontecendo sem a permissão do Senhor para testificar a segunda e anunciada vinda de Jesus ao mundo em transe? Por acaso, as guerras no Oriente Médio, na Ucrânia, o aumento devastador de terroristas, em todos os continentes, além de tempestades, pandemias, temperaturas extremas, rios secando, domínio do tráfico de drogas, e mais a matança de dois anticristos (árabes e judeus) podem ser encaradas como sinais? (*) Escritor.

terça-feira, 21 de maio de 2024

“Quo vadis”, Brasil? Padre João Medeiros Filho Eis a pergunta de muitos. O Brasil passa por uma ingente crise sociopolítica, econômica, ética, cultural e até religiosa. A catástrofe gaúcha parece ter se tornado uma metáfora da deterioração social brasileira. Analistas verificam que o descaso com a “res” pública, a corrupção e a desigualdade social vêm sendo marcas constantes, ao longo de anos. Propagadores da impunidade assumiram abertamente a postura da desfaçatez. Não disfarçam mais seus verdadeiros propósitos. Pregam divisões em grupos, gerando hostilidade e o proposital enfraquecimento da sociedade. Posicionam-se contra Deus, a Pátria, os inocentes e indefesos. Alguns se arrogam de competências que não lhes cabem. Sepultaram a Ética e a Moralidade. Interesses de alguns importam mais que o bem comum. Sobre os nossos ombros recai o pesado ônus das mazelas pelas quais atravessa o país. Vive-se em meio aos destroços causados pelo ensino de baixa qualidade, pela fragilidade da saúde do povo, falta de investimentos em serviços públicos etc. Há uma fartura de sofismas e narrativas demagógicas, tentando nos convencer de que tudo vai bem. Aos cidadãos três caminhos se abrem diante dessa triste conjuntura. O primeiro consiste em permanecer ao lado dos insensíveis. O segundo, manter um silêncio omisso e conivente, beneficiando a iniquidade. Durante décadas, muitos trilharam por essas duas direções. Porém, cabe-lhes assumir uma atitude crítica contra essa realidade deletéria e desumana. Mister se faz um compromisso de serviço ao próximo e à Pátria. Entretanto, é necessário, inspirados no Evangelho, manter o diálogo e contribuir para a solidariedade e a ação transformadora. Não se pode desviar dessa opção. O engajamento do discípulo de Jesus começa pela vivência do Evangelho. Ela exige envolvimento com a causa do próximo e o Reino de Deus. Este consiste também na equidade e garantia de direitos irrenunciáveis. Os cristãos – apesar de esperar uma vida plenificada, após a peregrinação terrestre – não podem cruzar os braços ante os empecilhos para o despontar do Reino na realidade cotidiana. O sinal da cruz, traçado em nossas frontes, deve significar o seguimento a Jesus. Este colocou sua vida inteiramente em favor dos irmãos. A Igreja – sacramento terreno e continuadora da missão do Filho de Deus – deve assumir o ousado e bíblico papel da profecia. Esta opõe-se a tudo o que é sinal de morte, injustiça, iniquidade, ou seja, o contratestemunho da doutrina de Cristo. Mas, é importante que se diga: o profetismo não se refere à mera condenação ou crítica, construída em confortáveis gabinetes, surdos aos gemidos dos que sofrem. O engajamento da Igreja inicia-se com o diálogo de todos os segmentos sociais para a busca de soluções adequadas e sugestões de atitudes que possam iluminar as ações dos dirigentes. É fácil condenar, mas não é cristão. Dissera o Mestre: “Não vim para julgar o mundo, mas para salvá-lo” (Jo 12, 47). Rabindranath Tagore insistia: “É muito mais fácil condenar milhares de seres humanos do que tocar um só com a verdade.” A laicidade do Estado brasileiro não deve ser óbice para o entendimento das instituições religiosas com os poderes públicos e vice-versa. As igrejas têm um importante papel na defesa de direitos dos filhos de Deus. Desde que voltadas para os autênticos interesses do bem comum, elas detêm legitimidade na discussão da “res” pública, em favor da população e contra as práticas opressoras. Estas, não raro, advêm daqueles que deveriam ser os verdadeiros representantes do povo. Os cristãos necessitam ter uma voz profética que clama, como sinal de esperança para os sofredores, vítimas da maldade e injustiça. Atribui-se a Padre João Maria, o Anjo de Natal, a seguinte frase: “Temos o sagrado dever de transformar a lágrima dos que sofrem em sorriso.” A fidelidade ao Evangelho não pode assumir uma posição de indiferença diante do sofrimento dos que não têm voz ou vez na sociedade. Isso não significa que a Igreja deva ser partidária, como pensam ou pregam alguns, esquecendo o que disse Nosso Senhor: “O meu Reino não é deste mundo” (Jo 18, 36). Inspirados na Palavra Divina, os discípulos de Cristo necessitam assumir sua vocação, fundamental para o legítimo testemunho da vivência religiosa e expressão da fé. “Somos cidadãos do céu, mas não podemos fazer da terra um inferno”, advertia Santo Agostinho.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

Vivendo a distopia Padre João Medeiros Filho No Brasil atual, de um lado verifica-se um clima de arrogância, vaidade e opressão; de outro, apatia, temor e pessimismo. Em meados do século XX, alimentavase a utopia ou o sonho de mudar os costumes e a nossa sociedade. Corria nas veias da juventude o sangue de ufanismo com seus ideais e valores. Imaginava-se um futuro próspero. O Brasil focalizava tudo no adjetivo: “novo”. Cinema novo, bossa nova etc. Hoje, vivem-se momentos de distopia, em que predominam descrédito, desânimo, malestar, depressão individual e social. O autor do Eclesiastes padeceu desse sentimento: “Todas essas coisas são difíceis de explicar. Mas, a vista não se cansa de ver, nem o ouvido se farta de ouvir” (Ecl 1, 8). A Pátria amarga a omissão, leviandade e incúria, advindas de alguns filhos. Está pobre de espiritualidade e carente de Deus. O egocentrismo domina. Cresce o isolamento das pessoas. No reino animal, os humanos talvez sejam as criaturas mais sedentas de companhia. Sua natureza requer solidariedade, por isso aproximam-se dos semelhantes. Porém, o medo e a insegurança levam ao distanciamento. Muitos manifestam desagrado e indignação diante de certas realidades e sentem-se impotentes. Raramente, é possível propor algo factível. Percebe-se um desalento, oriundo da distopia, que desencadeia radicalismo e polarização. Não raro, importam mais os sofismas e narrativas com o objetivo de desviar a atenção dos sérios e urgentes problemas nacionais. O mundo atravessa uma crise civilizatória, dominado por ódio, sede de poder, soberba e violência. Indivíduos e grupos demonstram mais força que governantes e poderes constituídos. Será que tudo é pensado em função do acúmulo de riquezas e dominação? A natureza é massacrada. Considera-se sua preservação entrave ao progresso ou objeto de discursos demagógicos. Inverteu-se a axiologia. O homem existe em função dos planos de poucos. Não falta quem queira impor suas ideias e vontades aos demais. Isso é anticristão. Jesus não impunha, propunha. “Se alguém quiser me seguir...” (Mt 16, 21). Fala-se tanto em democracia, todavia muitos a golpeiam e tentam destruí-la. A honestidade intelectual agoniza. Felizmente, a espiritualidade sobrevive, sendo da essência da vida, altar de incontáveis valores. Contudo, busca-se um sustentáculo para o egocentrismo, a volúpia do poder e exaltação dos interesses grupais e partidários. Hoje, segmentos e projetos ideológicos têm mais importância que a Pátria. Priorizam-se esquemas partidários em detrimento de autênticas políticas públicas. Mas, há os que dão exemplo de altruísmo e fraternidade. Como não lembrar Padre João Maria, Irmã Lúcia Vieira, Irmã Dulce e tantos outros? Suas opções originaram-se da força transcendental da fé, impulsionando a caridade. Assiste-se à mercantilização dos bens da vida, das relações sociais. Observa-se a política desprovida de sensibilidade e preocupações comunitárias. Surgem posturas maniqueístas. Declina-se do irrenunciável dever de encontrar as causas e soluções dos males. Os simplistas afirmam a necessidade de resignar-se à vontade divina e orar por um milagre. Tem-se a sensação de um Brasil em derrocada. Predomina o sentimento de incredulidade e negativismo. É a distopia, minando a estima. Muitos cristãos carecem da esperança, uma virtude teologal. Revoltam os gastos excessivos e o desperdício do dinheiro público diante da fome e da precária assistência na saúde, educação e segurança. Causa asco o cinismo dos infratores, acrescido da demagogia e politicagem com interesses espúrios. O povo fica perplexo e apoplético. Resta-lhe apenas calar-se diante da liberdade sufocada, da insegurança reinante. Presencia-se a queda dos princípios pelas conveniências, do Bem pelos bens. A Bíblia contém vários exemplos de desalento, como o que se vive hoje. A saída não depende deste ou daquele partido. E sim da consciência e união de todo o povo, embasadas numa maneira digna e autêntica de pensar e agir, inspiradas em postulados éticos. Cristo não teve pressa em instaurarseu Reino. Adotou uma atitude que possibilita e efetiva a perseverança. Reuniu discípulos e plantou sementes de uma filosofia de vida. Esta se alicerça no amor, respeito ao outro, compaixão, solidariedade e partilha. Não se pode esquecer a verdade do salmista: “Senhor, todos os que esperam em Ti não serão confundidos” (Sl 25/24, 3). Cristo assegura-nos: “Estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28, 20).
Derrubar muros e barreiras Padre João Medeiros Filho Nos idos de 1960, quando estudante na Bélgica, ouvia colegas europeus, notadamente alemães, discutir sobre o Muro de Berlim. O objetivo deste era separar os habitantes daquela cidade germânica, por razões políticas e ideológicas. Ficava pensando como isso acontecera num país considerado civilizado e desenvolvido. Não poderia imaginar que, décadas depois, veria algo semelhante, em meu país. Atualmente, há no Brasil um muro, de difícil demolição. Foi construído, não com pedra, ferro e cimento, mas com intransigência, radicalismo, rancor e ódio, tornando irmãos e compatriotas em inimigos. Infelizmente, passados tantos anos, a civilização contemporânea não conseguiu ainda fazer com que avanços tecnológicos e científicos fossem acompanhados de posturas humanistas e éticas, capazes de demolir paredões fraticidas para estabelecer vínculos entre as pessoas. Cada vez mais, verificam-se cenários de conflitos e diferentes modos de exclusão social. Os discursos e propostas tornam-se repetitivos, obsoletos, estéreis e demagógicos. A sociedade paga um alto preço por sua deterioração social. Ocorre uma inércia ético-moral, neutralizando ações de efetiva solução dos graves problemas e fragilizando iniciativas para o enfrentamento de crises. Há falta de união, racionalidade, interesse e solidariedade, até mesmo para aniquilar um mosquito. Mais do que descuido administrativo, configura-se na carência de sensibilidade humana e espiritual. Isso gera incapacidade para diálogos indispensáveis à ruína de vários muros. Muitos deles são erguidos em nome do bem-estar e proteção à democracia. Outros, com tons de “apartheids”, inviabilizam o respeito à liberdade ou dignidade humana. Recorde-se a Palavra inspirada: “Irmãos, exorto-vos a ter cuidado com os que causam divisões e colocam obstáculos em seu caminho” (Rm 16, 17). Apesar do progresso e desenvolvimento tecnológico, científico e socioeconômico, o Brasil ainda padece de muitos males, cuja solução necessita de diagnósticos precisos, lúcidos e ações eficazes. Poder-se-ia citar um conjunto de barreiras sociais que se levantam, inviabilizando pontes. Dentre elas, incluem-se a apatia e a anestesia social, que fazem crescer a indiferença, criando obstáculos entre os indivíduos. A esperança para a queda dos muros reside na convicção e vivência da fé. Esta poderá apontar saídas justas e humanizadas para as diferentes situações desoladoras, aparentemente insuperáveis. O saber técnico, o desempenho político e outras habilidades são importantes. Todavia, têm-se mostrado ineficientes diante de singularidades da existência humana e complexidades do funcionamento das instituições. A fé e a espiritualidade trazem alentos e sentidos existenciais, alargam o horizonte para cada um tomar consciência do seu relevante papel de agente do bem e da paz. Exorta o apostolo Paulo: “Não haja divisão entre vós. Ao contrário, sede bem unidos” (1Cor 1, 10). A fé proporciona ao ser humano ir além do território do seu próprio bem-estar. É com ela que se aprende a praticar e demonstrar o amor fraterno, superando o anseio de destruir o semelhante. Viver a espiritualidade e a autêntica crença religiosa consiste em cultivar uma abertura para todos, efetivando a derrubada de barreiras e a edificação de pontes. Para tanto é indispensável ultrapassar a lógica materialista, a dinâmica interesseira e as conveniências ideológicas e partidárias. Cabe lembrar que Cristo é o Pontífice. Este termo etimologicamente significa aquele que faz pontes. Segundo a teologia, a Igreja é sacramento de nosso Salvador, portanto deve ser construtora de união. Nisto compõe-se também a sua missão. Será que está acontecendo assim no Brasil atual? Como faz falta uma ponte. Que o digam os viajantes, de dias passados, com destino de Mossoró a Natal e vice-versa. Sua inexistência torna a viagem mais demorada e talvez perigosa. Assim é o mundo sem Deus. E para se achegar a Ele, precisa-se recorrer ao Pontífice: Jesus. A ausência de ligações leva ao monólogo, fomentando a insensatez de eliminar os outros. Há muros e fossos construídos, colocando em lados opostos e incomunicáveis indivíduos e grupos. Essa divisão é semanticamente diabólica. Diabo (em grego diábolos) quer dizer separação. Cristo rezou: “Pai que todos sejam um como Eu e Tu” (Jo 17, 21). Somente a vivência da fé e a espiritualidade poderão derrubar muros ou cercas e construir vínculos. Urge edificar pontes de confiança, diálogo, entendimento, reconciliação e paz. Esta “nos é dada [por Deus], não como o mundo no-la dá” (Jo 14, 27).