terça-feira, 21 de março de 2023

 

A virtude da delicadeza

Padre João Medeiros Filho

Em artigo publicado no Jornal do Brasil, em junho de 2006, o escritor Affonso Romano de Sant´Ana opinou como necessária a virtude da delicadeza para redimir a grosseria e a violência, que parecem dominar o mundo hodierno. O termo possui larga sinonímia na língua portuguesa: afabilidade, atenção, amabilidade gentileza, doçura, suavidade etc. Provém do latim castrense “delicatum”, significando desligado, solto, leve, liberto, delicado. Este não possui amarras, é livre das convenções e chega a possuir na linguagem bíblica o sentido de autêntico. Na literatura veterotestamentária identifica-se com ternura. A esse respeito, Carlo Rocchetta escreveu um belíssimo trabalho, intitulado Teologia da Ternura.

Importa ser atento e sensível ao outro, à sua dor e alegria. O cristianismo ensina-nos que a delicadeza é uma virtude bíblica, cuja razão de ser reside na essência de Deus. O salmista deleita-se com a suavidade divina, exortando os que o leem ou escutam: “Provai e vede como o Senhor é suave. Feliz o homem que nele se abriga” (Sl 34/33, 9). Cristo, em suas recomendações aos discípulos, mostrando que se deve amar até mesmo os inimigos, aponta o fundamento evangélico da necessidade de sermos afáveis e ternos uns com os outros. Uma das novidades de sua pregação consiste em afirmar que Deus é Pai, cheio de bondade, comiseração e paciência conosco. O apóstolo Paulo, pregando aos gálatas, enumera entre os frutos do Espírito “a brandura e a delicadeza” (Gl 5, 22). Elias experimentou Deus na serenidade da brisa. “Ele é suave e doce”, afirmou Teilhard de Chardin. Na verdade, a inefável presença de Deus é tácita e partilhante.

As palavras de Cristo são plenas de sinais (inefáveis e sem parâmetros) da delicadeza e doçura de Deus. “Vinde a mim todos vós que estais cansados sob o peso do fardo e eu vos aliviarei. Sim, o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11, 30). Cristo revelou-se sempre em seus encontros como uma pessoa solícita, capaz de escutar e compreender. Quanta atenção com Zaqueu, a samaritana, a mulher pecadora e até Dimas, seu vizinho de crucificação. Vários exegetas, dentre eles Jacques Dupont em “Les beatitudes”, afirmam que a delicadeza é uma bem-aventurança e traduzem por “bem-aventurados os delicados” (Mt 5, 5), em lugar de mansos. Alguns Padres da Igreja, como Irineu de Lyon e Gregório de Nissa, compreendem que a bem-aventurança da mansidão habita naqueles que se mostram delicados e atenciosos com os irmãos.

Na verdade, o mundo de tanta irritabilidade, impaciência, insensibilidade, falta de tempo e agressividade caminha na contramão do Evangelho. Santo Antão, anacoreta e pai dos monges orientais, ensinava que a falta de delicadeza com o outro é sempre grave, pois lesa a natureza do ser humano, criado à imagem de Deus. Este é terno e compassivo com todos. Quando seminarista na Bélgica, fui designado para acolitar a missa do Cardeal Joseph Cardijn. Dele ouvi: “Pode-se medir a espiritualidade de uma paróquia pela delicadeza com que se é tratado na sacristia ou secretaria.” Simone Weil, judia convertida ao cristianismo, a definia como “o sorriso do coração. Só a possui quem priva da intimidade com Deus.” Quem é próximo do Altíssimo, percebe a sua afabilidade, sente o seu toque doce dentro de si, sabendo reconhecer sua presença nos outros. E, se por ventura, alguém não agradar aos nossos olhos, não deve esquecer sua beleza interior, pois todos são templos do Espírito Santo (cf.1Cor 3, 16). Cada ser humano é sacramento do Divino.

 É conhecido o poema de São João da Cruz, dedicado ao Crucificado: “Oh! Toque de amor, quão delicadamente me amas!” A experiência da suavidade divina convida-nos a ultrapassar os limites da violência que nos desumaniza. Lembremo-nos dos recentes acontecimentos, aqui no RN, beirando à barbárie. Por isso, a delicadeza faz-se cada vez mais necessária, nos dias atuais. É preciso senti-la, como a mão de Deus que nos acaricia, para poder irradiá-la aos nossos irmãos. Eis o conselho contido no Livro dos Provérbios: “Uma resposta delicada acalma, enquanto uma palavra áspera atiça o furor” (Pr 15, 1).

segunda-feira, 20 de março de 2023

 

Genardo Lucas, um pioneiro esquecido da música erudita potiguar

Em texto publicado no site Navegos, historiador lembra a importância do primeiro violonista erudito do Estado, que faleceu em 2020, aos 85 anos

Por Claudio Galvão | texto original do site Navegos  www.navegos.com.br

A tradição de Natal como terra de intelectuais, poetas e boêmios vem dos anos 1800. Há uma quadrinha popular que diz: “Rio Grande do Norte / Capital Natal / Em cada esquina um poeta / Em cada rua um jornal”. Na área musical, por exemplo, a publicação “A Modinha Norte-rio-grandense” (Edufrn; 2000), de minha autoria, apresenta letras e partituras musicais de trezentas e sessenta e uma modinhas que eram cantadas na cidade, sendo duzentas e uma delas de autor local confirmado. Não se conhece pesquisa semelhante em outros Estados do país.

O poema musicado era mais conhecido como modinha. A quase totalidade deles era originado de autores que compunham ao violão, um instrumento tocado sempre “de ouvido”. Era raramente solista, mas sempre acompanhador de cantores ou outros instrumentos. Sabe-se com certeza que o mais antigo poeta de Natal foi Lourival Açucena (1827-1907). O seu livro póstumo de poemas, “Polianteia”, traz alguns deles com a advertência: “Tem muzica do auctor”. É ele o primeiro poeta que se conhece sendo “tocador de violão”.

Depois dele vem Heronides de França (1860-1926), de quem se tem notícias graças aos jornais da época. Sabe-se que era também solista, mas não deixou nada escrito. As músicas que criou para versos de poetas locais são de grande riqueza melódica. Vem, em seguida, Eduardo Medeiros (1888-1961), que se notabilizou como autor da melodia da célebre “Praieira dos Meus Amores”. Mais recente é Olympio Baptista Filho (1889-1942), ele mesmo também poeta e autor de grande número de belas melodias. Resta destacar o violonista Henrique Brito (1907-1935) que, residindo no Rio de Janeiro, foi o primeiro natalense a gravar discos. A cidade foi perdendo paulatinamente os velhos hábitos dos poetas, violonistas e cantores vivendo românticas serenatas pelas ruas desertas.

O progresso dos toca-discos, cinema, rádio e, recentemente, a televisão puseram o ponto final. Agora as músicas são outras, inteiramente diferentes. O velho violão popular, tocado “de ouvido”, também haveria de ter a sua transformação, mesmo que ainda mantendo a tradição dos acompanhadores. Tudo começou com a presença em Natal do violonista areia-branquense Amaro Siqueira (1908-1970), que estudou violão no Recife. Voltando para Natal, ensinou violão no Instituto de Música e para particulares. Apresentou diversos recitais e, no dia 26 de setembro de 1948, criou o Clube do Violão. Iniciava-se, então, a fase do violão erudito na cidade, com repertório tanto popular como clássico e sempre tocado por música. É nesse contexto que aparece o jovem Genardo Lucas da Câmara, hoje com 84 anos.

Quando criança, tocou trombone numa banda infantil, aí se iniciando na teoria musical. Em sua casa, a maior influência: seu pai, João Lucas da Costa, e seu tio, José Lucas, eram exímios violonistas populares. O contato com o Clube do Violão indicou-lhe o caminho do instrumento tocado por música, rapidamente ingressando no repertório erudito. Sem contar com apoio de um professor, desenvolveu-se apenas através do conhecimento da teoria musical, aliado a seu talento e particular musicalidade. Genardo Lucas marcou a história da música no Rio Grande do Norte por ter sido o primeiro natalense a apresentar recitais eruditos de violão.

Seu primeiro concerto realizou-se no Teatro Carlos Gomes (atual Alberto Maranhão), no dia 12 de janeiro de 1954. A 5 de junho de 1957 apresentou-se no salão de festas da sede do ABC Futebol Clube (prédio demolido, onde hoje é o CCAB-Petrópolis). Apresentou-se, ainda, no Recife, no auditório da Caixa Econômica Federal, em 30 de maio de 1959. Seu último recital realizou-se no Clube dos Oficiais da Base Naval de Natal, em 26 de junho de 1960.

A partir de então, na impossibilidade de dedicar-se inteiramente à sua arte por falta de campo profissional na cidade, dedicou-se a outro tipo de atividade. Hoje, a Escola de Música da UFRN oferece cursos completos de violão, a cargo de professores portadores de mestrado e doutorado, oferecendo ainda mestrado no instrumento.

Há sessenta anos passados, as dificuldades eram quase intransponíveis. Os cultores do violão têm hoje todos os motivos para reconhecer e homenagear o exemplo, força de vontade e pioneirismo de Genardo Lucas, nosso primeiro violonista erudito.

*Claudio Galvão, professor e criador do Departamento de Artes, do Núcleo de Arte e Cultura e do Laboratório de Restauração de Livros e Documentos da UFRN, é autor do livro “Oswaldo Souza – O Canto do Nordeste” (Funarte; 1988), além de ser pesquisador, organizador e introdutor das obras de Othoniel Menezes, Tonheca Dantas e Sebastião Fernandes.
*O violonista faleceu em 2 de março de 2020, na Policlínica, aos 85 anos. Estava lúcido e ainda tocando violão. 

sexta-feira, 17 de março de 2023

 

INVENTÁRIO DOS BENS ESSENCIAIS

 

Valério Mesquita

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Vivo o desconforto e a nostalgia de mim mesmo ao me deparar com o sonho dos meus vinte anos que a idade madura não confirmou. Sinto-me disperso, irrealizado, quando retorno às minhas origens telúricas. A meta de trazer o passado ao presente, reconstruí-lo pela palavra e pensamento a fim de reconquistar a minha auto-estima, parece-me uma tarefa hercúlea porque constato que o personagem não sou eu mas, sobretudo, o tempo. Deduzo que, precisaria recriar os fatos e renascer as pessoas. Verifico que sou o resultado de todas as convivências e acontecimentos afins do passado. Por isso, o vácuo e a irritação me arrastam ao entendimento inconcluso de que tudo foi ilusão e fantasia, ou infecção sentimental.

Mas, o patrimônio existencial da terceira idade, onde a memória olfativa, a auditiva e, principalmente, a visual, procuram restituir-me o universo perdido das fases inaugurais da vida. Aquela lua cheia, por exemplo, vista do cais do rio Jundiaí em Macaíba, como se estivesse pendurada por fios invisíveis, atrás dos coqueiros e eucaliptos, infundia-me na adolescência, negro mistério do tempo da colonização dos escravos, índios e colonos, de escuridão e medo, como se as fases da lua chegassem naquele tempo por édito imperial. Como me perco na contemplação do Solar do Ferreiro Torto e os seus sortilégios de poder, carne, cobiça e paixão. E a descortinação surpreendente do Solar dos Guarapes. Quantas perguntas insaciadas não existem sobre o que ocorreu ali? Os seus fantasmas que subiam e desciam a colina sob a batuta do senhor de engenho numa cosmovisão ora polêmica, ora lírica, dentro do abismo da memória?  “Tu não mudas o mundo. Mas o mundo te muda”. Talvez essa frase de Otto Lara Rezende explique e me convença que o futuro nada tenha a ver comigo, porque o passado está mais presente em mim do que o próprio presente.

Em cada rua onde passo em minha terra natal, revisito os mortos na lembrança tentando reconstituir os fatos com os quais dividi o tempo. Adquiri o hábito de rezar por quase todos eles, todas as noites. Faço-os prolongar no meu convívio pela relembrança. Para mim o chão dos antepassados é sagrado, mesmo que estejam sepultados nele resquícios enferrujados e rangentes de um perdido fausto. Macaíba, mesmo debilitada pela decadência física, da feição das fisionomias de ontem e das coisas, o que mais me dói nela é o sumiço das boas mentalidades e dos antigos costumes, como se fosse hoje um porão cheio de escuro oblívio, melancolia e solidão. Nostalgias, nada mais. Apenas, inventário dos bens essenciais.

Por fim, digo como um poeta “que revolvendo o passado, é que se encontra a palavra que envolve a unidade do gênero humano”. Nesses tempos agitados, de assaltos, homicídios, que ultrapassam estatísticas criminais, só nos restam assumir o compromisso com o imponderável e repetir sempre que só o “amor pode ler o que está escrito nas mais remotas estrelas”, no dizer de Wilde, que era místico na arte, na vida e na natureza. Tudo está suspenso no ar. Fora da vida pública procuro ser feliz e calmo para ser livre e isento, sem aspirações maiores, além do sonho vivido.

Interessa-me ser simples, sombra e luz, palmilhando ainda na casa dos oitenta, afanosos instantes de profundidade vital.

                                                                                (*) Escritor

quarta-feira, 15 de março de 2023

 

FAMOSOS – MANIAS e HOBBIES

 

Diogenes da Cunha Lima

 

Manias e hobbies são próprios da natureza humana. Celebridades, gente famosa, não fogem à regra. Ambas têm caráter repetitivo. Enquanto os hobbies funcionam como distração, divertimento, as manias são hábitos que se repetem e, quando exageradamente repetidos, são patológicos, indicam um transtorno bipolar.

Estes substantivos definem a atitude de famosos. 

 

       Charutos e conhaque. O cardeal Dom Eugênio Salles, quando se sentia realizado, feliz, celebrava fumando e bebendo do melhor.

 

       Canivete. O cardeal Dom Jaime Câmara, de sangue potiguar, que fora bispo em Mossoró, guardava sempre no bolso da batina um canivete que usava para descascar laranja.

 

        Trocadilho. Dom Marcolino, primeiro arcebispo de Natal, era famoso pelos seus trocadilhos. Conta-se que inaugurou a casa comercial da família Bila, na Ribeira, dizendo: “Natal não merece uma bala porque é cidade bela, é aqui que mora os Bila, o que não me sai da bola é que ela merece uma bula de louvores”.  

 

        Cálice. Câmara Cascudo solenizava os acontecimentos marcantes, como aniversário de Verlaine e de Proust, bebendo em cálice de prata. De manhãzinha, ia ver uma trepadeira chamada botão-de-ouro para cumprimentá-la dizendo: “Bom dia, flor”.

 

        Conhaque de Pitanga. Gilberto Freyre servia aos amigos o seu conhaque (de pitanga). Segundo Lectícia Cavalcanti, autoridade brasileira em gastronomia, era produzido com frutas maduras do Solar de Apipucos e trabalhada com cachaça de cabeça.

 

        Monogramas. O senador Dinarte Mariz usava camisas com as letras bordadas DM. Vestia-se, impecavelmente, com alfaiate que trabalhava no Rio de Janeiro e Hong-Kong.

 

        Formiga preta. O reitor Onofre Lopes, fundador da UFRN, sentia-se grato às formigas. Jovem, trabalhava no campo (o chamado Lugar Comum) e tolerava a seca, o calor, a canseira do trabalho agrícola, mas o horror da picada das formigas pretas fez com que viesse para Natal e, aqui, principiasse seus estudos letrados e científicos.

 

        Vaqueiro. Silvio Pedrosa, governador do RN, havia cursado colégio nobre em Londres, era esgrimista, mas apaixonado por vaquejada. Cascudo chamava-o de “vaqueiro honorário”.

 

                  Biblioteca. A poeta Zila Mamede era sempre louvada como bibliotecária, rigorosa ao extremo. Eu estava como reitor e pedi a um funcionário para me trazer um livro de que estava precisando. Ele logo voltou dizendo que a diretora da biblioteca central disse ser impossível emprestar o livro a quem não estava com ficha regular. Depois me trouxe o livro, mas avisou: “Tome muito cuidado, porque o empréstimo está em meu nome”.

 

         Os famosos dedicaram o seu tempo livre aos hobbies preferidos e suas manias são contadas com graça e leveza.

 

terça-feira, 14 de março de 2023

 

O bispo que se aspira e inspira

Padre João Medeiros Filho

Este texto não resulta de uma consulta formal, tampouco consiste num documento institucional ou estudo comparativo. É fruto de diálogos fortuitos entre religiosos, leigos engajados e o Povo Deus. Há quem professe credo diferente. Entretanto, preocupa-se com a dinâmica da fé e sua influência sobre a sociedade. Afirma-se que a Igreja exerce significativa liderança. Recorda-se o Movimento de Natal com sua força propulsora para o desenvolvimento regional. Inegáveis são o contributo das escolas radiofônicas, dos centros sociais e a importância de tantas outras iniciativas, dentre elas, incentivo ao artesanato e cooperativismo, atenção à saúde básica e educação. A antiga Escola de Serviço Social exerceu um papel relevante para as mudanças estruturais.

Natal é uma das grandes arquidioceses brasileiras em dimensões territoriais e populacionais. Atualmente, a circunscrição eclesiástica detém uma superfície de 25.153 Km2 (quase metade da área do RN) e cerca de 2.191.000 habitantes, dos quais 1.752.793 católicos. O arcebispado – que se estende da capital do estado à cidade de São Rafael (distante 220 Km) – compõe-se de mais de cem paróquias e áreas pastorais, um clero ultrapassando duzentos presbíteros e cem diáconos permanentes.

A diocese foi criada em 29/12/1909 por Pio X, pela bula papal “Apostolicam in Singulas” (abrangendo todo o RN), sendo desmembrada da diocese da Paraíba. Posteriormente, cedeu território e clero para a instalação das dioceses de Mossoró (1934) e Caicó (1939). Foi elevada à categoria de arquidiocese, aos 16/02/1952 pelo documento pontifício “Arduum Onus”, do Papa Pio XII. Até o momento, foram seus pastores: quatro bispos e seis arcebispos diocesanos. Além deles, houve dois prelados auxiliares e três administradores apostólicos: um com a sé vacante (antes da nomeação do primeiro bispo) e os demais com a “sede plena”. A designação destes últimos foi decorrente da limitação, por cegueira, de Dom Marcolino Dantas, o qual ocupava o sólio episcopal. Entretanto, tais clérigos diferem de antístites transferidos, que permanecem governando o bispado até a posse em outra circunscrição eclesiástica.

Pergunta recorrente entre os fiéis: que pastor se deseja? Um homem de Deus, com espiritualidade marcante, fé contagiante, apaixonado pelo Evangelho, preocupado com toda a comunidade, dinâmico e de uma simplicidade que aproxima. Aspira-se que saiba nutrir a vida cristã com a Sagrada Escritura, Teologia, Mística e Espiritualidade. O Código de Direito Canônico recomenda (cânon 378, § 5º) que os candidatos ao episcopado possuam o grau de doutor (ao menos, mestre) em uma das disciplinas: Sagrada Escritura, Teologia e Direito Canônico ou sejam verdadeiramente versados nelas. O apóstolo Paulo, na Primeira Carta a Timóteo, traça o perfil episcopal: “É preciso que seja irrepreensível, sóbrio, ponderado, educado, hospitaleiro, apto para ensinar e moderado...” (1Tm 3, 2-4). E São Gregório Magno, em sua Regra Pastoral, lembra as virtudes que deve possuir: “É indispensável que tenha pureza de alma, ação exemplar que convença, a discrição do silêncio, palavras úteis, atenciosa compaixão, contemplação que o desapegue da terra, humildade que o faça irmão e servidor.”

  Anela-se que seja amante da Doutrina Social da Igreja e desejoso de apascentar a juventude e a população universitária. Hoje, a arquidiocese detém uma comunidade acadêmica mais numerosa que muitas paróquias. A presença do clero deve ser marcante nesse setor. Há necessidade de sacerdotes com acurada formação, espírito cientificamente crítico e abertos ao diálogo. A universidade é um espaço de reflexão, onde há lugar para o Evangelho. Nas décadas de 1960 a 1990, o arcebispado dispunha de dezesseis padres docentes nas universidades públicas. A comunidade acadêmica contava aproximadamente com doze mil pessoas. Atualmente, ultrapassa sessenta mil, tendo apenas um sacerdote lecionando no ensino superior. É fundamental uma preocupação com o ensino religioso nos colégios. Está desaparecendo a figura do padre ou freira professor de religião. Há algo que se deverá respeitar: a cultura de nosso povo. Convém cuidar de sua alma. Existe um fator endógamo nas famílias, tornando-as unidas e coesas. Mas, a mídia e as redes sociais tentam cindir tais vínculos.  “Cuidai de todo o rebanho sobre o qual o Espirito Santo vos estabeleceu como apascentadores da Igreja de Cristo, adquirida com o seu sangue.” (At 20, 28).

quarta-feira, 8 de março de 2023



 



DIA INTERNACIONAL DA MULHER

Por não ter sabedoria suficiente para enaltecer a grandeza da mulher, com a eterna saudade da minha mãe LÍGIA e da minha querida THEREZINHA, transmito a mensagem de quem foi mulher, amante e poetisa por toda a sua existência.















sábado, 4 de março de 2023

 

Cartas de Cotovelo – Verão de 2023 – 9

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

AS ÁGUAS DE MARÇO FECHANDO O VERÃO

Terminamos fevereiro com muita chuva pelo Brasil afora, prenunciando um período bem molhado para amparo dos homens do campo, apesar da proximidade, apenas, da Primavera.

Em alguns lugares, as quedas pluviométricas foram exageradas. Castigo de DEUS? Não, advertência ao mau uso da natureza, das dádivas que recebemos e recalcitrância na busca de exploração desordenada do solo, ferindo as encostas das dunas e dos morros, despertando o Poder Público e a própria consciência dos empreendedores para uma reposição dos bons costumes.

Nada é de graça nem sem motivo – existe o princípio da reciprocidade que faz retornar tudo aquilo que empreendemos. Não temos sido fiéis às melhores tradições dos colonizadores e insistimos em buscar vantagens de qualquer forma.

Esses prolegômenos, (lembrei-me do meu querido Professor Floriano), é para registrar que aqui em Cotovelo o dia amanheceu radioso, luzento e com uma brisa confortadora.

O ambiente é convidativo para nos encantar com boas leituras e assim o fiz desde os primeiros raios do Rei Sol, sempre no conforto de uma rede sertaneja, equipamento essencial em uma casa de caboclo. Aqui na praia não trago os meus autores mais eruditos para não quebrar a simplicidade da natureza e cultuar um pouco mais o intimismo das leituras espiritualistas.

As minhas motivações para escrever as Cartas de Cotovelo são sempre as mais simples, seja porque sou de ascendência campesina, onde a natureza é mais preferida ou de um praiano de infância até a madureza. Não dispenso uma varanda, especialmente quando acaba o ruge-ruge do veraneio e retorna o gorjeio na minha janela, logo que chega a quarta hora de cada dia.

Confesso que vinha retraindo o meu hábito de escrever diante de tanta erudição de alguns parceiros. Contudo, após meditar, decidi que cada um dá o que tem e a minha trouxa intelectual é pequena, quase aquela que canta Patativa do Assaré:

Meus versos são como semente
Que nasce arriba do chão;
Não tenho estudo nem arte,
A minha rima faz parte
Das obras da criação

 

GRAÇA E ILUMINAÇÃO

                                    -  Horácio Paiva *

Apesar de haver lido bastante Schopenhaeur, não sou do bloco dos pessimistas... E quanto a Bertrand Russel, o meu ceticismo é diferente do dele. Não o é em relação a Deus, mas ao domínio do conhecimento pelo homem. Neste caso, estou com Sócrates, que dizia: “de uma coisa, sei: que nada sei”. 

Tenho buscado a imaginação, a poesia e a teologia como ferramentas para ampliação da consciência. A lógica cartesiana não nos leva muito longe, embora importante nas coisas, sonhos ou ilusões ditas práticas do dia a dia. Nos “Fragmentos” de Novalis, pensador e poeta romântico alemão, há uma frase que diz: “Se tivéssemos uma Fantástica como existe uma Lógica, ter-se-ia descoberto a arte de inventar.” Quando perguntado se acreditava em Deus, Iung respondeu: “Se acredito? Eu não acredito, eu sei!” Também respondo de forma parecida: “Percebo e sinto Deus”, o que me dá grande liberdade e coragem. E a vida se torna uma aventura criativa, ou sonho.

Para Santo Agostinho, somente somos salvos pela graça de Deus. Thomas Merton, monge trapista, teólogo e escritor moderno, autor do célebre “O Zen e as Aves de Rapina”, identificava a Graça (cristã) com a Iluminação (zen-budista).

No mais, e apesar de minha ignorância humana, sou livre e feliz (pela graça ou pela iluminação) e alegre na maior parte do tempo  -  embora navegando ora em mar calmo, ora em mar agitado, o que me traz, algumas vezes, mudança no humor. Mas a felicidade é profunda e o humor superficial.

A propósito do Zen, o monge católico trapista Thomas Merton, na obra acima citada, procura demonstrar a aproximação dessa doutrina com o Cristianismo. Curiosa e interessante a relação que estabelece entre a “iluminação” zen-budista e a “graça” cristã. Cita São João da Cruz, que “compara o homem a uma janela através da qual brilha a luz de Deus.” Com efeito, são palavras do próprio santo, extraídas de sua obra “Subida do Monte Carmelo”: “Quando a alma dá lugar (que é apartar de si toda névoa e mancha de criatura, tendo a vontade perfeitamente unida à de Deus  -  porque amar é trabalhar em despojar-se e desnudar-se por Deus de tudo o que não é Ele), logo fica esclarecida e transformada em Deus, e o Senhor comunica-lhe o seu ser sobrenatural de tal maneira que parece ser o próprio Deus e, de fato, é Deus por participação.”

Novalis dizia ser a Poesia a mais importante fonte do diálogo do homem com Deus. Costumo dizer que Poesia e Profecia são irmãs. Ambas trabalham o alargamento da consciência. Muitas vezes compartilhei esse pensamento com o meu saudoso amigo Nelson Patriota. E agora concluo com esse meu poema, entre a graça e a iluminação:


ZEN

quando estiver salvo

ou iluminado

não precisarei

mais nada perguntar  -

 

são ilusórias as perguntas

e ainda mais as respostas

.......................................................................................................................

(*) Horácio de Paiva Oliveira  -  Poeta, escritor, advogado, membro do IHGRN, da UBE-RN e presidente da Academia Macauense de Letras e Artes – AMLA.

sexta-feira, 3 de março de 2023

 SENHOR, NÃO DEIXES QUE O MUNDO O SUPERE!

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

As Sagradas Escrituras, desde Gênesis, registram a participação direta de Deus na condução do povo escolhido. Abrão, Elias, Jacó, Moisés, Josué, Davi, Salomão e os relatos dos profetas Samuel, Ezequiel, Daniel, Jeremias, Isaías, Zacarias, Malaquias, todos narram fatos: vários ouviram a voz de Deus e foram inspirados nos ensinamentos e procedimentos. Receberam mensagens divinas através dos anjos, foram guiados, sofreram e quantos não morreram até a chegada do Messias? Quantas batalhas vitoriosas não foram travadas pelo povo Judeu que depois foi escravizado por inúmeras potências estrangeiras até a fase dominadora dos romanos quando Jesus nasceu? Numa medida extrema para salvar o mundo apodrecido daquele tempo, Deus enviou o seu filho Jesus com a missão da boa nova a fim de tirar os pecados dos homens e remir a humanidade degenerada.

Mas estava escrito que, cumprida a missão, o Cristo seria crucificado para depois ascender ao Pai. Ressuscitado, Êle ainda permaneceu na terra ultimando junto aos apóstolos suas recomendações finais, cujo ponto alto foi a unção do Espírito Santo para todos eles enfrentarem o imenso mundo hostil e ímpio que estava deixando. Em verdade, não fosse o milagre da transferência do Espírito Santo teria sido impossível aos apóstolos realizarem a ingente tarefa de pregação e de cristianização. E Paulo de Tarso se destacou entre todos como o mais sábio e operoso obreiro. Hoje, a humanidade se repete no tempo. A imensa maioria do globo terrestre não é cristã. A obra evangelizadora não atingiu seus objetivos na Ásia e no Oriente, barrada pelo islamismo, o budismo, o bramanismo além dos regimes políticos de exceção da era stalinista, hitlerista e maoísta, entre outros da mesma escória.

Que razões poderiam ser elencadas? Teria sido a divisão das correntes do cristianismo no século XVII? A ligação, à época, da Igreja Católica com os governos absolutistas e colonialistas da Europa que se dispuseram a impor coercitivamente o domínio político e religioso aos gentios da Ásia, África e Oriente? As igrejas cristãs teriam optado pelo regime de “cada um por si e Deus por todos”,  na presunção de que a divisão do rito, da obediência, da interpretação discrepante,  bíblica e dogmática da descentralização - a doutrina e a evangelização não se espalhariam mais pelo mundo?

O fato é que, do século XX para cá, o poder econômico tem se concentrado nas mãos dos maus em todas as esferas. Por maior que seja o esforço dos evangélicos e católicos de recriarem o universo, persiste a impressão que a humanidade sucumbe ao poder do Demônio. Na sua primeira vinda, Jesus redimiu o mundo dessa escravidão, comissionando aos discípulos anunciar as duas opções: crer para se salvar ou descrer para condenação. Tudo está em Mateus 7.13 e Marcos 16.16. Todavia, para essa segunda e definitiva etapa, vejo como leigo, que se torna imperativo que o Senhor amplie pelo Espírito Santo a tarefa dos seus discípulos no mundo de hoje. Daquele tempo de Jesus para a ultramodernidade dos nossos dias, o número da população global atingiu a casa dos bilhões; a máquina mortífera da comunicação de massa e o dinheiro permanecem com os ímpios e pecadores que destroem o trabalho ”formiguinha” dos  discípulos hodiernos; nos tempos bíblicos a intolerância cristã dos chefes de estados era o óbice; ao passo que, na atualidade, as ações da intolerância estão nas leis e nos códigos que se multiplicam, nos costumes, nos lares, nas ruas e que somente o esforço do Espírito Santo com maior intensidade e vigor, haverá de derrotar o Diabo novamente. Por isso, não cesso a oração: “Senhor, não deixes que o mundo o supere!”.

O grande Mário Andrade (1893-1945), na sublime reflexão do “Valioso Tempo dos Maduros”, disse: “Já não tenho tempo para conversas intermináveis”. “Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa”. Quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade. O essencial faz a vida valer a pena. E para mim, basta o essecial”. Quanto a mim, Jesus Cristo é essencial!

(*) Escritor.











sábado, 25 de fevereiro de 2023

 ENQUANTO O POVO DORME


enquanto o povo dorme
dizem eles
tudo é permitido
e não há censura

enquanto o povo dorme
não há problema algum
para os sombrios planos
tratativas e negócios

por que então desesperar
se ainda há tempo
e o povo está dormindo?

por que então se  preocupar
enquanto o povo dorme
e não há qualquer perigo?

ele não pode ouvir
ver ou entender
pois está dormindo

e nem acreditar
pois ainda não sabe
que a simulação é a chave

não há que perder a calma
quando ainda há tempo

não há risco
enquanto o povo dorme

o risco é o povo acordar

mas nunca é tarde
e ainda poderemos fingir
que sempre estivemos com ele
e que até o ajudamos
a despertar


-  Horácio Paiva

 A 5ª DIMENSÃO DO ESTRESSE

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Tudo incomoda o vivente. O sobrevivente. Provar a sensação amarga da guerra perdida. Contemplar do alto do edifício urbano as maiorias fúteis impondo iniquidades sobre Natal. O ter que se habituar com a visão torta e vesga dos poderosos de plantão que impõem suas regras pela mídia. Natal sem becos, sem esquinas boêmias, sem praças, sem preces, povoadas de vultos inexpressivos que não serão falados amanhã. Extraviaram a noção de história. Os anos inaugurais do século XXI, não têm o glamour dos fatos e das figuras do século passado. O homem coisificou-se. Perdeu a densidade, a identidade, a musculatura dos gestos e dos passos que fazem história.

Na política, não temos mais líderes como antigamente: os neófitos já saúdam os poucos náufragos que irão morrer amanhã. A paisagem é deserta. As instituições se burocratizaram em blocos de ferro e cimento armado. Não têm mais lume nem leme. “Igrejinhas” tão somente. Não sei se há esperança. Não sei se há salvação. As únicas ameaças à ordem constituída continua a ser o Covid, a droga, a dengue, a chikungunya e a zica. Muitos acreditam que é o maior desafio ainda não enfrentado pelo Ministério Público. Por outro lado, Natal a cada dia, fica mais insuportável com a quantidade de veículos. De motos. Principalmente aquelas que cortam o seu carro pela direita. Mas, assim caminham as capitais, as metrópoles para o futuro enganoso oferecido pelas imobiliárias. O ensino público e privado mercadejou-se tanto quanto o turismo sexual. Perdeu a qualidade. E viva a quantidade.

Fortunas repentinas arremetem-se para o alto iguais ao crescimento vertical da cidade. Não há explicação. Não há investigação. Tudo é volátil e volante. Expresso em arcos voltaicos celebrados na crônica social. É aí que se deduz que toda celebridade quando não é célere, é celerada. Ou fazem de cômicas todas as autoridades.

Saio de mim para penetrar na imponderabilidade do oceano que assiste, lá fora, a decomposição humana. A visão misteriosa do oceano pacífica e beatifica o pecador solerte, já dizia o décimo terceiro apóstolo de Cristo, perdido no tempo e no espaço, ainda acreditando na grandeza do último milagre.

Mas, estresse é coisa séria. Pode ser trágico, para não dizer cômico. Não há como escapar de suas ilações, reações adversas e efeitos colaterais. Mas, que Natal está chata e irreconhecível infelizmente é verdade. Tenho ultimamente pensado muito em Lucrécia. As duas. A Bórgia e a do Oeste. São pontos de fuga. Estações de tratamento para os dias. Os mesmos dias.

Hoje em dia, é raríssima a autoridade pública ou privada que dá retorno de telefonemas. Deixar recado é esforço pífio e inútil. Não existe mais apreço, atenção, respeito, civilidade, sociabilidade, humanidade. O político, via de regra, só retorna ligação se houver vantagem de voto gratuito ou financiamento de campanha. O empresário pergunta logo quem está na ponta da linha e quanto vai lucrar. Já alguns secretários de governo, nomeados para atender a sociedade, sempre estão em reunião com “aspones” para evitar interrupções que não atendam seus interesses imediatos. Devolver um telefonema que não foi atendido de imediato por ocupação instantânea ou outro motivo relevante, ou não receber um cidadão que pediu audiência, é ato de cavalheirismo, de educação, de nobreza que pouca gente cultiva.

Sei que muitos leitores estão incluídos na estatística dos sofredores. E gostariam de dizer o que afirmo agora. Os cultores da prática mafiosa alegam que é preciso racionalizar o tempo, eleger prioridades, formatizar custos e ganhos de produtividade, e, o lado humano/cidadão vai para o beleléu, descartado por não representar modernidade, segundo os fariseus dos templos públicos. Cheguei a imaginar, de início, que a minha tese é inconsistente. Seria antiquado portar-me assim, mandando a secretária anotar quem telefonou para retornar, em seguida, uma a uma, as ligações recebidas? Acho que não. Tudo é uma questão de estilo, de ética, de personalidade e de berço.