terça-feira, 1 de julho de 2025

 



POUCAS E BOAS

RELEMBRANDO ROMILDO GURGEL

 

Valério Mesquita

mesquita.valerio@gmail.com

 

01) Romildo Gurgel foi um homem fiel às amizades e às inimizades também. Dele sempre se poderá dizer a penúltima palavra, mas nunca a última. Temperamento explosivo, Romildo era um verdadeiro vulcão. Lutou contra gregos e troianos para consolidar o Tribunal de Contas do Estado, nascido nos anos turbulentos das batalhas políticas do “verde” contra o “vermelho”. E como isso não bastasse, Romildo efetuou com talento e gênio e sem naufrágio, a perigosa travessia da Revolução de 1964, sob a mira dos canhões cuspidores de chumbo do General Meira Matos. Como uma sentinela de resistência, passava o dia e a noite no QG do TCE, preparando dossiês e relatórios, defendendo-se contra tudo e contra todos. Ao seu lado, o advogado Varela Barca emprestava o brilho de sua inteligência. Contra cada um dos detratores, Romildo vociferava invectivas e acusações sob o silêncio profissional de Barca. Não se contendo mais, Romildo explodiu: “Barca, Barca, comprometa-se, comprometa-se!!”.

02) O Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte muito lhe deve apesar do inegável espírito contraditório e polêmico. Certa noite, num jantar, ouviu o comentário manso e pacífico do colega conselheiro Aldo Medeiros: “Ontem, Romildo, eu tive o prazer de almoçar com o General Meira Matos. Foram momentos agradabilíssimos”. Ao lado, Romildo, ferido, em guerra cansativa e mortal contra o militar, comentou desalentado: “Aldo, você é um homem feliz porque almoça com o General Meira Matos. E eu, o que posso dizer?”.

03) De outra feita, no corredor do prédio do Tribunal, Romildo, sobrecarregado de papéis, com o conselheiro Mota Neto, robusto, quartudo e irrequieto, ao lado do poeta e jornalista Sanderson Negreiros, boa vida e eterno aprendiz dos mistérios circundantes, fez a seguinte saudação: “Dr. Sanderson, a luta é grande. Motinha, você é a própria força da natureza!”.

04) Implacável com os inimigos, Romildo Gurgel atingia, por vezes, as raias do absurdo. Numa contenda com o comerciante Epifânio Dias, homem de bem e respeitável, usava o microfone da antiga Rádio Cabugi (que pertencia ao senador Georgino Avelino, seu parente), para insinuar que recebia cartas elogiosas do seu desafeto e lia um texto inverossímil, para a ira do seu inimigo ouvinte do programa.

 

(*) Escritor


domingo, 29 de junho de 2025

 



São Pedro – PRIMEIRO Papa da Igreja Católica, força viva da cristandade.(*)

São Pedro (1 a.C.- 67), foi um de seus primeiros discípulos e a quem Jesus determinou ser considerado o fundador da Igreja Cristã em Roma e o seu primeiro Papa.

Citado em todos os Evangelhos, tem no dia de 29 de junho a comemoração do seu dia, muito rico nos festejos brasileiros, notadamente no Nordeste.

Nasceu na Betsaida, na Galileia. Filho de Jonas e irmão do apóstolo André, seu nome de nascimento era Simão e era pescador.

Seu conhecimento com Jesus se fez com a interferência de São João Batista. No primeiro encontro Jesus o chamou de Kepha (pedra, em aramaico), Petros em grego. Nessa época de seu encontro com Cristo, Pedro morava em Cafarnaum, com a família de sua mulher.

Foi pela demonstração de fé que Simão (Pedro), enfrentando uma tempestade, andou sobre as águas junto com Jesus. Mas, quando sobreveio o medo afundou, sendo advertido pelo Mestre.

Ainda, pela sua fé em Jesus, não teve dúvida em responder a indagação e reconhecê-LO como o Messias (Evangelho de Mateus) “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Pedro, indiscutivelmente, exerceu uma liderança entre os apóstolos e, por isso, Jesus o escolheu para edificar a Sua Igreja

Nesta passagem, Jesus exalta a fé do apóstolo e o nomeia com o novo nome: Pedro: “Sois Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja” (Mateus, 16:18), recebendo as chaves do Reino dos Céus e representante da Igreja na terra.

Os Evangelhos narram que São Pedro foi o primeiro a entrar no túmulo de Jesus para constatar a ressuscitação, quando Maria Madalena informa que o corpo não estava mais lá.

No ritual da Igreja Católica, um cardeal deve escolher um novo nome quando se torna Papa, como ocorreu quando Simão recebeu a denominação de Jesus, para se chamar Pedro.

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(*) Pintura e texto de Carlos Roberto de Miranda Gomes

 

sexta-feira, 27 de junho de 2025

 


RELEMBRANDO UM GRANDE JORNALISTA

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

 

Cascudo, comentando em tom jocoso o quotidiano do viver em Natal, dizia que ”nesta cidade tudo se vê, tudo se ouve, nada se esconde”. O conceito profissional como jornalista digno e competente foi o referencial que levou o governador Tarcísio Maia a convidar João Batista Machado para assumir e exercer em seu governo o cargo de Secretário de Imprensa. Do mesmo modo nos dois governos de José Agripino Maia, de Radir Pereira e Vivaldo Costa. Também exerceu o cargo de Assessor de Imprensa da Federação do Comércio do Rio Grande do Norte e do sistema SESC/SENAC. Atualmente é Diretor de Comunicação Social do Tribunal de Contas do Estado.

Carlos Castelo Branco, que, através de sua coluna diária no JORNAL DO BRASIL, registrou e analisou a nossa História em 50 anos do século XX, dizia que o jornalista é, ao mesmo tempo, personagem e espectador da História.

E por falar em Castelinho, o genial jornalista que reinventou o jornalismo político no país com brilho e credibilidade informativa, devo dizer que João Batista Machado também assim procedeu com relação ao Rio Grande do Norte, tanto através de suas reportagens ao longo do tempo como através dos seus livros. E registro, igualmente, a simpatia e apreço que o pequeno grande jornalista piauiense devotava ao seu colega de Assú, amizade construída em Natal em 1982, quando aqui veio em missão profissional, deixando os dois, como não poderia deixar de ser, pelos bares e restaurantes natalenses, a marca registrada do consumo do melhor escocês. Quatro anos depois, Machado precisou retificar uma notícia veiculada na célebre coluna do Castelo no Jornal do Brasil a respeito da política do Rio Grande do Norte. E para merecer uma acolhida in totum, nessa coluna, só quem desfrutasse efetivamente de prestígio político e cultural ou da estima pessoal do renomado jornalista. O nosso João Batista ocupou o espaço que a amizade e a admiração do seu colega lhe permitia  na edição do Jornal do Brasil de quarta-feira, 17 de setembro de 1986, através da transcrição de um longo esclarecimento.

João Batista Machado fez História. Seus livros, todos eles, preservam a memória política do nosso Estado. Dá-lhe vigor e autenticidade. Assim se sucederam ”De 35 ao AI-5”, ”Política no atacado e no varejo”,  “Anotações de um repórter político”, ”Como se fazia governador durante o regime militar”, “1960: Explosão de paixão e ódio” e “Perfil da República no Rio Grande do Norte”. A sair, “Testemunho de Ausentes” (48 perfis).  A vida profissional e a obra de João Batista Machado, limpo e isento, há muito tempo, tornaram-no membro desta Casa. Sua posse formal, pública e solene, é apenas mais um gesto de reconhecimento e gratidão da sociedade a quem ele tanto ilustra e honra com seu exemplo de jornalista ético e competente, de uma conduta pessoal feita de dignidade, e sua obra, documento vivo e imperecível da nossa História.

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(*) Escritor 


terça-feira, 24 de junho de 2025

 


São João Batista - Batista, aquele que batiza, nasceu em Israel, próximo de Jerusalém, pela benevolência de Deus através de anúncio do Anjo Gabriel, uma vez que seus pais já eram idosos – Zacarias, era um sacerdote do templo de Jerusalém e Santa Isabel, que era prima de Maria Mãe de Jesus, para ser o precursor do Messias e com a missão de pregar a conversão e o arrependimento dos pecados manifestos através do batismo. Seu nascimento foi fundamental para os novos tempos. João cresceu no deserto, onde viveu com simplicidade, alimentando-se e vestindo-se com o que a natureza lhe proporcionava, batizando o povo no rio Jordão. Foi a voz que clamava no deserto e anunciava a chegada do Salvador. Ele é também o último dos profetas.

No cumprimento de sua Missão, em decorrência de sua credibilidade, o povo pensava que ele era o Messias. Mas ele retrucava: Eu não sou o Cristo, eu não sou digno de desatar nem a correia de suas sandálias. (Jo. 1-27). Em outra passagem, ele disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. (Jo.1-29). Batista era uns seis meses mais velho do que Jesus, o verdadeiro Salvador, que o procurou para ser batizado, embora João declarasse: Eu é que devo ser batizado por ti, e tu vens a mim? (Mt3-14).

Seu ministério foi tão importante que o tornou conhecido e temido, tanto que isso lhe custou perseguição, prisão e morte trágica por ordem do rei Herodes Antipas, verdadeiro fantoche de Roma na Peréia e na Galileia, que praticara adultério, se unindo a Herodíades, sua cunhada.

São João Batista é consagrado como o primeiro mártir da Igreja, e o último dos profetas. Sua festa é celebrada desde o começo da Igreja, no dia 24 de junho.

Consagrado em todos os lugares do mundo, São João Batista tem a maior devoção no Nordeste brasileiro numa dimensão única, proporcionando a celebração constante de eventos religiosos e, em seu aniversário de nascimento, se transforma em um verdadeiro espetáculo de cultura popular.

Registre-se, que nessas festividades, existe o simbolismo da fogueira, que tem origem cristã, pelo fato de que Isabel, teria acendido uma fogueira para avisar Maria sobre o nascimento do filho.

São João Batista, com sua história de fé, coragem e profecia, mantém a tradição pelos seus devotos e continuadores de sua missão de renovação espiritual.

Marca a tradição nordestina a presença de instrumentos e coisas indispensáveis, como simpatias e adivinhações, os tocadores de sanfona, a quadrilha - dança teatral com origem europeia, adaptada pelo povo nordestino; Forró pé de serra, que deram destaque a artistas como Luiz Gonzaga, Dominguinhos e outros mestres eternizaram a parte musical dos folguedos; enfeites apropriados – bandeirinhas e balões; fogueira, comidas especiais: pamonha, milho cozido ou assado, canjica, mungunzá, bolo de milho, pé de moleque. Na parte mais religiosa não podem faltar a fé popular nas Missas e procissões: nas igrejas e celebrações comunitárias.

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Texto e pintura de Carlos Roberto de Miranda Gomes

 

Padre João Maria, apóstolo dos pobres

Padre João Medeiros Filho

No centro da Cidade do Natal, perto da Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, onde Padre João Maria Cavalcanti de Brito foi pároco por mais de duas décadas, há um busto do eminente sacerdote, modelado pelo escultor Hostílio Dantas, em 1919. Decorridos quase cento e vinte anos do seu falecimento, em 16 de outubro de 1905, muitos devotos ainda recorrem à intercessão daquele que ficou conhecido como apóstolo dos pobres, em busca de conforto espiritual. Eis a demonstração da santidade de um sacerdote que viveu plenamente o Evangelho. Nascido em 23 de junho de 1848 na zona rural de Caicó, hoje município de Jardim de Piranhas, continua alimentando a fé de gerações que sequer o conheceram pessoalmente. Permanece vivo e presente na memória de milhares de fiéis. Padre João Maria tocou o coração de nosso arcebispo metropolitano, Dom João Santos Cardoso, que, pouco depois de aqui chegar, se empenhou em introduzir junto à Santa Sé o processo de beatificação do inolvidável presbítero.

Para se ter uma ideia de sua popularidade, o sepultamento do pároco natalense reuniu quase toda a população da capital potiguar, à época. No cortejo da matriz até o Cemitério do Alecrim onde foi sepultado, estavam presentes desde o governador do estado, Dr. Augusto Tavares de Lyra até o pastor evangélico da cidade. Além de sacerdote, Padre João Maria foi uma espécie de médico e assistente social dos desvalidos, aos quais atendia com carinho e solicitude. Percorria, a pé ou montado num jumentinho, os bairros pobres de sua paróquia para levar mensagens de esperança aos miseráveis, medicar os doentes com remédios caseiros por ele preparados e prestar conforto aos moribundos, ministrando-lhes a unção. O seu lema era “Fiz-me tudo para todos” (1Cor 9, 22), conforme o ideal do apóstolo Paulo. Este, de modo inspirado, escreveu o Hino à Caridade (1Cor 13), que marcou o antigo pároco da capital potiguar.

 O ambiente cristão de sua família contribuiu para despertar nele a vocação religiosa. Os amigos e párocos do Seridó ajudaram-no a custear seus estudos no Seminário de Olinda (PE), para onde viajou aos 13 anos a fim de fazer o curso eclesiástico. Levava na parca bagagem uma carta de apresentação de Padre Francisco Rafael Fernandes, mais conhecido como Visitador Fernandes, pró-pároco de Caicó. Concluiu os estudos de Teologia no Seminário da Prainha, em Fortaleza (CE). Ali, foi ungido presbítero, aos 30 de novembro de 1871, por Dom Luiz Antônio dos Santos, primeiro bispo da diocese cearense. Exerceu seu ministério sacerdotal na terra onde nasceu, em Santa Luzia (PB), Acari, Florânia, Nísia Floresta e Natal.

Sua compleição era a de um sertanejo. Tez amorenada, queimada pela canícula nas longas e cotidianas caminhadas que empreendia para cuidar do seu rebanho, sobretudo dos humildes e esquecidos. Segundo os cronistas da época que registram sua inestimável obra de caridade, o ínclito sacerdote tinha um olhar penetrante. Sorria pouco, mas de bom humor, sendo extremamente simples e afetuoso. Bondoso e manso, muitos dos seus contemporâneos o chamavam de “João de Deus”. Talvez se vivesse em nossos dias, estaria presente e animando a Ronda Fraterna e a pastoral dos irmãos em situação de rua, distribuindo a sopa e os sanduiches com aqueles que promovem diariamente a “Ceia com Jesus”.

Em Natal, residiu na esquina da praça que hoje leva o seu nome – outrora Praça da Alegria – e abriga o busto erguido em sua homenagem. Tal recanto tornou-se o destino da romaria dos infelizes que buscam algum tipo de consolo­ material ou espiritual. Era comum o venerável sacerdote dar seu próprio almoço aos que estavam com fome. Conforme os jornais da época, costuma doar aos enlutados o tecido que ganhava para fazer uma batina. Ofertava aos necessitados a rede em que dormia, passando a noite no chão até ganhar outra, que acabava tendo o mesmo destino. A mesada que recebia do irmão bem-sucedido (o jurista e ministro Amaro Cavalcanti, residente no Rio de Janeiro) era repartida com os carentes. Viveu a recomendação do apóstolo Paulo: “Mostrai-vos solidários com os irmãos em suas necessidades” (Rm 12, 13).

quarta-feira, 18 de junho de 2025

 

A solenidade de “Corpus Christi”

Padre João Medeiros Filho

A festividade de “Corpus Christi” (Corpo de Cristo) é celebrada sessenta dias após o domingo da Páscoa. Foi instituída pelo Papa Urbano IV, por meio da Bula “Transiturus”, em 8 de setembro de 1264. Na época, o Sumo Pontífice tomou conhecimento de que a freira belga Juliana Mont de Cornillon, da diocese de Liège, tinha visões de Jesus, pedindo-lhe uma festa litúrgica anual em honra do Santíssimo Sacramento. Outro motivo influenciou a decisão de Sua Santidade. De acordo com relatos eclesiásticos, Padre Pedro de Praga tinha, em alguns momentos, dúvidas sobre a presença de Cristo na Hóstia Consagrada. Voltando de Roma para a Tchecoslováquia, o aludido sacerdote foi celebrar na cripta da igreja de Santa Cristina, em Bolsena (Itália). Ali, aconteceu algo miraculoso. Durante a elevação, começaram a cair gotas de sangue sobre o altar e o corporal. Este foi levado para a Catedral de Orvieto, onde é conservado até hoje.

A Eucaristia é a prova permanente da doação plena de Deus, ternura do Pai, abraço divino a nós reservado, que no silêncio do Pão da Vida mostra-nos seu amor e perdão. Eis o “Tão Sublime Sacramento”, segundo o poema de Santo Tomás de Aquino, continuidade da presença celestial temporalizada na Encarnação. Cristo quis se unir à humanidade. E esta passa a ter um valor transcendente. O ser humano torna-se sacrário de Cristo!  A fragilidade assumida pelo Verbo Encarnado é elevada no Sacramento Eucarístico. Os contemporâneos de Jesus, ao ouvirem do Mestre que haveriam de comer da sua carne e beber do seu sangue, consideraram duras demais as suas palavras (cf. Jo 6, 53-60). E, não querendo aceitá-las, foram se retirando. Cristo questiona, então, os apóstolos: “Não quereis também vós partir?” Pedro respondeu-Lhe: “A quem iremos, Senhor? Só Tu tens palavras de Vida Eterna.” (Jo 6, 67-68). A Encarnação é, sem dúvida, um gesto inefável do amor de Cristo. Mas, Ele quis ir além, culminando com a Eucaristia. Graças à fé, podemos sentir essa teofania de Jesus, concedida por Deus a seus filhos diletos.

O Pão Eucarístico perpetua também os ensinamentos do Divino Mestre. Primeiramente, dá-nos a lição de humildade e serviço. “Com efeito, o que entre vós for o menor, esse é o maior.” (Lc 9, 48). Na Hóstia Consagrada, o Filho de Deus faz-se pequeno para caber em nosso coração. Nesse mistério sacramental, o Senhor deixa-nos o legado da verdadeira fraternidade. Torna-se alimento igual para todos: pobres e ricos, santos e pecadores. Ele ajuda-nos a compreender o perdão. É difícil perdoar, pois ultrapassa o entendimento e a lógica humana. No Pão Sagrado, o Redentor ensina-nos a ser simples, humildes, desarmados e de braços estendidos. Deu-nos o exemplo, quando pendeu da Cruz, precedido pelo ato de sua generosidade na Última Ceia. No Altar, Jesus continua seus milagres de misericórdia e compaixão. Durante sua existência terrena, curou doentes e ressuscitou mortos. Hoje, pela Comunhão revitaliza os irmãos amortecidos pela dor, angústia, ausência de Deus e tibieza na fé. 

Quem sente falta do Divino, vai buscá-Lo na grandeza dessa presença silenciosa. Ele deixa que sua Palavra repercuta no íntimo de quem se achega para mitigar todo tipo de fome e sede. “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14, 18), largados à própria sorte, prometeu o Senhor. Na Eucaristia contamos com a companhia divina, antecipação da eternidade, onde gozaremos o definitivo de nossa história. A Eucaristia é Deus em Cristo, amainando em nós as saudades do Infinito. Cristo é nossa fortaleza e nos ajuda a caminhar. Quanto mais O temos presente, mais O buscamos, pois Ele é Mistério, ou seja, o Indizível, Inesgotável. Vivemos a preparação e o aprendizado do nosso encontro definitivo com Ele. Ao participarmos da Santa Comunhão, já não ficaremos sozinhos, Jesus estará conosco. “Já não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim.” (Gl 2, 20). Cônego Luiz Gonzaga Monte, um sábio e santo que morou entre nós, assim expressou seu sentimento místico e teológico: “Sem a Eucaristia somos pequenos demais para o Céu, com ela demasiadamente grandes para a terra.”

segunda-feira, 16 de junho de 2025

 

PARA SEMPRE LEMBRAR O MAESTRO DO SERTÃO

TONHECA DANTAS, na realidade, Antônio Pedro Dantas Tonheca, nascido no dia 13 de junho de 1871 no sítio Carnaúba de Baixo (Carnaúba dos Dantas-RN), cidade demarcada pelos Portugueses em 11 de abril de 1613, 5º filho do segundo matrimônio do viúvo Tenente-Coronel da Guarda Nacional João José Dantas, com a escrava alforriada Vicência Maria do Espírito Santo, celebrado em 1º de fevereiro de 1871, de um total de oito: Pedro Carlos de Maria, José Venâncio de Maria, João Pedro Dantas, Manoel Nicolau Dantas, Antônio Pedro Dantas, Francisca Urçulina da Conceição, Maria Clara do Monte-Falco e Luís Felipe Dantas.   (Pery, em seu discurso de posse em 27 de abril de 2000, informa que o nascimento teria ocorrido exatamente em 12 de junho de 1870).

A cidade foi fincada no coração do Seridó, no semi-árido subtropical, região de caatinga onde habitaram os indígenas das tribos Janduís, Canindés e Pegas. Apesar da paisagem sofrida da geografia sertaneja, cercania do riacho de Carnaúbas, as crianças sobreviviam livres, com pouca coisa a fazer, sobrando tempo para despertar a atenção para a música. Tonheca foi atraído pelos seus irmãos mais velhos, participando da banda da sua cidade, sob o comando de José Venâncio de Maria, costume que vem sendo conservado ao longo do tempo.

Prosperou em seus estudos, tornando-se destacado entre os executantes das partituras, enveredando na criação das suas próprias obras, inspiradas nas emoções da natureza e do relacionamento humano que nunca faltaram nos rincões da vida campesina. Mesmo sem formação superior no estudo da música, pela sua perseverança, torna-se um autodidata da pauta, despertando a atenção dos conterrâneos e adquirindo uma fama no nordeste, transcendendo para o resto do país.

Falar de sua vida é tarefa difícil depois que o escritor Cláudio Galvão escreveu “A desfolhar Saudades”, pois esgotou a sua biografia. Resta-me, então, desenhar alguns fatos marcantes de uma vida de sacrifício e sucessos.

Deixou o seu torrão natal e a paisagem das plantas arbustivas, dos cardeiros e das copas verdes dos juazeiros divididas com as silhuetas íngrimes de pedregosas serras e serretes nos idos de 1898 e veio para a Capital em busca de emprego.

Com o beneplácito político procura engajamento na Banda de Música do Batalhão de Segurança. Ao mesmo tempo outro protegido político, João Mamede, oriundo de Acari, já tradicional no campo da música, procurava a mesma oportunidade, forçando a realização de um concurso. Aqui vem o primeiro fato singular: o concorrente é chamado a executar uma peça e escolhe o trombone. Na vez de Tonheca lhe é entregue partitura diferente e indagado qual o instrumento será executado a peça, tendo o mesmo respondido que era indiferente, causando espanto. Após os ajustes das palhetas inicia a sua prova através dos instrumentos ao seu dispor: sax-tenor, trompete, flauta e outros. Quando pegou o bombardino, a Comissão mandou parar. Em 30 de maio de 1898 foi contratado.

O contrato seria de três anos, mas antes de completar um ano deixou o posto e no raiar do novo século resolveu ir para o Rio de Janeiro. Viajou até o porto de Cabedelo-Paraíba, procurar transporte para o sul. Contudo, ao ver dois navios com destinos diferentes – sul e norte - mudou de rumo e foi para o norte, precisamente Belém, Estado do Pará.

Ainda sem definição de vida, certo dia ao passar por uma rua da cidade assistiu momentos de uma festa, onde tocava a Banda de Música da Polícia Militar, o que o atraiu. Ali, num intervalo em que os músicos foram fazer um lanche, acercou-se dos instrumentos e não resistiu em arriscar alguns acordes. Logo retornam os músicos e ele se afasta, sem saber que o Mestre da Banda havia observado a sua atitude e que o chamou à sua presença. Encabulado, confessa que usou o clarinete. Na mesma ocasião um jovem da casa da festa o convida para comparecer ao seu escritório no dia seguinte para uma conversa sobre trabalho e lhe adianta uma nota de 100 mil réis. O encontro era com o Doutor Sílvio Chermont que lhe encomendou uma valsa para presentear a sua noiva no dia do aniversário.

Após algum tempo concluiu a peça e a entregou para o Mestre da Banda de Música da Polícia Militar que a aprovou. No dia da festa (1903), o dono da casa pede que Tonheca seja o regente, na condição de autor da música e ele o faz com raro brilho. [Tonheca manteve com ele uma cópia, mesmo sem divulgá-la. Essa música foi o embrião de Royal Cinema, que surgiria para o público de Natal, dez anos depois].

Por sugestão de um conterrâneo que encontrou em Belém foi tentar ingresso na Banda de Música do Corpo e Bombeiros de Belém. Aqui o segundo episódio singular: Submeteu-se a novo concurso e no dia da prova todos pararam para ouvir a sua execução. O Mestre entregou-lhe uma página de música – um dobrado espanhol, tocado em solo de clarinete e na regência, o Mestre procurou dar comandos complexos para ver a habilidade do potiguar e Tonheca não teve problemas. O Mestre interrompeu a prova e o examinado pensou no pior. Engano, o Mestre declarou – você está aprovado e todos o cumprimentaram, pois sabiam das dificuldades que foram colocadas e a sua superação. Ficou agregado de 15 de junho de 1903 até 18 de março de 1909, quando foi excluído pelo término do tempo e retorna ao nordeste. Já então começava a ter problemas familiares.

Em 25/8/1910 pleiteou reingresso na Banda do Batalhão de Segurança de Natal e conseguiu contrato por três anos como músico de 1ª classe, mas foi excluído em 22/10, passando apenas 90 dias.

Diante disso procura serviço no Estado da Paraíba (Alagoa Grande) para as tarefas de ensino de música e tocar em festas, passando a viver de forma instável, com idas e vindas a Natal, com passagem por João Pessoa e Alagoa Nova.

Retornou a Natal em 1911 porquanto a cidade havia progredido mercê da grande administração do Governador Alberto Maranhão já dotada de bonde elétrico e energia, abertura de novas ruas, além de haver incentivado o teatro e a música. Nesse ínterim viveu novos momentos familiares difíceis, sempre contornados com dificuldade.

Foi nessa época que entramos na era do cinema mudo, inaugurando-se o Internacional para o qual passou a tocar permanentemente (1911), em seguida o Polytheama de João Gurgel e José Petronilo de Paiva.

Em 1912 fez breve retorno a Belém para resolver problemas familiares, logo regressando a Natal onde ocupou lugar de professor de música da Escola Normal em 1913. Neste mesmo ano novos cinemas são inaugurados, o Pathé e em seguida o Royal Cinema, oportunidade em que o proprietário José Petronilo encomendou uma música para servir de prefixo daquela Casa de exibição de filmes. Tonheca tirou da gaveta onde guardava suas composições exatamente aquela feita em Belém em 1903, pediu a uma aluna Maria Aparecida de Carvalho (depois Ferreira) para experimentar a versão para piano, entregando-a, posteriormente, ao proprietário do cinema e encaminhando-a à publicação, em junho de 1914, pela Casa Bevilacqua do Rio de Janeiro, juntamente com outra composição denominada Boas Festas. Conta-se, então o centenário da valsa Royal Cinema a partir da sua execução pública em 1913.

A esse tempo a música cresceu na apreciação da população e foram realizadas retretas nos coretos das Praças Augusto Severo e André de Albuquerque.

No ano de 1915 foi convidado para dirigir a Filarmônica de Santana do Matos, do Cel. Carvalho. Contudo, novos problemas familiares desestabilizam a sua vida. Mesmo assim, conseguiu emprego mais seguro quando foi criada a Guarda da Mesa de Rendas, de onde se tornou funcionário a partir de 1917, dividindo seu tempo com a Filarmônica, época em que muito produziu no campo da composição de peças musicais, principalmente com as comemorações do centenário da independência (1922). Em 1926 foi transferido para Açu provocando a sua procura, mais uma vez, pelo Estado da Paraíba, onde volta a Alagoa Grande e torna-se maestro da Banda do Batalhão de Segurança da Polícia Militar de João Pessoa, pelo período de 1927 a 1931.

Numa passagem pelo Estado de Pernambuco acontece o terceiro caso singular: Tonheca passava por determinado local e ali uma banda tocava a sua peça Royal Cinema, mas de forma deturpada. Intervém e toma a regência da banda dando a indicação exata da execução sob as indagações dos músicos que o interpelam. Ele então esclarece – sou o autor da música e estou ensinando como realmente ele deve ser tocada.

Retorna a Natal e logo procura os seus velhos amigos de caserna. Mesmo sem ter mais a idade para a vida militar na corporação, pois dificilmente passaria no exame médico, foi aconselhado pelos amigos que fizesse um agrado ao Comandante Sandoval Cavalcanti, o presenteando com uma música em homenagem à sua esposa, D. Lydia Cavalcanti. Aqui o registro do quarto episódio marcante: Cumpre a tarefa e seus amigos da Banda de Música ensaiam as partituras. O Comandante ao ingressar em seu gabinete encontrou o presente e pediu a opinião do Mestre da Banda que fez uma apresentação, com a presença do compositor. O resultado foi plenamente satisfatório e muito elogiado. O Comandante então lhe pergunta onde ele estava trabalhando e a resposta foi que estava desempregado. Pois deixou de estar! Retornou aos quadros da Polícia Militar, embora sendo liberado de coisas de maior esforço, nela permanecendo até o final de sua existência. Adoece em 1939 e ficou sob os cuidados do Dr. Feijó de Melo e aos 69 anos falece, no final da tarde do dia 7 de fevereiro de 1940 (uma quarta-feira de cinzas), sendo o seu velório e sepultamento custeados pela Polícia Militar e sendo registrado em boletim o seu desligamento no dia 8, em razão do óbito, passando para a história como o Maestro dos Sertões.

Nunca deixou de ser reverenciado, tendo o seu nome colocado em rua desta Capital e criada uma sala especial no Teatro Alberto Maranhão, além de tornar-se Patrono da Cadeira 33 da Academia Maior do Estado a partir da reforma estatutária de abril de 1967, sendo escolhido para ocupá-la o também maestro Oswaldo de Souza, que tomou posse no dia 22/8/1968, com a presença da Banda de Música da Polícia Militar, fato que hoje se repete. Seu acervo foi resguardado pelos seus filhos Antônia Dantas da Silva e Antônio Pedro Dantas Filho.

Sua obra autoral é vasta, calculada pelos seus biógrafos como superior a 1000 peças musicais até hoje executadas pelas bandas filarmônicas do Brasil e de além mar, com destaque especial para a Valsa Royal Cinema, que ressoou pelas ondas da Rádio BBC de Londres, durante a Segunda Guerra Mundial, até certo tempo executada como sendo de “autor desconhecido”.

Ressalte-se o ecletismo dos gêneros de suas composições, contabilizando-se valsas, dobrados, hinos, polcas, maxixes, mazurcas, sambas, choros, xotes e marchas, mas igualmente transitou por outros gêneros musicais orquestrados. Muitas das suas composições levam nomes de pessoas, aves, sentimentos, lugares e de festas tradicionais.

Destacam-se, pela excelência das composições, além de Royal Cinema, outras obras: O Cisne, Valsa Delírio, Melodia do Bosque, Valsa A Desfolhar Saudades, a marcha solene Republicana, o dobrado Tenente José Paulino, as valsas Ana Dantas e Boas Festas, que ganharam notoriedade.

A par disso, o Rio Grande do Norte vem prestando-lhe homenagens e, mais recentemente, criando em sua memória um Projeto nos 100 anos da Valsa Royal Cinema (2013), através da gravação de dois CD´s pela Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte, sendo um com treze músicas e o outro com documentos, fotografias e partituras e um e-book “A Desfolhar Saudades” – uma biografia, tudo partido da iniciativa louvável do escritor Cláudio Galvão, aqui já invocado, a quem rendo as minhas homenagens.

Não pretendo cansar os presentes, pois sobre esse sertanejo genial, além de Cláudio Galvão, outros escritores se debruçaram na bela e sofrida história, como é o caso da escritora Leide Câmara, membro desta Casa, que em seu Dicionário da Música do Rio Grande do Norte pontifica a trajetória do brilhante músico e dá conta da sua habilidade nos domínios de vários instrumentos de sopro e de corda, bem assim nomina as suas mais consagradas composições, indicando datas, além da discografia até o início deste milênio.

 

Do mesmo modo figura como verbete no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira ressaltando Antônio Pedro Dantas na condição de compositor, flautista. Trompetista, saxofonista, violonista, clarinetista. Aprendeu elementos básicos de teoria musical com o irmão José Venâncio e com seu primo Felinto Lúcio Dantas. 

É Patrono da cadeira 33 da ANRL, cujos ocupantes foram Oswaldo de Souza, Hypérides Lamartine (Pery) e atualmente Carlos Roberto de Miranda Gomes 

 

sexta-feira, 13 de junho de 2025

 

DOIS LEÕES: da Rerum Novarum à Rerum digitalium

Adilson Gurgel

 

Pax Domini sit semper vobiscum.

Eleito em 8 de maio de 2025, o Papa PREVOST fez dessa a sua primeira saudação para o mundo inteiro (urbi et orbi) relembrando o que nos disse o Cristo Ressuscitado (Jo 20, 19-31): a paz esteja convosco!

Mas, ele também nos mandou um recado ao escolher o nome de LEÃO XIV, mostrando sua forte simpatia e homenagem ao seu precursor, o Papa LEÃO XIII. Isto porque não só Sua Santidade, mas todos nós também, devemos muito das conquistas sociais de hoje a partir do quanto dito pela Carta Encíclica Rerum Novarum – RN, promulgada em 15 de maio de 1891, por aquele Santo Padre. Não resta dúvidas de que ela deu efetivo início a DSI – Doutrina Social da Igreja e o novo Pontífice sinaliza que vai segui-la.

Tanto é que, logo dois dias depois (em 10 de maio), ao se reunir com os Cardeais que o elegeram, o Sumo Pontífice lembrou que a encíclica leonina, naquele Século XIX, já abordou:

a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial. Hoje, a Igreja oferece a todos o seu patrimônio de doutrina social para responder a uma nova revolução industrial e ao desenvolvimento da inteligência artificial, que traz novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho.

Com estas palavras e no mesmo encontro, o Papa PREVOST explicou a escolha de "assumir o nome de Leão XIV". O caminho indicado é, portanto, o da doutrina social, a ser percorrido mesmo nesta era dominada por desequilíbrios econômicos e novos desafios.

Assim é que o novo Pontífice já chamou a atenção para o fato de que a nossa Igreja, tendo como inspiração da DSI, é agora convocada para responder  a outra revolução industrial e ao desenvolvimento da inteligência artificial. Esta a nova missão da Igreja nesta era atual, dominada por múltiplos desequilíbrios econômicos e novos desafios a serem enfrentados.

Ressalte-se que a Encíclica leonina tem uma importância tão grande para o mundo como um todo e, em especial, para os cristãos e para todas as pessoas de boa vontade, que ela foi relembrada insistentemente por vários documentos papais, a respeito dos quais nos afirmou o Papa SÃO JOÃO PAULO II:

Podemos assim dizer que o seu trajeto histórico foi ritmado por outros escritos, que simultaneamente a reevocavam e atualizavam. (Carta Encíclica Centesimus Annus – CA, 1)

Numa clara demonstração da grande repercussão da RN, vamos citar, em ordem cronológica e dos vários Pontífices, os documentos promulgados sob sua inspiração:

1.      1931 à o Papa PIO XI (Ambroglio Damianno  Achille, Cardeal RATTI, 1857-1939) promulgou a Carta Encíclica Quadragésimo Annosobre a restauração e aperfeiçoamento da ordem social, em conformidade com a lei evangélica – no 40º aniversário da Encíclica Rerum Novarum.

2.      1941 à o Papa PIO XII (Eugenio Maria Giuseppe Giovanni, Cardeal PACCELLI, 1876-1958) levou ao mundo a sua mensagem radiofônica no 50º aniversário da Rerum Novarum, na Solenidade de Pentecostes de 1941 (01/06/1941) – sobre os direitos humanos e a justiça social, em meio ao contexto da II Guerra Mundial.

3.      1961 à o Papa SÃO JOÃO XXIII (Angelo Giuseppe, Cardeal RONCALI, 1881-1963) nos trouxe a Carta Encíclica Mater et Magistra (Mãe e Mestra) – sobre a recente evolução da questão social – no 70º aniversário da Rerum Novarum.

4.      1971 à o Papa SÃO PAULO VI (Giovanni Battista Enrico Antonio Maria, Cardeal MONTINI, 1897-1978) enviou-nos a Carta Apostólica Octagesima Adveniens, no 80º aniversário da Rerum Novarum, em resposta às necessidades novas de um mundo em transformação.

5.       1981 à o Papa SÃO JOÃO PAULO II (Karol Josef, Cardeal WOJTYLA, 1920-2005) promulgou a Carta Encíclica Laborem Exercens, sobre o trabalho humano, no 90º aniversário da Rerum Novarum.

6.      1991 à o Papa SÃO JOÃO PAULO II promulgou a Carta Encíclica Centesimus Anno (Centésimo Ano) – No centenário da Rerum Novarum.

Pode-se dizer que a RN: (1) não só chamou o Estado a sair da sua indiferença com o que ocorria e a intervir na sociedade e na economia, em prol da classe operária e de todos os cidadãos nacionais, como (2) influenciou decisivamente o moderno Direito do Trabalho, cobrando uma jornada de trabalho que respeite as condições físicas do trabalhador; (2.1) o repouso semanal (pelo Papa LEÃO XIII chamado de “repouso festivo” – no item 26, da RN, – não só para o corpo mas também para um repouso consagrado à religião); (2.2) um salário que permita, no mínimo, a sobrevivência do trabalhador e sua família, bem como a possibilidade de ter, ao menos, um pequeno patrimônio; além de (3) ressaltar o papel dos sindicatos na defesa dos trabalhadores; (4) o direito de greve como último recurso para solução de conflitos trabalhistas; (5) o direito à propriedade privada, ao qual corresponde e se exalta o dever da dar uma finalidade social aos bens possuídos.

Enfim, a RN é tida como o documento que iniciou a DSI – Doutrina Social da Igreja. Ela ataca as injustiças e desigualdades provocadas pela Revolução Industrial, criticando também as soluções teóricas apontadas pelo socialismo e a luta de classes. Essa encíclica leonina defende firmemente os direitos dos trabalhadores, mostrando a dignidade do trabalho e da pessoa humana.

Vamos então seguir adiante, pois agora...

VIVEMOS NOVOS TEMPOS

Sim, temos hoje novos desafios a enfrentar, muitíssimo diferentes daquele final do Século XIX – mais precisamente, há 134 anos atrás (1891-2025). Por isto, repita-se, o Papa LEÃO XIV, nos lembra que, para enfrentá-los, a Igreja oferece a todos o seu patrimônio de doutrina social.

Mais: ele pretende utilizar a DSI para responder a uma nova revolução industrial e ao desenvolvimento da inteligência artificial, que traz novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho.

Nesta linha de pensamento e de ação, podemos como que antever uma espécie de Rerum Digitalium. Sim, não mais aquelas coisas novas da encíclica leonina mas, sob sua inspiração enfrentar agora as  coisas digitais. Com isto, fazendo face aos desafios atuais da questão do trabalho e dos direitos dos trabalhadores tendo em vista as grandes inovações trazidas pelas novas tecnologias, não só nas relações trabalhistas, mas em toda sociedade.

Devemos atentar para o fato de que: entre os riscos havidos com as novas tecnologias, em especial à inteligência artificial (que parece querer substituir o ser humano em tudo – menos nos sentimentos e emoções... ao menos por enquanto) poderemos enfrentar novas formas de escravidão, bem como de exploração das pessoas.

Por outro lado, aparentemente essas novidades tecnológicas também podem trazer novas oportunidades da era digital, particularmente às novas gerações, que já nasceram sob o signo de tudo isso.

Como salientamos acima, na encíclica RN, o fator particularizadamente das riquezas é o uso correto ou não que se faz dos bens e das propriedades particulares. Faz-se crer que tal constatação é válida também para o enfrentamento do uso das tecnologias digitais. Estas já estão fazendo novas riquezas (às vezes até quase instantâneas) e é preciso haver, entre os seres humanos, uma maior...

FRATERNIDADE

Será que o caminho a seguir é o da fraternidade?

O bom uso da função social da propriedade implica em vivermos como que uma santa fraternidade, compreendendo que os bens da natureza, bem como os da graça são patrimônio comum que o Pai nos deu a todos que somos do gênero humano. Lembremos o que nos afirmou o Apóstolo dos Gentios: nós somos herdeiros de Deus e coerdeiros com Jesus Cristo (Rm 8,17).

Este é o ideal, contido no Evangelho é igualmente defendido pelo Papa FRANCISCO na encíclica Fratelli Tutti – FT, onde ele prega a fraternidade humana e a amizade social. Este dever ser também o ideal a ser seguido pelo Papa LEÃO XIV, pois no referido encontro com os Cardeais, em 10 de maio, ele enfatizou que o Evangelho deve nos impulsionar a buscar "com alma sincera a verdade, a justiça, a paz e a fraternidade".

Essa pretendida fraternidade implica na luta por...

MANTER CONQUISTAS ADVINDAS DA RN

1ª CONQUISTA: manter uma jornada de trabalho que respeite a dignidade do ser humano, com jornadas compatíveis com as forças do trabalhador, sem excesso de carga horária com excesso de fadiga. Além da manutenção do que o Papa LEÃO XIII chamou de repouso festivo. Faz-se crer que as novas tecnologias e a inteligência artificial podem até proporcionar uma diminuição na carga horária laboral.

É sempre bom lembrar o que afirmou o Arcebispo Santo AMBRÓSIO DE MILÃO, no Século IV (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nº 265):

Cada trabalhador é a mão de Cristo que continua a criar e a fazer o bem.

2ª CONQUISTA: pugnar para que o trabalhador permaneça recebendo um salário suficiente para manter a si mesmo e a sua família com algum conforto, com possibilidade de ele poder até poupar. Acrescente-se a possibilidade de dar uma educação para economia, a fim de o trabalhador não ser tragado e sem forças para enfrentar o consumismo desenfreado.

3ª CONQUISTA: a luta pela instauração de uma ordem social justa, como querida pela RN. Com os “superpoderes” que as novas tecnologias digitais e a inteligência artificial podem dar a qualquer pessoa e a qualquer governante, impõe-se que a Igreja, o Santo Padre e – por que não? – todos nós, agora pessoas de boa vontade, mais uma vez e de forma tão contundente quanto a encíclica leonina, possamos dar ao mundo a orientação de caminhos retos e pacíficos a seguir.

Bebendo da fonte da Rerum Novarum, observamos que o item 35, que a encerra diz respeito à proposta de solução, apontando o caminho a seguir: o da caridade!

Vamos fazer a nossa parte, junto com o Papa LEÃO XIV, lutando para que os Governos e nosso legisladores trabalhem por um mundo melhor, sem olhar para o próprio umbigo, mas com um olhar benigno para todos os seres humanos, promulgando boas leis e tomando medidas sábias; pugnando para que as novas relações do trabalho sejam de direitos e de deveres mútuos e respeitados.

E, como dizia magistralmente o Papa LEÃO XIII: quanto a Igreja, ela nunca e de forma alguma deixará faltar a sua obra.

Podemos então afirmar que o caminho da caridade é também a estrada principal a ser seguida pela Igreja e por todos, sob a batuta do Papa LEÃO XIV, neste terceiro milênio.

Como disse o jornalista Amedeo Lomonaco, do Vatican News:

Na era digital, junto com as lógicas dos algoritmos, o fator humano continua sendo imprescindível para permitir que a família humana não transcure o sopro da solidariedade.

4ª CONQUISTA: esta é uma luta permanente e que ainda não foi obtida: a caridade. Com efeito, o último tópico da RN é o 35. O seu tema é “Solução definitiva: a caridade.” O Papa LEÃO XIII nos admoesta literalmente:

Façamos tudo quanto estiver ao nosso alcance para salvação dos povos, e, sobretudo, alimentem em si e acendam nos outros, nos grandes e nos pequenos a caridade, senhora e rainha de todas as virtudes. Portanto, a salvação desejada deve ser principalmente o fruto duma grande efusão de caridade, queremos dizer, daquela caridade que compendia em si todo o Evangelho, e que, sempre pronta a sacrificar-se pelo próximo, é o antídoto mais seguro contra o orgulho e o egoísmo do século. Desta virtude, descreveu S. Paulo as feições características com as seguintes palavras: «A caridade é paciente, é benigna, não cuida do seu interesse; tudo sofre; a tudo se resigna» (1 Cor 13, 4-7)

A tarefa é difícil! São PAULO já nos convocava há 2 milênios atrás. O Papa LEÃO XIII fez sua convocação há mais de um século. Mas não podemos desistir da luta! Muito menos o Papa LEÃO XIV, que é o farol a nos orientar os caminhos a seguir, com a Igreja. Esta jamais há de faltar na sua missão de lutar por um mundo melhor e mais cristão. Tarefa que também é nossa.

Sim. Esta é a forma que deve ser: de nossa parte, como irmãos de todos que somos, devemos, ou melhor: devo tomar a pulso a nossa/minha missão, a nossa/minha tarefa. E, finalmente, invocando mais uma vez as lições da encíclica leonina, façamos isso sem demora para que não suceda que, adiando o remédio, se torne incurável o mal, já em si tão grave.

Lutemos com o Papa LEÃO XIV para que (1) os governantes façam bom uso da proteção de todos, advinda de leis justas e exequíveis; (2) os que possuem abundancia de bens e de fortuna, façam  bom uso da função social da propriedade; (3) todos possam defender seus direitos pelas vias legítimas; (4) sejam restaurados os costumes cristãos, como afirmou o Papa LEÃO XIII, pois sem os quais os meios mais eficazes sugeridos pela prudência humana serão pouco aptos para produzir salutares resultados.

Não é o caso de pensar que isto é utopia e eu ou você nada fazer. Afinal, é preciso crer que é possível e dar o primeiro passo, com o qual iniciaremos o caminho para um mundo melhor: com as luzes de LEÃO XIII a LEÃO XIV.

 

 

Agc

08/06/2025