quinta-feira, 8 de setembro de 2022

 


MORREU A SENHORA DIGNIDADE

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

         Somente um fato relevante me faria voltar a escrever. Em verdade desde a última Carta de Cotovelo venho suportando uma fadiga, agravada com a covid 19 e sequelas subsequentes, ocupando o meu tempo no silêncio do atelier e fazendo pinturas que ainda alimentam o meu espírito de vivente.

         Na verdade, assumi a viuvez definitivamente. A falta da pessoa amada é uma cruz muito pesada, regada diariamente pela solidão.

         Mas o motivo desta minha prosa foi a morte da Grande Elisabeth II, cuja trajetória de vida acompanhei, desde o seu casamento, a assunção como Rainha da Inglaterra. Mas, com especial destaque, como exemplo de dignidade de uma criatura humana e de Chefe de Estado.

         A notícia me chegou pela televisão, mais ou menos pelas 14 horas e, contrito, pedi a Deus pelo seu espírito.

         Durante alguns longos minutos revivi a sua vetusta missão de Rainha, com mais de 70 anos de reinado. Sobre ela fiz algumas leituras e assisti vários seriados e posso concluir que, ela carregou um fardo pesado, sempre com a demonstração exemplar de dignidade - para mim, o seu traço de maior grandeza.

         Aproveito este momento para justificar aos meus poucos leitores, que as Cartas de Cotovelo foram suspensas porque há dois meses não compareço à minha prazerosa Passargada. Mas o farei quando a primavera voltar – tenho planos para esse findar de existência que já ultrapassou a idade dos meus queridos pais, que tinham muito mais merecimento para estarem vivos.

         Muitas águas têm passado pelo rio da minha vida e de nada me arrependo ao olhar o retrovisor.

         DEUS SALVE A RAINHA e a receba em uma carruagem cheia de anjos e rosas, num  séquito  celestial somente admissível para os justos.


quarta-feira, 7 de setembro de 2022

 A LUZ QUE NÃO SE APAGA


Valério Mesquita*

Certa vez, o então bispo diocesano de Campina Grande/PB (2005-2011) dom Jaime Vieira Rocha, pediu aos campinenses que não assistissem ao filme “Anjos e Demônios”. O diretor atende pelo nome de Ron Howard e seguiu a sequência difamatória do antecessor “O Código Da Vinci”. Para o mundo, hoje, as quedas da Igreja católica não são mais segredos para ninguém. O papa João Paulo II, em desesperado gesto de humildade cristã, pediu o perdão do Vaticano a todos os habitantes da terra. O pontífice anterior Bento XVI percorreu, o Oriente e o Ocidente buscando as religiões. Enfim, por uma unidade fraternal. O atual papa Francisco foi ao Canadá se reconciliar e pedir perdão aos índigenas vítimas dos maus tratos da igreja no passado. A filme é mais um ensaio fantasioso no sentido de lambuzar os símbolos da igreja católica e do próprio cristianismo global.

Atualmente, esse tipo de cultura profana toma conta da literatura da industria cinematográfica no planeta para auferir lucros, suscitando escândalos sexuais, assassinatos, mutilações, corrupção e tudo que possa denegrir e salpicar Jesus Cristo. 

A Bíblia detém muitos mistérios e símbolos, muitas glórias ainda não decifradas pelo homem. Por que Dan Brown (Código Da Vinci) e o Ron Howard (Anjos e Demônios – filme) não mergulham nessas reflexões de natureza sobrenatural, extraterrena, ditadas pelo Espírito Santo de Deus? Porque se apegam e naufragam nos percalços dos homens que fazem as religiões e, porisso, são sujeitos aos erros, às imperfeições e aos desvios? As igrejas cristãs são molestadas impunemente no mundo ocidental porque a mensagem e o legado que receberam de Jesus Cristo (que está acima de todos), consistem no amor e no perdão, daí a sua morte na cruz. Ele permanece dentro de nós. Se não fossem as igrejas o que seria de nós. Se ruim com elas, pior sem elas.

A oração de São Francisco exprime perfeitamente o que afirmo. Recite-a. O ser humano é dignificado pelo sofrimento, pela humildade e não pelo poder e a riqueza. Cabe-me fazer uma sugestão ao diretor de “Anjos e Demônios” e ao bom ator Tom Hanks: já planejaram filmar sobre o lado negativo das religiões orientais? O islamismo, por exemplo? E exibir o filme em rede continental de cinema e televisão para ver o que acontece? Compareçam lá os escarnecedores plantonistas Dan, Ron e Tom na noite de pré-estréia, sob as luzes e estampidos de atentados e condenações sem fim! No sepultamento deles (os três), ali nos States, ouvindo as badaladas do templo mais próximo, os diretores e produtores hão de perguntar: “Ò Senhor, quais os nomes dos finados da pancada do sino?”. Se o leitor indagar a razão de minha indignação, respondo que é o mesmo direito a eles atribuídos de ofender, difamar e colocar na mente das pessoas o pecado acima da virtude, o mal sobre o bem e a desumanidade em lugar da fé, da esperança e da caridade.

Pergunto em que boletim de ocorrência, documento histórico ou biblioteca foi pesquisado a temática do livro e do filme? Entendo que, quando o papa, o padre, o pastor claudicam as igrejas não devem ser estigmatizadas, perseguidas e discriminadas. Os valores espirituais do ser humano precisam ser respeitados. Pelo menos, bilhões de pessoas no mundo preferem crer no Pai, no Filho e no Espírito Santo do que em Rom, Tom e Dan, pois não asseguram nada a ninguém, nem neste mundo, nem no outro que há de vir. Merecem de nossa parte o amor e a misericórdia. Mas, não a credulidade porque somente de Deus é o reino, o poder e a glória para sempre. Ele é a luz que não se apaga.
O grande escritor e jornalista Otto Lara Resende, citado por Nelson Rodrigues como verdadeiro “logista de frases”, afirmou: “A morte é, de tudo na vida, a única coisa insubornável”. Abro vistas ao fundo eleitoral e aos políticos da eleição deste ano. Por mais que o dinheiro suborne os veículos de comunicação (cinema, jornal, internet, televisão, rádio, ideologias, poder público) ele não prevalecerá sobre Jesus Cristo, porque foi o único que ressucitou dos mortos nesse mundo de ontem, hoje e de amanhã.

(*) Escritor.

 



O Dia da Pátria

Padre João Medeiros Filho

Nestes dias, é importante relembrar o pensamento do filósofo Nicolau de Cusa: “Quem não ama verdadeiramente o seu torrão natal, é indigno dele.” É dever do cristão devotar-lhe um amor sincero. Cristo tinha um afeto especial por sua terra. Chorou sobre Jerusalém, antevendo os dias de infortúnio pelos quais a cidade passaria, em consequência de sua infidelidade a Deus (Lc 19, 41ss). É preciso refletir sobre os destinos da nação. Será que não se deve derramar lágrimas (como Jesus) ao constatar tanta desonestidade material e intelectual, falta de ética e honradez, além do desrespeito às virtudes humanas e cristãs? A pátria é muito mais que os poderes constituídos e seus ocupantes.

Pode parecer pessimismo. Mas, o Brasil está paulatinamente perdendo a sua identidade e consciência moral. Os costumes estão sendo dissolvidos, a dignidade ferida e o pudor bate em debandada. Falam mais alto a conveniência e os interesses partidários ou ideológicos do que o bem-estar do povo. Atualmente, autoridades são execradas, instituições escarnecidas, preceitos éticos envilecidos, comportamentos, por vezes minoritários, sendo impostos. Para muitos, o foco é desconstruir, conseguindo passividade e inércia. Há desencanto nos cidadãos. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina letárgica. Após dois séculos, o Estado é considerado ainda ineficaz para uma multidão. Eça de Queiróz indagava a seus compatriotas: “O país está em crise, onde estão as análises sérias e as luzes postas sobre ele?” E nós, como perguntaremos? É hora de lembrar a Palavra de Deus: “Escutai, povo meu, de mim sairá a lei e o meu direito estabelecerei como luz dos povos” (Is 51, 4).

Os brasileiros provêm de uma variedade cultural e étnica. Isto gerou um país de múltiplas faces com elementos positivos e conflitos, muitos dos quais ainda não resolvidos. A história de uma nação não se resume a personagens e fatos constantes nos livros. Alguns acontecimentos mais decisivos envolvem pessoas que exercem funções de destaque. Entretanto, não se pode desprezar o contributo de tantos anônimos. Qual é a realidade atual do Brasil? Vive-se em inquietação e perplexidade. De quem é a responsabilidade? Uma análise objetiva da conjuntura é tarefa desafiadora. Cada partido, grupo ou pessoa tem seu ponto de vista, com o qual julga e projeta o país. Mas, muitos cidadãos são recalcitrantes e não se abrem a outras opiniões, fixando-se numa visão restrita e parcial da realidade. Assiste-se aos funerais do diálogo!

A situação do Brasil poderia e deveria ser bem melhor, considerando suas riquezas humanas e naturais. Entretanto, persistem incontáveis problemas, resultado da omissão, descaso e leviandade de certos governantes. Destacam-se a marginalização de muitos brasileiros, desigualdade social, diversas formas de violência, deficiente sistema educacional e precário acesso à saúde. Acrescentem-se a isso a manutenção iníqua e nociva de um grupo de privilegiados e a falta de reformas estruturais, há décadas reclamadas. Mudar esse quadro é imprescindível para que se tenha uma nação livre, justa e soberana.

Uma leitura adequada da realidade presente permite projetar o melhor possível para o amanhã. A doutrina social da Igreja apresenta exigências para a formação da sociedade. A primeira, agregando as demais, é o respeito à pessoa, como a essência de toda estrutura de Estado, da política e economia. Nenhum ser humano pode ser instrumentalizado e diminuído em sua dignidade. Desta e da igualdade de todos derivam: bem comum, subsidiariedade, participação e solidariedade. Daí, decorrem requisitos basilares da vida social: justiça, verdade e liberdade. Como existem diferentes leituras da realidade, há diversas propostas de construção do país. Os pressupostos humanistas e cristãos serão úteis para a definição dos planos e critérios de avaliação da qualidade das proposições.

É urgente reconstruir o Brasil. Para tanto, é preciso que venham a prevalecer as narrativas sérias, fazendo-o despertar para mudanças inadiáveis, varrendo os cenários de vergonhosas desigualdades, garantindo a permanência de postulados inarredáveis. “Dai ao povo brasileiro paz constante e prosperidade”, súplica que deve ser apresentada a Deus. E concluindo, convém lembrar a recomendação do Onipotente nas palavras do profeta Jeremias: “Procurai a paz para a terra onde vos coloquei. Orai a Deus por ela, pois de sua paz depende a vossa” (Jr 29, 7).


segunda-feira, 5 de setembro de 2022

 

A LIÇÃO DAS ORQUÍDEAS

 

Diogenes da Cunha Lima

 

As orquídeas transformam o sobejo vegetal das plantas em beleza, notadamente das árvores e palmeiras. Podem retirar a sua nutrição de materiais encontrados no chão. Fazem verdadeira gestão de resíduos e aproveitam o sol e a água da chuva. Não são parasitas. São autótrofas, ou seja, produzem o seu próprio alimento. As chamadas Vandas não precisam de apoio, podem ser somente borrifadas com água. Essas flores dão uma verdadeira lição aos seres humanos, que devem valorizar o meio ambiente com reuso e reciclagem.

Há cerca de 3.500 espécies no Brasil. Ela é a flor do Rio Grande do Norte. Cattleya Granulosa Lindley como determinou a lei de maio de 2019, que instituiu a Semana Estadual de Conservação e estimulou a valorização com a comemoração no mês de agosto.

O nosso Estado tem orquidófilos e orquidocultores, os quais participam da Associação Orquidófila do RN. Entre estes, amantes que sacralizam as flores, está o orquidário Mattos, que produz e vende há mais de 25 anos.

As pesquisadoras Leide Câmara e Isaura Rosado registram uma singular homenagem feita a Augusto Severo em Paris, uma belíssima orquídea chamada Severon.

Calcula-se que elas existem na natureza há 80 milhões de anos, reproduzindo-se em formas, cores e texturas as mais diversas.

Poucos conhecem uma orquídea do Brasil que chega a medir seis metros, a Epidendrum Scalares, que habita a Bahia e Minas Gerais.

As suas riquezas de cores e tons são quase infinitas, no entanto, como as tulipas, não existem orquídeas negras, a não ser a heroína companheira de Batman. Com o acréscimo de imaginação, os cultores da flor identificam no seu formato anjos, garças, bonecas, bailarinas e até o rosto de um macaco.

A utilidade das flores é a de serem belas. É a paixão dos olhos. A beleza harmoniza a vida humana, dá alegria a quem a contempla, é nobre característica da raça humana. Além dessa inquestionável utilização, há pelo menos uma espécie comestível.  A Vanilla nos dá a baunilha e delicia o paladar e o olfato. É especiaria caríssima. São muitas as utilidades, que vão do sorvete ao sedutor perfume francês Chanel Nº5. 

É curiosa e surpreendente a origem da palavra Vanilla, que significa pequena vagem, vagina. Os frutos da orquídea semelham pequenos testículos por isso o nome.

Reinam as orquídeas nos cinco continentes. No Centro e Sudeste do Brasil, a Cattleya Walkeriana encanta a paisagem.

Como se vê, as orquídeas ministram lições de vida agradável por despertar nosso sentimento de admiração porque, imitando o cancioneiro de Gonzaguinha, “a vida é bonita, é bonita e é bonita”.

 

 

 

 

 VOZES



Sempre presto atenção às vozes que me reclamam alguma coisa. Principalmente em Macaíba nas abstrações e transcendências de exprimir as angústias de alguns lugares e vultos sem abrigo. Previno que não sou médium mas espiritualista. Ainda não perdi vista, olfato, audição, tato, paladar nem o sentimento telúrico. Uso tudo para resgatar minha urbe. Nada do que guardo dela se evapora. A começar pelos bêbados líricos das noites de sábado. Sérgio, que se auto intitulava “cabeceiro boçal”, cantava aos tropeços a melodia pobre da “baratinha” que bateu asa e “avuou”. Zé Bomba era o alcoólatra político, imitador contumaz de Aluízio Alves na entonação da voz e decoreba. No período aceso da política os bacuraus aplaudiam e as araras jogavam água.
A voz do padre Antonio de Melo Chacon, orador inflamado que regava a garganta com boas doses de meladinha nas festas litúrgicas e profanas. Não há como esquecer a voz anasalada do prefeito Luiz Curcio Marinho; a ofegante e autoritária de Paulo Mesquita; a loquacidade de Aldo da Fonseca Tinôco (pai); a firme de Alfredo Mesquita Filho; a condoreira de Aguinaldo Ferreira da Silva; a pragmática de José Jorge Maciel; todos personagens de uma época de ouro cujas palavras ainda ecoam nas ruas e nas praças. E padre Alcides Pereira, patativa sacra, voz imperativa das cruzadas cristãs da Idade Média. Mas, a voz cavernosa do radialista Gutemberg Marinho de Carvalho se sobressaía como a mais completa e radiofônica. Esses sons de antigamente ainda soam aos meus ouvidos e nos lugares por onde passo.
Por ter sido político, homem público, administrador, quantas vozes não escutei? E tantas vezes não me obriguei a ouvir o que não queria ou o que não gostava? Vozes roufenhas, rancorosas, tristes, chorosas, lamuriosas, ácidas, metálicas, estridentes, etc. Até um gago discursou para mim em Bom Jesus. Em Ielmo Marinho um asmático não concluiu o seu discurso. Faltou gás. Em Extremoz, um besouro noturno e vestuto embargou a voz de um orador em pleno palanque. No interior de São Gonçalo perdi votos porque a liderança afinava a voz nos agudos. Em São Pedro do Potengi interrompi a voz bajulatória de uma liderança porque me elogiava além da conta: “Menos, menos, por favor...”, supliquei corado de vergonha.
Todas as vezes que passo de carro pela praça Augusto Severo, centro de Macaíba, meus dedos automaticamente tamborilam na direção: “queremos passeata e bacurau não empata”. Era o refrão do povo nas más resolvidas pelejas políticas dos anos sessenta. No Pax Club do tempo da jovem guarda, como me assaltam aos ouvidos e a mente as antigas canções e gratas figuras que desapareceram. As vozes das serestas madrugada à dentro e que hoje não existem mais. Rua da Cruz, Pedro Velho, da Conceição e Benjamim. Em todas subsistem vozes que vêm de dentro e que me alcançam sem ferir.

(*) Escritor