quarta-feira, 28 de maio de 2025

 

“Bebês-reborn”, uma nova idolatria?

Padre João Medeiros Filho

Teologicamente, a idolatria cultua pessoas ou seres inanimados, transformando-os em ídolos. Entretanto, hoje manifesta-se de vários modos, incluindo a obsessão por bens materiais, celebridades, ideologias e até a dependência excessiva da tecnologia. Reside na substituição de Deus ou de valores imutáveis por objetos e criaturas humanas, tornando-os o centro da vida. Desta maneira, desvia-se da glorificação do Criador, exaltando o que está fora da essência de Deus. Alguns pesquisadores consideram a atenção exagerada aos “bebês-reborn” uma postura quase idolátrica. Neles não se pretende reconhecer uma obra de arte, fruto da inteligência. Trata-se da supervalorização de algo que não é ser vivo, no entanto tratado por alguns como humano. Na Antiguidade adoravam-se bezerros de ouro. “Mutatis mutandis”, é o que ocorre com esse modismo dos bonecos. A mitologia é rica em exemplos de adoração a divindades: personagens fictícias, astros, coisas e animais sagrados (que ainda existem em certas culturas).

“Humanizar objetos é um ato idolátrico, uma vez que são colocados em pé de igualdade com aqueles que foram concebidos à imagem e semelhança do Eterno (Gn 1, 26-28). Desrespeita-se e nega-se o plano divino”, afirmara Monsenhor Albert Houssiau, atualmente bispo emérito de Liège (Bélgica). Ao exaltar os “bebês-reborn”, tratando-os como crianças, afronta-se a Deus, que fez somente a criatura humana à sua semelhança. Javé exclama pelo hagiógrafo: “Não terás outros deuses diante de Mim” (Ex 20, 3)!

Psiquiatras e psicólogos consideram essa insólita situação, como distúrbio mental: uma alteração que vai da carência afetiva em busca de compensação ou transferência; do transtorno dissociativo à fronteira do desequilíbrio psicológico. Depara-se com bizarrices: existência de maternidades para os bonecos ou busca por hospitais humanos para “medicá-los”, judicialização pela guarda de um desses objetos, como se fosse uma criança real. Cuidadoras de casas geriátricas eram criticadas, quando tentavam tranquilizar algumas velhinhas, dando-lhes bonecas artesanais para amainar a sua tristeza, diante da saudade de seus filhinhos. Desvio mental ou não, a Bíblia lança uma diretriz sobre esses fatos: “Não vos volteis para os falsos deuses, nem façais para vós deuses de metal... Eu sou o Senhor, vosso Deus” (Lv 19, 4).

Para os filósofos e teólogos, a criatura humana parece ter perdido a noção de si mesma, seu lugar e valor. Volta-se para algumas ideias, sonhos e objetos, distanciando-se do Criador. O homem tende a perder a referência de sua origem. Deifica-se o que não é divino. Inúmeros exemplos desse fenômeno são descritos pelos mitólogos, dentre eles o pesquisador Junito Brandão. A Sagrada Escritura contém casos análogos aos “bebês-reborn”. O profeta Isaías já alertava seus contemporâneos: “A terra está cheia de ídolos. Divinizam a obra das suas mãos, aquilo que seus dedos fabricaram” (Is 2, 8).

O homem parece caminhar para a desconstrução de si mesmo, coisificando-se e humanizando coisas. Isso é fruto do absenteísmo de Deus e ateísmo prático. Ao afastar-se do seu Criador, o homem perde o referencial de si mesmo. Ao desprezar o Absoluto, passa a relativizar tudo, empobrecendo-se. Dilui sua condição de semelhança divina, priorizando o efêmero e material, substituindo a si mesmo por coisas. Cristo no episódio da Tentação no Deserto apresenta uma metáfora dos ídolos modernos e antigos: o ter, o poder e o prazer. São deidades, que se pretende pôr no lugar do Deus vivo e verdadeiro. Assim endeusam o dinheiro, a manipulação e o erotismo. São alegorias de antigas e novas divindades.

“Se Deus é desprezado, procura-se substituí-Lo por ilusões e delírios”, afirmou o filósofo Jean Ladrière. O profeta Isaías colocou nos lábios de Javé um alerta: “Eu sou o Senhor. Este é o meu nome. A outro não darei a minha glória (Is 42, 8)! Se Deus é esquecido, o homem pretende tornar-se o centro de tudo, criando ídolos e deuses segundo a sua imagem. Tudo passa a ser colocado de acordo com suas conveniências. É o que acontece com o culto dos “bonecos- reborn”. O salmista fala por Deus: “Multiplicam-se as dores dos que correm atrás de outros deuses... Não terei seus nomes em meus lábios” (Sl 16/15, 4).

 FOLCLORE POLÍTICO - I


Valério Mesquita*


01) Açu continua campioníssimo em matéria de folclore político. A primeira história é do vereador Chico Antão, setenta anos, que estava cansado das reuniões noturnas da câmara. Em plenas sessões, Chico dormia ao ponto de puxar ronco. Preocupado com os comentários que ouvira, foi procurar o presidente da câmara. Queixou-se Chico Antão: “Presidente, essas sessões de noite não tão dando certo pra mim. Tenho setenta anos e quando dá oito horas me vem um sono danado. Não dá pra minha filha vir no meu lugar não? As de dia eu venho!”. Problema regimentalíssimo.

02) A visita ministerial a um Estado é antecedida de cuidados especiais que beiram o pitoresco. As equipes precursoras preocupam-se com os mínimos detalhes. No governo Figueiredo o ministro da Indústria e Comércio Camillo Penna programou uma visita ao Rio Grande do Norte durante o governo Lavoisier Maia. Em Mossoró, onde pousaria o jato da FAB, o ministro seguiria de helicóptero para a plataforma da Petrobrás em Galinhos/Guamoré. Um assessor ministerial procurou o então chefe da casa civil do governo Iberê Ferreira para que avisasse ao governador Lavoisier que o dr. Camillo Penna tinha problemas auditivos em um dos ouvidos. “Que coincidência, o nosso governador também”, responde Iberê. A partir daí, avisados antecipadamente, o ministro e o governador em qual ouvido um deveria falar ao outro e vice-versa, começaram os cumprimentos de praxe em meio a um barulho infernal, banda de música, turbinas do jatinho que taxeava na pista e o giro da hélice do helicóptero que já iniciava os procedimentos de voo para Galinhos. Fala mansa, Camillo Penna tentava explicar gesticulando no ouvido deficiente de Lavô sobre os motivos do atraso e o tempo que não estava bom. O governador entendeu errado e inclinando-se fala no ouvido doente do ministro, apontando para a direita e para a esquerda: “Pra lá fica a fazenda de melão de Tarcísio e do outro lado a cidade de Mossoró”. E por aí foram. Ao redor, entre os circunstantes, aquele ar de visível constrangimento e de total comédia de erros. Foram cinco longos minutos de mal-entendidos somente superados a bordo do helicóptero após novos cuidados auditivos.

03) Todo o Rio Grande do Norte conhecia a obstinação e o destemor com que o senador Dinarte Mariz defendia um pleito em favor de um amigo ou de uma causa. A sua palavra tinha o lampejo de um cometa e o peso de um imenso asteróide. Mas se rendia à mística de uma palavra consorciada chamada “compadre”, porque espelhava as vertentes cristalinas da amizade seridoense, calcada na tradição e no respeito consuetudinário. Certa vez, Dinarte entregou ao então reitor Diógenes da Cunha Lima, um caudaloso currículo de um professor para ser nomeado diretor do CRUTAC/RN. Diógenes preocupou-se porque já havia escolhido “in pectoris” o seu amigo Fernando Lira. O dilema cresceu quando os dois percorreram página por página o alentado currículo do candidato senatorial que elencava cursos de toda natureza dentro e fora do Brasil. Ao final, Diógenes foi socorrido pela “lâmpada”. “Mas ele não tem um título que é o mais importante”, descobriu o reitor. “Qual, Diógenes?”, indaga Lira. “Você é meu compadre e é o que eu vou dizer a Dinarte”. Dia seguinte, preparado para o duelo, Diógenes procurou o senador e foi logo explícito e rápido: “Dinarte, eu vou nomear Fernando Lira para o CRUTAC porque ele é meu compadre”. Dinarte fitou-o em silêncio para, em seguida, no melhor sotaque caicoense, responder: “Diógenes, compadre a gente respeita”. Era o Seridó falando. O reitor tinha razão. E o velho também.

04) Patrício Português é uma figura lusitana largamente conhecida em Mossoró, sua segunda pátria. Anos atrás era proprietário de um avião bimotor e navegador aéreo de longo curso das galáxias oestanas. Certa vez, partiu de Natal pilotando a aeronave com destino a Mossoró. Durante a penosa travessia do “dorso do elefante” tomou umas onze doses do “escocês legítimo”, deixando-o fora de órbita. Quando sobrevoava Mossoró para aterrissar da torre do aeroporto recebeu o alerta convencional: “Atenção BV-116, torre pedindo a rota!”. “Atenção BV-116 torre pedindo a rota!”. “O quê?”, responde o nosso rico português. “A rota!”, retorna a torre. Patrício, zonzo da cabeça, confundiu as coisas e soltou um longo e sonoro arroto: “Barrrrr”.


(*) Escritor