“Bebês-reborn”, uma nova idolatria?
Padre João Medeiros Filho
Teologicamente,
a idolatria cultua pessoas ou seres inanimados, transformando-os em ídolos.
Entretanto, hoje manifesta-se de vários modos, incluindo a obsessão por
bens materiais, celebridades, ideologias e até a dependência excessiva da
tecnologia. Reside na substituição de Deus ou de valores imutáveis por objetos
e criaturas humanas, tornando-os o centro da vida. Desta maneira, desvia-se da
glorificação do Criador, exaltando o
que está fora da essência de Deus. Alguns pesquisadores consideram a atenção exagerada
aos “bebês-reborn” uma postura quase idolátrica. Neles não se pretende
reconhecer uma obra de arte, fruto da inteligência. Trata-se da
supervalorização de algo que não é ser vivo, no entanto tratado por alguns como
humano. Na Antiguidade adoravam-se bezerros de ouro. “Mutatis mutandis”, é o
que ocorre com esse modismo dos bonecos. A mitologia é rica em exemplos de
adoração a divindades: personagens fictícias, astros, coisas e animais sagrados
(que ainda existem em certas culturas).
“Humanizar objetos é um ato
idolátrico, uma vez que são colocados em pé de igualdade com aqueles que foram
concebidos à imagem e semelhança do Eterno (Gn 1, 26-28). Desrespeita-se e
nega-se o plano divino”, afirmara Monsenhor Albert Houssiau, atualmente bispo
emérito de Liège (Bélgica). Ao exaltar os “bebês-reborn”, tratando-os como
crianças, afronta-se a Deus, que fez somente a criatura humana à sua
semelhança. Javé exclama pelo hagiógrafo: “Não terás outros deuses diante de Mim” (Ex 20, 3)!
Psiquiatras
e psicólogos consideram essa insólita situação, como distúrbio mental: uma
alteração que vai da carência afetiva em busca de compensação ou transferência;
do transtorno dissociativo à fronteira do desequilíbrio psicológico. Depara-se
com bizarrices: existência de maternidades para os bonecos ou busca por
hospitais humanos para “medicá-los”, judicialização pela guarda de um desses
objetos, como se fosse uma criança real. Cuidadoras de casas geriátricas eram
criticadas, quando tentavam tranquilizar algumas velhinhas, dando-lhes bonecas
artesanais para amainar a sua tristeza, diante da saudade de seus filhinhos.
Desvio mental ou não, a Bíblia lança uma diretriz sobre esses fatos: “Não vos
volteis para os falsos deuses, nem façais para vós deuses de metal... Eu sou o
Senhor, vosso Deus” (Lv 19, 4).
Para os filósofos e teólogos, a
criatura humana parece ter perdido a noção de si mesma, seu lugar e valor.
Volta-se para algumas ideias, sonhos e objetos, distanciando-se do Criador. O
homem tende a perder a referência de sua origem. Deifica-se o que não é divino.
Inúmeros exemplos desse fenômeno são descritos pelos mitólogos, dentre eles o
pesquisador Junito Brandão. A Sagrada Escritura contém casos análogos aos
“bebês-reborn”. O profeta Isaías já alertava seus contemporâneos: “A terra está cheia de ídolos.
Divinizam a obra das suas mãos, aquilo que seus dedos fabricaram” (Is 2,
8).
O homem parece caminhar para a
desconstrução de si mesmo, coisificando-se e humanizando coisas. Isso é fruto
do absenteísmo de Deus e ateísmo prático. Ao afastar-se do seu Criador, o homem
perde o referencial de si mesmo. Ao desprezar o Absoluto, passa a relativizar
tudo, empobrecendo-se. Dilui sua condição de semelhança divina, priorizando o
efêmero e material, substituindo a si mesmo por coisas. Cristo no episódio da
Tentação no Deserto apresenta uma metáfora dos ídolos modernos e antigos: o
ter, o poder e o prazer. São deidades, que se pretende pôr no lugar do Deus
vivo e verdadeiro. Assim endeusam o dinheiro, a manipulação e o erotismo. São
alegorias de antigas e novas divindades.
“Se Deus é desprezado, procura-se
substituí-Lo por ilusões e delírios”, afirmou o filósofo Jean Ladrière. O
profeta Isaías colocou nos lábios de Javé um alerta: “Eu sou o Senhor. Este é o meu nome. A outro não
darei a minha glória (Is 42, 8)! Se Deus é esquecido, o homem pretende
tornar-se o centro de tudo, criando ídolos e deuses segundo a sua imagem. Tudo
passa a ser colocado de acordo com suas conveniências. É o que acontece com o
culto dos “bonecos- reborn”. O salmista fala por Deus: “Multiplicam-se as dores dos que
correm atrás de outros deuses... Não terei seus nomes em meus lábios” (Sl
16/15, 4).