terça-feira, 20 de julho de 2021

 


A arrogância em alta

Padre João Medeiros Filho

O mundo está caminhando na contramão da doutrina de Jesus, que ensinou a seus discípulos: “Aprendei de mim que sou manso e humilde.” (Mt 11, 29). Estas duas virtudes destacadas pelo Mestre opõem-se aos arrogantes e prepotentes. Durante sua vida pública, o Filho de Deus deparou-se com a bazófia dos doutores da lei, escribas e fariseus. Procurou chamar a atenção de seus seguidores para a descaso das autoridades de seu tempo. Diante de sua presunção – uma das faces da prepotência – chamou-os de “sepulcros caiados” (Mt 23, 27).  Cristo sempre condenou a postura do dedo em riste, do criticar levianamente e acusar sem provas, do culpar sem motivos e destruir sem diálogo. Ele contrapôs sua doutrina a tais atitudes. “Bem-aventurados os mansos” (Mt 5, 5). A lógica cristã está bem delineada nas páginas do Evangelho: “Todo aquele que se exalta será humilhado, e todo aquele que se humilha será exaltado.” (Mt 23, 12). Vale lembrar um antigo ritual da coroação do papa. Ao colocar a tiara, símbolo do poder pontifício, um dos cardeais pronunciava estas palavras: “Sancte Pater, sic transit gloria mundi!” (Santo Padre, a glória do mundo é transitória).

Etimologicamente, a palavra arrogância deriva do verbo latino “adrogare”, que significa exigir para si. No Império Romano, era utilizada para definir alguém que se considerava no direito de impor um reconhecimento que não lhe cabia. A arrogância e seus derivados hoje estão em alta, tanto na vida pública, quanto nas redes sociais. Trata-se de atribuir a si poderes ou privilégios, ditando uma suposta superioridade. É manifestação de narcisismo, deslumbramento decorrente de algum predicado. Segundo os estudiosos da mente humana, trata-se do sentimento de quem se acredita melhor e mais capaz – moral, religiosa, social, política ou intelectualmente – do que o seu semelhante. Resultado disso é o desprezo em relação aos outros, vaidade e soberba ostensivas. É típico do prepotente acreditar-se dono absoluto da verdade, demostrando supremacia sobre os demais. O tribuno romano Cícero afirmou: “Quanto mais mediocridade mais arrogância. O sábio não impõe.” O Salvador sempre se mostrara despretensioso e propositivo. Quanto mais santidade e sabedoria, mais pureza e humildade, ou seja, consciência de suas limitações. Os soberbos vestem a túnica da empáfia para ocultar sua ilusão e, por vezes, a própria mediocridade. A arrogância embriaga e ilude, faz perder a noção e a lucidez da condição humana. É sempre oportuna a orientação do apóstolo Paulo: “Nada façais por contenda ou vanglória, mas com humildade. Cada um considere os outros como superiores a si mesmo.” (Fl 2, 3).

A gênese da arrogância e de seus equivalentes, não raro, está nos recalques e frustrações que se procuram esconder nos gestos e palavras intransigentes. O presunçoso ameaça, procura rebaixar o outro, agride e persegue. É um obcecado por destruição. Sente prazer mórbido em descontruir quem lhe desagrada. Em geral, guarda uma amargura interior, buscando atingir seu semelhante com o ódio ou desprezo. Via de regra, ignora a polidez, educação e civilidade. As pessoas pedantes tendem a ser ácidas e manter relações tóxicas. A ausência da paz dissemina um clima de negatividade. São pessoas inseguras, dominadas pelo medo de serem descobertas em sua pobreza íntima.

A arrogância e seus congêneres têm levado muitos a desvarios em pronunciamentos inconsequentes que, não obstante, ecoam fortemente. O nível de morbidez da sociedade é tão expressivo que narrativas e discursos equivocados, marcados de petulância e sofismas, têm mais receptividade e adesão do que as perspectivas construtivas. No entanto, somente estas são capazes de desencadear uma qualificada configuração sociopolítica, religiosa e emocional. A prepotência hospeda discursos negativos e deletérios, sem contribuir para a solução dos problemas que afligem a humanidade. A prepotência é a máscara dos fracos. As nossas posturas de suposta autossuficiência e a ilusão de termos uma posição de superioridade são confrontadas pela inexorável realidade: quem somos nós, habitantes deste “pálido ponto azul”, que é o nosso planeta, na imensidão do Universo? Assim aconselha-nos a Sagrada Escritura: “A arrogância acaba por trazer humilhação, enquanto a humildade leva-nos à glorificação!” (Pv 29, 23).