quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

 A 5ª DIMENSÃO DO ESTRESSE

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Tudo incomoda o vivente. O sobrevivente. Provar a sensação amarga da guerra perdida. Contemplar do alto do edifício urbano as maiorias fúteis impondo iniquidades sobre Natal. O ter que se habituar com a visão torta e vesga dos poderosos de plantão que impõem suas regras pela mídia. Natal sem becos, sem esquinas boêmias, sem praças, sem preces, povoadas de vultos inexpressivos que não serão falados amanhã. Extraviaram a noção de história. Os anos inaugurais do século XXI, não têm o glamour dos fatos e das figuras do século passado. O homem coisificou-se. Perdeu a densidade, a identidade, a musculatura dos gestos e dos passos que fazem história.

Na política, não temos mais líderes como antigamente: os neófitos já saúdam os poucos náufragos que irão morrer amanhã. A paisagem é deserta. As instituições se burocratizaram em blocos de ferro e cimento armado. Não têm mais lume nem leme. “Igrejinhas” tão somente. Não sei se há esperança. Não sei se há salvação. As únicas ameaças à ordem constituída continua a ser o Covid, a droga, a dengue, a chikungunya e a zica. Muitos acreditam que é o maior desafio ainda não enfrentado pelo Ministério Público. Por outro lado, Natal a cada dia, fica mais insuportável com a quantidade de veículos. De motos. Principalmente aquelas que cortam o seu carro pela direita. Mas, assim caminham as capitais, as metrópoles para o futuro enganoso oferecido pelas imobiliárias. O ensino público e privado mercadejou-se tanto quanto o turismo sexual. Perdeu a qualidade. E viva a quantidade.

Fortunas repentinas arremetem-se para o alto iguais ao crescimento vertical da cidade. Não há explicação. Não há investigação. Tudo é volátil e volante. Expresso em arcos voltaicos celebrados na crônica social. É aí que se deduz que toda celebridade quando não é célere, é celerada. Ou fazem de cômicas todas as autoridades.

Saio de mim para penetrar na imponderabilidade do oceano que assiste, lá fora, a decomposição humana. A visão misteriosa do oceano pacífica e beatifica o pecador solerte, já dizia o décimo terceiro apóstolo de Cristo, perdido no tempo e no espaço, ainda acreditando na grandeza do último milagre.

Mas, estresse é coisa séria. Pode ser trágico, para não dizer cômico. Não há como escapar de suas ilações, reações adversas e efeitos colaterais. Mas, que Natal está chata e irreconhecível, infelizmente é verdade. Tenho ultimamente pensado muito em Lucrécia. As duas. A Bórgia e a do Oeste. São pontos de fuga. Estações de tratamento para os dias. Os mesmos dias.

Hoje em dia, é raríssima a autoridade pública ou privada que dá retorno de telefonemas. Deixar recado é esforço pífio e inútil. Não existe mais apreço, atenção, respeito, civilidade, sociabilidade, humanidade. O político, via de regra, só retorna ligação se houver vantagem de voto gratuito ou financiamento de campanha. O empresário pergunta logo quem está na ponta da linha e quanto vai lucrar. Já alguns secretários de governo, nomeados para atender a sociedade, sempre estão em reunião com “aspones” para evitar interrupções que não atendam seus interesses imediatos. Devolver um telefonema que não foi atendido de imediato por ocupação instantânea ou outro motivo relevante, ou não receber um cidadão que pediu audiência, é ato de cavalheirismo, de educação, de nobreza que pouca gente cultiva.

Sei que muitos leitores estão incluídos na estatística dos sofredores. E gostariam de dizer o que afirmo agora. Os cultores da prática mafiosa alegam que é preciso racionalizar o tempo, eleger prioridades, formatizar custos e ganhos de produtividade, e, o lado humano/cidadão vai para o beleléu, descartado por não representar modernidade, segundo os fariseus dos templos públicos. Cheguei a imaginar, de início, que a minha tese é inconsistente. Seria antiquado portar-me assim, mandando a secretária anotar quem telefonou para retornar, em seguida, uma a uma, as ligações recebidas? Acho que não. Tudo é uma questão de estilo, de ética, de personalidade e de berço.

(*) Escritor.



quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

 

Madalena, “apóstola dos apóstolos”

Padre João Medeiros Filho

Assim é designada Maria de Mágdala em textos bíblicos apócrifos e na tradição de várias igrejas cristãs. Eça de Queiroz, um anticlerical confesso, escreveu em A Relíquia: “Madalena mudou o curso da história, ao gritar pelas ruas de Jerusalém: Ele ressuscitou!” As palavras do escritor lusitano caminham na direção do relato do Quarto Evangelho (Jo 20, 11-23). A admiração de Maria pelo Nazareno e seu encontro com o Ressuscitado marcaram os primórdios da Igreja.

A desolação reinava entre os seguidores de Cristo. Este fora crucificado, morto e sepultado, deixando uma lacuna impossível de preencher e um clima de tristeza, abandono e desesperança. Eis que surge uma discípula do Mestre transmitindo a boa nova, ouvida de um anjo: “Por que procurais entre os mortos quem está vivo?” (Lc 24, 5). Ou ainda: “Eu vi o Senhor” (Jo 28, 18). Inicialmente, os apóstolos não acreditaram naquelas palavras. Resolveram ir até o sepulcro. E lá chegando, não encontraram o corpo de Jesus. Verifica-se uma ausência daquele que deveria ser reconhecido, a partir de então, de outra forma. A melancolia foi dissipada pela esperança renascida com as manifestações do Ressurgido. Este confirma o testemunho da “mulher pecadora”, extasiada pela graça sobrenatural (cf. Jo 20, 15).

Antes da experiência que transformaria sua vida e a de muitos, a mulher de Mágdala experimentou um profundo desalento. De manhã cedo, dirigiu-se ao túmulo do Senhor, apressada e com o coração batendo disparado. Desejava homenagear quem perdoou seus pecados e ungir com aromas o corpo de Jesus. Porém, dentro do jazigo no qual O colocaram, não havia nada, a não ser o silêncio. A sepultura vazia atordoava e doía mais que a visão do cadáver que poderia encontrar. E Maria chorou desconsoladamente. Ao “jardineiro” que lhe perguntou a razão do pranto, explicou que haviam tirado o seu Mestre e não sabia onde O puseram (cf. 20, 14). E suplicou-lhe: “Se foste tu que o levaste, diz-me onde está que irei buscá-lo” (Jo 20, 15). Nestas palavras transborda a força do reconhecimento e da gratidão de quem foi perdoada. Não há coisas insuperáveis para quem crê. Aquele que acredita transporta Deus e para Ele nada é impossível (cf. Lc 1, 37).

Ao longo da vida, veem-se mães curando filhos desenganados por médicos. Existem esposas trazendo de volta à vida os companheiros mergulhados em vícios. Há mulheres capazes de atravessar mares, estepes nevadas, desertos escaldantes à procura de quem seu coração deseja. Não havia obstáculos para Maria. Ela iria até os confins do mundo para encontrar o Salvador. Bateria em todas as portas, enfrentaria qualquer autoridade, civil ou religiosa. Nenhuma intempérie seria empecilho para seu coração, sequioso do Mestre. Nele descobriu o afeto e a misericórdia de Deus. O Ressuscitado veio a seu encontro e pronunciou seu nome: “Maria”. Ela respondeu: “Mestre!” (Jo 20, 16). Como não gritar pelas ruas de Jerusalém e não proclamar aos quatro ventos que Ele ressurgiu? Como não anunciar que a esperança renasceu e a alegria voltou a reinar? Não se deve buscar entre os mortos aquele que vive. Assim é a trajetória da “apóstola dos apóstolos.” Segundo o relato dos evangelistas, foi a primeira testemunha da Ressurreição. Inaugura assim um novo tempo na caminhada da Igreja primitiva. Talvez isto explique o interesse da longa pesquisa de Augusto Carlos Viveiros por esse personagem do Evangelho.

Numa sociedade patriarcal em que as mulheres não podiam testemunhar, pois seu depoimento era nulo, Maria de Mágdala falou sobre o que viu e ouviu. Convenceu os seguidores de Cristo a respeito da Ressurreição. Difundiram o anúncio de Madalena, transformando-se em arautos do Ressuscitado. Nestes tempos tão tenebrosos, em que tudo parece sombrio e quando os horizontes se atrofiam sobre nossas cabeças, não se pode ignorar o poder da fé e do amor. Estes guardam um potencial transformador e terapêutico. Na fé de Pedro, Cristo fundou a Igreja. No amor de Madalena, a Igreja sente a Vida. A morte não tem sobre ela a última palavra. A vitória definitiva é a da Vida, outro nome de Deus. “Onde está, ó morte, a tua vitória?” (1Cor 15, 55).

 

Cartas de Cotovelo – Verão de 2024 – 03

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes



MUDANÇAS QUE EMOCIONAM

Retornando ao território, outrora sagrado, da Praia de Cotovelo, deparei-me com situações que lhe retiraram o encanto, mercê da modernidade e do crescimento dos maus costumes daqueles que procuram suas areias limpas, deixando lixo, atentando contra os animais marinhos que, de quando e vez são trazidos pelas ondas enlaçados em objetos deixados ao léu.

Fazendo coro com tais adversidades, o calor reconfortado pela brisa marinha, agora tomou emprestado outro paradigma, irritante – a temperatura incompatível com o deleite que as praias ofertam no período de verão.

Passei toda a minha existência desfrutando dos veraneios – Barra do Cunhaú, Ponta Negra, Redinha e Cotovelo, este último há mais de 30 anos. Fui moleque correndo em suas entranhas, pescando, fazendo amizades, enfim, vivendo momentos lúdicos inesquecíveis.

Redinha, praia linda sem igual, poema lírico e imortal, onde nasceu nosso amor” (poema do saudoso mano Fernando de Miranda Gomes), ou do grande Dozinho: “Ponta Negra , praia linda e bem tristonha. Quem dorme contigo sonha vendo os encantos que tem. Tuas ondas portadoras de saudade, saudade de quem tem amizade a um alguém muito além. Os teus coqueiros que crescem bastante, querendo o céu alcançar, mas os seus frutos que descem constantes, querendo ficar com o mar…). E o que dizer de Cotovelo – apesar dos pesares continua linda.

Não posso esquecer as caminhadas que fazia com a minha sempre amada THEREZINHA desde nossa escadaria rústica até os contornos das falésias, construindo sonhos e lembrando as estórias e lendas então ouvidas dos caiçaras, como a Casa de Pedra de Pium e o possível primeiro fundeamento dos barcos que trouxeram os holandeses para a tomada do Forte dos Reis Magos, cujo segundo aconteceu nas cercanias de Ponta Negra e daí o percurso final a pé.

Tive energia para publicar muitos informativos da PROMOVEC dando conta da sua história, atividade que já não mais mantendo, por falta de motivação.

Tudo isso inunda sentimentos de amor, lembranças e saudades – até o desfecho final com o cair das lágrimas – essas que inaugura esta modesta crônica, cuja autoria desconheço, mas afianço que o mesmo que sinto ao reproduzi-la.