sábado, 6 de março de 2021

 


 

Minhas Cartas de Cotovelo – verão de 2021-17

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

         A pandemia do Covid19 nos trouxe, juntamente com o seu malefício mortal, o desenvolvimento de várias atividades na ciência, com criação de vacinas e também no cotidiano das pessoas, com fundamental mudança nos costumes.

         Da minha parte, costumava regressar à minha casa de Natal, tão logo encerrado o período de Carnaval. Contudo, com a doença atingindo uma filha e um neto que moravam comigo na Capital, decidi continuar em Cotovelo, como garantia de não ser contaminado, sobretudo por ser pessoa portadora de comorbidade perigosa.

         E aqui fiquei até agora, 06 de março e pretendo continuar por prazo indeterminado. Chego a pensar em inverter as coisas, morar em Cotovelo e passar temporadas em Natal.

         Justifico essa possível escolha por vários motivos – primeiro porque aqui vivo perto da natureza, me abastecendo de verduras e frutas das hortas de Pium; segundo pela simplicidade desta Comunidade; terceiro porque produzo o que não consigo na cidade grande – terminei dois livros – um já sendo impresso para lançamento no Outono e que tem o título sugestivo de “Amor de Outono”, como uma sequencia de outro que lancei aqui em Cotovelo com o título de Amor de Verão, o outro “O Circo Vive”, só depende do recebimento das ilustrações a cargo de Wanderline; estou dando continuidade ao livro da minha existência; nesta Comunidade todo mundo se conhece e dá prazer e segurança, pois eventuais aventureiros, perturbadores do silêncio das noites não são daqui, mas filhinhos de papais pouco responsáveis; quinto é a satisfação de ver a comunidade ganhando melhoramentos da Prefeitura, com a colaboração dos moradores, proprietários e veranistas através da PROMOVE; o banho é paradisíaco; sexto, e mais importante, a reunião de família é permanente, fortalecendo a união e a solidariedade .

         Temos uma rádio comunitária – um dos empreendimentos de Octávio Lamartine, empresário local, que é também o Presidente da PROMOVEC, que vem nos oferecendo equipamentos de segurança através de empresa motorizada e drones, além de trabalho bem organizado para a coleta de lixo em todas as ruas, sem contar ações sociais de enorme repercussão.

         A vida tranquila da Comunidade, nos força invocar o poema de Manuel Bandeira – “Vou-me embora pra Pasargada”.

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização..............

 

 

quarta-feira, 3 de março de 2021

 


 

Dono de tamanco não é dono da verdade

Tomislav R. Femenick – Jornalista

 

Ainda jovem (faz tempo), aprendi algo que me foi útil por todos esses anos que já vivi. Foi uma das muitas lições que aprendi com o meu tio Padre Mota, durante uma aula de francês. Perguntei-lhe o que queria dizer a expressão “deja vU”, que eu tinha ouvido (assim mesmo, do jeito que está escrito) em uma conversa entre professores do Colégio Diocesano Santa Luzia, lá em Mossoró, onde eu estudava. Pacientemente, explicou-me que se escrevia “déjà vu”, que se pronunciava “deja vÍ” e que queria dizer “já visto, já conhecido, já sabido”. Em um ímpeto próprio da mocidade, no dia seguinte procurei o professor que tinha usado a expressão francesa e lhe perguntei se o certo não seria dizer “DEJÁ VÍ”. Ele riu e disse-me que, no dia em que eu fosse professor, poderia ajuda-lo em algo. Infelizmente aquele senhor já morreu, e eu não posso lhe dizer que fui professor por mais de trinta anos, em universidades e faculdades de São Paulo e aqui do Rio Grande do Norte.  

Sempre que me deparo com alguém que se diz dono da verdade absoluta, que não admite contradições, eu me lembro daquele professor simplório, que dava mais importância aos seus tamancos do que à realidade que o circundava. Geralmente esses experts não têm expertise nenhuma, não possuem competência e não são especialistas no que dizem ser. Sua competência é tão valiosa quanto uma nota de três reais e cinquenta centavos (R$ 3,50).

Já faz quase um mês, recebi um e-mail de alguém que se dizia e PhD em direito e mestre em filosofia. Estranho é que, à frente de todos aqueles títulos, deveria vir um “nome de gente” (como bem dizia o meu amigo Chico Burrego), mas não veio. Titulação de fantasma não vale. O autor da mensagem me achincalha por ter cobrado de Bolsonaro que “assumisse de fato a presidência da República e deixasse de bancar o marechal de uma guerra bracaleônica”. E apresenta uma série de argumentos, todos baseados em textos de um pseudofilosofo brasileiro que mora nos Estados Unidos, ex-comunista, ex-seguidor de uma seita islamita, ex-astrólogo, atual simpatizante do “terraplanismo” (esdrúxula teoria que acha que a superfície da Terra é plana, e que esta está parada no espaço) e porra-louca do extremismo de direita.

Quem tem por guru alguém que pensa assim, convenhamos, não tem credencial para discutir qualquer coisa, por mais carradas de títulos universitários que tenha. Por isso não vou responder ao senhor anônimo.   

Vivemos hoje no Brasil uma situação nefasta e degradante. As redes sociais, ao darem voz, democraticamente, a todos, abriram uma espécie de caminho dos infernos, como descreveu Dante Alighieri, no século XIV, em A Divina Comédia. Parece que cada um tem a única chave que abre a porta de saída para as várias crises que grassam, que se reproduzem e se multiplicam, nesta terra brasilis. Todos se dizem doutos, eruditos, em tudo. Há um acidente de trânsito envolvendo uma celebridade, as redes sociais se enchem de opinião sobre as limitações de velocidade, as sinalizações etc. e tal. Alguém foi eliminado do tal BBB, jornais e revistas dão a notícia como se notícia importante fosse – criam até posicionamento sociológico. As autoridades de uma cidade qualquer decretam “lockdown”, por causa da pandemia, todos opinam, como se estivessem por dentro de todos os detalhes.

As redes sociais provocaram outro fenômeno. Antes, o jornalismo estridente, espalhafatoso e espetaculoso se limitava a alguns horários de final de tarde, com poucos gatos pingados fazendo o espetáculo. Agora, nas TV’s abertas e pagas, no YouTube e em outras plataformas, nomes famosos se apresentam com trejeitos raivosos e gritando; tudo para chamar a atenção para si e não para o que noticiam. Até historiadores apresentam a “história espetáculo”.      

Aqui é onde está o busílis, o problemão: a eles não interessa se o que estão dizendo é verdade ou não; apenas querem se consolidar como celebridades.

Eu, pelo lado de cá, continuo achando que o falso saber é muito, muito pior que a falta de saber. É pernicioso, nocivo, ruinoso. Induz os outros a seguirem por caminhos enganosos, sem direção certa e que podem levar ao abismo.

 

Tribuna do Norte. Natal, 03 mar. 2021

 

 

 

terça-feira, 2 de março de 2021

 

 


UM SONETO E SUA HISTÓRIA

 

A ideia desse soneto e seus primeiros versos surgiram-me quando eu tinha cerca de vinte ou vinte e um anos. Fiz seu primeiro esboço e recebi o incentivo de meu irmão mais velho Daltro, leitor voraz de filosofia, literatura e sobretudo de poesia. Então, era um bom indicativo ele haver gostado. Mas eu não estava muito satisfeito e achava que poderia melhorá-lo. Coloquei-o então na gaveta,,, e adormeci. Acordo cinquenta anos depois e o encontro ainda em meu coração. Decidi-me: vou concluí-lo. É uma dívida de amor que preciso pagar. E já deitado novamente, talvez para sonhar, vejo a luz no caminho e o rastro do soneto que o percorria... Então, escrevi-o, sem olhar para trás. Afinal, a semente estava plantada:

 


NÃO VOS TRAGO A SOLEDADE

Não vos trago a soledade
Que hei amado em momentos
De total retraimento
E vazia ansiedade.

Mas vos trago estas verdades
Frutos de meu sentimento:
Paixão amor e tormento
Pelo que em vós há de

Eterno. Chama ardente
De luz e sombra semente
A cada passo plantada

A cada hora da estrela
Na busca desesperada
De uma Via Láctea mais bela.


- Horácio Paiva

 

segunda-feira, 1 de março de 2021

 

A SOMA DE TODOS OS ERROS

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

As minhas sensações se revezam depressa. Por mais que me esforce, não consigo me fixar em coisa alguma. Se penso ou sinto algum tema, deduzo que tudo será esquecido e me calculo inútil. Esse prelúdio indefectível talvez chegue a algum lugar. Gostaria de denunciar, por exemplo, aquilo que muitos já fizeram: a deterioração institucional do país que teve quebrados todos os padrões éticos e estéticos. A fragilidade e a inoperância dos poderes se tornaram tão patentes que já se comentam medidas autoritárias. Continuo pensando que é preciso urgentemente humanizar o político brasileiro. Ele mesmo animalizou os seus traços.

 

Quando me apetece voltar a suplicar às autoridades públicas e privadas a restauração do empório dos Guarapes, onde o pioneiro e gigante desbravador Fabrício Gomes Pedroza ambientou um dos mais avassaladores domínios comerciais de que se tem notícia no estado, recebe-se em troca repetidamente a leniência e a indiferença. Ai eu indago: pra que escrever mais? Pergunto-me se não estou me transformando em esteta contemplativo com uma tendência zen. Mas, continuarei lutando porque não é apenas um impulso da mente nem do corpo. Os “Guarapes” representam para aqueles que o ignoram, o equilíbrio entre a beleza e o passado.

 

Falar, por exemplo, das poças profundas de sangue que fluidificam a área metropolitana da grande Natal. Nela a juventude continua sendo executada nas ruas pelo cartel das drogas. Sinto que falecem os dons que me ligam a Macaíba, hoje, tão irreconhecível a ponto de não me rever mais em suas paredes e praças. A fuga é dormir à distância, debaixo de qualquer céu, como diria o poeta. Minha terra padece de uma enfermidade física, orgânica, urbana, suburbana, sensível, visível, palpável chamada “comércio de droga” que tem escravizado e mutilado suas melhores tradições. 

 

Poderia até discorrer sobre as opiniões e posturas dos políticos potiguares de hoje frente ao processo sucessório estadual de 2018, repleto de incertezas, decepções, melancolia, traição e maldição, que conduzem os personagens e eleitores a becos sem saída. Os efeitos especiais empregados são improvisados. E parece que não há pressa em definir situações. Tudo deve ser queimado subrepticiamente a fogo lento. Tem gente gastando anos luz para compor o arquipélago da obra de chegar ao poder queimando incenso no velório da própria aliança. Na política, sabemos que acidentes e incidentes nunca surpreenderam ninguém. Todos têm rostos e máscaras. Trata-se de uma peça de teatro onde o fascínio é exibido em prosa e gestos fesceninos. Que importa tudo isso, se depois da tempestade todos se unirão novamente para começar tudo de novo? O palco será o mesmo. Só muda a idade.

 

E o pugilo da saúde pública nos hospitais da capital? Esse merece veemente repulsa. É um libelo à competência dos administradores. A situação deplorável me infunde a convicção de que ninguém mais se comove com a dor humana. O melhor homem é o homem morto. Vivo é desprezível. Doente e pobre, ele fede. Onde deveriam remunerar melhor, paga-se pior e se gasta menos. Hospital público é a antessala da morte iminente porque está desprovido das mínimas condições de higiene e serviços. Denunciar o estado de calamidade não constitui o meu propósito. Mas, apenas, lembrar ao leitor que o ser humano coisificou-se. Deixou de ser carne inteligente. Hospital - lugar de repouso e cura - virou empório do estado, verdadeiro guardador de rebanho, onde o pobre, sem nenhum plano de saúde, tem defeito na circulação do sangue do corpo à alma. Abaixo os privilégios institucionais hoje praticados como intestinais! Tenho dito.

 

(*) Escritor.