quinta-feira, 22 de agosto de 2024

AS PEQUENAS E BOAS ATITUDES MELHORAM O MUNDO Valério mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com Nesse planeta de dúvidas e de dívidas – muito mais do que antes – é necessário compadecesse do ser humano. As pequenas atitudes melhoram o planeta, repito e é verdade. Contudo, a cada dia, se descobre que todo homem, por mais firme que esteja é pura vaidade. Não reflete que “passa como uma sombra amontoando tesouros e não sabe quem os levará”, conforme ensinou o salmista rei Davi, no auge do declínio político e de poder. Os dias de hoje são ominosos e fatais para a humanidade. Mesmo que você ore que o Senhor é a sua luz e a ninguém deve temer. O tempo mudou muito a imagem e a rigidez disciplinar do Vaticano. O poder doutrinário não é mais tão exigente quanto o de antes. Hoje é pacífico, conciliador. O ser humano vive a cultura do mundo das paixões, das relações homoafetivas, dos trágicos conflitos racionais, religiosos e políticos. As práticas já alcançaram o nível de extermínio. Nas favelas brasileiras o número de bandidos excedeu o de moradores pobres. Na história das repúblicas latino-americanas os índios foram vítimas de assassinatos, hoje são os doentes nos hospitais públicos pela falta de remédios e de médicos. O egoísmo dos homens corrompeu a democracia, as instituições. Tudo foi depredado: o meio ambiente, o sindicalismo, o mercado de trabalho, o sistema previdenciário, o ensino médio e superior, a legislação penal e a penitenciária. Até no Supremo Tribunal Federal, os ministros colidem e se agridem de forma banal, como nunca se viu décadas passadas. As Casas Legislativas cultivam o silêncio obsequioso em algumas questões e em outras submetem-se a dependência de cargos, favores ocasionais e sazonais. Prefiro laborar na tese de que o homem sem acreditar na Bíblia não tem futuro na terra e nem no que cuida ou governa. Caso se torne bem sucedido, fará infeliz uma multidão de seres humanos. Certa vez, procurei ler algo sobre a trajetória do teólogo e pensador Leonardo Boff, notadamente traços de suas colisões com a igreja católica, por causa da Teologia da Libertação. É claro que não pretendo num modesto texto discutir ou discrepar com o famoso escritor e pensador brasileiro. Pinço um fato do seu encontro em 1984, em Roma com o cardeal Ratzinger, sucessor de Wojtyła (Papa João Paulo II). O ex-pontífice era o então prefeito da Congregação para a Doutrina e a Fé. No dia aprazado, Boff escreveu ao cardeal explicando que não poderia comparecer ao chamado da Santa Sé porque naquele dia (05 de setembro), teria compromisso com a Associação das Prostitutas, vítimas de exploração, a qual recebia apoio da CNBB. O papa emérito (cardeal Ratzinger) telegrafou para dizer que “a Igreja deveria vir antes de tudo”. Leonardo Boff foi astuto. Respondeu “que, conforme as palavras de Jesus, as prostitutas gozam de precedências, no Reino dos Céus”. E citou a parábola de Jesus em Mateus 21.31, quando pregava no templo para os principais sacerdotes e os anciões do povo que davam respostas equivocadas as suas perguntas. (“Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de Deus”). Veja como a interpretação da palavra de Deus (Pai, Filho e Espírito Santo) pelas religiões cristãs do mundo está a merecer uma rediscussão a fim de chegar a unicidade e a verdadeira paz. Outro detalhe diferenciador das igrejas católicas e evangélicas: a primeira diz “a paz de Cristo!”. A segunda, para divergir, todavia dá no mesmo, proclama “a paz do Senhor!”. Chegou o momento fundamental de todos se entenderem que o reino desta vida também é de Deus, uno e indivisível. A paz é uma só. Outra grande atitude para melhorar o mundo já pregado e difundido pelo Papa Francisco é o diálogo das igrejas em favor da coletividade humana, sem o fermento da discórdia e do egoísmo na interpretação da palavra do Pai, do Filho e do Espírito Santo. “Quando dois ou mais estão reunidos em meu nome, estou presente no meio deles”. No mais, é deixar que Ele grave no senso trágico da brevidade humana os sinais de sua mensagem. (*) Escritor.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Jucurutu, paróquia sesquicentenária Padre João Medeiros Filho Há consenso entre os historiadores sobre o ano de criação da Paróquia de Jucurutu: 1874. Entretanto, dois expoentes de nossa história – Câmara Cascudo e Tavares de Lyra – divergem quanto ao orago e mês da elevação à categoria de matriz. Para o primeiro, a freguesia foi erigida em 1º de agosto, tendo como patrono São Sebastião. O segundo indica a data de 1º de setembro, sendo padroeiro São Miguel Arcanjo. Cascudo é fiel às fontes eclesiásticas, enquanto Tavares de Lyra prende-se aos registros civis, abordando temas religiosos. A Lei Provincial 707/1874/RN citada por ambos, erigindo a freguesia, é apenas uma das peças do processo de criação, sendo indispensáveis a autorização imperial e o decreto do bispo diocesano. Isto ocorria por força do regime do Padroado, herança da Coroa Portuguesa, em vigor no Brasil. Em razão dessa concordata entre o Brasil e a Santa Sé, o Imperador gozava das prerrogativas de escolher bispos, párocos, vigários, cônegos, capelães, criar, suprimir dioceses, paróquias, capelanias, irmandades etc. Ao Sumo Pontífice e aos bispos cabia confirmar os atos. Poucos historiadores tratam da presença dos jesuítas no RN, no período colonial. Cascudo tece elogios ao trabalho catequético-evangelizador dos padres da Companhia de Jesus. Devotos de Maria Santíssima, São João Batista e dos anjos, deixaram essa marca devocional por onde passaram. Nas antigas Reduções (RS) destaca-se a existência de cidades e paróquias identificadas com os nomes de São Gabriel, Santo Ângelo, São Miguel das Missões etc. No RN, não foi diferente. Em Arês (nas origens, conhecida por São João Batista de Guaraíras) introduziram a devoção ao precursor de Cristo. Na cidade de Extremoz (antiga São Miguel de Guajiru) difundiram a veneração ao Arcanjo, sendo até hoje o seu patrono. Posteriormente, os discípulos de Santo Inácio de Loyola adentraram os sertões potiguares, fixando-se em Angicos, cujo aldeamento teve nos primórdios o nome de “Curral dos Padres”. Os jesuítas não são denominados frades, e sim padres. De Angicos, rumaram para Assú, cujo padroeiro é São João Batista. Dali, foram até Apodi, onde catequizava Padre Felipe Bourel. Estiveram em Caiçara Velha (hoje São Rafael), tomando a direção de Jucurutu, estabelecendo-se à margem de um riacho, afluente do Rio Piranhas-Açu. “Eles eram perseverantes no ensinamento dos apóstolos” (At 2, 42). A notícia mais precisa sobre os jesuítas em Jucurutu vem do Padre Serafim Leite, em História da Companhia de Jesus no Brasil: “Perseguidos, os nossos [termos como os jesuítas chamam seus confrades] se refugiaram numa pequena aldeia, administrada pela Companhia [de Jesus] que do Arraial [Assú] dista cerca de dez léguas, à margem de um rio, povoado de piranhas, que banha igualmente o citado arraial.” Paira uma dúvida sobre o orago da paróquia jucurutuense. Já se aludiu à divergência de Cascudo e Tavares de Lyra sobre essa questão. Para o pesquisador caicoense, Monsenhor Francisco Severiano de Figueiredo, “o primeiro padroeiro de Jucurutu foi São Miguel Arcanjo.” A essa invocação alude outro caicoense, Padre Sebastião Constantino de Medeiros, governador do bispado de Olinda. Desde a época de aldeia à elevação como cidade, o lugar denominava-se São Miguel de Jucurutu. Posteriormente, em consequência de um voto, os habitantes solicitaram ao bispo de Olinda, Dom Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira, a mudança de orago do então povoado. Isso aconteceu quando grassava a epidemia do “colera morbus”, pósguerra contra o Paraguai. A partir de então, São Sebastião passou a ser o protetor. Alguns pesquisadores apontam o Santo de Narbona (Sebastião) como patrono na criação da freguesia, arrimando-se em Padre Gabriel Malagrida, jesuíta missionário nos sertões nordestinos, o qual asseverou: “Aos males que nos fazem, respondamos com o bem. Assim, a triste figura de Sebastião José de Carvalho e Melo [Marquês de Pombal] seja ignorada, denominando-se a paróquia por um santo de igual nome, apagando assim a memória de um personagem ímpio de nossa história.” Em 2023, pensando no sesquicentenário, o sétimo bispo de Caicó, Dom Antônio Carlos Cruz dos Santos, pelo Decreto Diocesano 18/2023, anexou salomonicamente a invocação de São Miguel ao lado de São Sebastião, declarando-os padroeiros de Jucurutu. O apóstolo Paulo suplicava: “Irmãos, estejais todos de acordo com o que dizeis para que não haja divisão entre vós” (1Cor 1, 10).