sábado, 30 de julho de 2022

 



TORCÁPIO QUERIA UMA GUERRA

Tomislav R. Femenick – Historiador, do IHGRN

 

Em fins de janeiro de 1904, a divisa entre o Rio Grande do Norte e o Ceará era contestada pelos cearenses. A linha divisória era marcada pela barra do rio Mossoró, e ali se posicionaram tropas do Rio Grande do Norte. O governo do Ceará reagiu e nomeou um Tenente-coronel do Exército, Salustiano Padilha, para expulsar as tropas potiguares. No dia cinco de março, um contingente cearense, composto de 250 homens, tomou posição em Aracati, a oitenta quilômetros da zona disputada.

José Torcápio Salustiano de Albuquerque Padilha foi criado por um tio, que tinha sido voluntário da pátria na guerra do Paraguai. Quando dos problemas fronteiriços do Brasil com a Bolívia, na chamada questão do Acre, ele externou o desejo de “oferecer sua vida em holocausto pela pátria”. O tratado de Petrópolis de 1903, que resolveu a questão, frustrou seus sonhos de glória nos campos de batalha. Decepcionado, voltou para o Ceará e adotou outros inimigos: os norte-rio-grandenses. Torcápio tinha a “sua” guerra.

Os cearenses se deslocaram de Aracati até Grossos, aonde chegaram em 11 de março e ali estabeleceram seu quartel-general, porém não encontraram as forças potiguares, que tinham feito um recuo tático, cruzando a barra do rio Mossoró, para se reagruparem em Areia Branca. O comandante da expedição planejou atravessar de barcos a barra do rio e invadir a cidade de Areia Branca. Entretanto, alguns dos seus oficiais se anteciparam; cruzaram o rio, entenderam-se com as tropas opostas e telegrafaram ao Presidente da Província do Ceará, recebendo deste a ordem para evitar a invasão do Rio Grande do Norte (que eles já haviam invadido quando entraram em Grossos). Todavia, o Tenente-coronel Salustiano se negou a cumprir a ordem do seu governador e, às sete horas do dia 12 de março, com apenas poucos homens, fez a travessia do rio e ficou esperando pelos outros, que nunca chegaram. Sem apoio, teve que se retirar.

O Presidente da República interveio na questão e mandou que as tropas de ambos os lados recuassem para suas bases. A primeira tentativa de solução pacífica da disputa da região contestada deu-se via arbitragem. A decisão foi favorável ao Ceará. Nos Tribunais, o Rio Grande do Norte ganhou em três ocasiões diferentes: 30 de setembro de 1908; 02 de janeiro de 1915 e 17 de julho de 1920.

O problema ainda teve um outro desdobramento. Quando Aluísio Alves era governador, o Estado do Rio Grande do Norte fez a doação de glebas de terras devolutas aos antigos posseiros, expedindo o documento de posse e editando ato que autorizava que os beneficiados pudessem contrair empréstimos com bancos oficiais. Essa medida favoreceu os habitantes da região, dando-lhes possibilidades de melhorar seu nível de vida.

Em outubro de 1967, vários proprietários de terras de Baraúnas, então distrito do Município de Mossoró, foram vítimas de arbitrariedades por parte de supostos donos de suas terras: foram presos pela polícia cearense e levados para a cidade de Russas, onde um cidadão de nome José Louredo se declarou dono de toda a área doada pelo Governo do Rio Grande do Norte, além do mais sob a alegação de que todas aquelas terras fazem parte do estado do Ceará. Os proprietários se viram forçados a abandonar suas glebas e benfeitorias nelas existentes.

 

Tribuna do Norte. Natal, 24 jul. 2022


 

MUNDO PATOFÓBICO

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Tenho me questionado ultimamente com o surgimento de inúmeras epidemias funestas nos últimos vinte anos. Umas nascidas na Ásia e outras na África, vitimando milhares de pessoas. Não vou discutir os aspectos científicos ou caracterológicos dessas pestes que devastam ao meio dia, no dizer do Salmo 91. O céu celebra triunfo sobre o pecado? Pode-se levar o diagnóstico da aids e das febres (gripes) do frango, do macaco, das ovelhas, dos porcos, da vaca-louca, para o plano religioso? O que está acontecendo com o novo século? Apesar do avanço excepcional da medicina em todos as especialidades no mundo inteiro, novas viroses inexplicáveis surgem para desafiar a ciência como se a ciência sempre deva permanecer desafiada? Às vezes, penso, que há algo apocalíptico nesse pretenso determinismo que desafia a capacidade terrestre. “Eu sou o Alfa e o Omega”, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que vem, o Todo-Poderoso, fala o Apocalipse.

Estaria a tecnologia do mundo moderno destruindo o homem através dos novos tipos de gêneros alimentícios inventados para aumentar a cadeia de produção industrial de carnes? Isso porque a “epidemia do frango” nasceu em países superpovoados e não em outros de menor densidade territorial!!

Em breve, serão os peixes dos oceanos. As frutas, os cereais, as flores, as roupas, os brinquedos, porque o terrorismo já exporta mulheres e homens bombas que explodem shoppings e sinagogas. Volto a perguntar: por que as pestes provêm dos bichos? Daqui à pouco, irão aparecer a febre do veado-louco, a peste da burra-cega, a fúria da pomba-gira, e, por aí vai, zoologicamente, na agonia aflita e singular do homem que animalizou os traços e os gestos. Diante de tudo, imagino, que cabe um estudo sociológico, religioso, científico e econômico, sobre a matéria que envolve toda a humanidade. A sua trajetória, pelo menos. Febres, gripes, epidemias, pestes, desde a Antiguidade existem, dizimando civilizações e todos com uma história, uma raiz, uma geratriz em cada época, em cada tempo. Só que, agora, essas doenças têm outras patogenias ou patologias. O homem envenenou o mundo em todas as linhas de produção animal, vegetal e, principalmente, na cadeia alimentar. Os cientistas, os pesquisadores e os historiadores com a palavra. Do contrário, vou consultar em vão a Anvisa, o oráculo de todos os mistérios invisíveis do país.

Outras pestilências arrazadoras estão chegando de Brasília. Ainda sem vacina. Elas se alçam a Covid, a Influenza, a Dengue, a Zica e a Chikungunya. É a PEC dos benefícios do alimento, do caminhoneiro, do taxista e por aí vai. A Câmara Federal é a tenda dos milagres dessa pirataria eleitoral. Depois de parir o famoso “orçamento secreto”, a ser pago em módicas prestações que antecedem o pleito de outubro próximo. Ali tudo é de Babá, tudo pode, devagar, devagarinho... E no comando, Arthur da Távola tocando a sua lira no trono da presidência. Quarenta e hum bilhões de reais descendo pelo ralo.

Quantos na história do Congresso Nacional não “comeram bola” para votar ou relatar processos escusos para favorecer governos ou grupos? E, por extensão, no próprio judiciário, na administração pública em geral, além de outros segmentos punitivos institucionais? Aí, estão os exemplos marcantes e lamentáveis dos escândalos verificados no Banestado, no INSS, nos Ministérios da Saúde, da Educação, no TRT de São Paulo, Valdomiro Diniz, Sérgio Naya e um elenco imenso de predadores dos cofres públicos que a Lavajato revelou! Tudo passou dentro de um criminoso prazo de validade. “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tudo sempre passará”. Oremos.

 (*) Escritor.

 

 

A FOME NUNCA FOI A ESTAÇÃO
ALMEJADA PELO HOMEM...
ELA MATA DESNUTRINDO O QUE DE CIDADANIA POSSUI ESSE SER.
Felizes os que a viram de frente, e pelo descuido do seu olhar mortífero, tornaram-se
sobreviventes para na condição de pintores, pincelarem suas cicatrizes na tela viva ou de escribas para escreverem no pergaminho da história, o drama que o ser humano, de forma travosa consegue vivê-lo como vitima e ao mesmo tempo como sujeito que lhe impôs a sublime derrota, de não permitir que ela continui a ceifar vidas de inocentes.
As minhas veredas além de estreitas e espinhosas, elas sempre foram um paginar de relatos trazidos pelos meus ancestrais, principalmente os meus avós paternos. Coincidentemente nasceram na seca de 1898.
Ainda adolescentes, viveram na segunda década do Sec. XX, as terríveis secas de "Quinze " e "Dezenove". Na primeira, dizia minha avó Aninha: "ficaram só as amarras e os chocalhos". Na segunda, "já não havia mais teréns, a preocupação maior, era salvar nossa vida tão magrenha".
Os homens ganhavam os carrascais da caatinga, para colherem nos bancos de bromélias espinhentas (mancambira), os flocos de sua polpa para fazer "n'água e sá", o cuscuz. E de ressaltar que em muitas ocasiões, a água minguada, era colhida nos tubérculos existentes na raiz dos umbuzeiros, trabalho a cargo das mulher.
Nas secas de 1928, 31-32-33, meu pai menino.
Tempos depois, já com existência nossa, trazia um relato estarrecedor. Vovó perdera por fome e deficteria duas crianças, numa tenda na construção do Itans* em Caicó. Meu avô era tropeiro-tangerino, levara a família para as adjacências do canteiro daquela obra.
Então veio a década de cinquenta, começara com seca e fechara com o terrível ano de magrém, 1958. Quando, nasci para minha freguesia e para o mundo dos que tiveram o privilégio de entrar na lista dos desasnados.
De ressaltar que, fiz essa discorrência para dizer como sertanejo, que a fome ela é implacável com a vida. E na historicidade dos povos do bioma da caatinga, ela é um dos vetores de muitas vidas ceifadas. O outro são as epidemias. No momento esse vírus de destruição implacável, mais uma vez trazendo a morte a milhares por sua incursão direta e pela fome de milhares de pobres que não são assistidos pelo poder público .
Essa estação atual, é de longe a mais destruidora de vidas de todos os tempos em nosso País.
J.E.S.