quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

 



 O encanto dos pássaros

Daladier Pessoa Cunha Lima

Reitor do UNI-RN

Há dezenas de anos, frequento um local onde se sobressai a natureza, tanto com os vegetais ali presentes quanto com os pequenos animais que se movem livres nos espaços. A grama,  a relva, as pequenas plantas são repouso para os olhos no verde que se espraia. Plantas de jardim também são cuidadas, algumas com floradas alegres e coloridas. Três palmeiras se elevam tão lindas, tamanho médio, e exigem pouco para se manterem sempre airosas esorridentes. Em área contígua, existe um pomar com diversas árvores frutíferas, tais como pés de acerola, manga rosa e espada, pitanga, coco e jaca. As polpas das frutas não chegam pra quem quer. Vizinho à jaqueira, a mais alta e a mais robusta das espécimes do pomar, floresce um bonito Pau-brasil, a árvore nacional do país, que deu o nome à nossa Pátria. Chamo-o de Rei, e a jaqueira, de Rainha, alcunhas merecidas, pela altivez com que se destacam. Os pássaros que povoam esse espaço onde o verde domina dão um show à parte com seus cantos belíssimos, sinfonia natural, tocada por orquestra que dispensa regentes. Sei que há um regente invisível, diáfano, tão oculto e, ao mesmo tempo, tão presente, capaz de revelar a beleza na forma mais pura da criação. De todos os cantos dos pássaros desse viveiro a céu aberto, ressalto o dos sabiás, pelo timbre suave que encanta e enleva. O sabiá é citado como o pássaro que canta o amor e a primavera. O poema Canção do Exílio, do poeta Gonçalves Dias (1823-1864), é famoso pelo apreço à natureza e aos sabiás: “Minha terra tem palmeiras, / Onde canta o sabiá”. Desde 2002, o sabiá laranjeira passou a ser, por ato presidencial, a ave nacional do Brasil.Mas, além do sabiá, existemos lindos bem-te-vis, as rolinhas, os beija-flores, os sanhaços, e muitos outros. Há poucos dias, noto que essa alegre e bela cena sonora e visual dos seres alados desse aviário sem barreiras tornou-se meio silente, com menos cursos de voos, enfim, uma calmaria fora do comum. Passei a torcer para que uma construção vizinha logo chegasse ao fim, pois fiquei certo de que o ruído e a poeira eram a causa dessa reação desagradável para os atores do espetáculo da natureza, bem como para os espectadores.Em dias recentes, li uma crônica da neurocientista brasileira Suzana Herculano Houzel, na qual ela aponta que o canto dos pássaros melhora com o menor barulho urbano. Ela se referiu a uma pesquisa da U. do Tennessee que comparou o canto dos pássaros em pleno ruído  da cidade de São Francisco, CA, com o tempo do lockdown abril a junho de 2020 , e verificou que os gorjeios das aves se tornaram bem mais cheios de conteúdo e mais completos, durante a fase de menor barulho. A conclusão da pesquisa foi que, no auge da pandemia, os pássaros urbanos voltaram a cantar com o mesmo esmero dos seus primos da área rural. Bela e sábia natureza.Texto publicado na Tribuna do Norte em 10/12/2020.

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

 

Uma conversa sobre Cenas Natalenses

Publicações

 

Gustavo Sobral é jornalista e escritor. Nasceu em Natal, onde vive e espia o mundo.  Autor, dentre outros, de “História da Cidade do Natal”, agora aparece com “Cenas Natalenses” (Natal:  8 Editora/ Offset, 2020, 60p., R$ 25,00), seu novo livro, a venda na livraria Cooperativa Cultura (UFRN) e na Flora Cafeteria.

 

 

História, memória, literatura, jornalismo, crônica são os caminhos da sua escrita, em qual destas facetas se encontra o seu novo livro? Cenas Natalenses considero, como todos os meus trabalhos anteriores, um livro inclassificável, mas mesmo assim posso dizer que é um livro que, no mundo em que vivemos, o mundo imperativo da imagem, pretende ser uma coleção de pequenos e breves retratos da cidade em palavra e desenho. Um breve exercício de jornalismo visual, de ver e ouvir a cidade em movimento.

 

 

 

Qual o papel da ilustração neste seu novo trabalho? É uma forma de expressão. Para que descrever um edifício se posso rabisca-lo?  Mas faço um traço apressado, sem retoques, e trago o desenho também a uma condição de protagonismo.

 

 

 

E como, quando e onde, e porque nasceu esta ideia de “rabiscar”? Sempre gostei dessa coisa de ilustração para livros e queria ilustrações para um livro meu, “Petrópolis”, mas não tinha quem fizesse, eu mesmo arrisquei e saiu. Ai, não deixei mais.

 

 

 

E porque estes lugares (a Fortaleza, o Farol, o Parque das Dunas, etc) e não outros? A sentença de Cascudo, que usei na epígrafe, me concedeu uma liberdade de escolha: “a cidade do Natal é uma perspectiva indefinida”. Fechei os olhos e pensei: que lugares da cidade caberiam numa cena? Procurei os cartões postais: Ponta Negra, a Fortaleza e o Farol; sai em busca do cotidiano, feira livre e o movimento na Praça do Relógio, a maternidade e o cemitério; e não podia deixar de falar da natureza, e fui em busca da flora do Parque das Dunas.

 

 

 

E que texto é este que você faz para o livro? Sempre procurei e busco uma escrita em voz alta, ou seja, aquela que preserve um tom de oralidade e um ritmo. Gosto quando as pessoas dizem: é como ouvir você falando! A forma é tão importante quanto é o conteúdo.  É tudo uma parte do todo.

 

 

 

Um todo? O todo que nasce na proposta do livro passa pelo apelo visual e se transforma na junção de tudo isso em um projeto gráfico. Propus o desenho de todo livro, inclusive, a montagem, procurando uma fluidez na expressão do conteúdo e que o resultado fosse simples como aí está.

 

 

 

E por que escrever sobre Natal? Porque não sei ser de outro lugar. O escritor tem sempre uma forte ligação com a sua cidade, portanto, me volto para Natal nesta perspectiva meio quixotesca que Cascudo tratava por um provincianismo incurável.

 

 

 

Uma espécie de Dom Quixote tropical? Quem sabe?!  (risos). A afirmação de Lygia Fagundes Teles para mim ainda é válida: há três espécies em extinção no Brasil: a árvore, o índio e o escritor.

 

 

 

E o que resta ao escritor, esta espécie em extinção, fazer? Escrever! Já dizia o poeta Ferreira Gullar a arte, a literatura, a poesia, tudo isso existe, porque a vida não basta. Escrever é a forma certa de não deixar tudo passar e basta.

 

 

VENDA

Flora Cafeteria, na Floricultura Flor de Algodão.
Av. Rodrigues Alves, 443 - A - Petrópolis.
Horário de funcionamento: segunda a sexta, 12h às 19h;
sábados 9h às 15h.
Telefone para contato (84) 2030-4090


Livraria Cooperativa Cultura, UFRN.
Horário de funcionamento: segunda a sexta, 9h às 16h.
Entrega pelo Delivery, telefone para contato e pedidos (84) 3211-9230
ou pelo WhatsApp (84)99864-1991.


Valor do livro R$ 25,00

 

Para ler este e outros inscritos, acesse: gustavosobral.com.br

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

 


Dr. Hollywood, quem diria, acabou suplente

Tomislav R. Femenick – Mestre em economia com extensão em sociologia

 

Há tempo, não faz muito, talvez uns cinco anos ou pouco mais, fui procurado por um conterrâneo, morador dos Estados Unidos, que tem uma microempresa aqui e outra lá, na Flórida. Desejava algo simples, muito simples, no pensar dele: queria um estudo de viabilidade econômica, para anexar ao pedido de empréstimo que iria fazer junto a um banco estatal. Já estava tudo certo. A diretoria do banco já teria concordado e ele, antecipando-se, traduzira e adaptara o modelo de um projeto para financiamento de imóvel que assinara com uma instituição financeira, lá em Miami. Era só eu assinar, reconhecer a firma em cartório, esperar o dinheiro ser liberado pelo banco e receber R$ 1.500,00. Isso mesmo, você não leu errado: um mil e quinhentos reais. Não dei nem resposta.

De outra feita, mas longe no tempo, lá pelos anos 1990, com apoio do Wall Street Journal, eu e meu amigo Jarbas Resende (ele era o representante do jornal em São Paulo), promovemos um seminário em New York, sobre oportunidades de negócios Brasil-Estados Unidos, com expertise adquirida em três outros seminários que organizamos sobre negócios Brasil-Flórida. Os expositores eram diretores da Câmara de Comércio Brasil-USA, do Banco Interamericano de Desenvolvimento, do Banco Central do Brasil, da Bolsa de Valores de New York e executivos de grandes empresas que atuavam aqui e lá. Precisávamos de uma pessoa conhecida para fazer a abertura e o encerramento do certame. Quem melhor, senão Paulo Henrique Amorim, à época, repórter da Globo em New York. Convidamos, ele aceitou, acertamos detalhes, assinamos o contrato. Aí começaram os problemas. O Amorim queria dar pitacos em tudo. Foi preciso dar um “chega pra lá” nele.   

Para não ficar só no passado, atualmente temos três exemplos de tutores autonomeados, neste novo tempo de comunicação frenética. O primeiro deles é uma celebridade, o Dr. Roberto Miguel Rey Júnior, ou Doutor Hollywood, que, em um programa de televisão, mostrava os bastidores de cirurgias plásticas realizadas em Beverly Hills, nos Estados Unidos. “Julgando-se”, em 2018, o Dr. Rey se ofereceu para ser presidente da República. Como ninguém o quis, lançou-se candidato a deputado federal: não teve votos suficientes. Este ano pleiteou a vereança em Vargem Grande Paulista-SP. Só conseguiu ser suplente de vereador.

O deputado federal Luís Miranda (eleito com mais de 65 mil votos) é um caso à parte. Antes tinha uma clínica de estética na capital federal, que foi fechada pelo Conselho Regional de Medicina. Em 2014 foi morar na Flórida, onde passou a ostentar um padrão de vida milionário e a propagar discursos motivacionais para quatro milhões de seguidores. Por trás de tudo estava o projeto de uma espécie de pirâmide financeira. De volta ao Brasil, elegeu-se deputado federal e ganhou um escudo protetor: a imunidade parlamentar. Segundo o site www.jusbrasil.com.br, há quase cem processos em andamento que envolvem sua excelência; mas nada o atinge. Sua plataforma eleitoral foi simplesmente dizer que morava nos Estados Unidos.  

Entretanto, o maior embuste nacional, morando nos States, é o ex-astrólogo Olavo de Carvalho. Sua história é interessante: foi militante do Partido Comunista Brasileiro de 1966 a 1968, hoje é ferrenho anticomunista; autodidata, no final dos anos 1970, colaborou em um curso sobre astrologia, mas não possui nenhum título acadêmico formal; nos anos 1980, integrou uma ordem mística esotérica muçulmana, a Tariqa, e hoje se diz católico. Olavo de Carvalho é um influence digital escatológico, que ministra cursos de filosofia pela internet. Desbocado (é recorrente no uso de palavrões) e irreverente, suas opiniões são entendidas como a luz da montanha, por uns, e despropositadas e inconsequentes, por outros. Vez por outra, entra em colapso mental. Segundo ele, a pandemia de coronavírus seria “a mais vasta manipulação de opinião pública que já aconteceu na história humana”.

Juntando esses casos, cheguei à conclusão: alguns brasileiros que moram nos Estados Unidos acham que nós outros, os brasileiros que moramos aqui no Brasil, somos mentecaptos, anencefálicos, deficientes mentais e idiotas. É... às vezes, somos mesmo.  

 

Tribuna do Norte. Natal, 06 dez. 2020.