sexta-feira, 29 de outubro de 2021

 


 

O BAR SEM NOME

Tomislav R. Femenick - Jornalista

 

Existia em São Paulo, na Rua Araújo, perto da Rua Major Sertório e da Av. Ipiranga, no Centro Histórico da cidade, um barzinho pequenininho, chamado “NN” (abreviação da expressão inglesa No Name: Sem Nome). Não havia nada escrito em sua fachada. Simplesmente era uma porta larga, aberta. Começava a funcionar às dez horas da manhã e só fechava quando o último freguês ia embora. Josias (não estou certo do nome) era o dono e o único funcionário; bar-tender, garçom, faxineiro e pau para todas as obras. Era um bar de homens. Quase nunca havia mulheres.

O ambiente era aconchegante. Sofás de couro, um defronte do outro, separavam suas seis mesas, o ar condicionado controlava a temperatura e um exaustor fazia o ar circular e retirava a fumaça dos cigarros, charutos e cachimbos. As paredes eram cobertas com lambris de madeira escura. Na parede, atrás do estreito e diminuto balcão, ficavam as garrafas de bebidas, sempre em número de três para cada tipo. Na parede do fundo havia um quadro da Rainha Elizabeth II, meio sorrindo, meio séria, com um selo dourado redondo, e um brasão com os dizeres: “By appointment to hm the queen” (por nomeação de Sua Majestade a Rainha). Perguntado sobre o quadro, ele desconversava e não dizia nada. 

O mais importante era que seu whisky era honesto e os queijos, seu único tira-gosto, eram de boa procedência. Durante a tarde, recebia executivos de bancos, das empresas de turismo e viagens, dos inúmeros escritórios situados na redondeza, principalmente dos Edifícios Itália e os que ainda existiam no Copan. O maior movimento era na hora do happy hour. Fui levado ao NN pelos meus amigos Flávio Pacheco e José Pedro Canovas, na época em que éramos auditores na Deloitte-Revisora.

Tempos depois, já trabalhando no Banco Real, como Diretor Adjunto das empresas de seguro, recebi um telefonema de Antônio Sansão, Diretor Geral da organização (na verdade, ele era a segunda pessoa no comando do conglomerado financeiro dirigido por Aluysio Faria), pedindo para eu ir até sua sala, urgente, pois tínhamos um problema delicado para resolver. O problema: demitir (sabidamente por justa causa) um diretor das empresas de seguro do grupo, pessoa a quem eu era formalmente subordinado. O meu espanto foi autêntico.

Sansão explicou-me: Primeiro, ele daria a entender que a saída não seria só do diretor demitido, que haveria outras dispensas e que eu poderia ser atingido. Segundo, porque, devido à natureza do demitido, ele poderia ter uma reação indesejável e criar um clima que poderia contagiar outros colaboradores. E, terceiro, ele soube que eu conhecia um lugar adequado para isso. Um barzinho na Rua Araújo, do qual ele soubera por “por ouvir dizer”. 

Chegamos ao NN por volta das três da tarde, conversamos e tomamos whisky honesto, com tira-gosto de queijos de boa procedência. A demissão aconteceu sem trauma e sem vexame. Saímos de lá perto do encerramento do expediente, pois ainda teríamos de dar ciência da solução do caso ao dr. Aluysio Faria.

No outro dia, ao chegar à minha sala, encontrei uma caixa de isopor, com oito embalagem de sorvete de dois litros, sabor chocolate com menta, da La Basque (que também era do dr. Aluysio), e mais 20 barras de chocolate belga, da Godiva. Presentes de Sansão, meu chefe ad hoc, e de todos os que trabalhavam no grupo; menos o mandachuva, é claro.

Passado um mês ou mais, voltei ao NN. Tão logo me viu, Josias veio ao meu encontro. Queria que eu lhe ajudasse a resolver um problema:

– Lembra daquela última vez em que você esteve aqui? Aquele senhor que estava ao seu lado pagou a conta. Acredito que aquele outro, que estava à sua frente, não viu e pagou de novo; deixou o dinheiro em cima da mesa. O que eu faço?

 

Tribuna do Norte. 27 out. 2021.

 

 

 



MACAÍBA: 144 ANOS DE EMANCIPAÇÃO POLÍTICA
 

Pesquisa e Texto de Valério Mesquita
e Anderson Tavares


 

Os núcleos populacionais mais antigos e conhecidos nas terras onde atualmente ergue-se a cidade de Macaíba foram o arraial e o engenho Potengi (Ferreiro Torto), o segundo da capitania do Rio Grande. Foi construído pelo capitão Francisco Rodrigues Coelho e o seu sócio, o vigário do Natal Gaspar Gonçalves da Rocha. Esse primitivo engenho, bem como o arraial, tiveram vida curta. Foram destruídos e o proprietário massacrado pelas mãos invasoras holandesas em dezembro de 1634.

 

Ato contínuo, tendo em vista a decadência da cidade do Natal, arrasada pelos batavos, estes subiram o rio Potengi e na confluência do rio Jundiaí foi fundado a Nova Amsterdã, a qual chegou a possuir a câmara dos escabinos cujos moradores viviam da pesca, da produção de farinha e do plantio de fumo.

 

Porém, a história oficial do município teve início em 1770, com a demarcação do sitio Coité pelo coronel Manoel Casado. Coité era uma árvore abundante na região que o coronel passou a criar e plantar em sua propriedade. Em 1850, passa a pertencer ao capitão Francisco Pedro Bandeira de Melo, cuja filha, D. Damiana Maria Bandeira, consorciou-se com o comerciante Fabrício Gomes Pedroza, morador no engenho Jundiaí.

 

Fabrício Pedroza, comerciante de alto prestígio e larga visão comercial, notando a boa localização do sítio do sogro, constrói o primeiro estabelecimento comercial à margem do rio Jundiaí , e numa cerimônia em 1855 no quintal do referido estabelecimento onde plantou duas macaíbas, muda o nascente povoado de Coité para Macaíba. E convida amigos comerciantes para instalar-se na localidade. Em 1870, o major Fabrício funda a casa comercial dos Guarapes, importadora e exportadora de produtos, direto do seu porto para os EUA e Inglaterra, com a mudança do velho para Rio de Janeiro: o negócio foi fechado e abalou a frágil economia provincial.

 

A freguesia foi criada pela lei n° 815, de 07 de dezembro de 1877, sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição, santos Cosme e Damião.

 

A lei provincial n° 801, de 27 de outubro de 1877, deu ao povoado da Macaíba o predicamento de vila, ganhando assim autonomia administrativa, sendo transferida à câmara municipal de São Gonçalo cujo presidente era o capitão Vicente de Andrade Lima. Outra lei provincial n° 1.010, de 05 de janeiro de 1889, elevou-a à condição de cidade.

 

Como distrito, ou termo judiciário, Macaíba foi elevada à categoria de comarca do Potengi pela lei provincial n° 845, de 26 de junho de 1882, suprimida, posteriormente, em 1898, restaurada em 1907, foi novamente suprimida em 1914, e afinal restaurada em 08 de abril de 1918.

 

Pioneira em vários aspectos, Macaíba libertou seus escravos em 06 de janeiro de 1888, tendo a frente deste movimento o comendador Umbelino Freire de Gouveia Mello, presidente da sociedade libertadora “Padre Dantas”. A primeira casa bancária do estado foi nesta cidade, fundada pelo deputado Eloy Castriciano de Souza, que financiava as safras de açúcar de grande parte dos municípios do Ceará-Mirim à São José, incluindo o vale do Cajupiranga. Sendo ainda a promotora do trabalho feminino no comércio, uma vez que o senhor Francisco Campos era auxiliado por sua esposa e as quatro filhas em seu comércio no ano 1924.

 

Macaíba hoje tem uma população de mais de 80 mil, uma área de 492 km, mais de 60 escolas públicas municipais, 04 distritos (Traíras, Mangabeira, Cajazeiras e Cana-Brava), 16 comunidades urbanas e mis de 30 comunidades rurais. Tem na mandioca sua agricultura de subsistência. Destacamos, ainda, a cultura do caju e a apicultura como meio de geração de emprego e renda, além da plantação do mamão na zona rural do município. Outro ponto importante para economia do município é a ascendente atividade da carcinocultura, destacando-se como um dos mais promissores do RN. No trinômio comércio, agricultura e indústria tem sua fonte econômica. O abastecimento de água é feito pela CAERN (Companhia de Água e Esgotos do RN) e a energia elétrica é de responsabilidade da COSERN (Grupo Neoenergia).

 

Faz fronteira com 08 municípios (Natal, Parnamirim, São José do Mipibú, Vera Cruz, Bom Jesus, São Pedro, lelmo Marinho e São Gonçalo do Amarante), 17 vereadores integram o poder legislativo municipal. FPM e ICMS são as maiores fontes da receita pública.

 

A população católica representa 73%, com cerca de 60 mil fiéis. A paróquia integra a Arquidiocese de Natal e a festa da sua padroeira é 08/12. As outras denominações religiosas são: a Igreja Assembléia de Deus, Igreja Batista de Macaíba e Batista da Convenção, Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Presbiteriana, Igreja Deus é Amor, Igreja Pentecostal, Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, Congregação Cristã no Brasil, Testemunhas de Jeová e Igreja Cristã em Células. Nos cultos de cultura Afro destacamos o terreiro de Dedé de Macambira, terreiro do Mosquito e terreiro de Paulo da Lagoa.

 

Macaíba localiza-se a 18 quilômetros de Natal e é cortado por duas BR's 304 e 226, e pela RN 160. Tem a melhor água da Grande Natal. Possui um distrito industrial composto por cerca de 20 empresas entre pequenas, médias e grandes (a Sam’s, Multidia, Coteminas, Coca-Cola, Rufitos, Tempreros Sandio, Argamassa Potengy, Center Massas, Água Mineral Cristalina, Água Mineral Riogrande, Águia Piscina), entre outras, e como órgão representativo da categoria patronal temos a ASPIM. CDL (Câmara dos Dirigentes Lojistas) e SindComércio (Sindicato do Comércio Varejista) são as entidades representativas do comércio local, com uma média de 2000 mil empregados diretos no ramo comercial em cerca de 400 lojas nos mais diversos ramos de atividade. A empregabilidade está no serviço público (três esferas), comércio, agricultura e industria.

 

Salve a data aniversária de 27 de Outubro e salve Macaíba enquanto é tempo!

 

(*) Escritor

 

 


terça-feira, 26 de outubro de 2021


       Este homem, a quem devemos referenciar na missa de amanhã é o Professor EDGAR SMITH FILHO, que transmitiu os seus conhecimentos de Direito Financeiro e Direito Tributário a várias gerações de magistrados, membros do Ministério Público, advogados, defensores, assessores jurídicos e delegados de polícia.

    Não só isso, por muito anos foi pedra fundamental na orientação jurídica do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte, de onde foi Procurador-Geral em muitas administrações.

    O Doutor Smith foi um conselheiro de vários governos, com sugestões e iniciativas de inúmeros projetos de lei que melhoraram a administração pública.

    Na condição de Juiz Eleitoral marcou sua presença com votos e atitudes corajosas e eficientes, tornando-se, por muitos anos, figura central do noticiário especializado da terra potiguar.

    Sua humildade não o levou a disputar cadeiras de academias, mas fixou fundo as suas raízes de integridade e honradez numa existência extensa e exemplar.

    Particularmente fui seu discípulo, dando continuidade à sua missão de difundir o Direito nas disciplinas fundamentais da Gestão Pública, do que sou e serei grato até o dia em que o Criador, também, me convocar para outra dimensão da vida.

    Lembranças e saudades do amigo e colega CARLOS 

     

A DIVINA COMÉDIA VISTA DE NATAL

 

Diogenes da Cunha Lima

 

          Nos 700 anos da morte de Dante Alighieri, o mundo intelectual festeja a sua obra. Não hesito em afirmar que, dentre os peritos literários, ele foi o favorito de Câmara Cascudo. O Mestre de Natal foi o primeiro tradutor de Walt Whitman, traduziu Montaigne e, para seu deleite, Shakespeare e Goethe. Apresentou e anotou Miguel de Cervantes e Luis de Camões.         

“Dante Alighieri e Tradição Popular no Brasil” é paciente pesquisa sobre a criação desse homem de todos os tempos, conservando vivo em nossos hábitos, nossos gestos, em nossas palavras, segundo a expressão de Franco Jasiello, prefaciador da 2ª edição. Para Franco, o gênio atlântico e alísio tinha a primazia da intimidade com o gênio de Florença.

Imagine a minha emoção ao receber o exemplar, que assegura eu estarinteiro e vivo no seu coração”. Sob a dedicatória, a assinatura de Luis da Câmara Cascudo.

Para Cascudo, Dante Alighieri é uma síntese genial da cultura erudita e da cultura popular. Tinha todo o conhecimento científico, filosófico e teológico da Idade Média. Também religioso, o etnógrafo do Brasil registrou a presença entre nós da consciência religiosa medieval.

A Comédia, denominada Divina por Boccacio, aborda o destino das almas: inferno, purgatório e paraíso. Nos dois primeiros, Dante é levado pela mão do poeta Virgílio. No paraíso, foi guiado por sua amada Beatriz (Virgílio não poderia entrar no céu por não ser cristão).

Dante, médico-enfermeiro, participou da política de Florença, integrando o grupo dos Gibelinos que propunha a limitação dos poderes dos papas. Os Guelfos, vitoriosos, condenaram o poeta ao exílio e à morte se voltasse à Florença. Assim, ele se refugiou em várias comunidades e terminou a sua vida em Ravena, que guarda como um tesouro os seus restos mortais.

Cascudo anota a curiosidade de que o sumo poeta vislumbrou três papas no inferno: Nicolau III, Bonifácio VIII e Clemente V. Mereceram o suplício eterno pelo desrespeito à função sagrada, vendendo o que seria destinado ao culto.

Câmara Cascudo observa a permanência, no Brasil, da Estrela do Destino, Lúcia (que entre nós é Santa Luzia) e ainda do golfinho, o boto que amava e seduzia até os rapazes, fingindo-se de moça.

As observações do nosso Mestre atingem limites não suspeitados. Registra a afirmação de Dante de que “o amor move o sol e as outras estrelas”. Destaca, também, que Dante encontrou poucas mulheres no inferno, raras no purgatório, mas muitíssimas no paraíso.

Em nosso tempo, é imprescindível ler os dantistas excelentes, como Marco Lucchesi, e reler a “Divina Comédia”, usufruindo dos seus cinco cantos e dos seus tercetos encadeados.