terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

  REFLEXÕES AO ENTARDECER


Valério Mesquita*

mesquita.valerio@gmail.com


Tarde tediosa aquela do domingo que antecedeu o meu aniversário. O silêncio vespertino de Lagoa Nova me envolvia de surda espera. O quadro das ruas desabitadas se acostumou ao olhar vergado de tantas rotinas. O que mais devo repartir além da fadiga? Quantas pedras deverei ainda remover do caminho, como no verso de Carlos Drummond de Andrade? Cansaço físico e mental é muito comum. Diante de tudo que passei confesso que sobrevivi. Nordestino de Macaíba sobrevive – só Pablo Neruda confessou que viveu. Quem faz a travessia política durante mais de três décadas pode dizer que combateu e não perdeu a lâmina da alma.


Estou consciente que completo mais um périplo em torno do tempo. Silente, penetro no labirinto sem recomeço. Já ingresso na fila do caixa dos supermercados reservado aos idosos. Quase octagenário não é um velho. Mas a lei generosa permite. Recuso-me. A idade é vulnerável mas navegável quando soprada pelo vento leste porque ainda tenho a memória do fogo e da rosa. Explicar a minha vida? Não há porquê. Tenho um amigo que já escreve a sua autobiografia precoce aos sessenta. Se o fizer tal coisa somente irá ocorrer quando sentir o medo de viver. Ainda acredito na aurora, no porto, no barco, nas estrelas, no pássaro, na paz, no perfume de mulher. Aliás, o dossiê biográfico pesará pouco diante da Providência. Terão mais valor as ações que deixaram de ser feitas. O pecado da omissão é assombroso. Conforta-me haver atravessado as noites escuras do tempo sem desamar os frutos. O quinhão usual de tristezas e equívocos fica por conta da difícil condição humana de ser. 

Na vida pública aprendi uma amarga lição que serve para os atuais protagonistas: na política não há só amigos e inimigos, mas conspiradores que se unem.


Certa vez, o saudoso poeta Sanderson Negreiros disse que “é difícil ser testemunho de crepúsculo. Ele não é apenas cores se movimentando ao sol-posto. Mas a certeza de que não são caminhos somente para a morte, mas que, de nós, muita coisa ainda restará para a vida”. Fecho com o poeta maior as reflexões do meu entardecer.


(*) Escritor



segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022


 

Novas Cartas de Cotovelo – verão de 2022-05

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

REVISITANDO A CASA DE PEDRA DE PIUM

        Neste último sábado resolvi revisitar a Casa de Pedra de Pium, equipamento histórico que tantas vezes mereceu crônicas e entrevistas minhas ao longo dos últimos anos.

     Minha primeira decepção foi constatar que, apesar dos apelos e até da celebração de uma missa no final do ano passado diretamente daquelas ruínas históricas, com a presença do arcebispo Don Jaime, o acesso piorou muito, agora mais do que nunca o pequeno trecho não passa de um caminho de animais, com a pior qualidade que se possa pensar, sem nenhuma possibilidade de manobra quando alguém se arrisca a ter acesso por veículo com alguma calibragem, pois será dificílimo algum dos veículos recuar.

     Essa agora “aventura” que fiz, com familiares, permitiu que reexaminasse o sítio histórico e agora fizesse algumas retificações: primeiro, houve plantação de árvores frondosas que retiraram a visão que existia para o mar, como anteriormente anunciei, qual seja, a visão da costa desde o contorno de Pirangi para Cotovelo quanto desta praia para o contorno de Ponta Negra, tirando o sentimento de que aquela construção secular daria uma visão da enseada capaz de avistar qualquer possível inimigo; segundo, em meu sentir, houve o agravamento da movimentação de algumas pedras que fazem parte daquele complexo; houve o aterramento, na marra, da passagem de fios de nascentes de água de um lado para o outro da estrada de acesso – essa que considero própria para animais.

      O lado positivo é que o vale está preservado com criação de gado, coqueirais, plantações de verduras, frutas e hortaliças, ainda longe do agrotóxico.

       Existem resquícios de algumas construções não concluídas de possíveis espigões ou condomínios fechados, ou mesmo mansões inadequadas para a paisagem bucólica a ser preservada, estes/estas depredados, já sem telhados, portas e janelas, enfim abandonados.

       Desconheço qualquer intervenção da Prefeitura de Nísia Floresta no sentido de regulamentação do uso do solo naquela localidade.

        Assim, convoco os interessados para resolvermos essa pendenga, entrando em contato com os possíveis proprietários (família Galvão) e depois com a Fundação José Augusto e com a Prefeitura de Nísia Floresta, aproveitando o momento político de breves eleições, sempre no intuito único de preservação da história.


 

Qual a finalidade?
O grande penalista Basileu Garcia (1905-1986), em suas “Instituições de Direito Penal” (vol. I, tomo I, editora Saraiva, 2010), certa vez anotou: “Castigar ou punir, expiar, eliminar, intimidar, educar, corrigir ou regenerar, readaptar, proteger ou defender – eis verdadeiros verbos que, na diversidade das opiniões, indicam as finalidades possíveis do Direito Penal e, através destas, as raízes da sua existência. Para precisar essas finalidades, elaboram-se doutrinas, reunindo maior ou menor número de adeptos. E algumas tiveram irradiação tão ampla, que passaram a constituir escolas, as quais intentaram delimitar-se pela fixação de toda uma série de ideias centrais sobre as mais graves questões da nossa matéria”.
Mas qual é mesmo a finalidade do direito penal?
Especificamente, qual é a finalidade da pena ou sanção, já que a ratio do direito penal gira muito em torno desta, que é a resposta do Estado na sua labuta contra a criminalidade?
A pena já foi “encarada” de diversas maneiras, é claro. Basicamente, há os absolutistas (“pune-se porque pecou”, segundo Basileu Garcia), os utilitaristas (“pune-se para que não peque”) e os adeptos de uma teoria mista (“pune-se porque pecou e para que não peque”). E aqui já me afasto de gente como Claus Roxin (1931-), que sugere “excluir” a retribuição da teoria penal contemporânea em prol de uma quase exclusividade da prevenção/ressocialização como finalidade da pena. Embora eu também registre aqui que sou fã, em grande medida, de Roxin e do seu princípio da insignificância ou bagatela.
Pondo de lado considerações pouco ortodoxas, quase nada jurídicas, do tipo “bandido bom é bandido morto” (e aqui a finalidade do direito penal seria apenas “apagar um CPF”, como se diz estupidamente por aí), acredito que podemos sistematizar as finalidades da pena, sem as complicações artificialmente criadas pelos juristas, em quatro grandes eixos.
Para tanto, farei primeiramente uso do direito italiano, como homenagem ao país que nos deu as duas primeiras grandes escolas do direito penal, a clássica e a positiva. Segundo registra a “Enciclopedia del Diritto” (Editora De Agostini, 1994), à luz do Código Penal Italiano, a pena tem múltiplas finalidades, das quais as principais são: “(a) preventiva [geral]: visa prevenir o cometimento de crimes, visto que a previsão da sanção criminal representa um contraestímulo ao crime; a pena, portanto, tem uma função dissuasora, pois o potencial delinquente sabe que, se você cometer um determinado crime, corre o risco de uma determinada punição; (b) punitiva: a punição tem a função de punir o autor do crime; a este respeito, se fala de uma função retributiva, visto que constitui uma contraprestação pelo crime cometido, e é de fato proporcional à sua gravidade; (c) reeducativa ou ressocializante: a pena visa reeducar o autor do crime e favorecer sua reinserção social; para este fim, muitos institutos operam como semidetenção, liberdade condicional para serviço social, trabalho dentro da prisão etc”.
Faço apenas mais algumas considerações. A primeira é que devemos acrescentar, à finalidade preventiva geral, que é dissuasora para todos os potenciais delinquentes (assim pedagógica para todos), uma (d) finalidade preventiva especial, para aquele que cometeu o crime específico, que, além de supostamente dissuadido de cometer novos crimes (afinal, foi razoavelmente penalizado quando o cometeu), estará impedido de cometer esses crimes, uma vez que estará detido e afastado da sociedade (partindo aqui do pressuposto de que lhe foi aplicada uma pena ou medida privativa de liberdade).
A segunda consideração é que minha sistematização está de acordo com o nosso direito criminal. Afinal, determina o Código Penal brasileiro, no seu art. 59, in fine, que o juiz aplicará a pena “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. E a Lei de Execuções Penais, logo no art. 1º, complementa dizendo que a execução penal “tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Bom, nada melhor do que seguir a lei para não sofrermos uma sanção ou pena.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
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