sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

 HOMENAGEM DE AMIGO

Valério Mesquita

mesquita.valerio@gmail.com

 

Natal perdeu em 09 de julho de 2004, o brilho da inteligência do poeta e escritor Franco Maria Jasiello. Italiano, naturalizado brasileiro em 1977, mas natalense e norte-rio-grandense por lei e reconhecimento coletivo pelos serviços prestados à cultura. Nascido em Roma, residia em Natal desde 1974. Ocupou inúmeros cargos e funções, desde a presidência da Fundação José Augusto

– FJA, diretor da Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte, membro do Conselho Estadual de Cultura do Estado, passando pela Assessoria Cultural da Capitania das Artes, da FIERN, da UFRN, além de crítico de arte nacional e internacional até a Secretário Substituto da Agricultura, a todos eles emprestou o seu talento inconfundível de humanista e artesão do verso e da palavra.

Publicou nove livros, sendo seis de poesia e por quatro vezes ganhou o Prêmio Otoniel Menezes em 1981, com “Itinerário do Imprevisto” e em 1984, com “Anatomia da Ausência”. Ainda no mesmo ano escreveu “Correspondência Atrasada” que lhe valeu o Prêmio Nacional Guararapes da União Brasileira de Escritores. Pesquisador permanente, demonstrou mais uma vez a sua versatilidade intelectual ao editar o ensaio “Mamulengo – O Teatro Mais Antigo do Mundo”, fazendo jus ao Prêmio Câmara Cascudo. Trabalhou em jornais e publicou centenas de trabalhos sobre diferentes assuntos literários e artísticos, estimulando os novos pintores do Estado e abrindo horizontes à classe acadêmica da UFRN.

Franco foi objeto de minhas indagações, quando passei pela FJA, que não encontravam respostas no fato de não ter ocupado uma cadeira na Academia Norte-Riograndense de Letras. Tinha mérito, livros e notável saber. A força de sua cultura era tão forte que a mídia natalense, após sua morte aos setenta e um anos, divulgou que era membro da nossa ANL. O fato é que a sua presença, conduta e o labor haviam se agregado aos templos maiores da sabedoria. Franco só fez cultura por onde passou e a levava a todos os lugares. A sua voz forte com sotaque italiano jamais se perderá nos vãos e desvãos do prédio da rua Mipibu. De raciocínio rápido, memória privilegiada e humor fino, quase cortante, Franco também não será esquecido como adorável conversador.

Convivi com ele tanto na FJA como no Conselho Estadual de Cultura por vários anos. Deixou-me inúmeras lições de vida nos exemplos e nas conversas amenas. Quando exerci a política sempre recebi dele e da esposa Conceição, voto de qualidade, do qual muito me ufanava. Ele concluiu em Macaíba, como presidente da FJA, a luta que eu iniciara como prefeito pela restauração do Solar do Ferreiro Torto. Jamais esquecerei aquela tarde solene em que destacou o meu trabalho ao lado dos governadores Tarcísio Maia (RN), com quem eu estava estremecido, e Aloísio Chaves (Pará).

Franco Maria Jasiello foi mais uma humana coluna do Capitólio que Roma enviou para lembrar a região do Lácio onde nasceu entre as sete colinas.

(*) Artigo publicado no livro "Inquietudes"

 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023


O RIO GRANDE DO NORTE EM CANUDOS-BA

O 34 BI deixou em Natal um contingente de 35 praças, sob o comando do tenente Cícero Monteiro


Por CARLOS ADEL – Membro do IHGRN

 

Em 29 de março de 1897, quando, no Cais da Alfândega Velha, depois e ainda hoje conhecido como o Cais Tavares de Lira, embarcava no vapor “UNA”, o efetivo do 34º Batalhão de Infantaria, com destino às caatingas baianas, convocado que fora pelo Ministério da Guerra. Iria participar dos combates ao levante comandado por Antônio Vicente Mendes Maciel, “Antônio Conselheiro”, movimento esse que veio a ser chamado de “Guerra de Canudos”. Era Governador do Estado Joaquim Ferreira Chaves. Presidia o Brasil, eleito por voto direto, Prudente de Morais, o Ministro da Guerra era o Marechal Carlos Machado Bittencourt, e o Ministro da Justiça era o po-tiguar Amaro Cavalcanti.

 

O 34º BI embarcou com 225 graduados e soldados, e sob o comando do Major An-tônio Ignácio de Albuquerque Xavier; Fiscal, o capitão Francisco de Paula Moreira; ajudante, tenente José da Costa Vilar Filho; Quartel Mestre interino, o alferes Fran-cisco Normínio de Souza; Secretário, o alferes João Lins de Carvalho; 1ª Companhi-a, comandante alferes Honorino de Almeida; subalternos os alferes Joaquim Pedro-sa de Oliveira, Polychronio Santiago, João Cavalcanti de Albuquerque, Ezequiel Estanislau de Medeiros; 2ª Companhia, comandante capitão de Barros Falcão; subalternos os alferes João Augusto Cezar da Silva, Alexandre Carlos de Vasconcelos, Faustino Freire da Costa, Braz Elysio de Medeiros, Francisco Fernandes de Lima, Mnoel do Nascimento Monteiro e José de Magalhães Fontoura Filho; 3ª Companhia, comandante alferes Joaquim Theotonio de Medeiros,; subalternos os alferes Antônio Fernandes de Brito Filho, Miguel Hipólito de Melo, Nestor da Silva Brito, João Baptista do Rego Monteiro, João Armando Vieira Lemos e Hermenegildo Pessoa de Melo; 4ª Companhia, comandante capitão João Gomes da Silva Leite, subalternos os alferes Joaquim Calistrato Leitão de Almeida, Eurico Caldas, Flaviano Brito, Joaquim Carrilho e Miguel Dantas; Sargento Ajudante Luiz Gonzaga de Figueiredo e Sargento Quartel Mestre Antônio Augusto de Paiva.

 

O 34 BI deixou em Natal um contingente de 35 praças, sob o comando do tenente Cícero Monteiro, ficando também um agenciador de voluntários, o tenente Hermínio Coelho; e guardando o material bélico o alferes Quartel-Mestre Francisco Monteiro. Deixaram de seguir, por se encontrarem doentes, o tenente Francisco Barros e os alferes Dácio de Albuquerque e Fausto Paiva.

 

O quartel ficava aonde hoje está encravado o Colégio Winston Churchill, com a frente voltada para onde fica o SENAC, e dali partiram em cortejo, indo à frente o Governador do Estado, os representantes dos congresso federal e estadual, magistrados, chefes de repartições e delegados das diversas associações; logo após, seguiu-se a Companhia de Aprendizes de Marinheiros e, acompanhado do povo, o efetivo do 34º BI. Fechando o cortejo seguia o Batalhão de Segurança. Todo o trajeto foi coberto de folhas, numa valiosa e significativa homenagem, com a Banda de Música, sob a regência do sargento Abdon Trigueiro, executando o dobrado “Saudades da Minha Terra”, do mestre potiguar Estêvão Guerra. No embarque, aplausos, discursos, a vibração com sorrisos e choros dos presentes.

 

Naquela mesma ocasião o poeta Segundo Wanderley declamava um poema que terminava assim:

 

“Olhai ! Este povo inteiro

  Que vos contempla de pé,

  Traz su’alma banhada

  Nos esplendores da fé.

 Avante ! A luta se inflama

  Já Tiradentes vos chama

Lá das trincheiras azuis

  Voai, brasílios condores

  - Ides cobertos de flores,

  - Voltai banhados de luz.”

 

Daí a poucos dias estariam engajados nas lutas ferozes do campo de batalha, nos sertões da Bahia, até que na tarde do dia 5 de outubro de 1897, declarado como o “Dia da Vitória”, quando o Coronel Julião Augusto da Serra Martins, comandante da 5ª Brigada registrou na “Ordem do Comando” que a missão estava cumprida, acres-centando que “Perdeu esta Brigada muitas praças e o 34º BI foi o que sofreu maior número de baixas.”

 

Foram 41 os potiguares que deixaram suas vidas nas caatingas baianas, Nossos historiadores deixaram de registrar esses fatos de maior grandeza histórica, pois uma só palavra não se encontra em suas inúmeras páginas escritas sobre os mais variados assuntos. Apenas nos jornais da época encontramos alguns esparsos re-gistros, além da obra clássica de Euclides da Cunha “Os Sertões”, e mais recente-mente o romance que retrata como os jagunços supostamente neomonarquistas chamavam os defensores da República de “anticristos”, no dizer de Mario Vargas Llosa, em sua obra “A Guerra do Fim do Mundo”.

 

 Chegara ao final os combates. A guerra terminara. Chegava ao fim um dos maiores conflitos internos, senão o maior deles, com a participação do Exército Brasileiro. Restava o regresso dos sobreviventes para o aconchego de suas famílias. Esse re-torno, para o 34 BI, efetivou-se em meados de dezembro daquele ano de 1897, no mesmo porto de onde partiram.

 

Dos poemas recitados por ocasião do retorno dos heróis do 34º BI, destacam-se as estrofes finais do “Apoteose”, de Lima Filho, que dizia:

 

 “Um sentimento sublime

 Cada semblante traduz!

 A volta dos Spartanos!

 Da Terra de Santa Cruz!

 O sol no manto infinito

 Burila o nome bendito

 D’esta luzida cohorte

 Soldados a vossa glória

 Doura uma folha da história

 Do Rio Grande do Norte!

 “Vibre-se a nota suave

  Da escala das sensações!

  Rasgue-se o véu da tristeza

  Que envolvia os corações!

  No vosso lar amoroso

  Uma torrente de goso

  Cada palavra produz!

  Da intrepidez aos ardores

  “Fostes cobertos de flores,”

  “Voltais cobertos de luz”.

Bem como do poema de saudação de Caldas Sobrinho:

“E não valeu a estratégia

 Do monarquismo sagaz

 Fostes tão bravos nas linhas,

 Quanto nas cargas audaz  

 Pois aos sinal transmitido

 Por belicosas cornetas,

 Foi-se ao covil dos jagunços

 Ao choque das baionetas.

“Salve! punhados de bravos!

 Salve! guerreiros cohorte!

 Ó filhos estremecidos

 Do Rio Grande do Norte!

 Salve! memória d’aqueles

 Que lá ficaram no val

 Para sempre amortalhados

 Na gratidão nacional!”


Com o retorno dos guerreiros do 34º BI, a Natal, teve início uma campanha, encam-pada pelo jornal “A República”, visando a angariar recursos para a construção de um monumento em homenagem aos mortos naquela campanha belicosa, e ao Exército Brasileiro. Dessa forma foi construído no Cemitério do Alecrim, nesta Capital, um “monumento cívico” único em todos os centros de onde partiram os batalhões empenhados naquela luta.

 

Trata-se de um projeto assim descrito:

 

“Uma pirâmide quadrangular truncada no vértice, de onde se destaca outra pequena pirâmide de facetas recurvadas, sobre cuja convergência assenta uma cruz de ci-mento, simbolizando a religião do Crucificado. A pirâmide maior contém uma única inscrição, colocada no alto de sua faze anterior, onde de destaca sobre um pequeno nicho circundado por duas ordens de frisos pretos, esta incomparável sentença da Augusto Comte – “OS VIVOS SÃO SEMPRE E CADA VEZ MAIS GOVERNADOS PELOS MORTOS”

 

O pedestal consta primeiro de três planos superpostos em escadaria, sobre o menor dos quais repousa uma coluna de forma prismática, recebendo em sua parte superi-or a base da pirâmide maior.

 

Uma cornija divide esta coluna em duas porções, circundando-a inteiramente. A face anterior da metade inferior da coluna básica contém um lindo baixo relevo, de cores naturais, simbolizando o belo escudo da República. Um grande medalhão com fundo amarelo sobre o qual assenta a esfera azul simbólica, com a faixa branca contém, em verde o lema político e científico – ORDEM E PROGRESSO. Circundam-no quatro palmas verde-primavera.

 

Sobre a esfera destacam-se, em relevo, as 21 estrelas brancas na disposição das constelações que abrilhantam o nosso céu e ornamentam o incomparável da República brasileira.

 

A porção superior da mesma coluna apresenta em suas quatro faces outras tantas inscrições, na seguinte ordem, partindo da anterior pela direita de monumento: AOS ABNEGADOS MÁRTIRES DA REPÚBLICA EM CANUDOS, AO GLORIOSO EXÉR-CITO BRASILEIRO, HOMENAGEM DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, AO HERÓICO BATALHÃO 34 DE INFANTARIA.

 

Todas essas inscrições são feitas sobre quatro nichos circundados de frisos pretos.

 

Todo o monumento é de cor de mármore ordinário, com as cornijas mais escuras, os planos inferiores azuis, e as inscrições pretas. Na parte mais inferior da coluna, des-tacam-se quatro medalhões, com cores de passa, sobre espelhos simbólicos.

 

A coroa deverá ser colocada em um grampo de metal amarelo, fixado na parte ante-rior e superior do monumento, cuja despesa orçou em 450$000 (quatrocentos e cin-quenta contos de réis)”.

 

Esse monumento foi inaugurado em 29 de março de 1898, e já em 1910, era dado como abandonado. Aconteceu, porém, que em fevereiro de 1978, o Presidente do Instituto Histórico e Geográfico, Dr. Enélio Lima Petrovich, provocado e incentivado pelo Historiador Raimundo Nonato da Silva, procurou o Coronel de Infantaria Eider Nogueira Mendes, então Comandante Geral da Polícia Militar-RN, convencendo-o a promover a restauração daquele monumento que se encontrava em ruínas. Foi daí que a Polícia Militar assumiu todos os reparos e em 29 de março daquele ano, dian-te das mais altas autoridades do Estado, entre civis, militares e eclesiásticas, educa-dores, representantes de entidades culturais e estudantes, e na presença da Im-prensa, prestigiaram aquele ato cívico da consagração das memórias dos que se tornaram merecedores da admiração e do respeito público, pela coragem e pelo sa-crifício com que lutaram em terríveis combates, neles tombando sem vida. O Dr. Ro-drigues de Melo fez a saudação pela recuperação de tão importante monumento, contando sua história e significado para a sociedade potiguar. A bênção do monu-mento foi feita por D. Nivaldo Monte, Arcebispo de Natal.

 

O monumento está encravado na alameda principal, a uns 30 metros do portão, no lado esquerdo, tendo ao lado o monumento em homenagem ao Padre João Maria, o “Santo de Natal”. O estado em que se encontra é de completo abandono, em ruinas, sem a bela decoração e suas legendas.  Lamentavelmente, assim é que nossas ins-tituições não devem tratar nossos heróis.  

 

Cabe-nos repetir aqui as palavras de “CHANTECLER”, pseudônimo do cronista utili-zado na edição de “A República”, em 18 de outubro de 1910, quando já reclamava sobre o abandono daquele monumento:

 

“Mas será possível que isso continue? Não teremos nós ainda a primeira estima e admiração pelos extintos de Canudos, que honraram nos combates sangrentos o nome de nossa terra?

 

A memória dos nossos mortos é um dos estímulos mais poderosos na luta pela vida. Conservemos com desvelo a homenagem de pedra aos soldados do 34.

 

Custa tão pouco! Uma restauração do monumento, que se conservará e flores, mui-tas flores ornando-lhes a solidão.”

 

 


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

 

Shakespeare nas estrelas
​Na mesma trilha das últimas semanas, vamos novamente de ficção científica. Como fã desse gênero literário/cinematográfico/televisivo, faço hoje um paralelo entre uma das suas mais badaladas franquias – “Star Trek” ou “Jornada nas Estrelas” – e o grande William Shakespeare (1564-1616).
Shakespeare, todo mundo – pelo menos o mundo interessado em literatura, arte dramática e coisas que tais – conhece ou dele já ouviu falar. É o criador de uma obra que transcende época e lugar e não pertence a qualquer religião, filosofia ou profissão. Um gênio que representa o que há de mais sublime na literatura universal ou mesmo na natureza humana. “Romeu e Julieta” (1592), “Júlio César” (1599), “Hamlet” (1599), “Otelo” (1604), “Rei Lear” (1605), “Macbeth” (1606), “Antônio e Cleópatra” (1607), apenas para citar algumas de suas tragédias, já que de uma de suas comédias eu tratarei adiante, são tudo e algo mais. Poucos – na literatura ninguém mais do que ele – conheceram a alma humana como o bardo inglês.
Já “Star Trek”, entre nós chamada “Jornada nas Estrelas”, é uma franquia estadunidense do tipo “viagem espacial”, originalmente criada por Gene Roddenberry (1921-1991), mas composta por várias séries que se sucedem no tempo. A primeira série foi ao ar em 1966. Desde então vieram “Star Trek: the Next Generation”, “Star Trek: Deep Space Nine”, “Star Trek: Voyager”, para ficar nas minhas sequências preferidas, e por aí vai. Da série original, William Shatner como o Capitão Kirk, Leonard Nimoy como o Sr. Spock e DeForest Kelley como o Dr. McCoy são rostos inesquecíveis. Da nova geração, o capitão Jean-Luc Picard (papel de Patrick Stewart) está entre meus heróis. A nave espacial Enterprise, a tão discutida viagem em dobra espacial e o inusitado teletransporte nos fazem sonhar com novos mundos. As aventuras viraram livros, quadrinhos, jogos e, claro, foram bater no cinema: os primeiros filmes, com os atores da série original, estão entre os meus queridinhos. São décadas de estelar encantamento. Não acredito haver franquia mais longeva. E são inúmeros prêmios: Hugo, Saturno, Emmy, Oscar, por anos e anos. O impacto cultural de “Star Trek”, dos seus fãs à NASA e ao espaço sideral, é cósmico.
O paralelo que faço entre o cânone shakespeariano e as estórias de “Star Trek” tem por inspiração uma observação que li em um livro perfeito para os “juristas trekianos” (traduzo: juristas fãs de “Jornada nas Estrelas”): “Star Trek Visions of Law & Justice” (editado por Robert Chairs e Bradley Chilton e publicado pela Adios Press, 2003). Dele consta: “Especialistas em estudos transdisciplinares shakespearianos nas ciências humanas gostam de enfatizar que, se alguém lê Shakespeare, essa pessoa irá encontrar na obra do bardo todos os tipos de seres humanos. Similarmente, se alguém assiste à Star Trek, essa pessoa irá achar todos os questionamentos conhecidos da condição humana – e alguns desconhecidos até que vislumbrados em Star Trek. Este é o problema acadêmico de Start Trek; ela não se encaixa perfeitamente em qualquer das ciências. Ela é uma extrapolação das ciências puras, como a física, a biologia ou a química. Ela é uma análise crítica tanto das ciências sociais em geral como da nossa história. Ela é uma literatura visual da filosofia, da ética e da arte. Start Trek, no seu melhor, pode inspirar pessoas a buscarem ser melhores sendo seres humanos; ela pode ser tanto um púlpito ameaçador quanto inspiradora poesia. Ela pode também ser, e frequentemente o é, apenas uma série/novela divertida”.
A observação transcrita confirma o que venho defendendo: a ficção científica, sublinhada aqui a ficção “Star Trek”, é o mais filosófico dos gêneros literários/cinematográficos/televisivos. E entre as “filosofias” objeto da franquia “Star Trek” está a filosofia política e a subespécie filosofia do direito. De fato, relendo “Star Trek Visions of Law & Justice”, reafirmo: “Star Trek” trata, de forma profunda, de aspectos fundamentais da filosofia do direito. Em vários dos seus episódios se discute, com grande implicação para o enredo, temas como: o conceito de soberania, federação e constituição; o direito internacional (e interstelar, como o livro chama), seus tratados e o direito interno; a jurisdição extraterritorial, a extradição e o asilo; o direito de guerra; o combate ao terrorismo; a pena de morte e as outras formas de punição; o direito e a questão do gênero; e conceitos mais abstratos, como os de Justiça e Moral e as ideias de direito e de equidade.
Bom, para os mais céticos – no duplo sentido, seja porque não gostam de ficção cientifica, seja porque só acreditam vendo ou lendo –, vou dar um exemplo típico, misturando com a obra shakespeariana, da filosofia do direito de “Star Trek”. Rogo apenas um tico de paciência.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL