quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023


O RIO GRANDE DO NORTE EM CANUDOS-BA

O 34 BI deixou em Natal um contingente de 35 praças, sob o comando do tenente Cícero Monteiro


Por CARLOS ADEL – Membro do IHGRN

 

Em 29 de março de 1897, quando, no Cais da Alfândega Velha, depois e ainda hoje conhecido como o Cais Tavares de Lira, embarcava no vapor “UNA”, o efetivo do 34º Batalhão de Infantaria, com destino às caatingas baianas, convocado que fora pelo Ministério da Guerra. Iria participar dos combates ao levante comandado por Antônio Vicente Mendes Maciel, “Antônio Conselheiro”, movimento esse que veio a ser chamado de “Guerra de Canudos”. Era Governador do Estado Joaquim Ferreira Chaves. Presidia o Brasil, eleito por voto direto, Prudente de Morais, o Ministro da Guerra era o Marechal Carlos Machado Bittencourt, e o Ministro da Justiça era o po-tiguar Amaro Cavalcanti.

 

O 34º BI embarcou com 225 graduados e soldados, e sob o comando do Major An-tônio Ignácio de Albuquerque Xavier; Fiscal, o capitão Francisco de Paula Moreira; ajudante, tenente José da Costa Vilar Filho; Quartel Mestre interino, o alferes Fran-cisco Normínio de Souza; Secretário, o alferes João Lins de Carvalho; 1ª Companhi-a, comandante alferes Honorino de Almeida; subalternos os alferes Joaquim Pedro-sa de Oliveira, Polychronio Santiago, João Cavalcanti de Albuquerque, Ezequiel Estanislau de Medeiros; 2ª Companhia, comandante capitão de Barros Falcão; subalternos os alferes João Augusto Cezar da Silva, Alexandre Carlos de Vasconcelos, Faustino Freire da Costa, Braz Elysio de Medeiros, Francisco Fernandes de Lima, Mnoel do Nascimento Monteiro e José de Magalhães Fontoura Filho; 3ª Companhia, comandante alferes Joaquim Theotonio de Medeiros,; subalternos os alferes Antônio Fernandes de Brito Filho, Miguel Hipólito de Melo, Nestor da Silva Brito, João Baptista do Rego Monteiro, João Armando Vieira Lemos e Hermenegildo Pessoa de Melo; 4ª Companhia, comandante capitão João Gomes da Silva Leite, subalternos os alferes Joaquim Calistrato Leitão de Almeida, Eurico Caldas, Flaviano Brito, Joaquim Carrilho e Miguel Dantas; Sargento Ajudante Luiz Gonzaga de Figueiredo e Sargento Quartel Mestre Antônio Augusto de Paiva.

 

O 34 BI deixou em Natal um contingente de 35 praças, sob o comando do tenente Cícero Monteiro, ficando também um agenciador de voluntários, o tenente Hermínio Coelho; e guardando o material bélico o alferes Quartel-Mestre Francisco Monteiro. Deixaram de seguir, por se encontrarem doentes, o tenente Francisco Barros e os alferes Dácio de Albuquerque e Fausto Paiva.

 

O quartel ficava aonde hoje está encravado o Colégio Winston Churchill, com a frente voltada para onde fica o SENAC, e dali partiram em cortejo, indo à frente o Governador do Estado, os representantes dos congresso federal e estadual, magistrados, chefes de repartições e delegados das diversas associações; logo após, seguiu-se a Companhia de Aprendizes de Marinheiros e, acompanhado do povo, o efetivo do 34º BI. Fechando o cortejo seguia o Batalhão de Segurança. Todo o trajeto foi coberto de folhas, numa valiosa e significativa homenagem, com a Banda de Música, sob a regência do sargento Abdon Trigueiro, executando o dobrado “Saudades da Minha Terra”, do mestre potiguar Estêvão Guerra. No embarque, aplausos, discursos, a vibração com sorrisos e choros dos presentes.

 

Naquela mesma ocasião o poeta Segundo Wanderley declamava um poema que terminava assim:

 

“Olhai ! Este povo inteiro

  Que vos contempla de pé,

  Traz su’alma banhada

  Nos esplendores da fé.

 Avante ! A luta se inflama

  Já Tiradentes vos chama

Lá das trincheiras azuis

  Voai, brasílios condores

  - Ides cobertos de flores,

  - Voltai banhados de luz.”

 

Daí a poucos dias estariam engajados nas lutas ferozes do campo de batalha, nos sertões da Bahia, até que na tarde do dia 5 de outubro de 1897, declarado como o “Dia da Vitória”, quando o Coronel Julião Augusto da Serra Martins, comandante da 5ª Brigada registrou na “Ordem do Comando” que a missão estava cumprida, acres-centando que “Perdeu esta Brigada muitas praças e o 34º BI foi o que sofreu maior número de baixas.”

 

Foram 41 os potiguares que deixaram suas vidas nas caatingas baianas, Nossos historiadores deixaram de registrar esses fatos de maior grandeza histórica, pois uma só palavra não se encontra em suas inúmeras páginas escritas sobre os mais variados assuntos. Apenas nos jornais da época encontramos alguns esparsos re-gistros, além da obra clássica de Euclides da Cunha “Os Sertões”, e mais recente-mente o romance que retrata como os jagunços supostamente neomonarquistas chamavam os defensores da República de “anticristos”, no dizer de Mario Vargas Llosa, em sua obra “A Guerra do Fim do Mundo”.

 

 Chegara ao final os combates. A guerra terminara. Chegava ao fim um dos maiores conflitos internos, senão o maior deles, com a participação do Exército Brasileiro. Restava o regresso dos sobreviventes para o aconchego de suas famílias. Esse re-torno, para o 34 BI, efetivou-se em meados de dezembro daquele ano de 1897, no mesmo porto de onde partiram.

 

Dos poemas recitados por ocasião do retorno dos heróis do 34º BI, destacam-se as estrofes finais do “Apoteose”, de Lima Filho, que dizia:

 

 “Um sentimento sublime

 Cada semblante traduz!

 A volta dos Spartanos!

 Da Terra de Santa Cruz!

 O sol no manto infinito

 Burila o nome bendito

 D’esta luzida cohorte

 Soldados a vossa glória

 Doura uma folha da história

 Do Rio Grande do Norte!

 “Vibre-se a nota suave

  Da escala das sensações!

  Rasgue-se o véu da tristeza

  Que envolvia os corações!

  No vosso lar amoroso

  Uma torrente de goso

  Cada palavra produz!

  Da intrepidez aos ardores

  “Fostes cobertos de flores,”

  “Voltais cobertos de luz”.

Bem como do poema de saudação de Caldas Sobrinho:

“E não valeu a estratégia

 Do monarquismo sagaz

 Fostes tão bravos nas linhas,

 Quanto nas cargas audaz  

 Pois aos sinal transmitido

 Por belicosas cornetas,

 Foi-se ao covil dos jagunços

 Ao choque das baionetas.

“Salve! punhados de bravos!

 Salve! guerreiros cohorte!

 Ó filhos estremecidos

 Do Rio Grande do Norte!

 Salve! memória d’aqueles

 Que lá ficaram no val

 Para sempre amortalhados

 Na gratidão nacional!”


Com o retorno dos guerreiros do 34º BI, a Natal, teve início uma campanha, encam-pada pelo jornal “A República”, visando a angariar recursos para a construção de um monumento em homenagem aos mortos naquela campanha belicosa, e ao Exército Brasileiro. Dessa forma foi construído no Cemitério do Alecrim, nesta Capital, um “monumento cívico” único em todos os centros de onde partiram os batalhões empenhados naquela luta.

 

Trata-se de um projeto assim descrito:

 

“Uma pirâmide quadrangular truncada no vértice, de onde se destaca outra pequena pirâmide de facetas recurvadas, sobre cuja convergência assenta uma cruz de ci-mento, simbolizando a religião do Crucificado. A pirâmide maior contém uma única inscrição, colocada no alto de sua faze anterior, onde de destaca sobre um pequeno nicho circundado por duas ordens de frisos pretos, esta incomparável sentença da Augusto Comte – “OS VIVOS SÃO SEMPRE E CADA VEZ MAIS GOVERNADOS PELOS MORTOS”

 

O pedestal consta primeiro de três planos superpostos em escadaria, sobre o menor dos quais repousa uma coluna de forma prismática, recebendo em sua parte superi-or a base da pirâmide maior.

 

Uma cornija divide esta coluna em duas porções, circundando-a inteiramente. A face anterior da metade inferior da coluna básica contém um lindo baixo relevo, de cores naturais, simbolizando o belo escudo da República. Um grande medalhão com fundo amarelo sobre o qual assenta a esfera azul simbólica, com a faixa branca contém, em verde o lema político e científico – ORDEM E PROGRESSO. Circundam-no quatro palmas verde-primavera.

 

Sobre a esfera destacam-se, em relevo, as 21 estrelas brancas na disposição das constelações que abrilhantam o nosso céu e ornamentam o incomparável da República brasileira.

 

A porção superior da mesma coluna apresenta em suas quatro faces outras tantas inscrições, na seguinte ordem, partindo da anterior pela direita de monumento: AOS ABNEGADOS MÁRTIRES DA REPÚBLICA EM CANUDOS, AO GLORIOSO EXÉR-CITO BRASILEIRO, HOMENAGEM DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, AO HERÓICO BATALHÃO 34 DE INFANTARIA.

 

Todas essas inscrições são feitas sobre quatro nichos circundados de frisos pretos.

 

Todo o monumento é de cor de mármore ordinário, com as cornijas mais escuras, os planos inferiores azuis, e as inscrições pretas. Na parte mais inferior da coluna, des-tacam-se quatro medalhões, com cores de passa, sobre espelhos simbólicos.

 

A coroa deverá ser colocada em um grampo de metal amarelo, fixado na parte ante-rior e superior do monumento, cuja despesa orçou em 450$000 (quatrocentos e cin-quenta contos de réis)”.

 

Esse monumento foi inaugurado em 29 de março de 1898, e já em 1910, era dado como abandonado. Aconteceu, porém, que em fevereiro de 1978, o Presidente do Instituto Histórico e Geográfico, Dr. Enélio Lima Petrovich, provocado e incentivado pelo Historiador Raimundo Nonato da Silva, procurou o Coronel de Infantaria Eider Nogueira Mendes, então Comandante Geral da Polícia Militar-RN, convencendo-o a promover a restauração daquele monumento que se encontrava em ruínas. Foi daí que a Polícia Militar assumiu todos os reparos e em 29 de março daquele ano, dian-te das mais altas autoridades do Estado, entre civis, militares e eclesiásticas, educa-dores, representantes de entidades culturais e estudantes, e na presença da Im-prensa, prestigiaram aquele ato cívico da consagração das memórias dos que se tornaram merecedores da admiração e do respeito público, pela coragem e pelo sa-crifício com que lutaram em terríveis combates, neles tombando sem vida. O Dr. Ro-drigues de Melo fez a saudação pela recuperação de tão importante monumento, contando sua história e significado para a sociedade potiguar. A bênção do monu-mento foi feita por D. Nivaldo Monte, Arcebispo de Natal.

 

O monumento está encravado na alameda principal, a uns 30 metros do portão, no lado esquerdo, tendo ao lado o monumento em homenagem ao Padre João Maria, o “Santo de Natal”. O estado em que se encontra é de completo abandono, em ruinas, sem a bela decoração e suas legendas.  Lamentavelmente, assim é que nossas ins-tituições não devem tratar nossos heróis.  

 

Cabe-nos repetir aqui as palavras de “CHANTECLER”, pseudônimo do cronista utili-zado na edição de “A República”, em 18 de outubro de 1910, quando já reclamava sobre o abandono daquele monumento:

 

“Mas será possível que isso continue? Não teremos nós ainda a primeira estima e admiração pelos extintos de Canudos, que honraram nos combates sangrentos o nome de nossa terra?

 

A memória dos nossos mortos é um dos estímulos mais poderosos na luta pela vida. Conservemos com desvelo a homenagem de pedra aos soldados do 34.

 

Custa tão pouco! Uma restauração do monumento, que se conservará e flores, mui-tas flores ornando-lhes a solidão.”

 

 


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