quinta-feira, 22 de junho de 2023

 Cartas avulsas de Natal

O inverno chegou

Carlos Roberto de Miranda Gomes


    Vencemos o outono com chuvas e trovoadas, até mais da conta para a estação da colheita, da transição entre o verão e o inverno. Ao invés da esperada queda das folhas e dos frutos, tivemos a queda de muita água.

    Sem entender bem os fenômenos da natureza, avalio os bons e necessários momentos de recomposição das reservas hídricas, mas estranho o excesso de chuvas com feição de enchentes, deslizamentos de barreiras e até de um ciclone devastador no Rio Grande do Sul, fenômenos não comum nas plagas gaúchas.

    No plano internacional herdamos dois episódios constrangedores – o desaparecimento de um submergível em viagem de lazer precipitado para ver a carcaça do Titanic, por si só uma história trágica e que até o momento sem se saber o paradeiro, deixando-nos numa expectativa constrangedora e impondo a invocação do Criador para indicar um caminho de volta; o outro é a continuidade da destruição deixada pelas batalhas na guerra Rússia x Ucrânia, com o desafio de encontrar um caminho capaz de estancar o derramamento de sangue de inocentes e destruição de equipamentos urbanos que foram construídos com tanto sacrifício.

    Até quando o homem continuará a ser o lobo do homem nessa luta inconsequente pelo poder?

    A diplomacia mundial parece não ter evoluído após os dois conflitos mundiais, senão alimentando os protagonistas com promessas ideológicas e artefatos de guerra, sem atentar para as milhares de vidas sacrificadas, distanciando-se, cada vez mais, do ansiado armistício.

    É lamentável, em pleno Século XXI, o poder e o interesse econômico sejam motivos de um conflito bélico, sem se atentar para as milhares de vítimas, numa repetição nefasta dos anos 1914-1918 e 1939-1945.

    Deus, não os perdoe – eles sabem o que estão fazendo!



 



OBITUÁRIO DE OMISSÕES

 

Valério Mesquita*

mesquita.valerio@gmail.com

 

É no que Macaíba está se transformando. Sinto-me como prisioneiro de mãos atadas, apenas conduzindo lembranças. A linguagem que eu falo é somente de epílogos. Estive lá semana passada e não vi mais as esquinas, as ruas estreitas do centro repletas de segredos, sentimentos, vultos amigos, antigos, furtivos, que as curvas do tempo encobriram. Ninguém vê mais a lâmina d’água do rio Jundiaí no qual navegou Severo, Auta, Alberto e os Castriciano na lancha de mestre Antônio quando residiam em Macaíba. Uma espessa floresta cobre o leito – e de luto morrem as recordações dos antepassados. A ponte antiga nunca mais viu uma embarcação, cansada de ser todo dia atropelada. Ali, no antigo cais do porto, nunca mais surgiu enorme, carregada de mistérios, a lua cheia que nascia e planava em cima do Solar do Ferreiro Torto.

A cidade de Macaíba hoje é uma fotografia ampliada dez vezes, cuja memória social, política, cultural, virou destroço. Um profundo baú de ossos. Somente a retina e o amor telúrico, sensitivo, de alguns macaibenses conseguem reconstruir, aqui e acolá, a passarela da sua história. Vista do alto, comprova-se que a chaminé das constantes migrações aumentou a população, os veículos, o barulho, a droga, o homicídio, acabou a paz pastoral dos verdadeiros habitantes. Macaíba se abre fácil para os que chegam de perto e da distância. Até motivo de pesquisa e estatística de uma televisão ela e Parnamirim foram notícias. O fato serve de alerta para que a juventude nativa não deixe que apaguem as luzes. As luzes e as vozes dos que construíram, no passado, o seu futuro e o seu espírito. Que não deixe que padeça nem desapareça o sentimento de macaibanidade. Evitem o obituário de esquecimentos!!

É preciso plantar esperanças onde seja possível colher. A geração nova de macaibenses deve exigir oportunidades de trabalho, educação, saúde e segurança, sem olvidar o patrimônio cultural de sua terra que já integra a história do Rio Grande do Norte. Que os migrantes e neomacaibenses no exercício constante de ir e vir não recusem o gesto de amor à cidade. Que venham e que cheguem como quem ama uma flor recém-descoberta. Que não entendam Macaíba como prolongamento de Natal devorada pelo capitalismo econômico. Imponham os limites: dunas brancas, o rio, mesmo sem a lâmina límpida de suas águas, a própria história de Macaíba, única e indivisível. A geografia dos limites entre as cidades não pode ser indecisa. Cada uma tem a sua dor e a sua canção.

O esquecimento deliberado do poder público estadual em restaurar o Empório dos Guarapes é o maior crime perpetrado contra a história do comércio do Rio Grande do Norte. Nas décadas de 1860 a 1880, em termos de comércio de importação e exportação, Macaíba foi o maior do Estado. Essa época de apogeu está sendo apagada da história porque o projeto de restauração dorme em algum birô do Centro Administrativo. A área foi desapropriada pelo governo, paga, tombada por decreto oficial, o projeto técnico concluído, prometida a execução, mas o recurso permanece no obituário da omissão. Na matriz de Nossa Senhora da Conceição, foi celebrada missa de 30 anos de esquecimento. Fabrício Gomes Pedroza estava presente. Se Lampião tivesse subido o monte dos Guarapes, numa chuva de balas, talvez o Guarapes já tivesse sido restaurado.

“Vem, vem nos ajudar”, grito dentro de mim esperando. Senador, governador, deputado, prefeito, vereador, o escambau... Saibam que os moradores dos Guarapes, com a restauração, às suas residências terão valor imobiliário triplicado. O museu histórico do comércio do Rio Grande do Norte atrairá oportunidades diretas e indiretas de emprego. O calçamento já está chegando beneficiando o acesso. Por Lei Municipal Mangabeira e os Guarapes hoje, constituem uma área urbana ou um bairro de Macaíba. E para essa região promissora que a cidade vem crescendo, pois não existe outro com mais razão telúrica e força histórica, a começar com o Ferreiro Torto sempre margeando o rio Jundiaí!!

quarta-feira, 21 de junho de 2023

 



Oitenta anos de Monsenhor Lucas

Padre João Medeiros Filho

No dia 23 de junho, celebra-se o natalício de Padre João Maria Cavalcanti de Brito e Monsenhor Lucas Batista Neto. Inegavelmente, este passará também para a história, como um dos grandes apóstolos do RN. Seguiu o exemplo de seu conterrâneo Padre João Maria, igualmente seridoense, nascido no município de Caicó (RN). Lucas também exerceu o ministério sacerdotal na Matriz da Apresentação, onde o “Santo de Natal” revelara a ternura divina.

Há coincidências na vida de nosso estimado monsenhor. Foi ordenado cem anos após a unção presbiteral dos padres Sebastião Constantino de Medeiros (caicoense) e Cícero Romão Batista (Padre Cícero do Juazeiro), ambos colegas de seminário de Padre João Maria, cuja ordenação fora adiada, pois ele não tinha ainda a idade canônica para o presbiterato. Tudo isto é motivo de agradecimento. Agradecer faz parte da nobreza da alma. A poetisa Violeta Parra proclamou sua gratidão ao Deus da Vida: “Graças à vida que me tem dado tanto.” A inefável bondade do Pai Celestial culminou de bênçãos e graças o pastor querido de muitos. Lucas é a expressão terrena do afeto e carinho de Deus por nós. Sacerdote de muitas virtudes e dinamismo, é também um místico. No âmago de seu ser dialoga com o Infinito de Deus. Apaixonado pela Sagrada Escritura, pediu a Dom Nivaldo Monte para ser ordenado no Domingo da Bíblia. Sempre tocado pela beleza do Saltério, balbucia no silêncio de seu coração preces de louvor e agradecimento. Como Exupéry, sabe que “no silêncio alguma coisa irradia.”

Exemplo de humildade, paciência e perseverança alimenta-se de sua fé: “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” (Sl 23/22, 1). Desafios e lutas acompanham a sua trajetória humana. Sensível e solidário, ainda jovem procurou ajudar os pais a educar uma família de onze irmãos. Para tanto, chegou a ser frentista de posto de gasolina e sorveteiro. “Combati o bom combate, guardei a minha fé” (2Tm 4, 7). Em todos os momentos de sua vida, Lucas conserva a alegria em sua face e a bondade no coração.

Muito lhe deve o Povo de Deus, especialmente o Arcebispado de Natal, onde desempenhou importantes funções como: pároco, vigário episcopal, professor, coordenador estadual do ensino religioso, membro dos conselhos presbiteral, episcopal e de consultores da arquidiocese, diretor de faculdade, criador de várias pastorais católicas. Trabalhou arduamente para preparar a vinda de São João Paulo II a Natal, quando do Congresso Eucarístico Nacional. Dentre muitas virtudes que possui, distingue-se pela simplicidade e lhaneza, disposição para servir, obediência e espírito de fraternidade.

Agradecemos-lhe por buscar romper em nós, seus amigos e irmãos na fé, o pretensioso parêntese da suficiência e nos convencer que só Deus nos basta. Somos gratos pelas belas lições inspiradas no Evangelho. Sempre foi profeta. Pregou firme, ao ver fraqueza. Ensinou ternura, ao sentir aspereza. Mostrou diálogo, quando pressentiu intransigência. Enfim, irradiou amor, quando presenciou frieza e indiferença em tantos. Foi peregrino e viandante no seu profícuo apostolado em Pendências, Macau, Natal (paróquias de Nossa Senhora da Apresentação, Santa Teresinha, Santo Afonso e na Casa da Criança). Demonstrou às pessoas de Igreja que ela não tem fronteiras. “Não se pode prender a Palavra de Deus” (2Tm 2, 9). Estamos unidos, pronunciando a palavra de gratidão de todos aqueles que gozam do privilégio de sua amizade. Digo apenas que o amamos muito. O amor não tem palavras suficientes para se expressar e o reconhecimento é maior que o discurso.

Que Deus o conserve são, lúcido, alegre, generoso e forte. Continue dizendo que é importante o balbuciar da prece. Esta carrega a marca de Deus, inscrição da nossa proveniência, fornalha que arde secretamente em nosso coração. O Espírito Santo o ilumine sempre, fortaleça a sua alma, console-o nas tribulações e aumente a sua fé na graça divina, que transforma o homem e o mundo. Sinta sempre a força do Alto e possa dizer como a Mística de Ávila: “Ó Pai, por tanto tempo o teu poder me abençoou. Conduziste-me pelas estradas do amor e da misericórdia.” Como Nossa Senhora exalte: “O Senhor fez em mim maravilhas, santo é o seu nome” (Lc 1, 49).