sexta-feira, 2 de abril de 2021

 


A Paixão de Cristo revivida

Padre João Medeiros Filho

No domingo passado, teve início a celebração da Semana Santa. Neste ano, será também diferente. Como os contemporâneos de Jesus, acompanharemos a sua paixão (presente e vivida no calvário de tantos irmãos) da forma como é possível, ou seja, virtualmente. Talvez aflorem às mentes apenas sentimentos de tristeza, dissabor e provação. Entretanto, não se deve esquecer uma verdade fundamental: Cristo derrotou a morte. “Ao vencedor as palmas da vitória!” Eis o sentido dos ramos, aclamando o Filho de Deus, como Rei e Senhor da História. Mas, “o meu Reino não é deste mundo” (Jo 18, 36), preconizava o Mestre. Muitos de seu tempo (como vários cristãos atuais) não compreenderam os motivos de sua condenação. Jesus abalou, com sua pregação e doutrina, as estruturas da sociedade onde Ele vivia. Representava uma ameaça para os que oprimiam o povo. E isto se repete atualmente, maquiado e latente em disputas ideológicas, no radicalismo em detrimento do bem comum e na instrumentalização que se faz da ciência e da fé. Pelo Evangelho, Ele veio instaurar novos tempos (Ap 21, 5). “Mas, os seus [como os de hoje] não compreenderam” (Jo 1, 11). Quis habitar entre nós para proclamar o Reino da Justiça e da Paz. O Brasil caminha na contramão dessa realidade.

É preciso completar em nossa carne aquilo que faltou à cruz de Cristo” (2Cor 4, 10), pregou o apóstolo Paulo. Deste modo, a Semana Santa não é somente a comemoração da Paixão do Senhor, como evento histórico. É também a reflexão sobre nossas angústias, aflições e dificuldades. Este ano, o ser humano está sendo mais atingido pelo colapso da saúde e desemprego. Padece sob o peso do terror apregoado, da imagem da morte avizinhada, temática sensacionalista e seletiva da mídia. Isso dá-nos uma ideia daquilo que vivemos em cada Semana Santa, ou seja, a Via Sacra cotidiana de nosso povo, assumida por Cristo numa expressão de misericórdia e compaixão. Não esqueçamos sua advertência: “o discípulo não é maior do que o Mestre” (Mt 10, 24). Deste modo, poderemos percorrer o mesmo caminho. Somos o seu Corpo Místico, por isso atualizamos em nossas vidas o que acontecera, há mais de vinte séculos. 

Mas, não só de tragédias e fracassos é feita a existência humana. A Ressurreição do Senhor é a vitória sobre a maldade, não obstante “a sua cruz parecer a consagração do radicalismo e da intolerância!”, nas palavras do Cardeal Cardijn. Celebra-se igualmente no Domingo da Páscoa nosso triunfo sobre o pecado, isto é, o resgate humano concretizado. Cristo ressuscitou e já não morre mais! É imortal, pois é o Filho de Deus, pelos seus ensinamentos perenes e por ser “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6). Nesta Semana Santa sepultemos o egocentrismo, as polarizações, a polêmica estéril e deletéria entre os poderes e as lideranças, os interesses sub-reptícios, enfim, nossos erros. É necessário haver uma Sexta-Feira Santa para cada um de nós, mormente para o Brasil hodierno, na qual crucificaremos os descompassos individuais e coletivos a fim de preparar a Páscoa. A Paixão e a Ressurreição não são atos isolados, mas precedidos da Quinta-feira Santa: celebração da fraternidade e da união. Haverá Páscoa, se houver comunhão, harmonia, diálogo e consenso. Ocorrerá Ressurreição, se existir amor.

No mistério da Semana Santa vivencia-se a resposta suprema de Deus ao desafio permanente do mal. Este divide e separa, levando à destruição. Nela se vislumbra a manifestação da ternura infinita de Jesus por nós. Neste ano, vamos meditar sobre a agonia de Cristo na realidade de tantas vítimas da pandemia. Em 2021, O Filho de Deus morre na insegurança econômica, sanitária, sócio-política, jurídica e religiosa, nos injustiçados, na tristeza dos relegados aos improvisos e desatenções de governos. Ele agoniza nos irmãos vítimas da corrupção, do descaso e conceito sofismado de vida, como se fora algo abstrato e irreal. Que haja Páscoa para todos, passagem do desalento para a esperança, da tristeza para a alegria, do sucumbir para a glória! Seria reconfortante poder participar presencial e sacramentalmente da liturgia do Tríduo Pascal. Infelizmente, dela estamos privados.

 

4 comentários:

  1. Obrigada tio Carlos por nos trazer para reflexão esse momento crucial da Vida do Cristo atualizando-a aos dias atuais "ainda" tão tenebrosos e obscuros. A Humanidade segue buscando através do seu Amor que não nos abandona e continua esperando por nós...sempre!
    Gratidão!

    ResponderExcluir
  2. Obrigada Tio Carlos pela belíssima reflexão.
    Embora eu não viva na missa nem fazendo grandes arrobos de oração, diariamente ao acordar e ao dormir agradeço tudo que pude ter e tenho em minha vida.
    Vivemos tempos difíceis, mas o silêncio da reclusão, nos impõe pensar o outro, pensar a vida com mais justiça social, fraternidade, solidariedade e cooperação. Também nos impõe rever posições, erros e corrigir rotas.
    Precisamos conhecer mais o que Jesus ensinou aqueles que Deus julgou ser imagem e sua semelhança.
    Na semelhança vive a diferença, e esta não pode ser motivo de exclusão e violência.
    Se olharmos um bordado - lado direito e avesso, vamos perceber beleza em cada um, se complementam para juntos nos mostrar arte, beleza e harmonia.
    Mais uma vez obrigada.
    Boa Páscoa.

    ResponderExcluir
  3. Ótima mensagem e bela reflexão.
    Grato por partilhar conosco, querido amigo. Boa Páscoa e muita paz e luz !

    ResponderExcluir