domingo, 31 de janeiro de 2021

 


 

Um país errático

Tomislav R. Femenick – Jornalista, historiador

 

Se, por uma dessas coisas que somente acontecem no realismo fantástico, fosse-me dada a oportunidade de voltar no tempo e escolher o local para nascer, apagando toda minha existência, não pensaria muito para dar a resposta. Não escolheria a Europa, pois tinha sido palco da Primeira Guerra Mundial e ajeitava os preparativos para a Segunda. Tampouco daria preferência pelos Estados Unidos, onde ainda respingavam os resultados da grande depressão, gerada pela quebra da Bolsa em 1929; e onde também imperava uma odienta segregação racial. Também refutaria a Ásia, onde Índia, China e outras regiões eram palcos de acirradas lutas intestinas e de disputas entre as potências ocidentais da época. Do mesmo modo, deixaria de fora a União Soviética e Japão. África, nem pensar. Não pela sua natureza e seu povo, mas pelo imperialismo europeu que os explorava e subjugava. Até pela lógica, escolheria o Brasil. Mesmo não tendo tido esse direito de escolha, eu me orgulho de ser brasileiro. E não é por ufanismo barato. Os fatos comprovam: milhares de europeus e asiáticos (principalmente japoneses) emigraram para o nosso país durante o século passado. Meu pai foi um desses europeus. Todos vinham em busca de uma nova terra; uma nova e melhor maneira de viver.

Ressalto outra faceta dessa experiência: eu, outra vez, teria que ser potiguar e nasceria em Mossoró. Teria que ter os mesmos pais, padrasto, esposa, avós, irmãos, filha, netos, tios, sobrinhos e primos. Amigos – daqui e de longe – eu os tenho poucos, porém bons, de 24 quilates. Assim, eles também estariam no pacote. Isso para eu ter, em “repeteco”, as mesmas aulas que tive com o Padre Mota, com o Padre Sales e com meu padrasto Xavier Vieira; as mesmas infindáveis conversas e brigas que tive com Rafael Negreiros (esperando as nossas insônias passarem); tomar as mesmas “geladas” no Bar Suez; namorar as mesmas meninas nas tertúlias dançantes do América, aqui em Natal, ou da ACDP, lá em Mossoró.

Apenas uma mudança eu desejaria: que os governantes desse maravilhoso país tivessem vergonha na cara e se portassem como gente séria. Que Jânio Quadros bebesse menos e governasse com seriedade; que Jango Goulart fosse responsável e não se fingisse de esquerdista; que Costa e Silva não impusesse sua candidatura a presidente, mesmo contra a vontade de Castelo Branco (sobre Médici, Geisel e Figueiredo não preciso nem falar); que Sarney ficasse em seu “não saber” e parasse de bancar o entendido do que nunca entendeu; que Collor caçasse os Marajás do serviço público e pensasse menos na casa da Dinda; que Lula e Dilma roubassem menos e impedissem que outros roubassem; que Bolsonaro assumisse de fato a presidência da República e deixasse de bancar o marechal de uma guerra bracaleônica.

Na verdade, penso que o cargo de presidente do nosso Brasil tem uma urucubaca danada. A pessoa que lá chega logo muda de penugem e passa a se portar de forma diversa daquela que era antes. Os únicos que não mudaram, e continuaram como de sempre, foram Fernando Henrique Cardoso (apesar de ter pedido que esquecessem o que ele tinha escrito antes) e Jair Bolsonaro, este, em parte. O primeiro, com o Plano Real, acabou com a inflação (ainda quando ministro da Fazenda de Itamar Franco) e instituiu a Lei de Responsabilidade Fiscal. Com isso, provou que ser intelectual não é crime e que inteligência faz bem, embora nem todos concordem. Bolsonaro, é verdade, acabou com a corrupção escancarada, mas se senta sobre as “rachadinhas” suas e de familiares seus. E agora peca em outro pecado grave. Na campanha que o elegeu, propalou ser contra a prática do “é dando que se recebe” e agora se tornou adepto fiel dessa seita. Troca cargos do Executivo por votos na Câmara e no Senado. Para conseguir maioria, faz qualquer coisa. Vai da liberação de verbas orçamentárias a afagos pessoais. Se nos debruçarmos sobre sua história parlamentar, veremos que ele sempre foi assim. Não mudou nada. É coerente com o seu passado, a polêmica sempre foi o seu principal cabedal político.

Só para esclarecer: eu votei em Bolsonaro para presidente, não por suas qualidades, mas para evitar o retorno do PT, da esquerda. Assim fizemos milhões de brasileiros.

 

Tribuna do Norte. Natal, 31 jan. 2021

 

 

 

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