terça-feira, 27 de agosto de 2024

Pedra e fé em Cristo Jesus Padre João Medeiros Filho Carlos Drummond de Andrade escreveu em um de seus poemas: “No meio do caminho tinha uma pedra...” Alguém já disse que “a poesia é a menina dos olhos da literatura.” Houve, entre os críticos literários, quem quisesse comparar os versos drummondianos com a poesia primitiva a ser burilada pelo autor. Seria semelhante ao granito, com o qual o escultor faz brotar sua obra de arte. Abgar Renault em “A lápide sob a lua” afirmou: “O poeta é artesão e bruxo das palavras.” A poesia, assim como a escultura, seria um trabalho artesanal do artista paciente e perseverante, evitando a inspiração apressada, fortuita e alienada. Ao contrário, é fruto do empenho “das retinas tão fatigadas”, segundo o vate de Itabira. Diante de tais interpretações, Drummond intervém, afirmando que ali ele tratava mesmo de pedra. João Cabral de Melo Neto era considerado um poeta de estilo contido e seco. Em sua obra “Pedra do Sono” afasta-se da tradição do simbolismo da linguagem, tornando a objetividade da prosa escrita envolta em poesia. Para esta transporta a dura realidade dos canaviais pernambucanos, também retratada nos pedregulhos em “Morte e Vida Severina”. A luta árdua pela vida traduz-se na estética do drama. Pode-se perceber o desafio compreendido por Cristo, quando usa a metáfora pétrea ao designar o primeiro papa. O granito inspira-nos a ser firmes, mas quando transformado em arte, leva-nos à admiração e ao amor. Deste modo, a fé deve ser inspiradora, capaz de suscitar atitudes de entrega, solidariedade e perdão, como o mármore que se presta a vários tipos de escultura. Vale lembrar o romance de Ariano Suassuna “A Pedra do Reino”, ao descrever a vida como uma pedra, “mas doce como uma cajarana madura.” Se ela chega a comover poetas e romancistas, não deixaria de chamar a atenção do autor das Bem-aventuranças. “Olhai as aves do céu... Aprendei dos lírios do campo...” (Mt 6, 26). Quanta beleza nesses textos bíblicos, que amenizam a aridez da existência! Cristo emprega várias expressões e imagens do cotidiano de seu tempo: terreno, rocha, grão, pastor, ovelha, senhor, servo etc. Revelava com alegorias e muita simplicidade o Reino dos Céus, que Ele veio pregar. Como é importante retornar à simplicidade das analogias evangélicas para se compreender o pensamento de Jesus! A realidade da rocha, mantida na retina ou na memória, é um desafio e encanto. Um olhar poético sobre ela a verá com mais profundidade e transcendentalismo. O Filho de Deus a tornou parábola do Príncipe dos Apóstolos, em cuja fé colocou os alicerces de sua Igreja. “Tu és Pedro e sobre esta pedra, edificarei a minha Igreja” (Mt 16, 18). Encontramos a palavra pedra vinte e sete vezes no Novo Testamento e vinte e quatro, o vocábulo rocha. Eis como Cristo é preconizado no Antigo Testamento: “A pedra que os construtores rejeitaram, tornou-se a pedra angular” (Sl 118/117, 22). O próprio Deus é assim lembrado: “E quem é a Rocha, senão o nosso Deus?” (2Sm 22, 32). Há algum tempo, o Sumo Pontífice, dirigindo-se a um grupo de freiras contemplativas, propôs-lhes “uma fé sólida e útil como a rocha”, contrapondo-a a um caminho “demasiadamente espiritualizante, abstrato e místico.” Com o significado da rocha o Salvador do mundo procurou definir a dimensão transcendente do ser humano. Queria mostrar nossa fé, inabalável e profunda, burilada pela graça divina, sem falsa e alienante espiritualidade. A pedra é ícone de nossa existência espiritual, desafiadora e objetiva, que se molda na firmeza da gratuidade sobrenatural. Ela também acolhe, serve de assento, referencial e repouso no cansaço da caminhada. Por isso, Cristo a constituiu símbolo de sua Igreja. Portanto, a condição pétrea de nossa humanidade não serve apenas para a poesia moderna, mesmo não sendo engajada na problemática social, segundo o pensar de alguns teólogos. É indispensável à fé, que deverá ser autêntica e testemunhada, isto é, fundamento da caridade e propulsora da esperança, nutrindo a transcendência do homem, cidadão do Infinito. Convém refletir sobre as palavras do apóstolo Pedro: “De igual modo, também vós, como pedras vivas, formai um edifício espiritual” (1Pd 2,5).

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