terça-feira, 19 de janeiro de 2021

 

Clarice Lispector, mistério de si, verdade, e a menos que se escreva

Entrevistas Imaginadas

 

texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

 

Já fez crônica de uma galinha, e de tantas crônicas que fez sobre muitas coisas além da galinha, temeu está dizendo para todo mundo quem era no que escrevia. Todo mundo se acha nela para se perder de vez. Nos diz quem somos puxando lá pelas bandas do inconsciente, essência e dúvida de ser. Há quem tema por isso, porque levá-la a sério é levar a vida a sério.

 

Deixou enigmas, e foi como veio, com necessidade de dizer, por isso Clarice Lispector escreveu e disse tudo, porque escrever foi a razão da sua vida, uma forma de libertar angústia. Sexta entrevista da série entrevistas imaginadas, quando se falará de e com poetas e escritores, pelo que já disseram em seus versos e prosa, por isso, imaginadas, mas nunca imaginárias, porque o fundo da verdade é o que já disse e está estampado no que já disseram.

 

O entrevistado da vez, como se disse, é cronista e é também romancista, veio da Ucrânia, passou por Recife, desaguou no Rio de Janeiro, e morou no mundo com o marido diplomata e os filhos. Morreu de câncer em plena maturidade intelectual. Entrevistamos no volume Aprendendo a Viver.

 

Entrevistador: Clarice, e o tempo?

Clarice Lispector: O tempo é permanente. Nunca terminará.

 

Entrevistador: Quem é e o que sente Clarice Lispector?

CL: Mais que jogo de palavras: o que eu sinto eu não ajo. O que ajo não penso. O que penso não sinto. Do que sei sou ignorante. Do que sinto não ignoro. Não me entendo e ajo como se me entendesse.

 

Entrevistador: Qual a primeira condição para ter paz?

CL: aceitar as inúmeras imperfeições que tenho, como todo mundo.

 

Entrevistador: Clarice é uma intelectual?

CL: Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência o que não faço: isso é intuição, o instinto. Ser intelectual é também ter cultura; e eu sou tão má leitora que, agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura.

 

Entrevistador: E quem é Clarice, então?

CL: Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo inteligível e um mundo impalpável.

 

Entrevistador: Se considera sensata, se considera louca?

CL: A loucura é vizinha mais cruel da sensatez. Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente.

 

Entrevistador: Tem mistério próprio?

CL: Sou tão misteriosa que não me entendo.

 

Entrevistador: Quem você é, na verdade?

CL: sou uma pergunta.

 

Entrevistador: Escrever para Clarice é...

CL: é uma maldição, mas uma maldição que salva.

 

Entrevistador: uma maldição, como assim...

CL: É uma maldição porque obriga e arrasta como um vício penoso do qual é quase impossível se livrar e é uma salvação. Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil, salva o dia que se vive e que nunca se entende a menos que se escreva...

 

 

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