terça-feira, 14 de outubro de 2025

 

“Tempo de calar e tempo de falar”

Padre João Medeiros Filho

O descompromisso com a verdade é cada vez maior. Nutrem-se a divulgação de notícias falsas e a manipulação de informações, em função de conveniências e interesses escusos. As tecnologias comunicacionais facilitam opinar sobre todos e tudo. Uma vez a verdade comprometida, a sociedade perde o rumo, dificilmente encontrando caminhos promissores. Tudo tem seu tempo certo, “tempo de calar e tempo de falar” (Ecl 3,1; 7). Quando se deve falar? E quando é oportuno e eficaz calar-se? São Gregório Magno ensinava: “Seja discreto no silêncio e útil com suas palavras, para não falar o que deve calar, nem silenciar quando é necessário falar.” Sobre os pilares da fala e do silêncio fundamentam-se a sociedade, a cooperação mútua, a defesa da Justiça e do Bem.

Hoje, multiplicam-se escolas de oratória, imitação dos retores da Grécia e Roma antigas. No entanto, inexistem cursos para ensinar o que convém ou se necessita dizer. Ao se utilizar a palavra de modo superficial, comprometem-se os entendimentos, alimentando-se atitudes pouco eficazes para gerar o Bem. Assim, a sociedade permanece empobrecida, prejudicando o exercício da cidadania. Expressar-se com superficialidade faz com que os sistemas linguísticos disponíveis, em vez de contribuir para a aproximação, acabem construindo uma nova Babel, aprisionando a cidadania na confusão. É lastimável, quando a fala de quem representa o povo é permeada por mediocridades, sofismas, mentiras e narrativas. Inaceitável priorizar-se somente o interesse de partidos políticos ou grupos ideológicos. Lamentável, quando se objetiva somente conquistar certas metas, alheias ao bem comum. Deplorável presenciar as relações familiares, profissionais, políticas ou governamentais orientadas frequentemente por parâmetros de frivolidade.

A incapacidade para falar o que é preciso, isento de inverdades, é sinal de uma falha grave na condição ética e moral do indivíduo e da sociedade. Quem tem a coragem de viver e falar sob o manto da verdade (algo raro nestes tempos de tantas manipulações) contribuirá para a formação de cidadãos autênticos. As comissões parlamentares de inquérito, tendo em vista as inverdades e falta de compromisso com a veracidade, exigem do depoente um juramento de dizer sempre a verdade. Entretanto, Pilatos já tinha dúvida a respeito disso, ao questionar Jesus Cristo: “Quid sit veritas?” (O que é a verdade? – Jo 18, 38).

Hoje, especialmente, fala-se para agradar ou desconstruir, mesmo havendo incoerência com as próprias convicções. Certa vez, ouvi Dom José Delgado, indagando do saudoso Monsenhor Walfredo Gurgel o que ele achava mais difícil como político. Dissera-lhe, incontinenti: “Viver o Evangelho.” Este determina: “Seja o vosso sim, sim; e o vosso não seja não” (Mt 5, 37). E, em seguida arrematou: “Infelizmente, quando os políticos dizem sim, significa talvez. Quando afirmam talvez, quer dizer não. E se dizem não, certamente não são políticos.” Em certas situações, a verdade é dita pela metade para alcançar objetivos pouco nobres. Opiniões e juízos são emitidos sem o conhecimento adequado da realidade, prejudicando a promoção da justiça, prevalecendo o subjetivismo e vantagens de alguns. Fala-se a bel prazer para enaltecer ou destruir pessoas. Recordo-me de tempos no Ministério da Educação. Havia uma autoridade que costuma me solicitar a redação de três textos (despachos, pareceres, pronunciamentos etc.): um concedendo, outro indeferindo e o último “enrolando”. Isso é frequente na vida política e administrativa, plena de subterfúgios e conveniências e ausência de verdade. Faz lembrar Millôr Fernandes, ao dizer: “As pessoas que falam muito, mentem sempre, porque acabam esgotando seu estoque de verdades.”

Mister se faz aprender a falar e calar-se em sociedade. Nesse sentido, vale remontar ao conceito helênico de “parresia”, dinâmica da linguagem comprometida com a verdade, imprescindível para uma autêntica democracia. A postura do apóstolo Paulo pode inspirar modos nobres de se lidar com a fala. De forma peremptória, assim se expressa na Carta aos Gálatas, manifestando sua coerência e autenticidade: “Tenho eu buscado a aprovação dos homens ou a de Deus? Se quisesse agradar aos homens, não seria servo de Deus” (Gl 1, 10). O discípulo de Cristo, segue o que Ele proclamou: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6).

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