“Tempo de calar e tempo de falar”
Padre João Medeiros Filho
O descompromisso com a verdade é cada vez maior. Nutrem-se
a divulgação de notícias falsas e a manipulação de informações, em função de conveniências
e interesses escusos. As tecnologias comunicacionais facilitam opinar sobre todos
e tudo. Uma vez a verdade comprometida, a sociedade perde o rumo, dificilmente
encontrando caminhos promissores. Tudo tem seu tempo certo, “tempo de calar e
tempo de falar” (Ecl 3,1; 7). Quando se deve falar? E quando é oportuno e
eficaz calar-se? São Gregório Magno ensinava: “Seja discreto no silêncio e útil
com suas palavras, para não falar o que deve calar, nem silenciar quando é
necessário falar.” Sobre os pilares da fala e do silêncio fundamentam-se a sociedade, a cooperação mútua, a defesa da Justiça e do Bem.
Hoje, multiplicam-se escolas de oratória, imitação dos
retores da Grécia e Roma antigas. No entanto, inexistem cursos para ensinar o
que convém ou se necessita dizer. Ao se utilizar a palavra de modo superficial,
comprometem-se os entendimentos, alimentando-se atitudes pouco eficazes para
gerar o Bem. Assim, a sociedade permanece empobrecida, prejudicando o exercício
da cidadania. Expressar-se com superficialidade faz com que os sistemas
linguísticos disponíveis, em vez de contribuir para a aproximação, acabem construindo
uma nova Babel, aprisionando a cidadania na confusão. É lastimável, quando a fala de quem representa o povo é permeada por mediocridades,
sofismas, mentiras e narrativas. Inaceitável priorizar-se somente o interesse
de partidos políticos ou grupos ideológicos. Lamentável, quando se objetiva
somente conquistar certas metas, alheias ao bem comum. Deplorável presenciar as
relações familiares, profissionais, políticas ou governamentais orientadas
frequentemente por parâmetros de frivolidade.
A incapacidade para falar o que é preciso, isento de
inverdades, é sinal de uma falha grave na condição ética e moral do indivíduo e
da sociedade. Quem tem a coragem de viver e falar sob o manto da verdade (algo
raro nestes tempos de tantas manipulações) contribuirá para a formação de
cidadãos autênticos. As comissões parlamentares de inquérito, tendo em vista as
inverdades e falta de compromisso com a veracidade, exigem do depoente um juramento de dizer sempre a verdade. Entretanto, Pilatos já tinha dúvida a
respeito disso, ao questionar Jesus Cristo: “Quid sit veritas?” (O que é a
verdade? – Jo 18, 38).
Hoje, especialmente, fala-se para agradar ou desconstruir,
mesmo havendo incoerência com as próprias convicções. Certa vez, ouvi Dom José
Delgado, indagando do saudoso Monsenhor Walfredo Gurgel o que ele achava mais
difícil como político. Dissera-lhe, incontinenti: “Viver o Evangelho.” Este
determina: “Seja o vosso sim, sim; e o vosso não seja não” (Mt 5, 37). E, em
seguida arrematou: “Infelizmente, quando os políticos dizem sim, significa
talvez. Quando afirmam talvez, quer dizer não. E se dizem não, certamente não
são políticos.” Em certas situações, a verdade é dita pela metade para alcançar
objetivos pouco nobres. Opiniões e juízos são emitidos sem o conhecimento
adequado da realidade, prejudicando a promoção da justiça, prevalecendo o subjetivismo
e vantagens de alguns. Fala-se a bel prazer para enaltecer ou destruir pessoas.
Recordo-me de tempos no Ministério da Educação. Havia uma
autoridade que costuma me solicitar a redação de três textos (despachos,
pareceres, pronunciamentos etc.): um concedendo, outro indeferindo e o último “enrolando”.
Isso é frequente na vida política e administrativa, plena de subterfúgios e conveniências
e ausência de verdade. Faz lembrar Millôr Fernandes, ao dizer: “As pessoas que falam muito, mentem sempre, porque acabam esgotando seu estoque de
verdades.”
Mister se faz aprender a falar e calar-se em sociedade.
Nesse sentido, vale remontar ao conceito helênico de “parresia”, dinâmica da
linguagem comprometida com a verdade, imprescindível para uma autêntica
democracia. A postura do apóstolo Paulo pode inspirar modos nobres de
se lidar com a fala. De forma peremptória, assim se expressa na Carta aos Gálatas,
manifestando sua coerência e autenticidade: “Tenho eu buscado a aprovação dos
homens ou a de Deus? Se quisesse agradar aos homens, não seria servo de Deus”
(Gl 1, 10). O discípulo de
Cristo, segue o que Ele proclamou: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo
14,6).
Nenhum comentário:
Postar um comentário