PALAVRAS DE AGRADECIMENTO PELOS SESSENTA
ANOS DE SACERDÓCIO
Faço minhas as palavras de Maria Santíssima, extasiada
diante da graça divina: “O Poderoso fez por mim grandes coisas, Santo é o seu
nome” (Lc 1, 49). O Evangelho não é mera narração histórica. É presença da
eterna novidade de Deus, falando ao coração do homem. Em Belém, Nossa Senhora
testemunhou a inefável gratuidade do Pai, ao ver na pessoa de seu Filho, o
Messias tão esperado, presente na singeleza da Criança, deitada na manjedoura.
Análogo mistério se manifestou, há sessenta anos, quando, pela imposição das
mãos episcopais, a Igreja me ungiu, indigno servo, um “alter Christus” (outro
Cristo). Digo como o poeta Murilo Mendes: “Eu te proclamo grande, ó Deus, não
apenas porque fizeste esta terra imensa com rios e florestas, o sol para
presidir o dia, a lua e as estrelas para iluminar a noite. Eu te proclamo
grande e admirável eternamente, porque Tu te fazes pequeno na Eucaristia para
caber no menor dos corações humanos.” E, um dia, em sua inefável bondade, Deus
me escolheu como ministro de tão augusto mistério.
Esta celebração convida-me a penetrar na profundidade do
Eterno e descobrir o recado do Infinito. A vida sacerdotal tem a missão de
desvelar a transcendência e a beleza do Sagrado, mostrando que Deus escolhe
vasos de argila para conter o tesouro de sua graça (cf. 2Cor 3, 10). O padre
deverá sentir a sede do Absoluto no cotidiano da existência. Hoje, cabe-me
agradecer como o poeta bíblico: “Em toda minha vida, jamais esqueci os teus
preceitos. Pertenço a Ti, Senhor; sê meu apoio e viverei” (Sl 119/118, 93-94).
Sou da geração de padres ordenados durante o Concílio
Vaticano II. Fui formado no contexto do eixo teológico Bélgica-Holanda,
liderado pelo Cardeal Léo Suennes. Deste, ouvi na homilia da Missa de ordenação
de meus colegas de turma este conselho: “Não sejam burocratas do sagrado, nem
funcionários do espiritual. Estejam sempre abertos às surpresas de Deus.
Anunciem o eterno Amor.” Dom Alberto Houssiau, bispo emérito de Liège, nosso
professor, ensinava-nos: “É preciso que o padre seja reto no pensamento, exemplar
na ação, discreto e útil com a sua palavra; próximo de todos com a sua
compaixão; dedicado ao estudo e à contemplação; aliado de quem faz o bem, terno
e compreensível com os que erram, transparecendo a misericórdia de Deus.” No
entanto, há quem queira ser paladino de pautas meramente sociais, como se o
Evangelho fosse uma ideologia ou teoria sociológica. Existem ainda os arautos da intransigência e do radicalismo, que se
consideram donos das bênçãos divinas. A verdadeira mística sacerdotal brota da
vivência do Evangelho, marcada por presença, escuta e compaixão. Jesus ouviu mais do que pregou. E, porque soube escutar, perdoou a muitos.
Ao longo desses sessenta anos, tento viver com
despojamento o sacerdócio. Guardo as palavras de meu saudoso colega Michel
Quoist, semanas antes de minha ordenação: “Os fiéis perdoam as fraquezas de
seus padres, mas desaprovam os que se apegam ao dinheiro e ao poder.” Entendo
como missão do sacerdote servir sempre à Igreja e nunca se servir dela. Meu
desejo é ser um padre simples. Isto me basta. Meu jeito de ser não deverá
ofuscar a presença terna de Cristo. Antes de eu ser padre, papai pediu-me para
ter uma profissão leiga a fim de não pesar ao Povo de Deus. Por isso, sempre
tirei meu sustento do fruto de meu trabalho civil. Tomei consciência do que
pregava o apóstolo Paulo: “Trabalhei, noite e dia, para não vos ser
pesado” (1Ts 2, 9).
Procuro fazer da Missa minha alegria e meu ápice. A saúde
não permite mais celebrar a Eucaristia, como a presidi pela vez primeira. Mas,
mesmo em cadeira de rodas, ando com o coração e a mente, conservando o
entusiasmo e ardor de seis décadas passadas. Hoje, diante do meu bispo, a quem
estimo muito, agradecendo sua atenção para comigo e a presidência desta
liturgia, expresso meu profundo amor e obediência à Igreja, pedindo perdão pelos meus pecados e fraquezas. Como herança,
deixarei a todos a alegria e felicidade que sinto no Altar, fonte de
incomensuráveis favores divinos.
Agradeço aos que me ensinam a ser padre. Aos bispos e
irmãos no ministério ordenado aqui presentes, obrigado pelo privilégio de sua
amizade e complacência, quando sou fraco e pecador. Grato sou às queridíssimas
religiosas deste Mosteiro que me tocam pela sua simplicidade e vivência do voto
de pobreza, impulsionando-me para Cristo no Sacrário. Aos irmãos que frequentam
esta comunidade, muito obrigado pela paciência e caridade com que me suportam.
Perdão por minha desatenção e eventuais incompreensões.
Não seria justo se não agradecesse a minha família, meus
formadores, médicos, fisioterapeutas, colegas de instituições acadêmicas e
culturais, e amigos. Neste dia, uma palavra de profundo reconhecimento aos meus
irmãos por afeto e adoção, que cuidam de mim, por muito mais da metade de minha
existência. Saudade do meu irmãozinho deficiente visual, o qual me provava que
se vê melhor com os olhos da alma. No ano passado, ele foi contemplar a face de
Deus. Uma palavra de gratidão a Monsenhor Expedito Sobral de Medeiros, que me
batizou, na Matriz de Jucurutu. E, mais de duas décadas depois, ali mesmo, no
dia da minha ordenação sacerdotal, ao beijar minhas mãos ungidas, dissera-me:
“Joãozinho, evangelizamos mais de joelhos, pela escuta, com ternura, alegria e
oração, do que com nossos sermões.” A Dom Manuel Tavares de Araújo, gratidão
por tantos ensinamentos e por ter me recomendado, após ungir minhas mãos:
“Padre João, tenha um olhar compassivo para todos. O sacerdócio do qual você
foi investido não lhe pertence, é dos cristãos. Seja sempre um irmão de todos.
É o que os fiéis esperam de você.”
Amigos
e irmãos, grato lhes sou. Continuem rezando por mim, até quando Cristo me
chamar à sua presença celeste. Deus me torne lúcido para poder rezar
diariamente, como Santo Inácio de Loyola: “Tudo o que tenho, foste Tu que me
deste, a Ti devolvo. Tudo é teu, podes dispor. Concede-me teu amor e tua graça.
Isso me basta.” Direi como Santo Agostinho: “Um dia, Tu me chamaste e me
tocaste. Por isso, sinto fome e sede de Ti. Vivo constantemente no desejo de
tua paz!” Meus irmão e amigos, a Cristo prometi um dia servir por toda a minha
vida. Deus abençoe todos! Amém.
Mosteiro de Sant´Ana, em Emaús, 25 de
agosto de 2025
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO
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