quarta-feira, 30 de junho de 2021

 

A dádiva da longevidade

Padre João Medeiros Filho

De acordo com os dados censitários, a expectativa de vida dos brasileiros vem aumentando. Todo ser humano sente o desejo de desfrutar, o maior tempo possível, das alegrias e maravilhas da vida. Independentemente de religião, situação socioeconômica e cultural, almeja-se adiar a morte, denominada na poesia de Manuel Bandeira “a indesejada das gentes” e nos encontros coloquiais ou escritos de Oswaldo Lamartine a “Moça Caetana”. Os hagiógrafos a definem com epítetos negativos. O apóstolo Paulo a considera: “a última inimiga” (1Cor 15, 26). O evangelista João, no Livro do Apocalipse, a inclui entre os quatro cavaleiros da catástrofe final, “ao lado da fome, da guerra e da peste” (Ap 6, 8). A longevidade é uma bênção, um troféu que todos aspiram. “Os cabelos grisalhos são uma coroa de esplendor. (Pv 16, 31).

Conta-se uma estória pitoresca de Monsenhor Luiz Ferreira da Cunha Mota (de Mossoró), que se tornou antológica no anedotário potiguar. Dom Gentil Diniz Barreto, bispo diocesano, designou Monsenhor Júlio Alves Bezerra a fim de preparar Padre Mota para a viagem definitiva. O então vigário colado de Assú falava das belezas do Céu e das maravilhas do Paraíso ao ex-prefeito e líder religioso mossoroense. Após ouvir tudo com atenção e piedade, o antigo pároco de Santa Luzia respondeu peremptoriamente: “Mas, eu gosto tanto de Mossoró!”  O desejo de longevidade é visceral e ontológico. Nessa linha caminha também a Bíblia. O Livro dos Provérbios promete a quem praticar os preceitos divinos a multiplicação dos anos. A fidelidade e o temor do Senhor asseguram o galardão de uma vida longa.

O Novo Testamento segue a tradição judaica. Não se encontram na Sagrada Escritura afirmações depreciativas sobre a existência humana. Pelo contrário, há sempre a sua valorização, considerando a longevidade, não como pena ou castigo, mas dom do Altíssimo. É o que se infere da resposta de Deus à prece de Salomão: “Se andares nos meus caminhos e observares os meus mandamentos, eu prolongarei os teus dias.” (1Rs 3, 14). O cristianismo prosseguiu fiel aos ensinamentos bíblicos, destacando-se pelo serviço aos idosos, crianças, viúvas e pobres, dando-lhes alimento, abrigo e carinho a fim de fortalecê-los na sua peregrinação terrena. A Igreja foi pioneira na criação de escolas, orfanatos, creches, asilos e hospitais. No Sudeste brasileiro, destacam-se as Santas Casas de Misericórdia, fundadas pelos jesuítas. E no Nordeste, as Casas de Caridade, criadas pelo Padre Ibiapina. Tais instituições foram concebidas para cuidar dos desvalidos, doentes, esquecidos e assisti-los, quando a irmã morte os visitar. Pensadores de várias correntes, profetas do judaísmo e líderes cristãos sempre denunciaram manobras que pudessem agredir ou destruir os mais vulneráveis. Lutaram contra o que lhes pode trazer um fim prematuro, impedindo-os de chegar à plenitude dos seus dias.

É chocante ouvir declarações de autoridades, afirmando que a longevidade das pessoas quebraria os sistemas previdenciário e de saúde, esvaziando os cofres do Estado. Este existe para o homem e não o contrário. Perde a sua razão de ser, se não está a serviço dos cidadãos. Viver muito não deve ser considerado uma ameaça ao erário. Há quem deseje tornar os idosos exilados ocultos das sociedades da abundância. Estas tornam-se discriminatórias em sua obsessão de gerar riquezas. Tal concepção julga um fardo as pessoas que não conseguem mais contribuir laborativa ou tributariamente.

Querer atingir os cem anos é justo e cristão. Nenhuma vida humana deve ser descartada. Trata-se de um sopro do Criador que a enche de carismas a fim de contribuir para o bem de todos. É importante a reflexão do Salmo 92/91: “Mesmo em sua velhice ainda continuarão eles dando frutos, cheios de seiva e verdejantes, anunciando que o Senhor é reto e nele não há iniquidade.” (v.15-16). Deve ser uma preocupação de todos respeitar e cuidar da qualidade de vida das pessoas. É salutar repetir a súplica do salmista: “Mesmo na velhice, no declinar da vida, ó Deus, não me abandones, até que eu anuncie a força do teu amor e teu braço a toda geração que vier.” (Sl 71/70, 18).

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