quinta-feira, 21 de julho de 2022

 

SALVEM A ASSESSORIA JURÍDICA DO ESTADO

DO RIO GRANDE DO NORTE

Por:  Carlos Roberto de Miranda Gomes(*)

       O Estado do Rio Grande do Norte teve o pioneirismo de colocar no texto da sua Constituição vigente (de 03 de outubro de 1989), um dispositivo prevendo a criação da Assessoria Jurídica do Estado, com cargos de carreira, consoante dispõe o seu art. 88, in verbis:

Art. 88. Para assessoramento jurídico auxiliar aos órgãos da administração direta, indireta, fundacional e autárquica, o Estado organiza nos termos da lei, em cargos de carreira, providos, na classe 111 inicial mediante concurso público de provas e títulos, observado o disposto nos arts. 26, § 6º, e 110, a Assessoria Jurídica Estadual, vinculada diretamente à Procuradoria-Geral do Estado. Parágrafo único. Nas mesmas condições do “caput” deste artigo para assessoramento jurídico auxiliar aos órgãos administrativos do Poder Legislativo, a Assembleia Legislativa organiza a sua Assessoria Jurídica, vinculada diretamente à Procuradoria-Geral da Assembleia Legislativa.

              A disposição constitucional mereceu regulamentação pela Lei nº 5.591, de 03/04/1990, com sucessivas alterações (Lei 6.623/1994 e LC 424/2010, esta alterando a Lei 8.014/2001, finalmente a LC518/2014) ofertando as competências dos Assessores Jurídicos do Estado do Rio Grande do Norte, cumprindo as normas emanadas da Procuradoria Geral do Estado à qual ficaram atrelados, dando-lhe outras atribuições, estabelecendo quadro efetivo e forma administrativa da sua movimentação.

         Assim, a Constituição Estadual  veio consolidar uma realidade preexistente, qual seja a transformação dos antigos cargos de Técnicos Especializados, “A”, “B” e “C”, do Quadro de Pessoal do Estado, Parte II, Tabela II, consoante a Lei nº 5.542, de 16/9/1986.

         Pois bem, em que pese essa carreira já consagrada no mundo jurídico do Estado, com serviços inestimáveis prestados em vários setores da administração direta, indireta, fundacional, empresas públicas e de economia mista, um ou mais de um procurador do Estado, inusitadamente, causa uma verdadeira pandemia ao entronarem no Judiciário uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e impugnação de vários dispositivos da Carta Estadual, a partir do art. 88 e de outras leis posteriores, alegando conflito, em disposição de observância obrigatória pelos Entes formatados que relaciona na lide.

Ora, as atribuições dos Assessores Jurídicos não colidem com as dos Procuradores do Estado, eis que aqueles atuam em forma preliminar, não definitiva e em processos de menor complexidade, deixando aos Procuradores a competência de representar o próprio Estado, pois aqueles assessores estavam subordinados a estes e nunca ombreados nem funcionalmente, nem nos montantes de retribuição financeira.

         Ademais disso, o que motivou a criação da Assessoria Jurídica foi reduzir o acúmulo de serviços da Procuradoria, assoberbada com processo de segunda expressão na ordem jurídica do Estado, na condição singular de Advogados do Estado e também Consultoria do Poder Executivo.

         Entendo desidioso esse esdrúxulo e extemporâneo comportamento dos autores da ação, pois deixaram consumir muito tempo para tomarem essa decisão, sem que nunca tenha havido conflitos, sem atentarem para os serviços relevantes dos assessores, alguns já falecidos, outros aposentados, criando um verdadeiro efeito cascata deletério para os servidores que acreditaram na correção de suas atividades e agora até em fase de extinção pela não abertura de novos provimentos.

         Efetivamente, não sei o propósito mesquinho dos proponentes da ação de inconstitucionalidade e não me proponho à essa discussão face a minha vetusta idade e estado de saúde, mas reúno forças de ir além, na defesa de uma corrente respeitável da filosofia do Direito, partindo do fato de que “A Lei não Esgotar o Direito” e, ainda, o verdadeiro Direito tem em sua finalidade a “Busca da Justiça”, não se perdendo no amontoado (cipoal) de legislação e decisões em casos diferentes, pois cada Estado possui a sua própria realidade fática.

         Em formidável artigo, que adoto pela excelência jurídica, o Procurador Regional da República Marcelo Alves Dias de Souza, Doutor em Direito (PhD in Law pelo King’s Collge London – KCL), com propriedade e espírito de garimpador do verdadeiro desaguadouro da finalidade do Direito – A Justiça, ensina:

 

“O realista escandinavo

Em regra, relacionamos a expressão “realismo jurídico” a uma escola desenvolvida nos EUA na virada do século XIX para o XX e, até mais interessantemente, durante os anos 1930. Mas a história do direito registra um segundo realismo, o escandinavo, que teve como expoentes Axel Hägerström (1868-1939), Vilhelm Lundstedt (1882-1955), Karl Olivecrona (1897-1980) e, mais badaladamente, Alf Ross (1899-1979). E é sobre este último pensador que conversaremos hoje.

Alf Niels Christian Ross nasceu em Copenhague, na Dinamarca, em uma família de classe média. Formou-se em direito, na universidade da sua terra, em 1923. Correu pela Europa, especialmente pela Inglaterra, França e Áustria (onde conheceu Hans Kelsen), durante mais de dois anos. Tentou sem sucesso um doutorado na Universidade de Copenhague. Foi trabalhar com o já citado Axel Hägerström na Universidade de Uppsala, na Suécia. Ali obteve o seu primeiro doutorado em 1929, título que viria também a obter, finalmente, na Universidade de Copenhagen, em 1935. Em Copenhagen, foi professor de direito constitucional e de direito internacional. Além de jusfilósofo e grande nome do realismo jurídico, Ross foi um prático do direito, como consultor a serviço do seu país e juiz da Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo, na França.

A obra de Ross é vasta e, para além da filosofia jurídica, mergulha nos ramos do direito versados pelo autor. Como não sei dinamarquês, vou citar alguns títulos em inglês: “Towards a Realistic Jurisprudence: A Criticism of the Dualism in Law” (1946), “A Textbook in International Law” (1947), “Constitution of the United Nations” (1951), “Why Democracy?” (1952), “On Law and Justice” (1959), “Directives and Norms” (1968) e por aí vai. Destes, destaco o badalado “On Law and Justice”, que possuo em português, numa edição da Edipro, de 2000, com o título “Direito e Justiça”. Citarei o dito cujo aqui.

Antes de mais nada, é preciso destacar a oposição de Ross – e, de resto, dos demais realistas escandinavos – a uma “metafisica” do direito, no sentido de supervalorização de verdades a priori, sejam elas verdades jusnaturalistas ou positivistas. E a caracterização do fenômeno jurídico com fundamento no que é realmente decidido pelos operadores do direito, inclusive influenciados por fatores psicológicos que todos nós carregamos (e, aqui, enxerga-se uma grande aproximação com realistas americanos da segunda fase).

Retiro de “Direito e Justiça” algumas sacadas de Ross. Quanto ao jusnaturalismo, ele chega a tê-lo com uma “prostituta”, que está à disposição de qualquer um. Afinal, para ele, não existe ideologia “que não possa ser defendida por um apelo à lei da natureza”. Quanto ao positivismo, ele desdenha da crença de um infalível “poder do legislador para reformar a comunidade e o direito de acordo com a razão”. Para ele, “a regra jurídica não é verdadeira nem falsa; é uma diretriz”. E diz: “associativamente às grandes codificações, o legislador, na vã esperança de preservar sua obra, tem proibido, amiúde, a interpretação das normas e que a prática dos tribunais se desenvolva como fonte do direito. (...). Na Dinamarca, depois da aprovação do Código Dinamarquês, em 1683, proibiu-se que os advogados citassem precedentes perante a Corte Suprema. A medida foi rescindida em 1771. Essas proibições drásticas se provaram ineficazes (...)”. Para ele, atribuir valor sagrado à lei (e mesmo a um precedente vinculante), em condições sociais mutantes, seria grave formalismo e uma ofensa ao que se costumou chamar de “equidade material”.

Ross não é nenhum radical, que fique claro. Na verdade, é muito interessante – e salutar – a sua noção de direito e de justiça. Ele reconhece a necessidade de um ordenamento jurídico positivado, com racionalidade e objetividade, que, sem dúvida, dará estabilidade, previsibilidade e igualdade ao direito de determinado país. E afirma que a norma positivada deve ser o fundamento inicial da decisão judicial (até para termos alguma proteção contra as subjetividades do juiz do caso). Mas a norma positivada deve ser aplicada por uma subjetividade/juiz, sejamos “realistas”. E aí que está: como fazer isso corretamente, com equidade? Numa ciência jurídica em que muitos querem se ver livres das “amarras” da lei, Ross prega uma realista objetividade na sua aplicação: deve-se trabalhar com o típico, o normal, na aplicação diária da lei. Sem invencionices que levem a desvios de padrão. Há normas que apresentam ambiguidades de significado e alcance, permitindo/exigindo do juiz uma maior elasticidade de interpretação. Mas, mesmo nesses casos, o juiz deve prezar pela razoabilidade e experiência dos seus pares. A sua decisão será objetivamente justa quando estiver dentro do típico normal; do contrário, será perniciosamente injusta.

Gosto desse norte realista do direito e da justiça de Ross. Parece-me objetivo e operante.”

 

(Os destaques não são do original)

 

         Aqui não estou participando de uma disputa de hermenêutica, mas sim de uma apologia da exegese que deve ser dada à gênese inspiradora da criação da Assessoria Jurídica do Estado, rendendo homenagem à compreensão e altruísmo do saudoso deputado Nelson Queiroz (relator da Constituição) e do seu Secretário Geral, advogado e hoje procurador do Estado Herbát Spenser, que me acolheram na condição de então Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do RN e permitira a introdução da categoria na Lei Constitucional do Estado, há mais de duas décadas.

         Coragem meus amigos e amigas fiéis, membros da Assessoria Jurídica do Estado do Rio Grande do Norte – Deus é a Luz Maior do Caminho da Justiça, que mais cedo ou tarde SERÁ FEITA!

        

 

 

 

 

 

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(*) Advogado e Membro Honorário Vitalício da OAB/RN; Professor Emérito da UFRN; Membro das Academias: Norte-Riograndense de Letras; de Letras Jurídicas; Macaibense de Letras; Brasileira Rotária de Letras; de História e Cultura Militar; do IHGRN.


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