sexta-feira, 1 de março de 2024

ENCONTRO COM A POESIA: TRÊS JOIAS DO ROMANTISMO Horácio Paiva * Neste intervalo contemplativo, sob o domínio da emoção romântica, estampo três caros poemas, lidos e relidos no tempo que me coube: O INFINITO, do italiano Leopardi; TRISTEZA, do francês Musset; e ODE SOBRE UMA URNA GREGA, do inglês Keats. Os seus tradutores são, pela ordem: Vinicius de Moraes, Guilherme de Almeida e Augusto de Campos. No final, introduzo uma nota sobre o genial poeta romeno Eminesco, acompanhada de uma de suas poesias, um soneto traduzido por Nelson Vainer. Há uma segunda nota em que apresento a tradução d’O INFINITO feita por Ivo Barroso. Muito boa também. Mas dei preferência à de Vinicius por amá-la há muito tempo e sabê-la de cor. Vejamos então: GIACOMO LEOPARDI (1798-1837) O INFINITO Sempre cara me foi esta colina Erma, e esta sebe, que de tanta parte Do último horizonte o olhar exclui. Mas sentado a mirar, intermináveis Espaços além dela, e sobre-humanos Silêncios, e uma calma profundíssima Eu crio em pensamentos, onde por pouco Não treme o coração. E como o vento Ouço fremir entre essas folhas, eu O infinito silêncio àquela voz Vou comparando; e vem-me a eternidade E as mortas estações, e esta, presente E viva, e o seu ruído. Em meio a essa Imensidão meu pensamento imerge E é doce o naufragar-me nesse mar. ALFRED DE MUSSET (1810-1857) TRISTEZA Eu perdi minha vida, e o alento E os amigos, e a intrepidez, E até mesmo aquela altivez Que me fez crer no meu talento. Vi na Verdade, certa vez, A amiga do meu pensamento; Mas, ao senti-la, num momento O seu encanto se desfez. Entretanto, ela é eterna, e aqueles Que a desprezaram - pobres deles! - Ignoraram tudo talvez. Por ela Deus se manifesta. O único bem que ainda me resta É ter chorado uma ou outra vez. JOHN KEATS (1795-1821) ODE SOBRE UMA URNA GREGA I Inviolada noiva de quietude e paz, Filha do tempo lento e da muda harmonia, Silvestre historiadora que em silêncio dás Uma lição floral mais doce que a poesia: Que lenda flor-franjada envolve tua imagem De homens ou divindades, para sempre errantes, Na Arcádia a percorrer o vale extenso e ermo? Que deuses ou mortais? Que virgens vacilantes? Que louca fuga? Que perseguição sem termo? Que flautas ou tambores? Que êxtase selvagem? II A música seduz. Mas ainda é mais cara Se não se ouve. Dai-nos, flautas, vosso tom; Não para o ouvido. Dai-nos a canção mais rara, O supremo saber da música sem som: Jovem cantor, não há como parar a dança, A flor não murcha, a árvore não se desnuda; Amante afoito, e o teu beijo não alcança A amada meta, não sou eu quem te lamente: Se não chegas ao fim, ela também não muda, É sempre jovem e a amarás eternamente. III Ah! folhagem feliz que nunca perde a cor Das folhas e não teme a fuga da estação; Ah! feliz melodista, pródigo cantor Capaz de renovar para sempre a canção; Ah! amor feliz! Mais que feliz! Feliz amante! Para sempre a querer fruir, em pleno hausto, Para sempre a estuar de vida palpitante, Acima da paixão humana e sua lida Que deixa o coração desconsolado e exausto, A fronte incendiada e a língua ressequida. IV Quem são esses chegando para o sacrifício? Para que verde altar o sacerdote impele A rês a caminhar para o solene ofício, De grinaldas vestida a cetinosa pele? Que aldeia à beira-mar ou junto da nascente Ou no alto da colina foi despovoar Nesta manhã de sol a piedosa gente? Ah, pobre aldeia, só silêncio agora existe Em tuas ruas, e ninguém virá contar Por que razão estás abandonada e triste. V Ática forma! Altivo porte! em tua trama Homens de mármore e mulheres emolduras Com galhos de floresta e palmilhada grama: Tu, forma silenciosa, a mente nos torturas Tal como a eternidade: Fria Pastoral! Quando a idade apagar toda a atual grandeza, Tu ficarás, em meio às dores dos demais, Amiga, a redizer o dístico imortal: “A beleza é a verdade, a verdade a beleza” - É tudo o que há para saber, e nada mais. NOTAS: (1) Dentre tais expoentes europeus - e outros de igual magnitude - uma estrela brilha na Romênia e seu brilho aquece o ocidente, embora pouco notado entre nós: MIHAIL EMINESCO, aquele que disse o seu epitáfio nesses versos: “Tenho ainda um desejo: Na tarde silente Me permitais morrer Na beira do mar.” Conheço-o graças à ANTOLOGIA DA POESIA ROMENA, traduzida e organizada por Nelson Vainer, editada em 1966 (pela Editora Civilização Brasileira), e que tenho a subida honra de possuir desde então, como presente do hermano Hermano. Dele faz rasgados elogios Giuseppe Ungaretti: “Raramente se encontra na literatura dos últimos dois séculos uma figura de escritor e poeta mais complexa e mais completa que a de Mihail Eminesco.” “(...) poeta de sentimento torturado e ardente até à conquista do mais alto esplendor, que faz dele um dos maiores poetas do seu tempo e de todos os tempos, através da humanidade, Eminesco permanece para sempre um dos mestres da palavra poética profundamente inspirado.” Bernard Shaw, em carta dirigida à escritora Sylvia Pankhurst que, em 1930, publicara, em Londres - e pela primeira vez em inglês -, uma coletânea de poemas de Eminesco, situa o poeta entre os maiores poetas românticos do século XIX. O meu amigo e poeta, o norte-rio-grandense Jarbas Martins, que acolhe e coleciona sonetos, certamente gostará deste, romântico. Não é a obra-prima de Eminesco, geralmente assim considerado o seu poema LÚCIFER (Estrela da Manhã), um longo de 46 quadras, ou seja, 184 versos. Mas o soneto escolhido é belo e traz, bem talhada, a medida do romantismo: SONETO Quando a própria voz dos pensamentos se cala, e em mim ressoa um canto doce e piedoso então, te invoco; ouvirás o meu apelo? Das brumas frias em que nadas, irás libertar-te? Irão iluminar a noite profunda os teus olhos grandes, portadores de paz? Ressurges da sombra dos tempos idos, Para ver-te voltar - como em sonho, assim, viva! Desces devagar... perto, mais perto, aconchegas-te novamente sorrindo à minha face, oh, teu amor com um suspiro mostra-o, com tuas pestanas tocas as minhas pálpebras, que eu sinta a vibração do teu abraço perdida para sempre, eterna adorada. (2) E, novamente, O INFINITO de Leopardi, agora na tradução de Ivo Barroso: O INFINITO Sempre cara me foi esta colina Erma e esta sebe, que de extensa parte Dos confins do horizonte o olhar me oculta. Mas, se me sento a olhar, intermináveis Espaços para além, e sobre-humanos Silêncios e quietudes profundíssimas, Na mente vou sonhando, de tal forma Que quase o coração me aflige. E, ouvindo O vento sussurrar por entre as plantas, O silêncio infinito à sua voz Comparo: é quando me visita o eterno E as estações já mortas e a presente E viva com seus cantos. Assim, nessa Imensidão se afoga o pensamento: E doce é naufragar-me nesses mares. ................................................................................................................................ (*) Horácio de Paiva Oliveira - Poeta, escritor, advogado, membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN, da União Brasileira de Escritores do RN e presidente da Academia Macauense de Letras e Artes – AMLA.

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