quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Com as mãos cheias de poesia

Dr. Olímpio Maciel

“Sem a música, as flores e a poesia eu estaria perdida”. Ficou-me esta confissão da poetisa Ivonne Câmara, feita a uma repórter do Diário de Natal, há seis ou sete anos. De fato, música, flores e poesia têm tudo a ver com a poetisa ceará-mirinense, artista em estado de graça com a vida, de onde recolhe flores, canções e poemas com abundância.
A autenticidade da arte de Ivonne Câmara é tão evidente, tão óbvia, que rompe com a barreira entre as gerações e se identifica naturalmente com artistas das mais diversas escolas e tendências. Um Joca Costa, um Pedro Mendes, um Wigder, uma Rachel, todos se identificam de imediato com seu estilo. E as canções que ela compõe por artes e artifícios de um ouvido miraculoso que prescinde de instrumentos, são capazes de agradar ao exigente gosto musical de um crítico como Jorge Galvão.
Todos esses talentos de Yvonne Câmara parecem encontrar na poesia sua melhor expressão. É que sugere a leitura de seu livro “Mãos cheias de estrelas”, da Câmara3 Editora (Natal, 2000).
Dentre as virtudes que saltam à vista desse livro de recorte tão singular, apontaríamos um que nos chamou especialmente a atenção: a sinceridade poética, ou seja, a capacidade de transmitir a idéia que um poema encerra de forma a que cada palavra preencha uma função única e fundamental de coerência e sentido.
Esses traços ficam perfeitamente claros no poema “Constatação”, que transcrevemos a seguir, substituindo os espaços por barras. Diz o poema: “Sou terrivelmente sentimental,/ Choro por qualquer motivo,/ e às vezes mesmo sem razão de ser/ qualquer palavra amável/ me conquista/ um gesto de carinho/ me comove/ Qualquer passo em minha direção/ de apoio ou interesse por mim/ me emociona/ qualquer insinuação de ternura/ ou afeto/ Um sorriso de simpatia/ Um olhar de amor por mim/ me leva às lágrimas/ Mas, hoje, sinto-me/ miseravelmente triste/ ao constatar/ que nunca mais chorei!”.
O desfecho desse belo poema, que exprime toda a sensibilidade de que uma mulher é capaz de expressar em palavras, é ao mesmo tempo de uma cristalina sinceridade poética, o que vale dizer que ao fazê-lo, a poetisa realizou plenamente seu intento artístico.
Essa alquimia poética, essa carpintaria verbal que parece fruto de um feliz acaso é, na verdade, a síntese de uma progressão poética que chega à sua plenitude. O poema “Constatação” não é, porém, uma exceção entre os trabalhos que compõem “Mãos cheias de estrelas”. Senão, vejamos o poema “Objetivo”, poema que resume com simplicidade e precisão toda uma teoria sobre a arte de fazer versos:
“Em poesia/ o esforço maior/ é escolher as palavras/ arrumá-las/ colocá-las juntas/ umas das outras/ de tal maneira/ que não se agridam/ não se machuquem/ de tal modo/ que umas completem as outras/ e se afinem/ se harmonizem/ de tal jeito que de entre elas/ flua o pensamento,/ se manifeste/ dando-lhes vida e sentido/ e fazendo das mesmas/ veículos de suas mensagens/ de paz, amor e alegria/ de protestos e de contestações/ ou de súplicas e admoestações/ Quando não,/ apenas música e ritmo/ clima propício/ para o prazer de se criar/ algo com que realizar/ seja por alguns instantes,/ a desejada plenitude da alma”.
Poliglota, Ivonne Câmara reescreve alguns dos seus poemas em francês e italiano, o que dá um toque de requinte a uma poesia que já apresenta tantas qualidades na língua materna.
Por essas e outras tantas razões me surpreendo quando alguém, que sei que é um bom leitor de poesia, me confessa que ainda não leu os poemas de Ivonne Câmara.
Não posso negar que me entristeço por essas pessoas, porque sei o quanto elas estão deixando de desfrutar poeticamente. Mas esse é um “mal” facilmente sanável. Basta procurar o livro nas livrarias, bibliotecas públicas ou sebos. Em último caso, tomar emprestado a um amigo mais “atualizado” com a nossa poesia, a qual ainda se mostra capaz de produzir agradáveis surpresas, como o livro “Mãos cheias de estrelas”.
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Enviado por LÚCIA HELENA

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