DOIS LEÕES: da Rerum Novarum à Rerum
digitalium
Adilson
Gurgel
Pax
Domini sit semper vobiscum.
Eleito
em 8 de maio de 2025, o Papa PREVOST fez dessa a sua primeira saudação para o
mundo inteiro (urbi et orbi) relembrando o que nos disse o Cristo Ressuscitado
(Jo 20, 19-31): a paz esteja convosco!
Mas,
ele também nos mandou um recado ao escolher o nome de LEÃO XIV, mostrando sua
forte simpatia e homenagem ao seu precursor, o Papa LEÃO XIII. Isto porque não
só Sua Santidade, mas todos nós também, devemos muito das conquistas sociais de
hoje a partir do quanto dito pela Carta Encíclica Rerum Novarum – RN,
promulgada em 15 de maio de 1891, por aquele Santo Padre. Não resta dúvidas de
que ela deu efetivo início a DSI – Doutrina Social da Igreja e o novo Pontífice
sinaliza que vai segui-la.
Tanto
é que, logo dois dias depois (em 10 de maio), ao se reunir com os Cardeais que
o elegeram, o Sumo Pontífice lembrou que a encíclica leonina, naquele Século
XIX, já abordou:
a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial.
Hoje, a Igreja oferece a todos o seu patrimônio de doutrina social para
responder a uma nova revolução industrial e ao desenvolvimento da inteligência
artificial, que traz novos desafios para a defesa da dignidade humana, da
justiça e do trabalho.
Com estas
palavras e no mesmo encontro, o Papa PREVOST explicou a escolha de
"assumir o nome de Leão XIV". O caminho indicado é, portanto, o da
doutrina social, a ser percorrido mesmo nesta era dominada por desequilíbrios
econômicos e novos desafios.
Assim
é que o novo Pontífice já chamou a atenção para o fato de que a nossa Igreja,
tendo como inspiração da DSI, é agora convocada para responder a outra revolução industrial e ao
desenvolvimento da inteligência artificial. Esta a nova missão da Igreja
nesta era atual, dominada por múltiplos desequilíbrios econômicos e novos
desafios a serem enfrentados.
Ressalte-se que a Encíclica
leonina tem uma importância tão grande para o mundo como um todo e, em
especial, para os cristãos e para todas as pessoas de boa vontade, que ela foi
relembrada insistentemente por vários documentos papais, a respeito dos quais nos
afirmou o Papa SÃO JOÃO PAULO II:
Podemos assim dizer que o seu trajeto histórico foi
ritmado por outros escritos, que simultaneamente a
reevocavam e atualizavam.
(Carta Encíclica Centesimus Annus – CA,
1)
Numa
clara demonstração da grande repercussão da RN, vamos citar, em ordem
cronológica e dos vários Pontífices, os documentos promulgados sob sua
inspiração:
1.
1931 à o Papa PIO XI (Ambroglio Damianno Achille, Cardeal RATTI,
1857-1939) promulgou a Carta Encíclica Quadragésimo
Anno – sobre
a restauração e aperfeiçoamento da ordem social, em conformidade com a lei
evangélica – no 40º aniversário da Encíclica Rerum
Novarum.
2. 1941 à o Papa PIO XII (Eugenio Maria Giuseppe Giovanni, Cardeal PACCELLI,
1876-1958) levou ao mundo a sua mensagem
radiofônica no 50º
aniversário da Rerum Novarum, na Solenidade de Pentecostes de 1941 (01/06/1941) – sobre os direitos humanos e a justiça
social, em meio ao contexto da II Guerra Mundial.
3.
1961 à
o Papa SÃO JOÃO XXIII (Angelo Giuseppe, Cardeal RONCALI, 1881-1963) nos trouxe
a Carta Encíclica Mater et Magistra (Mãe e Mestra) – sobre a
recente evolução da questão social – no 70º aniversário da Rerum Novarum.
4.
1971 à
o Papa SÃO PAULO VI (Giovanni Battista Enrico Antonio Maria, Cardeal MONTINI, 1897-1978)
enviou-nos a Carta Apostólica Octagesima Adveniens, no 80º
aniversário da Rerum Novarum, em resposta às necessidades novas de um
mundo em transformação.
5.
1981 à
o Papa SÃO JOÃO PAULO II (Karol Josef, Cardeal WOJTYLA, 1920-2005) promulgou a Carta
Encíclica Laborem Exercens, sobre o trabalho humano, no 90º
aniversário da Rerum Novarum.
6.
1991 à
o Papa SÃO JOÃO PAULO II promulgou a Carta Encíclica Centesimus Anno
(Centésimo Ano) – No centenário da Rerum Novarum.
Pode-se
dizer que a RN: (1) não só chamou o Estado a sair da sua indiferença com
o que ocorria e a intervir na sociedade e na economia, em prol da classe
operária e de todos os cidadãos nacionais, como (2) influenciou decisivamente o
moderno Direito do Trabalho, cobrando uma jornada de trabalho que respeite as
condições físicas do trabalhador; (2.1) o repouso semanal (pelo Papa LEÃO XIII
chamado de “repouso festivo” – no item 26, da RN, – não só para o corpo
mas também para um repouso consagrado à religião); (2.2) um salário que
permita, no mínimo, a sobrevivência do trabalhador e sua família, bem como a
possibilidade de ter, ao menos, um pequeno patrimônio; além de (3) ressaltar o
papel dos sindicatos na defesa dos trabalhadores; (4) o direito de greve como
último recurso para solução de conflitos trabalhistas; (5) o direito à
propriedade privada, ao qual corresponde e se exalta o dever da dar uma
finalidade social aos bens possuídos.
Enfim, a RN
é tida como o documento que iniciou a DSI – Doutrina Social da Igreja. Ela
ataca as injustiças e desigualdades provocadas pela Revolução Industrial,
criticando também as soluções teóricas apontadas pelo socialismo e a luta de
classes. Essa encíclica leonina defende firmemente os direitos dos
trabalhadores, mostrando a dignidade do trabalho e da pessoa humana.
Vamos
então seguir adiante, pois agora...
VIVEMOS
NOVOS TEMPOS
Sim, temos hoje novos desafios a
enfrentar, muitíssimo diferentes daquele final do Século XIX – mais
precisamente, há 134 anos atrás (1891-2025). Por isto, repita-se, o Papa LEÃO
XIV, nos lembra que, para enfrentá-los, a Igreja oferece a todos o seu
patrimônio de doutrina social.
Mais: ele
pretende utilizar a DSI para responder a uma nova revolução industrial e ao
desenvolvimento da inteligência artificial, que traz novos desafios para a
defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho.
Nesta linha de pensamento e de
ação, podemos como que antever uma espécie de Rerum Digitalium. Sim, não
mais aquelas coisas novas da encíclica leonina mas, sob sua inspiração
enfrentar agora as coisas digitais.
Com isto, fazendo face aos desafios atuais da questão do trabalho e dos
direitos dos trabalhadores tendo em vista as grandes inovações trazidas pelas
novas tecnologias, não só nas relações trabalhistas, mas em toda sociedade.
Devemos
atentar para o fato de que: entre os riscos havidos com as novas tecnologias,
em especial à inteligência artificial (que parece querer substituir o ser
humano em tudo – menos nos sentimentos e emoções... ao menos por enquanto)
poderemos enfrentar novas formas de escravidão, bem como de exploração das
pessoas.
Por outro
lado, aparentemente essas novidades tecnológicas também podem trazer novas
oportunidades da era digital, particularmente às novas gerações, que já
nasceram sob o signo de tudo isso.
Como
salientamos acima, na encíclica RN, o fator particularizadamente das
riquezas é o uso correto ou não que se faz dos bens e das propriedades
particulares. Faz-se crer que tal constatação é válida também para o
enfrentamento do uso das tecnologias digitais. Estas já estão fazendo novas
riquezas (às vezes até quase instantâneas) e é preciso haver, entre os seres
humanos, uma maior...
FRATERNIDADE
Será que o caminho a seguir é o
da fraternidade?
O bom uso da função social da
propriedade implica em vivermos como que uma santa fraternidade, compreendendo
que os bens da natureza, bem como os da graça são patrimônio comum que o Pai
nos deu a todos que somos do gênero humano. Lembremos o que nos afirmou o
Apóstolo dos Gentios: nós somos herdeiros de Deus e coerdeiros com Jesus
Cristo (Rm 8,17).
Este é o ideal, contido no
Evangelho é igualmente defendido pelo Papa FRANCISCO na encíclica Fratelli Tutti
– FT, onde ele prega a fraternidade humana e a amizade social. Este dever
ser também o ideal a ser seguido pelo Papa LEÃO XIV, pois no referido encontro com
os Cardeais, em 10 de maio, ele enfatizou que o Evangelho deve nos impulsionar
a buscar "com alma sincera a verdade, a justiça, a paz e a fraternidade".
Essa pretendida fraternidade
implica na luta por...
MANTER CONQUISTAS ADVINDAS DA RN
1ª CONQUISTA: manter uma jornada
de trabalho que respeite a dignidade do ser humano, com jornadas compatíveis
com as forças do trabalhador, sem excesso de carga horária com excesso de
fadiga. Além da manutenção do que o Papa LEÃO XIII chamou de repouso festivo.
Faz-se crer que as novas tecnologias e a inteligência artificial podem até
proporcionar uma diminuição na carga horária laboral.
É sempre bom lembrar o que
afirmou o Arcebispo Santo AMBRÓSIO DE MILÃO, no Século IV (Compêndio da Doutrina Social da
Igreja, nº 265):
Cada trabalhador é a mão de Cristo
que continua a criar e a fazer o bem.
2ª CONQUISTA: pugnar para que o
trabalhador permaneça recebendo um salário suficiente para manter a si mesmo e
a sua família com algum conforto, com possibilidade de ele poder até poupar.
Acrescente-se a possibilidade de dar uma educação para economia, a fim de o
trabalhador não ser tragado e sem forças para enfrentar o consumismo
desenfreado.
3ª CONQUISTA: a luta pela
instauração de uma ordem social justa, como querida pela RN. Com os
“superpoderes” que as novas tecnologias digitais e a inteligência artificial
podem dar a qualquer pessoa e a qualquer governante, impõe-se que a Igreja, o
Santo Padre e – por que não? – todos nós, agora pessoas de boa vontade, mais
uma vez e de forma tão contundente quanto a encíclica leonina, possamos dar ao
mundo a orientação de caminhos retos e pacíficos a seguir.
Bebendo da fonte da Rerum
Novarum, observamos que o item 35, que a encerra diz respeito à proposta de
solução, apontando o caminho a seguir: o da caridade!
Vamos fazer a nossa parte, junto
com o Papa LEÃO XIV, lutando para que os Governos e nosso legisladores
trabalhem por um mundo melhor, sem olhar para o próprio umbigo, mas com um
olhar benigno para todos os seres humanos, promulgando boas leis e tomando
medidas sábias; pugnando para que as novas relações do trabalho sejam de
direitos e de deveres mútuos e respeitados.
E, como dizia magistralmente o
Papa LEÃO XIII: quanto a Igreja, ela nunca e de forma alguma deixará faltar
a sua obra.
Podemos então afirmar que o
caminho da caridade é também a estrada principal a ser seguida pela Igreja e
por todos, sob a batuta do Papa LEÃO XIV, neste terceiro milênio.
Como disse o jornalista Amedeo Lomonaco, do Vatican
News:
Na era digital, junto com as lógicas dos
algoritmos, o fator humano continua sendo imprescindível para permitir que a
família humana não transcure o sopro da solidariedade.
4ª CONQUISTA: esta é uma luta
permanente e que ainda não foi obtida: a caridade. Com efeito, o último tópico
da RN é o 35. O seu tema é “Solução definitiva: a caridade.” O Papa LEÃO
XIII nos admoesta literalmente:
Façamos tudo quanto estiver ao nosso alcance para
salvação dos povos, e, sobretudo, alimentem em si e acendam nos outros, nos grandes
e nos pequenos a caridade, senhora e rainha de todas as virtudes. Portanto, a
salvação desejada deve ser principalmente o fruto duma grande efusão de
caridade, queremos dizer, daquela caridade que compendia em si todo o
Evangelho, e que, sempre pronta a sacrificar-se pelo próximo, é o antídoto mais
seguro contra o orgulho e o egoísmo do século. Desta virtude, descreveu S.
Paulo as feições características com as seguintes palavras: «A caridade é
paciente, é benigna, não cuida do seu interesse; tudo sofre; a tudo se resigna» (1 Cor 13, 4-7)
A
tarefa é difícil! São PAULO já nos convocava há 2 milênios atrás. O Papa LEÃO
XIII fez sua convocação há mais de um século. Mas não podemos desistir da luta!
Muito menos o Papa LEÃO XIV, que é o farol a nos orientar os caminhos a seguir,
com a Igreja. Esta jamais há de faltar na sua missão de lutar por um mundo
melhor e mais cristão. Tarefa que também é nossa.
Sim. Esta é a forma que deve
ser: de nossa parte, como irmãos de todos que somos, devemos, ou melhor: devo tomar
a pulso a nossa/minha missão, a nossa/minha tarefa. E, finalmente, invocando
mais uma vez as lições da encíclica leonina, façamos isso sem demora para
que não suceda que, adiando o remédio, se torne incurável o mal, já em si tão
grave.
Lutemos com o Papa LEÃO XIV para
que (1) os governantes façam bom uso da proteção de todos, advinda de leis
justas e exequíveis; (2) os que possuem abundancia de bens e de fortuna,
façam bom uso da função social da propriedade;
(3) todos possam defender seus direitos pelas vias legítimas; (4) sejam
restaurados os costumes cristãos, como afirmou o Papa LEÃO XIII, pois sem os quais os meios mais eficazes sugeridos pela
prudência humana serão pouco aptos para produzir salutares resultados.
Não é o caso de pensar que isto
é utopia e eu ou você nada fazer. Afinal, é preciso crer que é possível e dar o
primeiro passo, com o qual iniciaremos o caminho para um mundo melhor: com as
luzes de LEÃO XIII a LEÃO XIV.
Agc
08/06/2025