quarta-feira, 18 de junho de 2025

 

A solenidade de “Corpus Christi”

Padre João Medeiros Filho

A festividade de “Corpus Christi” (Corpo de Cristo) é celebrada sessenta dias após o domingo da Páscoa. Foi instituída pelo Papa Urbano IV, por meio da Bula “Transiturus”, em 8 de setembro de 1264. Na época, o Sumo Pontífice tomou conhecimento de que a freira belga Juliana Mont de Cornillon, da diocese de Liège, tinha visões de Jesus, pedindo-lhe uma festa litúrgica anual em honra do Santíssimo Sacramento. Outro motivo influenciou a decisão de Sua Santidade. De acordo com relatos eclesiásticos, Padre Pedro de Praga tinha, em alguns momentos, dúvidas sobre a presença de Cristo na Hóstia Consagrada. Voltando de Roma para a Tchecoslováquia, o aludido sacerdote foi celebrar na cripta da igreja de Santa Cristina, em Bolsena (Itália). Ali, aconteceu algo miraculoso. Durante a elevação, começaram a cair gotas de sangue sobre o altar e o corporal. Este foi levado para a Catedral de Orvieto, onde é conservado até hoje.

A Eucaristia é a prova permanente da doação plena de Deus, ternura do Pai, abraço divino a nós reservado, que no silêncio do Pão da Vida mostra-nos seu amor e perdão. Eis o “Tão Sublime Sacramento”, segundo o poema de Santo Tomás de Aquino, continuidade da presença celestial temporalizada na Encarnação. Cristo quis se unir à humanidade. E esta passa a ter um valor transcendente. O ser humano torna-se sacrário de Cristo!  A fragilidade assumida pelo Verbo Encarnado é elevada no Sacramento Eucarístico. Os contemporâneos de Jesus, ao ouvirem do Mestre que haveriam de comer da sua carne e beber do seu sangue, consideraram duras demais as suas palavras (cf. Jo 6, 53-60). E, não querendo aceitá-las, foram se retirando. Cristo questiona, então, os apóstolos: “Não quereis também vós partir?” Pedro respondeu-Lhe: “A quem iremos, Senhor? Só Tu tens palavras de Vida Eterna.” (Jo 6, 67-68). A Encarnação é, sem dúvida, um gesto inefável do amor de Cristo. Mas, Ele quis ir além, culminando com a Eucaristia. Graças à fé, podemos sentir essa teofania de Jesus, concedida por Deus a seus filhos diletos.

O Pão Eucarístico perpetua também os ensinamentos do Divino Mestre. Primeiramente, dá-nos a lição de humildade e serviço. “Com efeito, o que entre vós for o menor, esse é o maior.” (Lc 9, 48). Na Hóstia Consagrada, o Filho de Deus faz-se pequeno para caber em nosso coração. Nesse mistério sacramental, o Senhor deixa-nos o legado da verdadeira fraternidade. Torna-se alimento igual para todos: pobres e ricos, santos e pecadores. Ele ajuda-nos a compreender o perdão. É difícil perdoar, pois ultrapassa o entendimento e a lógica humana. No Pão Sagrado, o Redentor ensina-nos a ser simples, humildes, desarmados e de braços estendidos. Deu-nos o exemplo, quando pendeu da Cruz, precedido pelo ato de sua generosidade na Última Ceia. No Altar, Jesus continua seus milagres de misericórdia e compaixão. Durante sua existência terrena, curou doentes e ressuscitou mortos. Hoje, pela Comunhão revitaliza os irmãos amortecidos pela dor, angústia, ausência de Deus e tibieza na fé. 

Quem sente falta do Divino, vai buscá-Lo na grandeza dessa presença silenciosa. Ele deixa que sua Palavra repercuta no íntimo de quem se achega para mitigar todo tipo de fome e sede. “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14, 18), largados à própria sorte, prometeu o Senhor. Na Eucaristia contamos com a companhia divina, antecipação da eternidade, onde gozaremos o definitivo de nossa história. A Eucaristia é Deus em Cristo, amainando em nós as saudades do Infinito. Cristo é nossa fortaleza e nos ajuda a caminhar. Quanto mais O temos presente, mais O buscamos, pois Ele é Mistério, ou seja, o Indizível, Inesgotável. Vivemos a preparação e o aprendizado do nosso encontro definitivo com Ele. Ao participarmos da Santa Comunhão, já não ficaremos sozinhos, Jesus estará conosco. “Já não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim.” (Gl 2, 20). Cônego Luiz Gonzaga Monte, um sábio e santo que morou entre nós, assim expressou seu sentimento místico e teológico: “Sem a Eucaristia somos pequenos demais para o Céu, com ela demasiadamente grandes para a terra.”

segunda-feira, 16 de junho de 2025

 

PARA SEMPRE LEMBRAR O MAESTRO DO SERTÃO

TONHECA DANTAS, na realidade, Antônio Pedro Dantas Tonheca, nascido no dia 13 de junho de 1871 no sítio Carnaúba de Baixo (Carnaúba dos Dantas-RN), cidade demarcada pelos Portugueses em 11 de abril de 1613, 5º filho do segundo matrimônio do viúvo Tenente-Coronel da Guarda Nacional João José Dantas, com a escrava alforriada Vicência Maria do Espírito Santo, celebrado em 1º de fevereiro de 1871, de um total de oito: Pedro Carlos de Maria, José Venâncio de Maria, João Pedro Dantas, Manoel Nicolau Dantas, Antônio Pedro Dantas, Francisca Urçulina da Conceição, Maria Clara do Monte-Falco e Luís Felipe Dantas.   (Pery, em seu discurso de posse em 27 de abril de 2000, informa que o nascimento teria ocorrido exatamente em 12 de junho de 1870).

A cidade foi fincada no coração do Seridó, no semi-árido subtropical, região de caatinga onde habitaram os indígenas das tribos Janduís, Canindés e Pegas. Apesar da paisagem sofrida da geografia sertaneja, cercania do riacho de Carnaúbas, as crianças sobreviviam livres, com pouca coisa a fazer, sobrando tempo para despertar a atenção para a música. Tonheca foi atraído pelos seus irmãos mais velhos, participando da banda da sua cidade, sob o comando de José Venâncio de Maria, costume que vem sendo conservado ao longo do tempo.

Prosperou em seus estudos, tornando-se destacado entre os executantes das partituras, enveredando na criação das suas próprias obras, inspiradas nas emoções da natureza e do relacionamento humano que nunca faltaram nos rincões da vida campesina. Mesmo sem formação superior no estudo da música, pela sua perseverança, torna-se um autodidata da pauta, despertando a atenção dos conterrâneos e adquirindo uma fama no nordeste, transcendendo para o resto do país.

Falar de sua vida é tarefa difícil depois que o escritor Cláudio Galvão escreveu “A desfolhar Saudades”, pois esgotou a sua biografia. Resta-me, então, desenhar alguns fatos marcantes de uma vida de sacrifício e sucessos.

Deixou o seu torrão natal e a paisagem das plantas arbustivas, dos cardeiros e das copas verdes dos juazeiros divididas com as silhuetas íngrimes de pedregosas serras e serretes nos idos de 1898 e veio para a Capital em busca de emprego.

Com o beneplácito político procura engajamento na Banda de Música do Batalhão de Segurança. Ao mesmo tempo outro protegido político, João Mamede, oriundo de Acari, já tradicional no campo da música, procurava a mesma oportunidade, forçando a realização de um concurso. Aqui vem o primeiro fato singular: o concorrente é chamado a executar uma peça e escolhe o trombone. Na vez de Tonheca lhe é entregue partitura diferente e indagado qual o instrumento será executado a peça, tendo o mesmo respondido que era indiferente, causando espanto. Após os ajustes das palhetas inicia a sua prova através dos instrumentos ao seu dispor: sax-tenor, trompete, flauta e outros. Quando pegou o bombardino, a Comissão mandou parar. Em 30 de maio de 1898 foi contratado.

O contrato seria de três anos, mas antes de completar um ano deixou o posto e no raiar do novo século resolveu ir para o Rio de Janeiro. Viajou até o porto de Cabedelo-Paraíba, procurar transporte para o sul. Contudo, ao ver dois navios com destinos diferentes – sul e norte - mudou de rumo e foi para o norte, precisamente Belém, Estado do Pará.

Ainda sem definição de vida, certo dia ao passar por uma rua da cidade assistiu momentos de uma festa, onde tocava a Banda de Música da Polícia Militar, o que o atraiu. Ali, num intervalo em que os músicos foram fazer um lanche, acercou-se dos instrumentos e não resistiu em arriscar alguns acordes. Logo retornam os músicos e ele se afasta, sem saber que o Mestre da Banda havia observado a sua atitude e que o chamou à sua presença. Encabulado, confessa que usou o clarinete. Na mesma ocasião um jovem da casa da festa o convida para comparecer ao seu escritório no dia seguinte para uma conversa sobre trabalho e lhe adianta uma nota de 100 mil réis. O encontro era com o Doutor Sílvio Chermont que lhe encomendou uma valsa para presentear a sua noiva no dia do aniversário.

Após algum tempo concluiu a peça e a entregou para o Mestre da Banda de Música da Polícia Militar que a aprovou. No dia da festa (1903), o dono da casa pede que Tonheca seja o regente, na condição de autor da música e ele o faz com raro brilho. [Tonheca manteve com ele uma cópia, mesmo sem divulgá-la. Essa música foi o embrião de Royal Cinema, que surgiria para o público de Natal, dez anos depois].

Por sugestão de um conterrâneo que encontrou em Belém foi tentar ingresso na Banda de Música do Corpo e Bombeiros de Belém. Aqui o segundo episódio singular: Submeteu-se a novo concurso e no dia da prova todos pararam para ouvir a sua execução. O Mestre entregou-lhe uma página de música – um dobrado espanhol, tocado em solo de clarinete e na regência, o Mestre procurou dar comandos complexos para ver a habilidade do potiguar e Tonheca não teve problemas. O Mestre interrompeu a prova e o examinado pensou no pior. Engano, o Mestre declarou – você está aprovado e todos o cumprimentaram, pois sabiam das dificuldades que foram colocadas e a sua superação. Ficou agregado de 15 de junho de 1903 até 18 de março de 1909, quando foi excluído pelo término do tempo e retorna ao nordeste. Já então começava a ter problemas familiares.

Em 25/8/1910 pleiteou reingresso na Banda do Batalhão de Segurança de Natal e conseguiu contrato por três anos como músico de 1ª classe, mas foi excluído em 22/10, passando apenas 90 dias.

Diante disso procura serviço no Estado da Paraíba (Alagoa Grande) para as tarefas de ensino de música e tocar em festas, passando a viver de forma instável, com idas e vindas a Natal, com passagem por João Pessoa e Alagoa Nova.

Retornou a Natal em 1911 porquanto a cidade havia progredido mercê da grande administração do Governador Alberto Maranhão já dotada de bonde elétrico e energia, abertura de novas ruas, além de haver incentivado o teatro e a música. Nesse ínterim viveu novos momentos familiares difíceis, sempre contornados com dificuldade.

Foi nessa época que entramos na era do cinema mudo, inaugurando-se o Internacional para o qual passou a tocar permanentemente (1911), em seguida o Polytheama de João Gurgel e José Petronilo de Paiva.

Em 1912 fez breve retorno a Belém para resolver problemas familiares, logo regressando a Natal onde ocupou lugar de professor de música da Escola Normal em 1913. Neste mesmo ano novos cinemas são inaugurados, o Pathé e em seguida o Royal Cinema, oportunidade em que o proprietário José Petronilo encomendou uma música para servir de prefixo daquela Casa de exibição de filmes. Tonheca tirou da gaveta onde guardava suas composições exatamente aquela feita em Belém em 1903, pediu a uma aluna Maria Aparecida de Carvalho (depois Ferreira) para experimentar a versão para piano, entregando-a, posteriormente, ao proprietário do cinema e encaminhando-a à publicação, em junho de 1914, pela Casa Bevilacqua do Rio de Janeiro, juntamente com outra composição denominada Boas Festas. Conta-se, então o centenário da valsa Royal Cinema a partir da sua execução pública em 1913.

A esse tempo a música cresceu na apreciação da população e foram realizadas retretas nos coretos das Praças Augusto Severo e André de Albuquerque.

No ano de 1915 foi convidado para dirigir a Filarmônica de Santana do Matos, do Cel. Carvalho. Contudo, novos problemas familiares desestabilizam a sua vida. Mesmo assim, conseguiu emprego mais seguro quando foi criada a Guarda da Mesa de Rendas, de onde se tornou funcionário a partir de 1917, dividindo seu tempo com a Filarmônica, época em que muito produziu no campo da composição de peças musicais, principalmente com as comemorações do centenário da independência (1922). Em 1926 foi transferido para Açu provocando a sua procura, mais uma vez, pelo Estado da Paraíba, onde volta a Alagoa Grande e torna-se maestro da Banda do Batalhão de Segurança da Polícia Militar de João Pessoa, pelo período de 1927 a 1931.

Numa passagem pelo Estado de Pernambuco acontece o terceiro caso singular: Tonheca passava por determinado local e ali uma banda tocava a sua peça Royal Cinema, mas de forma deturpada. Intervém e toma a regência da banda dando a indicação exata da execução sob as indagações dos músicos que o interpelam. Ele então esclarece – sou o autor da música e estou ensinando como realmente ele deve ser tocada.

Retorna a Natal e logo procura os seus velhos amigos de caserna. Mesmo sem ter mais a idade para a vida militar na corporação, pois dificilmente passaria no exame médico, foi aconselhado pelos amigos que fizesse um agrado ao Comandante Sandoval Cavalcanti, o presenteando com uma música em homenagem à sua esposa, D. Lydia Cavalcanti. Aqui o registro do quarto episódio marcante: Cumpre a tarefa e seus amigos da Banda de Música ensaiam as partituras. O Comandante ao ingressar em seu gabinete encontrou o presente e pediu a opinião do Mestre da Banda que fez uma apresentação, com a presença do compositor. O resultado foi plenamente satisfatório e muito elogiado. O Comandante então lhe pergunta onde ele estava trabalhando e a resposta foi que estava desempregado. Pois deixou de estar! Retornou aos quadros da Polícia Militar, embora sendo liberado de coisas de maior esforço, nela permanecendo até o final de sua existência. Adoece em 1939 e ficou sob os cuidados do Dr. Feijó de Melo e aos 69 anos falece, no final da tarde do dia 7 de fevereiro de 1940 (uma quarta-feira de cinzas), sendo o seu velório e sepultamento custeados pela Polícia Militar e sendo registrado em boletim o seu desligamento no dia 8, em razão do óbito, passando para a história como o Maestro dos Sertões.

Nunca deixou de ser reverenciado, tendo o seu nome colocado em rua desta Capital e criada uma sala especial no Teatro Alberto Maranhão, além de tornar-se Patrono da Cadeira 33 da Academia Maior do Estado a partir da reforma estatutária de abril de 1967, sendo escolhido para ocupá-la o também maestro Oswaldo de Souza, que tomou posse no dia 22/8/1968, com a presença da Banda de Música da Polícia Militar, fato que hoje se repete. Seu acervo foi resguardado pelos seus filhos Antônia Dantas da Silva e Antônio Pedro Dantas Filho.

Sua obra autoral é vasta, calculada pelos seus biógrafos como superior a 1000 peças musicais até hoje executadas pelas bandas filarmônicas do Brasil e de além mar, com destaque especial para a Valsa Royal Cinema, que ressoou pelas ondas da Rádio BBC de Londres, durante a Segunda Guerra Mundial, até certo tempo executada como sendo de “autor desconhecido”.

Ressalte-se o ecletismo dos gêneros de suas composições, contabilizando-se valsas, dobrados, hinos, polcas, maxixes, mazurcas, sambas, choros, xotes e marchas, mas igualmente transitou por outros gêneros musicais orquestrados. Muitas das suas composições levam nomes de pessoas, aves, sentimentos, lugares e de festas tradicionais.

Destacam-se, pela excelência das composições, além de Royal Cinema, outras obras: O Cisne, Valsa Delírio, Melodia do Bosque, Valsa A Desfolhar Saudades, a marcha solene Republicana, o dobrado Tenente José Paulino, as valsas Ana Dantas e Boas Festas, que ganharam notoriedade.

A par disso, o Rio Grande do Norte vem prestando-lhe homenagens e, mais recentemente, criando em sua memória um Projeto nos 100 anos da Valsa Royal Cinema (2013), através da gravação de dois CD´s pela Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte, sendo um com treze músicas e o outro com documentos, fotografias e partituras e um e-book “A Desfolhar Saudades” – uma biografia, tudo partido da iniciativa louvável do escritor Cláudio Galvão, aqui já invocado, a quem rendo as minhas homenagens.

Não pretendo cansar os presentes, pois sobre esse sertanejo genial, além de Cláudio Galvão, outros escritores se debruçaram na bela e sofrida história, como é o caso da escritora Leide Câmara, membro desta Casa, que em seu Dicionário da Música do Rio Grande do Norte pontifica a trajetória do brilhante músico e dá conta da sua habilidade nos domínios de vários instrumentos de sopro e de corda, bem assim nomina as suas mais consagradas composições, indicando datas, além da discografia até o início deste milênio.

 

Do mesmo modo figura como verbete no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira ressaltando Antônio Pedro Dantas na condição de compositor, flautista. Trompetista, saxofonista, violonista, clarinetista. Aprendeu elementos básicos de teoria musical com o irmão José Venâncio e com seu primo Felinto Lúcio Dantas. 

É Patrono da cadeira 33 da ANRL, cujos ocupantes foram Oswaldo de Souza, Hypérides Lamartine (Pery) e atualmente Carlos Roberto de Miranda Gomes 

 

sexta-feira, 13 de junho de 2025

 

DOIS LEÕES: da Rerum Novarum à Rerum digitalium

Adilson Gurgel

 

Pax Domini sit semper vobiscum.

Eleito em 8 de maio de 2025, o Papa PREVOST fez dessa a sua primeira saudação para o mundo inteiro (urbi et orbi) relembrando o que nos disse o Cristo Ressuscitado (Jo 20, 19-31): a paz esteja convosco!

Mas, ele também nos mandou um recado ao escolher o nome de LEÃO XIV, mostrando sua forte simpatia e homenagem ao seu precursor, o Papa LEÃO XIII. Isto porque não só Sua Santidade, mas todos nós também, devemos muito das conquistas sociais de hoje a partir do quanto dito pela Carta Encíclica Rerum Novarum – RN, promulgada em 15 de maio de 1891, por aquele Santo Padre. Não resta dúvidas de que ela deu efetivo início a DSI – Doutrina Social da Igreja e o novo Pontífice sinaliza que vai segui-la.

Tanto é que, logo dois dias depois (em 10 de maio), ao se reunir com os Cardeais que o elegeram, o Sumo Pontífice lembrou que a encíclica leonina, naquele Século XIX, já abordou:

a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial. Hoje, a Igreja oferece a todos o seu patrimônio de doutrina social para responder a uma nova revolução industrial e ao desenvolvimento da inteligência artificial, que traz novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho.

Com estas palavras e no mesmo encontro, o Papa PREVOST explicou a escolha de "assumir o nome de Leão XIV". O caminho indicado é, portanto, o da doutrina social, a ser percorrido mesmo nesta era dominada por desequilíbrios econômicos e novos desafios.

Assim é que o novo Pontífice já chamou a atenção para o fato de que a nossa Igreja, tendo como inspiração da DSI, é agora convocada para responder  a outra revolução industrial e ao desenvolvimento da inteligência artificial. Esta a nova missão da Igreja nesta era atual, dominada por múltiplos desequilíbrios econômicos e novos desafios a serem enfrentados.

Ressalte-se que a Encíclica leonina tem uma importância tão grande para o mundo como um todo e, em especial, para os cristãos e para todas as pessoas de boa vontade, que ela foi relembrada insistentemente por vários documentos papais, a respeito dos quais nos afirmou o Papa SÃO JOÃO PAULO II:

Podemos assim dizer que o seu trajeto histórico foi ritmado por outros escritos, que simultaneamente a reevocavam e atualizavam. (Carta Encíclica Centesimus Annus – CA, 1)

Numa clara demonstração da grande repercussão da RN, vamos citar, em ordem cronológica e dos vários Pontífices, os documentos promulgados sob sua inspiração:

1.      1931 à o Papa PIO XI (Ambroglio Damianno  Achille, Cardeal RATTI, 1857-1939) promulgou a Carta Encíclica Quadragésimo Annosobre a restauração e aperfeiçoamento da ordem social, em conformidade com a lei evangélica – no 40º aniversário da Encíclica Rerum Novarum.

2.      1941 à o Papa PIO XII (Eugenio Maria Giuseppe Giovanni, Cardeal PACCELLI, 1876-1958) levou ao mundo a sua mensagem radiofônica no 50º aniversário da Rerum Novarum, na Solenidade de Pentecostes de 1941 (01/06/1941) – sobre os direitos humanos e a justiça social, em meio ao contexto da II Guerra Mundial.

3.      1961 à o Papa SÃO JOÃO XXIII (Angelo Giuseppe, Cardeal RONCALI, 1881-1963) nos trouxe a Carta Encíclica Mater et Magistra (Mãe e Mestra) – sobre a recente evolução da questão social – no 70º aniversário da Rerum Novarum.

4.      1971 à o Papa SÃO PAULO VI (Giovanni Battista Enrico Antonio Maria, Cardeal MONTINI, 1897-1978) enviou-nos a Carta Apostólica Octagesima Adveniens, no 80º aniversário da Rerum Novarum, em resposta às necessidades novas de um mundo em transformação.

5.       1981 à o Papa SÃO JOÃO PAULO II (Karol Josef, Cardeal WOJTYLA, 1920-2005) promulgou a Carta Encíclica Laborem Exercens, sobre o trabalho humano, no 90º aniversário da Rerum Novarum.

6.      1991 à o Papa SÃO JOÃO PAULO II promulgou a Carta Encíclica Centesimus Anno (Centésimo Ano) – No centenário da Rerum Novarum.

Pode-se dizer que a RN: (1) não só chamou o Estado a sair da sua indiferença com o que ocorria e a intervir na sociedade e na economia, em prol da classe operária e de todos os cidadãos nacionais, como (2) influenciou decisivamente o moderno Direito do Trabalho, cobrando uma jornada de trabalho que respeite as condições físicas do trabalhador; (2.1) o repouso semanal (pelo Papa LEÃO XIII chamado de “repouso festivo” – no item 26, da RN, – não só para o corpo mas também para um repouso consagrado à religião); (2.2) um salário que permita, no mínimo, a sobrevivência do trabalhador e sua família, bem como a possibilidade de ter, ao menos, um pequeno patrimônio; além de (3) ressaltar o papel dos sindicatos na defesa dos trabalhadores; (4) o direito de greve como último recurso para solução de conflitos trabalhistas; (5) o direito à propriedade privada, ao qual corresponde e se exalta o dever da dar uma finalidade social aos bens possuídos.

Enfim, a RN é tida como o documento que iniciou a DSI – Doutrina Social da Igreja. Ela ataca as injustiças e desigualdades provocadas pela Revolução Industrial, criticando também as soluções teóricas apontadas pelo socialismo e a luta de classes. Essa encíclica leonina defende firmemente os direitos dos trabalhadores, mostrando a dignidade do trabalho e da pessoa humana.

Vamos então seguir adiante, pois agora...

VIVEMOS NOVOS TEMPOS

Sim, temos hoje novos desafios a enfrentar, muitíssimo diferentes daquele final do Século XIX – mais precisamente, há 134 anos atrás (1891-2025). Por isto, repita-se, o Papa LEÃO XIV, nos lembra que, para enfrentá-los, a Igreja oferece a todos o seu patrimônio de doutrina social.

Mais: ele pretende utilizar a DSI para responder a uma nova revolução industrial e ao desenvolvimento da inteligência artificial, que traz novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho.

Nesta linha de pensamento e de ação, podemos como que antever uma espécie de Rerum Digitalium. Sim, não mais aquelas coisas novas da encíclica leonina mas, sob sua inspiração enfrentar agora as  coisas digitais. Com isto, fazendo face aos desafios atuais da questão do trabalho e dos direitos dos trabalhadores tendo em vista as grandes inovações trazidas pelas novas tecnologias, não só nas relações trabalhistas, mas em toda sociedade.

Devemos atentar para o fato de que: entre os riscos havidos com as novas tecnologias, em especial à inteligência artificial (que parece querer substituir o ser humano em tudo – menos nos sentimentos e emoções... ao menos por enquanto) poderemos enfrentar novas formas de escravidão, bem como de exploração das pessoas.

Por outro lado, aparentemente essas novidades tecnológicas também podem trazer novas oportunidades da era digital, particularmente às novas gerações, que já nasceram sob o signo de tudo isso.

Como salientamos acima, na encíclica RN, o fator particularizadamente das riquezas é o uso correto ou não que se faz dos bens e das propriedades particulares. Faz-se crer que tal constatação é válida também para o enfrentamento do uso das tecnologias digitais. Estas já estão fazendo novas riquezas (às vezes até quase instantâneas) e é preciso haver, entre os seres humanos, uma maior...

FRATERNIDADE

Será que o caminho a seguir é o da fraternidade?

O bom uso da função social da propriedade implica em vivermos como que uma santa fraternidade, compreendendo que os bens da natureza, bem como os da graça são patrimônio comum que o Pai nos deu a todos que somos do gênero humano. Lembremos o que nos afirmou o Apóstolo dos Gentios: nós somos herdeiros de Deus e coerdeiros com Jesus Cristo (Rm 8,17).

Este é o ideal, contido no Evangelho é igualmente defendido pelo Papa FRANCISCO na encíclica Fratelli Tutti – FT, onde ele prega a fraternidade humana e a amizade social. Este dever ser também o ideal a ser seguido pelo Papa LEÃO XIV, pois no referido encontro com os Cardeais, em 10 de maio, ele enfatizou que o Evangelho deve nos impulsionar a buscar "com alma sincera a verdade, a justiça, a paz e a fraternidade".

Essa pretendida fraternidade implica na luta por...

MANTER CONQUISTAS ADVINDAS DA RN

1ª CONQUISTA: manter uma jornada de trabalho que respeite a dignidade do ser humano, com jornadas compatíveis com as forças do trabalhador, sem excesso de carga horária com excesso de fadiga. Além da manutenção do que o Papa LEÃO XIII chamou de repouso festivo. Faz-se crer que as novas tecnologias e a inteligência artificial podem até proporcionar uma diminuição na carga horária laboral.

É sempre bom lembrar o que afirmou o Arcebispo Santo AMBRÓSIO DE MILÃO, no Século IV (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nº 265):

Cada trabalhador é a mão de Cristo que continua a criar e a fazer o bem.

2ª CONQUISTA: pugnar para que o trabalhador permaneça recebendo um salário suficiente para manter a si mesmo e a sua família com algum conforto, com possibilidade de ele poder até poupar. Acrescente-se a possibilidade de dar uma educação para economia, a fim de o trabalhador não ser tragado e sem forças para enfrentar o consumismo desenfreado.

3ª CONQUISTA: a luta pela instauração de uma ordem social justa, como querida pela RN. Com os “superpoderes” que as novas tecnologias digitais e a inteligência artificial podem dar a qualquer pessoa e a qualquer governante, impõe-se que a Igreja, o Santo Padre e – por que não? – todos nós, agora pessoas de boa vontade, mais uma vez e de forma tão contundente quanto a encíclica leonina, possamos dar ao mundo a orientação de caminhos retos e pacíficos a seguir.

Bebendo da fonte da Rerum Novarum, observamos que o item 35, que a encerra diz respeito à proposta de solução, apontando o caminho a seguir: o da caridade!

Vamos fazer a nossa parte, junto com o Papa LEÃO XIV, lutando para que os Governos e nosso legisladores trabalhem por um mundo melhor, sem olhar para o próprio umbigo, mas com um olhar benigno para todos os seres humanos, promulgando boas leis e tomando medidas sábias; pugnando para que as novas relações do trabalho sejam de direitos e de deveres mútuos e respeitados.

E, como dizia magistralmente o Papa LEÃO XIII: quanto a Igreja, ela nunca e de forma alguma deixará faltar a sua obra.

Podemos então afirmar que o caminho da caridade é também a estrada principal a ser seguida pela Igreja e por todos, sob a batuta do Papa LEÃO XIV, neste terceiro milênio.

Como disse o jornalista Amedeo Lomonaco, do Vatican News:

Na era digital, junto com as lógicas dos algoritmos, o fator humano continua sendo imprescindível para permitir que a família humana não transcure o sopro da solidariedade.

4ª CONQUISTA: esta é uma luta permanente e que ainda não foi obtida: a caridade. Com efeito, o último tópico da RN é o 35. O seu tema é “Solução definitiva: a caridade.” O Papa LEÃO XIII nos admoesta literalmente:

Façamos tudo quanto estiver ao nosso alcance para salvação dos povos, e, sobretudo, alimentem em si e acendam nos outros, nos grandes e nos pequenos a caridade, senhora e rainha de todas as virtudes. Portanto, a salvação desejada deve ser principalmente o fruto duma grande efusão de caridade, queremos dizer, daquela caridade que compendia em si todo o Evangelho, e que, sempre pronta a sacrificar-se pelo próximo, é o antídoto mais seguro contra o orgulho e o egoísmo do século. Desta virtude, descreveu S. Paulo as feições características com as seguintes palavras: «A caridade é paciente, é benigna, não cuida do seu interesse; tudo sofre; a tudo se resigna» (1 Cor 13, 4-7)

A tarefa é difícil! São PAULO já nos convocava há 2 milênios atrás. O Papa LEÃO XIII fez sua convocação há mais de um século. Mas não podemos desistir da luta! Muito menos o Papa LEÃO XIV, que é o farol a nos orientar os caminhos a seguir, com a Igreja. Esta jamais há de faltar na sua missão de lutar por um mundo melhor e mais cristão. Tarefa que também é nossa.

Sim. Esta é a forma que deve ser: de nossa parte, como irmãos de todos que somos, devemos, ou melhor: devo tomar a pulso a nossa/minha missão, a nossa/minha tarefa. E, finalmente, invocando mais uma vez as lições da encíclica leonina, façamos isso sem demora para que não suceda que, adiando o remédio, se torne incurável o mal, já em si tão grave.

Lutemos com o Papa LEÃO XIV para que (1) os governantes façam bom uso da proteção de todos, advinda de leis justas e exequíveis; (2) os que possuem abundancia de bens e de fortuna, façam  bom uso da função social da propriedade; (3) todos possam defender seus direitos pelas vias legítimas; (4) sejam restaurados os costumes cristãos, como afirmou o Papa LEÃO XIII, pois sem os quais os meios mais eficazes sugeridos pela prudência humana serão pouco aptos para produzir salutares resultados.

Não é o caso de pensar que isto é utopia e eu ou você nada fazer. Afinal, é preciso crer que é possível e dar o primeiro passo, com o qual iniciaremos o caminho para um mundo melhor: com as luzes de LEÃO XIII a LEÃO XIV.

 

 

Agc

08/06/2025

 

 

Dia de Santo Antônio

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes 

Imagem digital fictícia de personagem de desenho animado

Descrição gerada automaticamente com confiança médiaquadro do autor deste artigo.

        O Dia de Santo Antônio é comemorado anualmente em 13 de junho, data do seu falecimento em 1231.

    Santo Antônio ou Fernando Antônio de Bulhões, seu nome de nascença em Lisboa, Portugal, no dia 15 de agosto do ano de 1195.

Descendente de família nobre e rica, era filho único de Martinho de Bulhões, oficial do exército de Dom Afonso e de Tereza Taveira.


Sua vida religiosa começou aos 19 anos, quando entrou para o Mosteiro de São Vicente dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, contra a vontade de seu pai. Morou lá por 2 anos. Com uma grande biblioteca em mãos, daí a sua grande cultura.

Quando de viagem para o Marrocos para pregar o evangelho, no meio do caminho fica muito doente e é forçado a voltar para Portugal. Na viagem de volta, o barco é desviado e vai para Itália, terminando por parar na Sicília, em um grande encontro de mais de 5 mil frades franciscanos chamado Capítulo das Esteiras. Lá, Antônio conhece pessoalmente São Francisco de Assis. A mão de Deus o tinha guiado por caminhos diferentes.

Pelo seu valor, chamou a atenção de São Francisco, que o nomeou como o primeiro leitor de Teologia da Ordem.


A ele são atribuídos inúmeros milagres. Após a morte de São Francisco, ele foi enviado a Roma para apresentar ao Papa a Regra da Ordem de São Francisco.


Os seus feitos religiosos permitiram ser chamado como Protetor das coisas perdidas, protetor dos casamentos e Protetor dos pobres.


Santo Antônio morreu em Pádua, na Itália, em 13 de junho de 1231, com 36 anos. Pelo que ficou conhecido, também, como Santo Antônio de Pádua. 


Pelo fato de haver nascido em Lisboa, igualmente, é chamado de Santo Antônio de Lisboa.

O Dia de Santo Antônio faz parte das celebrações da Festa Junina, assim como o Dia de São João e Dia de São Pedro.

Sua canonização foi realizada pelo Papa Gregório IX, na Catedral de Espoleto, em 30 de maio de 1232, sendo o processo mais rápido da história da Igreja.

Em 1934 foi declarado Padroeiro de Portugal.

Em 1946 foi proclamado Doutor da Igreja pelo Papa Pio XII.