terça-feira, 10 de janeiro de 2023

 

O Papa Francisco renunciará?

Padre João Medeiros Filho

Sempre acessível à imprensa, Francisco concede entrevistas a jornalistas de diversos países. Costuma recebê-los na Casa Santa Marta, onde mora. Seu bom humor contribui para a conversa fluir descontraidamente. Avesso a certos protocolos, sequer exige perguntas enviadas com antecedência pelos entrevistadores, como sói acontecer com muitos dignitários. Por isso, vários comunicadores sentem-se à vontade para tratar de assuntos delicados. Num desses encontros foi questionado sobre sua possível renúncia. A entrevista era concedida a um canal lisboeta de TV. Ao ser indagado, se iria a Portugal em 2023 para conduzir a Jornada Mundial da Juventude, respondeu em tom bem-humorado: “O Papa irá. Ou eu ou João XXIV.” A partir de então, sobretudo após a morte de Bento XVI, aumentaram as especulações sobre sua abdicação ao trono de São Pedro.

Poderá parecer mais um gracejo do atual Pontífice. No entanto, a resposta contém algo mais profundo. Francisco nunca escondeu sua admiração por João XXIII, a quem canonizou por “equipollenza” (equivalência). Tal procedimento canônico dispensa o candidato aos altares da realização de milagres para sua beatificação e canonização. A legislação eclesiástica prevê tal isenção, quando houver: “a) prova da constância, antiguidade e amplitude da devoção ao futuro santo, b) comprovação de suas virtudes e vivência exemplar da fé católica.” Bergoglio agiu deste modo na canonização de seu confrade jesuíta José de Anchieta, em 2014. Tal argumentação canônica poderá ser apresentada para a canonização de Padre João Maria, antigo pároco de Natal (RN). Sua fama de santidade é secular, resultando em grande devoção popular e consciência dos fiéis quanto ao seu testemunho heroico das virtudes cristãs, máxime da caridade. Eis uma das metas para o próximo arcebispo natalense.

 No início do pontificado de Francisco, muitos chegaram a afirmar que seu papado seria semelhante ao de Paulo VI. Mas, após anunciar reformas, ficou evidente que ele imprimiria uma marca análoga ao pastoreio de João XXIII. Francisco alude constantemente à colegialidade sobre a qual foram lançadas as bases doutrinárias e pastorais da Igreja primitiva. Verifica-se essa tendência, quando em 1959 João XXIII anunciou o Vaticano II. Segundo as palavras do “Papa Bom”, seria um concílio em prol “da unidade e da graça”. Realmente, o Vaticano II teve a maior participação de bispos em eventos conciliares na história do catolicismo. Não existiram forças antagônicas querendo acabar com a Igreja, segundo a interpretação equivocada de alguns. O pontificado de Francisco inspira-se em muitos aspectos no papado de João XXIII. Na verdade, o Pontífice reinante recorre à própria Tradição, quando impulsiona a Igreja nessa direção. Bergoglio vem escolhendo cardeais de diversos matizes pastorais, culturas e nacionalidades. As suas nomeações seguem, principalmente, o critério da pluralidade eclesial. Se a Igreja é universal, os conselheiros e colaboradores próximos do Papa devem ter a dimensão da catolicidade.

Nos sonhos do atual Pontífice, um “João XXIV” seria ideal para dar continuidade às suas reformas. Ele trabalha para isso. Entretanto, como homem de fé, está consciente de que a instituição, a depender “dos sinais dos tempos”, poderá avaliar o contrário. Também hoje, há quem diga: “eu sou de Paulo; outro, sou de Cefas; um terceiro, sou de Cristo” (1Cor 1, 12). É a Ele que pertence a Igreja. Percebe-se que nos tempos hodiernos, os católicos parecem não desejar mais um “monarca”, mas um verdadeiro pastor. Quem continua apegado aos vícios das cortes da nobreza, ligado ao tradicionalismo cismático, à espiritualidade ideológica e à religiosidade estética, não entendeu a missão da Igreja. Esta, sem distanciar-se da Escritura e Tradição que a fundamentam, esforça-se para ser sacramento de Deus e promotora da dimensão transcendental dos homens e do mundo.

Além das comorbidades naturais de um ancião, Francisco tem apenas um pulmão. Segundo opiniões médicas, suas condições clínicas desaconselham uma cirurgia em seus joelhos. Ele nunca revelou apego ao poder. Renunciará, se não puder mais exercer satisfatoriamente o seu ministério ou se, com suas limitações, vier a prejudicar a caminhada da Igreja, necessitada de purificação de erros e deslizes. Num gesto de humildade e grandeza, como seu antecessor, entregará o báculo a outro pastor.  “Paulo planta, Apolo rega, mas Deus é quem faz crescer” (1Cor 3, 6).

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